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BIBLIOTECA UNIVERSITARIA Série 2.° — Citocias Sociais Dives Ds. FLowusran Funn. le pidede ale Sto LUIZ PEREIRA e MARIALICE M. FORACCHI lu Universidade de Sie EDUCACAO E SOCIEDADE (Leituras de sociologia da educagio) oY VOC AMY tt - 1s9e9s92 PANIFIQUE Est, ETiquera COMPANHIA EDITORA NACIONAL, sko PAULO 2 A EDUGAGAO COMO PROCESSO SOCIALIZADOR: FUNGAO HOMOGENEIZADORA E FUNGAO DIFERENCIADORA (*) fimile Dursnem As definighes da educagio: exame critico |A paLavna educagzo,tem sido muitas vézes empregada em sentido demasiadamente amplo, para designar o conjunto de influéncias que, sObre a nossa inteligéncia ou sdbre a nossi vontade, exetcem os outros homens, ou, em seu conjunto, re liza a naturera, Ela compreende, diz Stuart MiLt, “tudo aquilo que fazemos por nés mesmos, © tudo aquilo que os outros intentam fazer com o fim de aproximar-nos da perfeicio de nossa natureza,” Em sua mais larga acepcio, compreende mesmo os efeitos indiretos, produzidas sobre o caréter e sobre as faculdades do homem, por coisas ¢ instituigdes cujo fim. proprio é inteiramente outro: pelas leis, formas de govérno, pelas artes industriais, ou ainda, por fatos fisicos independen- tes da vontade do homem, tais como o clima, 0 solo, a posicio geogrifica”. Essa definicfo engloba, como se vé, fatos intei- Tamente diversos, que nio devem estar reunidos num mesmo yocibuio, sem perigo de confusio. A influéncia das coisas Sobre os homens € diversa, j& pelos processos, ja pelos resul- fados, daquela que provém dos prdprios homens; e a acio dos membros de uma mesma geragio, uns sdbre outros, difere da que os adultos exercem sobre as criangas e adolescentes B nicamente esta altima que aqui nos interessa ¢, por con- seqiiéncia, & para ela que convém reservar o nome de educagao, trad, Lourango Filho, DaigBcs BE? 1983, pp. 28.36. (tole Meltocumeates, SHo" Pal A. EDUCAGKO COMO PROCESO SOCIAL 3 Mas em que consiste essa influéncia téda especial? Res- postas muito diversas eém sido dadas a essa pergunta, Tod ho entanto, podem reduzir-se a dois tipos principais, Segundo Kant, “o fim da educagio é desenvolver, cada individuo, téda a perfeigio de que éle seja capaz”. que se deve entender pelo térmo perfeicio? Perfeicio, ouve-se dizer muitas vézes, € 0 desenvolvimento harmdnico de tédas is faculdades humanas. Levar ao mais alto grau possivel todos os podéres que estio em nds, real comple- tameate como possivel, sem que uns prejudiquem os outros — niio seri, comy efeito, o ideal supremo? ‘Vejamos, porém, se isso & possivel. Se, © desenvolvimento harmdnico & necessiitio © desejivel, nio é menos verdade que éle nio é integralmente ralizivel; porque essa harmonia teérica se acha em contradi¢io com outra regra da conduta humana, menos imperiosa: aquela que nos obtiga ‘a nos dedicarmos a uma tarefa, cestrita especializada. Nao podemos, nem nos devemos dedicar, todos, 20 mesmo género vida; temos, segundo nossas aptiddes, diferentes fungies fa preencher, e seri preciso que nos coloquemos em harmo com 0 trabalho que nos incumbe. Nem todos somos. feitos para refletir; e seré preciso que haja sempre homens de sen- idade © homens de agio. Inversamente, ha necessidade de homens que tenham, como ideal de vida, o exercicio © a cultura do pensamento, Ora, 0 pensamento no pode set desenvolvido seno isolado do movimento, senio quando o individuo se curve sobce si mesmo, desviando-se da acto exte- rior, Dai uma primeira diferenciagto, que nfo ocorre ruptura de equilibrio. Ea agio, por sua vez, como o pensi: mento, é suscetivel de tomar uma multicio de formas dive e especializadas. Tal especializaco nao exclui, sem david: certo fundo comum, e, por conseguinte, certo balango de fungSes tanto orginicas como psiquicas, sem o qual a saide do individuo seria comprometida, comprometende, a0 mesmo tempo, a coesio social. Mas nfo padece divida também que a harmonia perfeita possa ser apresentada como fim Ultimo da conduta e da educacio. Menos satisfat6ria, ainda, € a definigto utilititia, segundo a qual a educagio teria por objeto “fazer do individuo um instramento de felicidade, para si mesmo e para os seus 36 EDUCACKO E SOCIEDADE semelhantes” porque a felicidade é coisa essencialmente subjetiva, (James Mut); certo que SPENCER ensaiou definic objetivamente a felicidade, Para éle, as condigoes da felici- Gade sdo as da vida, A felicidade completa é a vida completa Que seri necessirio entender ai pela expressio que cida um aprecia a sew modo. Formula deixa, portanto, indeterminado o fim da educa figncia a propria educacio, que fica entregue — vida’? Se se trata tinicamente da vide fisica, compreende-se. Pode-se dizer que, sem isso, a felicidade seria impossivel; ela implica, com efeito, certo equilibrio entre 0 organismo € 0 meio, ¢ tuna vez que ésses dois térmos sto dados definiveis, definivel © deve ser também a relagio, Mas isso no acontece senio em relagio As necessidades vitais imediatas, Para o homem, e, fem especial, para o homem de hoje, essa vida no é a vida completa. mento normal de nosso ozganismo. preferiri no viver a renunciar aos prazeres da_inteligéncia, Mesmo do ponto de vista material, tudo o que for além do estritamente necessirio escapa a toda e qualquer determina- fo. © padrio de vida minimo, absixo do qual nfo consen- firfamnos em descer, varia infinitamente, segundo as condigdes, fo meio eo tempo, O que, ontem, achivamos suficiente, hoje fnos parece abaixo du dignidade humana; e tudo faz crex que | nossas exigéacias serio sempre crescentes. ‘Tocamos aqui no ponto fraco em que incorrem as defi- nigées apontadas, Elas partem Yo postalado de que ha uma educagio ideal, pesfeita, apropriada a todos os homens, indis- fintamente; é essa educacio universal a Unica que o teorista se esforca por defini, Mas, se antes de o fazer, éle conside: tasse a hist6ria, no encontraria nada em que apoiasse tal hipétese, A educacio tem variado infinitamente, com o tempo eo meio. ‘Pedimosthe alguma coisa mais que o funciona: ‘Um espirito cultivado ‘Nas cidades gregas e latinas, a educacio conduzia _ © individuo a subordinar-se cegamente coletividade, a tor: ar-se uma coisa da sociedade. Hoje, esforca-se em fazer déle personalidade ant6noma, Em Atenas, procurava-se format spiritos delicados, prudentes, sutis, embebidos da grace ¢ harmonia, capazes de gozar o belo e os prazeres da pura especulacio; em Roma, desejava-se especialmente que as crian- gas. se tornassem homens de acio, apaixonados pela gléria fnilitar, indiferentes no que tocasse as letras ¢ as artes, Ni Tdade Média, a educacio eta ctista, antes de tudo; na Renas ‘A mDUCAGIO COMO PROCESSO SOCIAL 37 cenga, toma cariter mais leigo, mais literirio; nos dias de hoje a ciéncia tende a ocupar o lugar que a arte outrora preenchia, Dirse-i que isso ndo representa o ideal, ou que, se a educaczo tem variado, tem sido pelo desconhecimento do que deveria set. © argumento é insubsistente. ‘Se a educagio romana tivesse tido o cariter de indivi dualismo comparivel ao nosso, a cidade romana nio se teria podido manter; 2 civilizagio latina nfo teria podido consti tuinse nem, por conseqiiéncia, a civilizagio moderna, que dela deriva, em grande parte. “As sociedades cristis da Idade Média no teriam podido viver se tivessem dado ao livre exame o papel de que éle hoje desfruta, Importa, pois, para esclatecimento do problema, atender a_necessidades ineluti- veis, de que ¢ impossivel fazer abstragio, De que serviria imaginar uma educagio que levasse 4 morte a sociedade que 2 praticasse? © postulado tio contestivel de uma educagio ideal con- duz a étto ainda mais grave. Se se comega por indagar qual deva ser a educacio ideal, abstragio feita das condicies de tempo ¢ de lugar, é porque se admite, inplicitamente, que as sistemas educativos ada t8m de real em sii mesmos. Nio se vé néles um conjunto de atividades e de instituicdes, Jen- tamente organizadas no tempo, soliddsias com t8das as outras instituigées sociais, que a educagdo exprime ou reflete, insti- tuigGes essas que, por conseqiiéncia, nao podem ser mudadas a vontade, mas sé com a estrutura mesma da sociedade. Pode parecer que isso seja simples jogo de conceitos, uma construcio légica, apenas. Imagina-se que os homens de cada tempo organizam a sociedade voluntitiamente, para realizar fins determinados; que, se essa orgunizacio ndo é por toda parte, a mesma, os povos se tém enganado, seja quanto i natureza dos fins que convém atingir, seja em relacio aos meios com que tenham tentado realizar ésses objetivos. I, dlésse ponto de vista, os sistemas educativos do passado apa: fecem como outros tantos ertos, totais ou parciais, Nao devem, pois, entrar em consideracio; nio temos de ser solida- ios com os erros de observagio ou de légica cometides por nossos antepassados; mas podemos e devemos encarar a ques- tio, sem nos ocupar das solugdes que the tém sido dadas; 38 EDUGAGKO E SOCIEDADE deixando de lado tudo 0 que tem sido, devemos indagar (Os ensinamentos da histéria podem que no pratiquemos os mesmos isto 6, agora’ o que deve set. servir, quando muito, para erros. Na verdade, porém, cada sociedade considerada em so- mento determinado de seu desenvolvimento, possui um sis tema de educagio que se impde aos individuos de modo geralmente irtesistivel. & uma ilusfo acreditar que podemos egucar nossos filhos como quetemos. HA costumes com rela- G0. 10s quais somos obrigados a nos conformar; se os des: Tespeitamos, muito gravemente, éles se vingario em, nossos filkos. Estes, uma vez adultos, nfo estario em estado de viver no meio de seus contemporineos, com 0s quais ndo encon fratio barmonia. Que éles tenham sido educados, segundo jdlias passadistas ou futuristas, aio importa; um caso como noutto, iio so de seu tempo ¢, em condigées de vida normal um tipo regulador de_educacio, separar sem vivas resisténcias, € dos dissidentes. Ora, os costumes nio fomos nés, individualmente, que os fizemos. Guo da vida em comum e exprimem suas necessidades. Sio ‘mesmo, oa sua maior parte, obra das geragées passadas. Todo © pasado da humanidade contribuiu para estabelecer se Conjunto de principios que dirigem a educagio de hoje; t roma histéria ai deixon tragos, como também o deixou 2 his: féria dos povos que nos precederam, Da mesma forms, oF Grganismos superiores trazem em si como que um eco de toda a evolucto bioldgica de que sio o resultado. Quando se tstuda historcamente a maneira pela qual se formaram ¢ se (esenvolveram os sistemas de educacio, percebe-se que les ependem da ‘eligito, da organizacio politica, do grau de Geenvolvimento das ciéncias, do estado das indistrins, etc. Separados cle tdas essas causas histdricas, tornam-st incor: preensiveis. Como, entio, poderi um individuo pretender Preonstruir, pelo esférco nico de sua reflexio, aquilo que io € obra do pensamento individual? le nfo. se cncontss gm face de uma tabula rasa, sobre a qual poderia edificar o que quisesse, mas diante de realidades que nfo podem set Wades, destruidas ov transformadas vontade, Nao podemos por conseqiiéncia, nfo estario ‘Hi, pois, a cada_momento, do qual pio nos podemos que restringem as veleidades ¢ as idéias que determinaram ésse tipo, So 0 pro- A EDUCAGKO COMO PROCESSO SOCIAL 39 agit sobre elas se na medida em que aprendemo: las seni aprendemos a conhe- ae ees estudé-las, pela observasio, fisico estuda a matéria inanimad a $ pairs ada, e 0 biologista, os Como proceder de modo diverso? Quando se quer deteminat, dosdmente pela diate, o ee ee tarefa_de educacio. Mas que é que nos permite dizer que a tducagio tem tais fins so iavés de tals outros? Nao poderia tos saber 6 priv qual « Fangio’ da sepiagto oda ce cilasio no ser vito; sé a conhecemos pela ubseracio. Q privilégio nos levaria a conhecer dle outra forma a funsio tducativa? Responderse-é que nfo hi nada mais endeate do que 0 seu. fim: o de preparar as criangas. Mas isso seria gnuncne 0 problema por outas palaveisuneaseolé melhor dizer em que consiste &sse prepato, a que tende, 4 que necessidades humanas creaaia OR ain aan responder a tais indagacSes senio comecando por observar em ae se preparo tem consstido © 4 que necesidades. tea aendido, ‘no passado. Asim, para coastitie a nogfo_ pi! woinar de educagio, para determinar a coisa a que damos & nome, a observagio histériea parece-nos indispensivel. Definicdo de educagiio Para definir educagio, ser iso, pois i snemas evcativon foe cen oe a siesta pacilos, © aprender déles os carcteres comuns. O conjunto 7 ae definicio que procuramos. ead omsderagies do item anterior, ji assinalamos dois disses caracteres, Para que aja eelucagio, fanse. mister ao ja, em face de uma gerapio de adalios, oma geragio de jovens, criancas e adolescentes; e que uma agi | stja exercida pela primeira, sobre a segunda. Seria necessario definir, agora a nature; fica infiué ee eee ree ee dessa infiuéncia de uma No existe sociedade na qual o sistema de educagio nid presente o duplo aspecto: o de se srg © dono seco: o de ser, x0 stsmo ceppo, oon 40 EDUCAGKO E SOCIEDADE i : ‘A EDUCAGKO COMO PROCESO SOCIAL “a Vejamos como éle é miltiplo. Em certo sentido, hé tan tas espécies de educagio, em determinada sociedade, quantos fneiog -diversos nela existirem. E ela formada de castas? A educagio varia de uma casta a outra; a dos “patricios” sf” grt a dos plebeus; a dos brimanes no eta a dos sudras. Da Snesima forma, na Idade Média, que diferenca de cultura entre © pajem, instruido em todos os segredos da cavalaria, ¢ 0 Sildo, que ia aprender na escola de pardquia, quando apren- dia, parcas nodes de cilculo, canto © gramitica! Ainds hoje ci Pomsos que 2 educacio vatia com a5 classes socials e com ee ee ee as regides? A da cidade néo é a do campo, 2 do Durgués 2 Wostts. fechadas ee onde a sociedade esteja dividida ee an ee ee eal ho ato as fechadas, hd sempre uma religiio comum a. t6 mio & a do. opetirio. Dirsed que esta organizagio mio t por conseguinte, es das fmovalmentejanificivel, © que aio se pode enxergir nln i, que serio os mesmos para td igiosa fundamen- Sento um defeito, remanescente de outras épocas, ¢ destinado cada familia tem seus de a 7 coat nn = casta,, f n seus deuses especiais, hi divindades gerais —rs—s——CsCCississza. a desaparecer. A resposta a essa objesio é fsth que a educagfo das criancas nfo deveria depender do dem a adorar, E, como tis divindad : ivindades encarnam e personi- Mas, qualquer que seja a importincia déstes sistemas especiais de educagio, aio constituem Ges thda a educagio. Pode-se dizer até que nio se bastam a si mesmos; por téda parte, onde sejam observados, nio divergem, uns dos outeds, senio a partir de certo ponto, para além do qual todos se confundem, Repousam assim sobre uma base comum, Nao hi povo em que nao exista certo atimero de idéias, de senti- mentos e de priticas que a educagio deve inculcar a tédas é simples. Claro weaso, que as {67 nascer aqui ou acolé, déstes pais © nfo ficam ear i ‘daqueles, Mas, ainda que .Dr”:~—rCCUri

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