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Folha de São Paulo, 03.06.

2010 – folha B9

MÁRION STRECKER

Ninguém precisa de um iPad


O iPad fala ao coração do
público, é um marco na
indústria e está obrigando o
mercado a se reposicionar

A Apple vendeu mais de 2 milhões de iPads desde o lançamento, em 3 de abril. O produto está
em falta em muitas lojas nos EUA. Filas na França e no Japão no lançamento na semana
passada, quando a Apple superou pela primeira vez o valor de mercado da Microsoft e se
tornou, a ver até quando, a maior empresa de tecnologia do mundo.
O que aconteceu? Ninguém precisa de um iPad, certo? Mas o que necessidade tem a ver com
desejo?
Outro dia, Marcelo Coelho escreveu aqui na Folha que achava que as pessoas compravam o
iPad não por uma esperança intangível de
felicidade, mas meramente porque não querem
perder o que já têm: a vanguarda tecnológica.
Não discordo, mas isso não conta toda a verdade.
A verdade é que o iPad fala ao coração do público,
é um marco na indústria da computação e está
obrigando o mercado a se reposicionar.
Computação pessoal, smartphone e internet não
separam os mundos do trabalho e da diversão. O
iPad expande a vida on-line portátil.
Vai armazenar e reproduzir todas as músicas, os vídeos, as fotos, os e-mails, a informação, os
serviços e ainda assim oferecer uma forma de consumo e entretenimento atualizável 24 horas
por dia, sem fio, movida ao toque e ao roçar dos dedos. Assim terão de ser os concorrentes
que virão.
O iPad é o equipamento mais abraçável já inventado e o melhor para levar para a cama.
Ridículo? Garanto que isso é o que todas as crianças querem e muitos adultos farão.
Sem falar no maravilhoso mundo dos aplicativos, dominado pelo entretenimento e pela
indústria da comunicação multimídia. São softwares que prestam serviços ou trazem diversões
bem específicas, explorando a grande capacidade multimídia do equipamento e, às vezes
também, a possibilidade de atualização regular e automática do conteúdo, inclusive com
localização geográfica do usuário.
No iPhone/iPod Touch, os aplicativos já eram um sucesso. No iPad, são um imperativo. Você
baixa um aplicativo e aí descobre outro, pago, que parece muito melhor. Aí você experimenta.
Então, descobre outro, mais caro, ainda mais incrível. E assim vai.
Bem como a iTunes Store, a App Store entrega recibo inclusive na "compra" de produtos grátis
e oferece navegação por irresistíveis rankings de produtos mais baixados, mais apreciados ou
por categorias.
Se você tiver mais de um equipamento da linha iPad, iPhone ou iPod Touch, poderá baixar o
mesmo aplicativo em mais de um aparelho sem custo adicional.
O mais adorável é quando a Apple não deixa o cliente comprar o mesmo produto duas vezes,
avisando que ele já baixou aquilo antes. Que loja faz isso?
O brinquedo é tão viciante que pouco depois de lançado nos EUA as universidades Princeton e
George Washington proibiram o iPad no campus, por deteriorar a rede Wi-Fi acadêmica de
tanto uso.
Até o precursor Kindle tratou de lançar logo um aplicativo para iPad, de modo que a Amazon
pudesse continuar a vender seus livros ainda que para equipamento concorrente do seu.
O iPad, acredite, já começou a povoar as estatísticas de acesso aos portais brasileiros. Mesmo
alguns tradicionais adeptos de Windows se divertem quando põem as mãos num deles.
Encontram defeitos, é claro.
O iPad não é multitarefa (não permite usar dois programas ao mesmo tempo), não tem
teclado físico, câmera nem porta USB. A capacidade de armazenamento é limitada e não
permite ver conteúdos programados em Flash, como as versões atuais da TV UOL ou da Rádio
UOL.
O iPad é relativamente caro. O modelo básico sai nos EUA por US$ 499 fora impostos, o que
significa que vai chegar ao Brasil por mais de R$ 2.000.
Com o iPad, a cadeia produtiva da comunicação sofreu dois reveses: muitos terão de amargar
o prejuízo de substituir sua programação em Flash pela linguagem mais universal do HTML5,
apenas para permitir que seu site ou serviço rode corretamente no iPad (e no iPhone, por
tabela). E muitas marcas serão impelidas a lançar aplicativos específicos, porque seus
concorrentes o farão, no mínimo para se associar à imagem de inovação da Apple.

MÁRION STRECKER, 49, jornalista, é diretora de conteúdo do UOL. Passa a escrever mensalmente, às quintas, neste
espaço.
Observação: a imagem não constava da matéria conforme publicada pelo jornal.

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