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Metodologia e Pratica de Ensino ‘Sumario 1 Educando 0 olhar da observacéo.. 1.1 Aprendizagem do olhar 112 Direcionando o Ola. 1.2.1 Sobre a pratica do insirumento da observagao entre ‘educador e educando, 4 1.3 Sobre a agdo do observader. 4 14 Sobre a Observacao. 5 115.0 Sensivel Olhar-Pensante, 8 4118 Onascimento de um sensivel olhar-pensante, 9 17 O ato de oar. ° 118 A atte como registro do sensivel olhar-pensante. 2 14 a7 18 a 1.9 Othar 0 ohar do outro 4.40 A muitipicidade de leturas. 1.11 Pedagogia do thar. 20 registro e a reflexao do educador.. 2.1 Sobre o ato de escrever 21 2.2 Refflexao e processo de formagao do educador. 2 23 importancia e Fungo do Registro eserto, da Refiexéo... 23, 240 Ser Consciente o enredo social e a superagio do efémere 28 2.4.1 0 Mito de Sisifo 26 25 Sujeito Construtor do Conhecimento. 30 ptUdO € FONE BQ. ‘31 Sobre o Ato de Estudar-Retleir 32 Propésto do Ato de Estudar. 3.3 Contribuig6es de uma diferenga 34 Observacao Registro Reflexéo Instrumentos Metodolégicos | 1 Educando o olhar da observagao 1.1. Aprendizagem do olhar Madalena Frere Wetfot Nao fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nds mesmos, Nosso olharcristalizado nos esterectipos roduziu em nés paralisia, fataismo, cegueira, Para romper esse modelo autoritaio, a observagao ¢ a ferramenta basica neste aprendizado da construgao do olhar sensivel e pensante. thar que envolve ATENGAO e PRESENGA. Atencio que segundo Simone Weil ¢ a mais alta forma de generosidade. ‘Atengdo que envolve sintonia consigo mesmo, com 0 grupo. Concentragée do oar inclui escuta de siléncios e ruidos na comunicagao, (Over e o escutar fazem parte do processo da construcso esse olhar, Também néo fomos educados para a escuta, Em geral nao cuvimos 0 que o outro fala; mas sim 0 que gostariamos de ouvir. Neste sentido imaginamos 0 que o oulto estaria Pagina 1| Metodologia e Pratica de Ensino falando... N3o partimos de sua fala; mas de nossa fala interna. Reproduzimos desse mado o monélogo que nos ensinaram. © mesmo acontece em relagdo ao nosso olhar cestereotipado, parado, querendo ver s6 0 que nos agrada, o que ‘Sabemos, tambem reproduzindo um olhar de mondlogo, Um olhar e uma escuta dessintonizada, alienada da realdade do ‘grupo. Buscando ver e escutar no o gtupe (ou 0 educando) real, ‘mas 0 que temos na nossa imaginacao, fantasia ~ a crianga do livto, © grupo ideaizado. Ver e Ouvir demanda implicagio, entrega ao outro. Estar aberto para véio efou ouvt-lo como é, no que diz, partinde de suas hipoteses, de seu pensar. E buscar a sintonia ‘com 0 ritmo do outro, do grupo, adequando em harmonia © Para tanto, também necessitamos estar concentrados com nosso ritmo interno. A aco de olhar e escutar ¢ um sair de ‘i para ver 0 outro e a realidade segundo seus préprios pontos de vista, segundo sua historia, 86 podemos olhar o outro e sua histéria se temos ‘conosco mesmo uma abertura de aprendiz que observa (se cestuda) em sua propria historia, Neste sentido a ago de olhar um ato de estudar a si proprio, @realidade, o grupo a luz da teoria que nos inspira. Pois ‘Sempre 56 vejo o que sei (Jean Piaget). Na ado de se perguntar ‘sobre o que vemos ¢ que rompemos com as insuficéncias desse ‘saber; @ assim, podemos voltar a teotia para ampliar nosso ensamento e nosso olhar. Este aprendizado de olhar _estudioso, _curioso, ‘questionador, pesquisador, envolve aces exerctadas do pensar: classificar, © selecionar, 0 ordenar, o comparar, 0 resumir, para assim poder interpretar os significados lidos. Neste sentido o olhar e a escuta envolvem uma AGAO altamente movimentada, Feflexiva, estudiosa, Neste processo de aprendizagem venho constatando alguns movimentos na sua construgao: omovimento de concentracéo para a escuta do proprio ritmo, aquecimento do proprio olhar registro da pauta para a observagdo, O que se quer observar, que hipéteses se quer checar. 0 que se inlui que no se vé, do se entende, no se sabe qual o significado, ete. = 0 movimento que se da no registro das observagées, seguindo © que cada um se propds na pauta planejada. Onde 0 desafio esta em sair de si para Colher' os dados da realidade signifcativa © no da idealzada; = 0 movimento de trazer para dentro de sia realidade observada, registrada, para assim poder pensi-la, interpreté-a, E enquanto refito sobre © que vi {ue @ agdo de estudar extrapola o patamar anterior. Neste movimento podemos nos dar conta do que ainda no sabemos, pos iremos nos detrontar com nossas hipoteses adequadas e inadequadas e construir um planejamento do que fata observar, compreender, estudar. Este planejamento aponta para dois movimentos: Um, que vai lidar com a construcdo da nossa pauta de cbservagdo segundo os movimentos ja mencionados pra sua construgo. Ou seja, a observacdo avalia, diagnostica, a zona real do conhecimento para poder, signifcativamente, lancar (casando conteudos da materia com conteddos do sujeto, da realidade) 0s desafios da zona proximal do conhecimento a ser explorado, Pagina 2| Metodologia e Pratica de Ensino Outro, que concentra-se na devolucso (sair de si, outra vez..) para construgo de propostas de atividades (enraizadas nas observagses fellas para o grupo onde novos desafios irdo ‘er trabalhados). Podemos conciuir, portanto, que 0 ato de observar fenvolve todos os instruments: a reflexso, a avaliagdo © 0 planejamento; pois todos se Intereruzam no processo dialetico de pensar arealdade, 4.2. Direcionando 0 Olhar Madalena Frere Wetfort © instrumento da observacdo apura o olhar (e todos os ‘sentidos) tanto do educador quanto do educando para a leitura diagnéstico de fatas e necessidades da realidade pedagégica Para objelivar esse aprendizado 0 educador direciona 0 colhar para tés focos que sedimentam a construgso da aula: '* 0 foco da aprendizagem individual e/ou coletiva; ‘#0 foco da dindmica na construgio do encont; ‘2 © foco da _coordenagao em relagio ao seu ‘desempenho na construgao da aula, Por que @ necessario focalizar 0 oar? Olhar sem pauta ‘se ispersa. Olhar pesquisador tem planejamento previo da hipétese que se vai perseguir durante a aula, em cada um desses trés focos, No inicio desse aprendizado, em qualquer grupo, ¢ adequado ter somente um feco para prionzar: ou na ‘prendizagem, ou na dinamica ou na coordenacéo, Dado como Suposto @ grande dificuldade de concentracao do olhar, do ensamento e da pattcipacdo ao mesmo tempo, # aconselhavel pricrizar um foco de cada vez. No foco da aprencizagem o desafio do educador é langar questées que cercam a observacio do educando em relagio a0 Seu proprio processo (ou do grupo) de aprendizagem. Questées come: - Que momentos de mal estar eu vvino decorrer da aula?, = 0 que de mais significative constatel que sei e que nao sei?; etc. Com estas questées lacadas no inicio do encontro - e que setdo no final retomadas na avaliagdo aula -, o desafi é obrigar © educando a construr seu distanciamento (reflexivo) sobre seu processo de aprenizagem durante o desenvolvimento da aula {Ja que estas questdes langadas no inicio da aula s80 no final retemadas na atividade de avaliagzo, podemos conclir que estas questées, chamadas por mim de Pontos de Observacdo, constituem a pauta da avaliacdo. Ou seja, pontos de observacio constituem 0 planejamento da avaliacio da aula, Os pontos de observacdo em cada foco apdiam a construgo do aprendizado do olhar ~ olhar a dinmica do encontro; dindmiea que no significa criar a ativdade de sensiblizagdo, dinamica que aqui é entendida como jeto, o ritmo que grupo viveu a construgéo das interagGes na aula! acelerado, arrastado, em desarmonia, em harmonia, ete. Dinamica que envolve observar 0 grupo juntamente com a coordenacéo. Questées neste foco poderio lidar com: - Quals os movimentos ritmicos que o grupo viveu durante sua participago na aula? Ou, - Como o grupo expressou suas divergéncias efou coneardancias durante a aula? ete Aprendendo a olhar a si proprio, a0 grupo, a dinamica {que vai sendo composta, vai alcergando a capacidade de ler e estudar a realidade, ‘Observar a coordenagao faz parte do pensar o que é ser Pagina 3| Metodologia e Pratica de Ensino ‘educador, € © que ser educando, E enquanto © educando ‘observa o ensinar da coordenagao, que ele aprende a ser methor ‘aluno e também melhor educador. Pelo simples falo de que, diante do modelo, ele pensa, reflete, distancia-se, consti Conceltos ~ teoria do que ¢ aprender e ensinar. Também observando a coordenagao inicia seu proceso de desmistiicagdo da mesma. Comeca a constatar que ela ‘comete errs, derrapadas, incoeréncias, etc uestées neste foco poderio cercar: - Como a coordenagdo construu sua sintonia com o conteudo da matéria e © significative do grupo? Ou ~ Como a coordenagao lidou com os Cconfitos, as divergencias, as diferencas durante a aula? etc Estar sendo observado também ¢ instrumento vaioso para a coordenacdo, pois nesse retorno de seus alunos pode ter luma avaliacdo do que realmente esta conseguindo ensinar. Se festé conseguindo atingir seus objetivos ou 0 que falta construir de interveneées, encaminhamentos, devolugSes, para a proxima aula, Neste espago onde o educando faz devolugGes sobre se censinar ¢ aonde 0 educador vai podendo construr-se (educando- +e) também enquanto aprendiz. 1.21 Sobre a pratica do instrumento da cobservagio entre educador e educando Educador aprende a observar. Educando também Educando toca com educando, coordenado pelo ‘educador, sobre o que se observa Educador roca com educador, coordenado por um outro ceducador, sobre © que se cbserva Educador interage com educando desenvolvendorihe, lespethandoshe, suas conquistas e faltas na situago observada, (© educador quando desempenha a fungdo de observador, como coprodutor que fol da pauta e do planejamento do professor, tem uma atuaco vivamente reflexiva orem silenciosa para o grupo, Silenciosa porque ele nao esta na fungdo de professor do grupo. Ele 6 um outro educador, com uma tarefa diferenciada, especifica:- observar a coordenagao no seU ensinar, na sua interagao com o grupo e seus paricipantes. Ele no faz intervencbes nem devolucées para o grupo Porque nao ¢ 0 educador do grupo. Sua particpagao se da em ‘utro nivel. Como também, poderé haver certas atvidades onde sua paticipacio com intervengées sea planejada anterlormente Ele faz devolugdes de suas observagdes para 0 educador do grupo. Neste sentido, um educador quando esta nesta funcio, € educador do educador, Por isso mesmo no interage com os educandos de seu educador, mas somente com ele (educador), devolvendohe suas observacées, espelhando conquistas efaltas na pratica deste 1.3. Sobre a agao do observador Observar nao € invasir 0 espago do outro, sem pauta, sem planejamento, nem devolugo, e muito menos sem encontro mareado. Observar uma situagio pedagogica € olhé mird-la, admiré-a, para serluminada por ela, CObservar uma situago pedagdgica néo é vigitva, mas sim, fazer vigia por ela, isto e, estar e permanecer acordadio por fla, na cumplicidade da construcdo do projelo, na cumplicidade pedagogica. fe, Pagina 4 Metodologia e Pratica de Ensino 1.4 Sobre a Observacéo Miian Celeste Martins Dentre os instrumentos metodolégicos que apéiam a nossa pratica pedagogica, a avaliago e a observacao estio diretamente conectadas. ‘Ao final de cada encontro no ESPAGO PEDAGOGICO, ‘seja no curso de formagao de educadores, nas nossas reunides de equipe, nas Notadas Pedagdgicas ou, mesmo nas assessorias individuals, a avaliacdo esta sempre presente em dduas vertentes: no levantamento de contetidos trabalhados © na ‘exposicdo das observacées realzadas. © exercicio de trazer a tona os conteidos que foram discutidos © trabahados durante 0 encontro possiblita a ‘apropriagdo do conhecimento; marcando 0 que se sabe abrindo espago também para 0 que ainda no se sabe e que precisa ser pesquisado, estudado, pensado. Liga-se assim ao planejamento, com encaminhamentos do educador para a ‘continuidade © aprofundamento do conheciment, (s conteddos so classiicados em eixos que evidenciam © percurso e os angulos de vise desvelados © ampliados no ‘grupo, intermediados pelo educador. ‘Além destas vertente, a avaliacdo esté estritamente conectada com a observagio, Mas @ necessafio, uma sistematizapdo da observacao para que se tome subsidio para a avalacdo, sea Inicial,formativa ou somatéria, {Quando 0 educador traga a sua pauta de observacao ele J tem em mente as hipéteses do educando. Suas perguntas, {que encaminham a observagao, poderso confimar ou nao estas hipéteses durante a avaliaggo realizada no final do encontro. Estas observagSes so trabalhadas depois, através do registro feito, da elaboracdo da sintese do encontro e de sua reflexdo, Fetomando a avaliagdo © 0 planejamento para 0 proximo encontro, Pode-se dizer, assim, que existe uma organicidade entre cbservacio, registro, reflexdo, avaliagio planejamento tenquanto instrumentos metodologicos: [Na pratica, como se da 0 exercicio da observagao e da avaliago nos nossos enconiros no ESPAGO PEDAGOGICO? Como trabalhamos com educadores, nés_ também propomos pauta de observacSo para estes educadores que vive 0 papel de educando nos nossos encontros, Determinado ou escathido no inicio do encontro, © Ponto {de Observagao se concretiza numa pergunta que instrumentaiza © olhar para focalizar, a0 longo da construgio do enconto, aspectos que podem trazer novas relagSes, apontando novos pardmetros para este olhar. E um rotero para a construgso de tum alhar ertco, olhar educado. Olhar prévio, previsto no inicio do encontro, focalizando a aco future sob algum aspecto em Particular vinculado a uma avaliagao planejada, fecundando o ato Feflexvo, Em nossa prética, os Pontos de Observacao desafiam clhar em trés aregdes. Podem recair sobre o aprendizado individual e/ou coletivo, propondo questdes relativas ao que o educando percebeu que aprendeu; 0 the fol mais significativo; em que aspectos quer aprofundar 0 estudo; como fol o seu ariscar ou no sua partiipagao no grupo: et. Podem também focalzar a dinmica, levando o educando a perceber as relagdes estabelecidas entre os Vertcais, isto ¢, 08 elementos do grupo; entre o grupo e 0 objeto Pagina 5| Metodologia e Pratica de Ensino de conhecimento, a discemie momentos de tensio e caos (confitos cognitivos © afetivos, mal-estar, medos, etc); © 05 momentos de felaxamento ordem (resolu30 dos confites, hharmonia, sintonia, etc); ou ainda, as diferencas dos siléncos, ‘8 papeis grupais, ete. ‘A coordenagao também pode ser objeto de observacio do educadoreducando, no sentido de perceber como a ‘coordenagao socializou as diferengas; como trabalhou os ritmos diferentes dos elementos do grupo; 0 que e como desafiou Confitos cognitivos e aftivos; o que ajudou a construe. Como ja issemos, 0 educador-educando tem possibilidade de escolher o ponto que quer observar enire alguns ‘selecionados; ou 0 coordenador. partindo de alguma hipétese, ja © determina. Durante 0 encontro o coordenador pode relembrar teste foro, educando a cbservacio, Durante 2 avallacto, antes ou depois do levantamento de conteddo, # dado um pequeno espago, para que o educando revela suas anotagSes do encontro e pense para sodializar, Os pontos de observagdo trazem ao coordenador a possibildade de perceber aspectos individuals e, dando assim, mais parametros para compreender e poder intervir mais com cada aluno. A avalacio deixa de ser a mesmice de que a reunido ou atividade {oi boa, gostosa ou nfo, produtiva ou nao, pois & possivel aclarar (8 avangos e 0s recuos que existram e suas causas, © exercicio deste olhar do coordenador, que focaliza os Pontos de Observacao e depois vé a avaliagao sobre eles, € um Instrumento poderoso para _o planejamento, desde que registrados e refletidos. Na nossa pratica também trabalhamos com a figura do ‘observador. E um outro educador que também trabalha com 0 jrupe, mas que naquele momento permanece como observador anciando 0 coordenador nesta tarefa. Este papel mereceria uma longa e profunda analise que nao cabe neste momento, Dentro do Curso de Formaco de Educadores, Os Pontos de Observacdo langados tém apresentado uma transformagao. Esta ndo se da a nivel de seu conteudo, mas na sua forma. As quest6es colocadas nfo se repetem constantemente, nfo se cistaizam Cada vez mais busca-se construir pontos de observagéo que exercitem © educador-educando na relacdo com 0 proprio objeto que esta sendo estudado, Fatima Camargo, na Pratica ‘Teerica/Desenvolvimento, 20 estudar JOGO langou pontos, no inicio da aula, que procurava conscientizar os educadores- educandos da estrutura do proprio jogo. Um exemplo pode ser dado, embora tenha exiside, dento deste conteddo, outras questses igualmente criativas e coerentes com o objeto de stud: © em relagdo ao aprendizado pessoal: Qual foi meu jogo? Como venho construindo @ minha chance de ganhar? © em relagao a dinamica Como se deu a complementariedade na pratica? ‘© em relagdo a coordenagao: Como a coordenagic, na condicio de arbitr, interagiu com o grupo? Dentro desta mesma idéia, outros exemplos podem ser dados fente a objetos de estudo trabalhados por Juliana Davin, na Pratica TeoricaPsicanalise: © em relacdo ao aprendizado pessoal: Pagina 6| Metodologia e Pratica de Ensino Como construl minha participacdo na aula mals expositva?™ Consegui socializar e ser escutada no meu jensamento? 42 em relagdo a dinamica: Como esta 0 Grupo no enfrentamento dos fantasmas desperados pelo estudo da teoria? em relagao & coordenagao: Como a coordenacdo trabalhou neste encontro no lidar com as aiteencasidivergéncias? ou, “Aprender no & sendo aprender a indager. Nao ha investigagao possivel sem ansiedade no campo de trabalho, provocada pelo desconhecide que, por ser desconhecido, pperigaso’ (José Bleger) Inspirada neste foco para seu alhar, comente esta afirmagio em relago a0 seu aprendizado, 20 giupo ou a ‘coordenagéo. Também tem sido criadas situacdes para expresso da observagdo, utlizando-se de outras liguagens. Assim, através do gesto, do som, de imagens,..0 pontos de observacao s80 Socjalizados durante o processo de avaliacdo, Madalena Freire, na Pralica Pedagégica e Metodolégica, no estudo da roti, onde tempo e tlmo so crucias, langou pontos que trabalham estes Cconceitos vividos, e tomados mais conscientes, @ partir do ‘observar 0 préprio movimento do grupo: ‘» em relagao ao aprencizado pessoal: Quais os rtmos ou ritmo que vivi no meu processo de aprendizagem na construgao da aula? Expresse-os por ‘sons, gestos, movimento, Quais os ritmos ou ritmo central que o grupe Viveu na construgao da aula? fem relacio & coordenagao: Qual o ritmo da coordenagao no exercicio das Intervengées, dos encaminhamentos e de devolugSes? Na Pritica Estetica, por sua propria esséncia, estes pontos de observacio tém funcionado como a experimentacdo de outras linguagens, ou na utllzacdo da prépria linguagem ‘verbal, estimulando-se o uso de metaforas, Pensar, por exemplo, © encontro come prato de comida, objetos eletrodomestics, tecidos, Upos de roupas, ou uma parttura musical efou uma sequéncia de sons, como imagens ou gestos pode provocar a fala sem barreras, que se expressa por outros veicuios. Falas sem barreras porque slo lberados aspectos que seriam Gicuttados pela “formalidade” da linguagem verbal, Falas que exerctam discursos gestuals, sonoros, cénicos, visuals. encontrando novos significados neste fazer e faciitando a ercepcio © fornecendo importantes constatagées para 0 planejamento dos proximos encontros. Um exemplo: ‘Avaliar © encontro em relaco ao aprencizado pessoal, {0 grupo, e & coordenasao uilizando-se para isto de elementos do reino animal, vegetal e/ou mineral Um outro exemple: Depois de uma aula em que se trabathou sobre 0 acaso, 0 lidar com imprevisto provocado por gotas de ecoline sobre papel molhado, fl colocada esta questo: Pensando 0 encontro como um pingo de tinta, por onde ele Viajou? Onde tocou? Pagina 7| Metodologia e Pratica de Ensino [A folha que cada um recebeu tinha quatro obstdculos, Em trés deles estavam escttos alguns conteddos que pareciam signficativos para cada aluno ( por exemplo: minha pratica, Conteddos especifices, organizacdo dos conteddos, etc.), e um deles estava em branco, Nele seria colocado 0 conteddo pPerseguido por cada um no encontro, ‘Além das variagdes, os Pontos de Observado também tém ganhado formas de apresentacio diferentes. As questées podem ser distrbuidas no inicio do: encontro, por exemplo com formas diferentes de papel, semelhantes para todos, ou com questées especificas para cada um. As formas e cores tem sentido dentro das avaliagdes anteriores, e no como “enfeites” para tomar mais estetica a aco pedagogica, Um exemplo: Madalena trouxe para 0 grupo, 08 pontos de observagao em papsis colados em algodao. Esta agao tinha ‘como referencia a fala do grupo, depois de uma aula com muitas intervengdes, consideradas duras pelos educadores-educandos. Eles também haviam levantado, em oposicio dialética, a aco também afetiva da coordenacio, comparada com a cariia de Luma limpeza com éleo, apés 0 nascimento, Assim, os pontos de ‘observagdo trazia a marca do encontro anterior e lancavam ‘questées pertinentes de forma signficativa, Esses exemplos, embora deslocados das situagdes fespecificas para as quais foram criados, atestam o fazer do ‘educador. Também leltor e estudioso da tealidade, ele tem de buscar criatvamente, modos e formas (e ndo frmulas) para que © seu ensinar seja cada vez mais significative para si e para o rupe. Como estas idéias poderiam ser desenvolvidas em outros grupos? 1.5 0 Sensivel Othar-Pensante Mirian Celeste Martins "A mo que aponta para nds em “A ronda rnoturna’esté verdadeiremente li quando 9 ‘sua sombra_n0 corpo do captio. novia apresenta simutaneamente de. perf. No cruzamento das duas vistas incompossiveis, que no entanto estdo juntas, fica a @spacialidade do captéo(..) Para vé-la, a ela, indo ora preciso vé-o, a ele.” Merieau-Ponty 1 De que mao fatava Merteau-Ponty? O que ele havia visto que eu no tinha percebido? E fui a busca de uma reprodugao, Procurei a mao que aponta, E antes de acabar de me interrogar onde estava sua sombra, eu a descobri! Tudo aconteceu rapidamente. A leitura do texto, a procura da reproducio, o olhar atento sensivel...E a emocdo me egou de fato! Tantas vezes eu havia visto reprodugdes, em livos @ slides, desta obra de Rembranat, mas néo me lembrava dessa mo ¢ sua sombra, Néo foi o olhar do pintor que me fez ver 0 visivel. 0 olhar de Merieau-Ponty,registado em palavras, é que {010 responsdvel pela reciacio da vsiblidade da obra, do meu colhar mais sensivel Por que isso no se deu pela propria obra? Por que 36 através do olhar do outro eu pude ver 0 visivel? Sera que $6 a Palavra explicativa pode trazer novas maneiras de olhar? (© reencontro com a obra de Rembrandt luminada pelas palawras do flosofo, em meio a um texto, me posicionou melhor sobre uma questao crucial: nossos olhos foram exerctados para Pagina 8| Metodologia e Pratica de Ensino oohar? Percebo que, se néo olhei para a mao que aponta e sua ‘Sombra, ¢ porque, talvez, ndo me debrucei de falo sobre a obra. Vi apenas um signficante que ja vinha carregado de significados ddados pelos teoricos de Historia da Arte: a encomenda publica que gerou polémica e revolta entre os pagantes que mal apareciam, 0 jogo de luz e sombra barroco, os tons dourados rembrandtianos...E havia muito mais para perceber. |Até que ponto eu fora convidada a entrar em contato com a obra? Até que ponto me estimularam, ou mesmo me ermitram, encontrar signficagées pessoais através de um olhar Sensivel e sensibilzado? 1.6 Onascimento de um sensivel olhar-pensante Qual 0 meu jeito de olhar? S6 vejo 0 utlitério, olhar pratico, objetivo, fio? So vejo e analso pelo gosto, nao gosto? (Ou pelo bonito ou feio? Serve pata mim ou nao? Fantasio este ‘lhar com lentes cot de rosa? Olhar de Polyana? Olhar de piedade ou de inveja do que no ¢ igual a mim? Em que “formas” ‘me amarraram para ver Arte? A ‘forma’da cépia da realidade ou da expresso? E de que expresso? De que beleza? Reprodugdo ou representacio? CCortar o corde umbilical desta “orma’ é tirar as amarras cde um olhar comum. E assim como 0 ar do mundo enche 0 pulmées e provoca 0 choro e a entrada num ritmo de vida; as ores, as formas, as texturas, 0 espaco do mundo enchem os ‘thos’ de um jelto novo de olnar o ja visto. Ansiedade, medo, desequilibri, espanto, admiragio recheiam 0 novo olhar que ‘exercta conscientemente na busca de novos ngules. Educador ensina a pensar, pensando, Educador ensina a olhar, olhando. Mas, no 6 um “ver qualquer’, superficial, rapido, nc-implicado com 0 conheciment, Educador ensina 0 sensivel olharpensante. Olhar sensivel, e que é portanto afetivo, Olhar que pensa, refete, interpreta, aval COlharpensante & percepsio cognosctiva. Percepgéo {que vai alem dos dados sensoriais. O olhar pensa, € visdo feta interrogacdo, diz Cardoso 2. Olhar-pensante curioso dante do mundo, que transcende as aparéncias e procura o que esta por tras, Para Gibson 3 aprender a ver & perceber diferengas. A “format restrita do ohar sem pensar s6 percebe, s0 quer ver 0 hhomogeneo, o bonito, o que compreende. O resto nao Ihe serve, E jogado fora como se uma parte da realidade pudesse, de fat, set jogada no lio, © olhar-pensante procura formas de olhar. Procura no Proprio objeto a forma de 0 compreender. Percebe as diferencas ‘© que ja conhece. E faz relagdes. Aprender a pensar, aprender 0 olhar-pensante nao € somar conhecimentos ja intetnalizados, apropriados. Mas € estabelecer relagées enlte semelhangas e diferencas. E para isso uma “Yorma'do pensar ou do olhar ndo tem serventia. ‘A minha forma se exercita, se instrumentaliza na quebra das amarcas de um olhar comum, na procura consciente da propria forma de olhar, no exercicio de buscar Angulos noves, na construgéo de relag6es. € um olhar de pensamento divergente. 1.7 ato de olhar Perceber a “forma” do har superficial, preconcetuoso, Pagina 9| Metodologia e Pratica de Ensino simplétio e reducionista fol uma descoberta importante para mim, na medida em que responcia a algumas indagacées frente 2 frase tantas vezes repetida: ‘no sei desenhar". Como tema de minha dissertagio de mestrado 4 , intuia que esta frase ¢ dita, ha uma referéncia'a um tip espectfico de desenho, aquele que “no se. E, assim, descobri amarras de um olhar que procura no desenho a copia fdedigna da realidade. Olhar que acredita no dom, |A necessidade de desmistificar este ‘mito do bom desenho" e a percengdo de meus proprios angulos de visio, fencaminharam meu pensamento para aprofundar a quentéo do ‘lhar. Olhar tomado visivel pelo desenito que nasce do gesto {que dexa marcas. Desenho que registra os ecos do mundo em cada corpo Refer sobre 0 olhar o mundo e registrar esta visio © thar © olhar do outro atraves de sua obra se tomam hoje questées fundamentais para a compreensao da leitura © da apreciacéo da obra de arte. Em expresses © provérbios encontramos muito as significagses para o olho e olhar . Presentes no cotidiano, elas ‘apontam para a importancia, a abrangéncia, a trequéncia do ato de olhar em todos os campos da atividade humana, 958 tou olhar, quando encortra os meus fala de umas coisas que eu no posso acrediar..”(MPB) E claro, 6 evident, sem sombra de divida! Logo se v8...Esta se vendo... Tem algo a ver. he aqui..Veja om que diz..Abra os olhos. Estar de lho, flear de olho, ver com bons olhos. ‘Satta aos olhos..Detar-the um olhar ‘Meu porto de visa...Sua perspectiva. ‘Amor a primeira vista..08 encheros olhos. Os videntes, os visionaries, 0 terceiroolho, Néo olhe para trs!..Néo pregar o alho Tem olho maior que a barriga! ‘Mau olhado...Oiho gordo. (Otho comprido..Olho de peixe morto, Otho cinco...Oho vivo, “0 plor cego 6 quele que no quer ver" Othe la! ‘A ciéncia também privlegia a visio quando cia instrumentos capazes de traduzir o tempo, a velocidade, 0 peso, © calor, a pressdo almosferica, a carga erica, a elasticidade @ Indices que so lidos e avaliados pela visSo, Para Suzanne Langer 5, ‘Ver 6 em si um processo de formulacéo; nosso entendimento do mundo visivel comeca no lho’ ‘Mas em que grau de profundidade olhamos pra 0 mundo, para a obra, para os indices visiveis dos instrumentos cientifeos? A vivéncia da mao que aponta @ sombra, ja descr, atesta que o ser humano nem sempre olha o que v8. Isto acontece também diante da obra de arte nas exposigées, quando a leltura da etiqueta rouba 0 tempo de atencio dado a obra. Alguns, com catdlogos nas mics, Procuram avidamente as informagdes desejadas_e, 20 tencontrarem, seguem em frente. ‘Nao feria diferenca alguma se tivessem ficado em casa, pois mal olharam a pintura. Apenas Cchecaram o catalogo. E uma espécie de curto-circuito mental que Pagina 10] Metodologia e Pratica de Ensino ‘nada tom a ver com fruigdo de um quadro' 6. Quando se veriicam os signiicados das palavras, novas telagées podem ser estabelecidas. Olho e alhar, em portugues, tém proximidade, mas em outras inguas a disingdo se faz clara Em espanhol: 9 € 0 érgio; mas o ato de olhar € mirada, E 0 ‘mesmo acontece com a lingua francesa: oe ~ regard/regarder, na inglesa: eye ~ look; na ltallana: occhio ~ sguardo. Acredita Bosi que essa marcada diversidade de tantas linguas nao se ddeva creditar a0 mero acaso:tarta-se de uma percepeao, insorita 1no corpo dos idiomas, pel qual se distingue o drgio receptor fextemo, a que chamamos de ‘olho’, e o movimento interno do ser ue se pGe em busca de informagdes e de significagdes, que € propriamente oolhar' 7. Sérgio Cardoso aponta uma diferenca marcante, nem ‘sempre presente no uso corrqueiro, entre ver e olhar, no numa escala em graus de profundidade, mas como campo de sSigniicagses distntas: ‘over, em geral, conota no vidente uma certa discricio € passividade, ou, ao menos alguma reserva, Nele um olho décil, ‘quase desatento, parece desizar sobre as coisas; e as espelna¢ registra, reflete e grava.(..) Com o olhar 6 diferente. Ele remete, de imediato, a alividade © as vitudes do sujelto, e atesta a cada asso nesta aco a espessura de sua interioridade, Ele perscruta € investiga, indaga a partir e alem do visto, e parece originar-se ‘sempre da necessidade de ‘ver de novo’ (ou Ver © nove), com 0 Intento de ‘olhar bem’. Por isso ¢ sempre direcionado e atento, tenso e alerta no seu impulso inguirdor(..) © olhar no acumula fe no abarca, mas procura; no deriva sobre uma superficie plana, mas escava, fia e fura, mirando as frestas deste mundo instavel e desizante que instiga e provoca a cada instante sua ‘empresa de inspesao e interrogacdo. (..) a simples vis4o, supde €¢ expée um campo de signficagdes, ele, o olhar ~ necessitado, inguieto @ inguiridor ~ as deseja e procura, seguindo a tha so sentido. O ofhar pensa; é a visdo feta iterrogacao. 8 Consideradas estas distingSes pode-se voltar ao exemplo de A Ronda Notuma. Diante da obra, uma olhar décil, quase esatento, passivamente engoliu © significado dado 20 conhecimento junto ao signiicante,fcando apenas na superficie. © conhecimento vinha de fora, como dado ndo-discutivel, ndo- aprofundavel, Era preciso um olharinquieto, inquiridor, perspicaz para que este detalhe, assim como outros, pudessem ser Fealmente vistos. Assim fol o olhar de Merleau-Ponty sobre a feferida obra. Da mesma forma, era preciso um olhar inquito, inguiridor, perspicaz para que os indicadores visiveis dos instrumentos cientificos pudessem ser analsados, criando noves teorias, classificagées, ete © significado das palavras em sua origem latina © grega evidenciam vinculagSes entre 0 olhar © © conhecimento, & percepgio, a idéia e a imagem. Marilena Chaut fala do vineulo secrete entre alhar e 0 conhecimento. Ate mesmo aquela que 0 designa na fosofia — teoria do conhecimento ~ pois "thesria", agdo de ver e contemplar, nasce de “thebrein’, contemplar, examinar, observar, meditar, quando voltamos para o “theérema': o que se pode contemplar, regra, lespetaculo epreceto, visto pelo "theéros” o espectador. 9 a relagdo com a percepedo também esta na raiz das palavras. Assim, eid6 significa ver, observa, examinar, fazer ver, instru, instruir-se, informar, informar-se, conhecer, saber, ©, no latin, encontramos da mesma ralz: video ver, olhar, perceber, iso ~ visar, I, olhar, ir, ver, examinar, observa A origem das palavras reforga a idéia de que ‘perceber no 6 send traduzir um objeto de percepcio em julgamento de percepeio, ou melhor, ¢ interpor uma camada interpretativa entre Pagina 77] Metodologia e Pratica de Ensino a consciéncia @ o que & percebido” 10. A percepcdo é, portanto, cognoscitiva, nfo esta desiigada do ato de pensamento. Mediando sujeto © ambiente, a percepeao ultrapassa 0 dado ‘sensorial e vem carregada de signifcados 11 AA idéia, a imagem sio aspectos que se apresentam também nestas raizes interigadas: ‘Aquele que diso: ‘edd’ (eu velo}, © ue ve? Vi e sabe 0 eidés": forma das coisas exteriores € das coisas interiores, forma propria de uma coisa (0 que ela fem si mesma, esséncia), a ‘idéia” 12, Nesta mesma raiz estéo: ‘edolon: Idole, simulacro, imagem, retrato: —_eikasia: Tepresentacio, crenca, conjetura, comparacdo; ¢ eikon: icone, pintura, escultura, imagem, imagem refletida no espelho ‘A Imagem como forma visual de realidades concretas ou Imaginarias ¢ como visdo recriada ou reproduzida Na tentativa de enfatizar os conceitos aqui colocados, atiei_o termo sensivel olharpensante, Talvez no fosse necessario ciiar 0 significante “olhar-pensante’, 4 que, como vimos, este dois atos estio sempre presentes. Entretanto, ‘somando-os num novo substantvo, pretendo chamar a atenc3o sobre 0 ato de olhar, que amplia 0 conceito corriqueito de observacdo. 1.8 Aarte como registro do sensivel olhar- pensante “A polsagem se pensa em mim e sou sua conscéncia.” Cézanne © omar do indviduo sobre © mundo, olhar que nfo cenvolve 56 a visio, mas cada partcula de sua individvaldade, festa profundamente colo @ sua histéria, 4 sua cultura, a0 seu tempo e ao seu momento especifico de vida (© mundo desperta ecos em nossos corpos e suscitam tragados, ‘Qualidade, luz, cor profundidade, que estlo ai diante de és, al 56 estdo porque despertam um eco em nosso corpo, porque este the faz acolhida, Este equivalente intemo, esta ‘formula carnal de sua presenga que as coisas suscitam em mim or que no haveriam de, por seu turno, susciar um tracado, Visivel ainda, onde qualquer outro olhar reencontrara os motivos que sustentam a sua inspegao do mundo? Ento aparece um Visivel na segunda poténcia, esséncia carnal ou icone do Primero. Nao @ um duplo entraquecido, um “trompe-t-oie", um utra ‘coisa! 13 Este visivel, na segunda poténcia, porque néo ¢ um Vislvel do mundo do natural, mas do mundo manufaturado, & para Huyget4 uma terceira realidade, que reflete e exprime as dduas outras: a do “eu” e a do "ndo-eu" E, portanto, 0 equivalente interno, a imagem mental, regisrada sobre um suporte qualquer, seja o som, a palavra, a gestualidade da danca ou do ato cénico, sela através da cor, da forma, do espaco de uma escultura, uma pintura ou um desenho, e que faz parte do nosso cotidiano, Na minha opiniso existe uma vasta gama de imagens, a que poderemos ~ racional e no metaforicamente ~ chamar de imagens musicais, posticas, plasticas, e que considero como tembrides formais ainda néo completamente encamados © & espera de se traduzirem em obra de arte, mas, em todo 0 caso, ainda desprovides de muitos atributos da obra defintiva."15, A atte & 0 registro concreto dessas imagens, desses ensamentos visuals, como diz Amheim 16, tanto através das ‘Artes Plastcas, quanto através das demais linguagens artisticas. E a representacao, re-apresentago do oar sensivel. Como linguagem, como fala que também ¢ intemna e também se Pagina 72 Metodologia e Pratica de Ensino fexteroriza, a arte se utiza de formas signifcantes que ‘sustentam signiicados, conceitos, idéias, imagens mentais, Entre 0 objeto da realidade e a nossa concepcdo deste ‘objeto ha um longo caminho interno, um processo cognitive, afetivo e social que se expressa através de sua representagao. E fo terceiro elo, como diz Cassirer 17, aresposta dferida que 56 0 hhomem como ser simbélico pode dar. Resposta que é pensamento, © que aguardamos dentro de nés no ¢ real, mas a sua representagio simbélica. E ela que volta ao mundo, que re- presenta o real, pela linguagem, que se estabelece com Palavras, gestos, cores, formas, Neste mecanismo de sigifcagdo ha escolhas seletvas, ‘As formas signficantes selecionadas entre muitas mostram as marcas especifieas do significado que queremos expressar. ‘Signifcado que tem elo com o mundo Teal, seja o mundo Cconereto e palpavel ou 0 mundo das idéias. (Néo sio todos os ‘inénimos que atendem o significado que queremos dar, assim ‘como nao € qualquer vermelno que pode expressar uma idéia lum sentiment...) Uma paisagem, um cavalo, uma composicdo abstrata podem gerar diferentes representacGes, mesmo criadas por uma Unica pessoa, como Vsivel em desenhos de Van Gogh ou na Cblebre série de estudos de Picasso para a sua Guemica. E ‘muitos outros podem ser mostrados, confrontando, por exemplo: 2 realidade fotografada e a desenhada, os mods diferentes de fegistrar a espacialidade através da perspectiva ou de deformagées, possibildades infintas de registrar 0 sensivel alhar pensante, Formas signficantes diversas que provocam leturas de signiticados tambem diversos. A representagSo simbélica esta presente em todas as culturas, em todas as épocas. O desenho & 0 mals primitivo de seus recursos, E uma caligrafia. E ato de pensamento. Faz parte dda vida de qualquer crianga 18. Mesmo que no ihe seja oferecido material, a crianca desenha com 0 dedinho na poeia, com gravetos na arela na tera, com a coher no prato de comida, com 5 mordidas no biscoito..Faz parte da vida tambem de qualquer adolescente ou adulto, que desenha mesmo sem intengdo. Basta ver qualquer papel deixado ao lado do telefone. Este ato vital registra 0 olhar-pensante sensivel de um autor qualquer, seja artista, crianca, adolescente ou adult. Comovide por um certo impacto do mundo, o oho o resttu pelos tragos da mao e celebra a visbilidade. Visibilidade que evidencia, como tantas outras provas, que 0 desenho reflete em si, como tum espetho, 0 olhar de quem vé. Aquele visivel de segunda oténcla encontra ecos diferenciados em cada corpo, em cada otha. Cada ser humano, cada sociedade, situada no tempo e no espaco, deixa suas marcas na maneira de registrar seu modo de ver, e aHisteria da Arte conta esta historia A historia da arte em seu todo, € uma histria do mundo de percepcio visual, das varias maneiras como 0 homem viu o mundo. A pessoa simplista poderd objetar que existe uma unica forma de ver © mundo — a forma como se apresenta @ sua propria visao imediata, Mas isso no ¢ verdade; vemos 0 que prendemos a ver, e a visdo tomna-se um habite, uma convengao, tuma selecdo parcial do que existe para ver e um resumo destorcido do resto. Vemos o que queremos ver, © 0 que queremos ver ¢ determinado, no pelas inevitavels leis da éptica fou mesmo (como pode ser 0 caso dos animals selvagens) por instinto ou sobrevivéncia, mas pelo desejo de descobrir ou Construir um mundo verossimil 19 Pagina 13] Metodologia e Pratica de Ensino Verossimil no sentido de verdadeira, de compreensivel J que “Yodo ato de ver implica um querer saber o que se vé"20 Na histéria da representagio simbélica, as transtormagbes, a descoberta das aparéncias, deveram-se no tanto @ observagio cuidadosa da Natureza, mas @ invenco dos efeitos pictoricos 21. E estas transformagées se tomam ainda ‘mais marcantes pela Invengdo da fotografia, mudando modo de ver e, consequentemente, 0 registro deste novo olhar. Assim, os pressionistas enfatizavam o momento fugidio, as multiplas Implicag6es da luz e cor, os cubistas, a totaidade das vistas ossivels 22 (Berger. 1974). Abriu-se também o espaco para a abstrasao. ‘A metafora do espelho pode explicar_ a enorme quantidade de brancos que 6 0 esquime pode identifcar, e do qual nos fala Amheim23. As diferentes fungSes do desenho tambem so retlexos do espetho de quem ofa © mundo com ensamento divergente, Mas 0 olhar _preconceltuoso pode _confundir representag3o com reprodugéo, duplicagao do real. Quer o "parecer real’, a replica, a copia fidedigna, correspondéncia eral. E diz “no sei desenhar”. E um olhar renascentista, que reduz hoje 0 olhar a perspectivas com pontos de fuga determinados © a técnicas que tinham sentido de descoberta quando foram pesquisadas. Com esta visio, 0 ensino de arte Centra-se na instrumentalizacio de técnicas para o ‘desenhar bem’. E as mesmas relagdes podem ser fetas no aprendizado dda musica, da danga, da escita, da dramatizagao teatral, em que a técnica muitas vezes aborta a expressio, © pensamento, a ‘subjetiviade. Descolar a arte deste significado € desmisticar o ‘mito do bom desenho', ¢ dar oportunidade de estabelecer novas significagées, mesmo para aparentes “exatidGes fotograicas’. A representago se descola, assim, da duplicagao do real, adquirindo uma relago maior com a percepeao analogica, que é ampla e abrangente. Descola-se também da correspondéncia de ‘umpara-muitos', do signifcado Iteral, agregando a correspondéncia de “um-para-multos", proprio da metafora, que é também visual. 24 AA representago, portanto, tem um carater interpretativo simbalico. A sua forma smbélica exterioiza signifcacées, Diante da realidade, pelo ciivo de sua propria experiéncia, 0 homem avide por buscar e atibui significado a propria vida re- presenta, simbolza, da significado ao que v6, sente e pensa. Na “sintese de representagGes'ele constr conhecimento, como ja dzia Kant, 1.9. Olhar o olhar do outro © pior inimigo do julgamento atisico € o julgamento Iteral, que € tanto mais dbvio, pratico e rapido quando tende a passar seu veredicto antes que 0 olho curioso tenha abrangido a forma inteira que se delfonta. N3o ¢ a cegueira a “forma signifcativa’, mas 2 cegueira, devido & evidéncia ofuscante de coisas familares, que nos leva a perder a significagao atisica, mistica ou sagrada 25 © olharpensante de um autor, qualquer que seja ele, registrado pelo desenho, assim como por qualquer outra linguagem artistca, provoca um novo alhar naquele que olha esa produgao, seja também quem for, Retomando as palavras de Merieau-Ponty, este registro suscita qualquer outro olhar a reencontrar “os motivos que sustentaram a inspecdo de mundo” thar o ohar do outro, registrado sobre uma obra ‘qualquer, requer, como disse 0 professor Jofo Augusto Frayse- Pagina 14] Metodologia e Pratica de Ensino ever, um alhar sensivel. Além de a obra refleir como espelho ‘ olhar de quem @ criou, ela também reflete, como novo espelho, ‘© olhar de quem a vé. Sé posso ver na obra o que encontra eco fem min. Ao olhar_um desenho, olhar registrado de um autor ‘qualquer, os referenciais pessoais de quem olha refletem-se como num espelho sobre a obra. Este olhar segundo, assim ‘como © primeiro, € fruto de uma historia pessoal e unica vivida fem meio a uma determinada sociedade e sua cultura, em determinada época, Vinculado & sua propria idade, com seu proprio modo de ver. Este repertério individual envoive também, ‘além dos conhecimentos especificos, os valores estéticos, flos6ficos,étcos, politicos, assim come a ideoogia do indviduo, ddo grupo ou da classe social a qual pertence, Signifcantes © significados detém relagdes profundas ‘com 0 produtor da representago, e podem desvelar 0 camino dde seu pensamento. E por este Angulo novo que Emilia Ferreiro Ana Teberovsky pesquisaram, buscando 0 processo do sistema de notacdo do signo linguistco. E novas pesquisas se ‘sucedem quanto a notago musical, numérica, etc 26, Hipdteses de consirugao do sistema simbdlico que existiam, mas nao eram percebidas pelo olhar adulto preso a convencées. ‘Olhar © har do outro @ refazer_o caminho do ensamento entre o real e a sua representago. Caminho que festd sempre em processo, envolvendo 0 cognitive, 0 afetivo, 0 ‘social. Percurso que se mostra através das inguagens. “A interpretacio & sempre, ao mesmo tempo, revelaco dda obra e expresso do seu intérprete’, diz Pareyson 27, A imetafora do espetho visualza este conceit, Esse olhar interpretative, dentro das categorias da teoria semidtica de Peirce, seria considerado como um olhar de terceridade. Na relacio de primelridade entre signo (obra) € interpretante, s0 0 nivel do sensivel ou da qualidade apenas imediata € captado, também parte importante do processo de aproximago com a obra. E um primeiro contato, e mais forte do que aquele que passa e nem vé. © olhar de secundidade vai além, estabelece alguma_relago provocandoalguma identifeagdo. O individuo que otha procura o significado da obra, mas nem sempre ele se apresenta de forma tio interpretativa, ode chegar a leitura, porque se reveste de um olhar-pensante de fato, Em Problemas da Estétca, Pareyson, autor da ‘teoria da formatividade’, fundamenta a questo da leitura do olhar do outro. Antes de buscar metodologias & preciso compreender esta ‘questo complexa A letura — para chamar assim 0 acesso as obras de qualquer arte, © nfo apenas aquela da palawra ~ é sem duvida, tum aio bastante complexo. Com efeto,trata-se de reconstruir & obra na plenitude de sua realidade sensivel, de modo que ela Fevele, a um 6 tempo, o seu significado espirtual e © seu valor artisico e se oferega, assim, a um ato de contemplago © de ‘ruigdo: em suma, trata-se de executar, interretar © avalar obra, para chegar a contemplé-la e gozdtla.28 Este pensamento de Pareyson parece dar conta de todo © emaranhado da questio © sua andlise mais aprotundada podera clarear a sua compreensdo. Partindo da discussio sobre as concepeées de Groce, que coloca a leltura como uma “reevoca¢ao" unica e impessoal, e de Gentile, que @ vé como uma “traducSo’pessoal, uma recriagdo que @ sempre diversa, Pareyson constata que a “interpretagio ¢ 0 encontro de uma pessoa com uma forma’. Esta forma, ‘realidade sensivel’ da obra, ¢ entendida de Pagina 15] Metodologia e Pratica de Ensino dois principios basicos: 1 principio da coincidéncia da espirtualidade © fiscidade da obra, com base no qual néo ha nada de fisico que néo saja significado espirtual nem nada de espirtual que ndo seja presenga fisica, na arte no hé

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