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4 Os Direitos do “Social”: Hubertine Auclert ea Politica da Terceira Republica que Hubertine Auclert e Jeanne caram em 1886 foram uma le estabelecer uma ponte nao 86 geoaréfica mas também temporal. Elas ilus- tram coneretamente a maneira pela qual se for- jaram os elos da grande comente feminista e se constitulram também numa fonte de inspiragso ppara os leitores do jomnal sufragista de Huberti- ne Auclert, La Cttoyenne, Embora a linguagem romantica e espiritualizada de Jeanne Deroin deva ter parecido estranha aos leitores, mais ‘acostumados ao esilo mais direto e racional de Hubertine Auclert,fcava bem claro que as das tihavam uma misséo: denun- (nas palavras de Jeanne iblica que se recusava.a con- cceder direitos politicos &s mulheres. Mas, ape- sar do compromisso com os ideais emancipa- Cionistas, profundamente comparilhado, havia também entre as duas mulheres importantes diferencas, as quais, como Jeanne Deroin deli- cadamenie indicou, ligavam-se intimamente & Hist6ria. Hubertine Auclert entrou na politica ‘como advento da Terceira Repiiblica; em 1873, ‘com 25 anos, deixou o departamento de Allier ‘e migrou para de participar do cres- cente movimento ia — enti jé legaliza- do. A politica na Repiiblica era radi- JOAN W. SCOTT calmente diferente da de 1848. Em conseqiién- cia, as estratégias assim como a prépria essén- smo praticado por Hubertine fem muito do feminism do ter po de Jeanne Deroin, ‘Armiltincia feminista de Hubertine Auclert se estendeu por mais de quatro décadas da Ter indo recursos juridicos, fazendo is. Sous argumentos consti- tuem um registro progressive das mudangas politicas e das teorias que as defenderam, Al- ‘guns dos discursos de Hubertine Auclert sé0 fase pela mescla de reivindicagées que imediatamenie um apelo em favor do ditito das mulheres 20 voto, Sua vida nos permite retracar 2s evolugdes e as ambigtiddades das correntes polticas da Terceira Repiiblica, bem como algu- ‘mas de suas contradigaes e de seus interesses. Seo conflto entr € direitos sociais cor rellos politicos formals era um dilema para do engejado, cujos esforgos se concentrassem nna concretizacao da igualdade social e econd- mica — representava 0 obejetivo primordial, e 156 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA ee g6es com familia, ou seja, almejavam uma re- Palen em que howvesse maloreutdodo pera ‘com as mulheres e os filhos dos trabalhadores, Bc tent paractcaan acai 'Sovearetia scl gues” Os vepubicares 6 ert reo para ta relative & familia, v. responder aos socialistas, cuja presenca era SCOTT 1958 9.280. Tg mais enpresiva nas eben, os ih cals e nas grves,sstenfavem dda de que tea oven suey m gale sone, responsabilizando-se pelas vitimas do Capita- limo gue, por aiden, raquesa, ou vulners- bilidade, nao conseguissem cuidar de si mes- toe, Ernbora corte um ponto de vista tafe patriot ta eee ead sta nla dreary ae tombem conceida em tees de proto 8 Fh, Yea, oe penis clas comum a hipétese de que o Estado deveria cui- dar de seus membros e, a exemplo do que faz a fala: ebogara, por Gever ou por aig, oo su se chen an etal epee Quanto a segunda pergunta havia muito nats esac, Oxtocehe aide rem aetvca da soberaria ao tea epson 03 ineresss das cases tabalhadoras em todos tenis do govern, Par ios, et ana t- volucionério 0 apelo que o socialista Jules Got feb unos, eis B iow, «con cuit de pears ede cade no Praments pelos socialistas na década de 1890 foi vista Gono um aleta nao x6 no setide de ue ogo ‘uu fusion yc ened a oto abe mas tanbem no sentido de que ° socal" de- vvesse ter influéncia direta nas decis6es do go- 2 histria do soc verno.? Os republicanos era mais ambivalentes 1, v. WILLARD, @ divididos quando se tratava da questo da soberania popular. Muitos dos arquitetos da nova reptiblica (entre eles grande ntimero de mo- narquistas e de conservadores) eram de opiniéo ‘que se evitassem a qualquer custo apelos & so- 187 2*A replica fl fendada pocuma asembléia mo arquitn com um pres ents e um govero de $ireta no poder, apds a THOMPSON, 1958, p 0. 4 ROSANVALLON, 1992 4,p.307-308.V.tambim RIVERO, 1991, p. 128 JOAN W. SCOTT berania popular, visto que a experiéncia da Comuna de Paris (uma rebelido contra a lide- ranga conservadora da nova repablica em 1870- 1871) tinha deixado bem evidentes seus peri- gos. Se a repiiblica representava povo e este julgasse que as agées do Estado no estvessem © povo teria o ditto de issolver na l6gica, de fato, o governo ja teria ido asi proprio por ter fracassado em sua rem propriedades, tinham verdadelro interesse no futuro da nagéo. Outros republicanos mais iasculino) univer: sal, dado o precedente estabelecido em 1848, e vista acabou por prevalecer ‘A exisiéncia do sufragio universal, porém, nfo era uma concesséo a idéia de um governo que presumidamente rele frégio, os logisladores ¢ as li doras da opiniao pablica procuraram solapar a doutrina da soberania popular, alegando que © Estado néo representava o povo, e que, portan- to, sua legitimidade no se baseava na vontade popular; na verdade, prosseguiam, o Estado ti nha a funcao gerencial de arbitrar e eq) tempo, os legisladores se empenhavam para es- tabelecer o consenso necessario a estabilidade politica incontivande que 02 eidadioe se auto representassem como republican: podleriam pensar em destrul vvemo que havia estabeleci 158 HUBERTINE AUCLERTE A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA ‘acordo com leis aprovadas em 1881, 1882 1886 e que levaram o nome do Mini cagio, Jules Ferry, a edueagao era gi gatéria e laica. As deveriam inculear “aquela religiéo da Pétria(...] aquele cul aquele amor 20 mesmo tempo ardenta e racio- nal que queremos que penetre no coragao ena *Ciindo por BRUBAKER, mente das criancas” § Estas deveriam se tomar 1992, p107. V. também é no apenas pattiotas, mas pensadoras racio- 1963 SS*PROST. ais, cientifcas, ligicas — sujettos republica, 1s, exemplos do ideal republicano.® Este tpo de educagio ¢ Visto que as relagées entre o estado lum exemplo do que POvO foram reconsideradas, a questo soc cou separada dos direitos polticos. © dici tio de Emile Li (1877) oferecia como cato- I que freqiien- ia alvo de contestacao nas décadas seguintes: “O SOCIAL. Diz-se, em oposicéo a Politico, das condicées que, excluindo formas om © desenvohvi ‘mento intelectual, moral, e material das massas populares. A questéo social”.? Essa definicéo excluia formas de governo dentre as condigées "de progresso das classes populares e a pol ‘como forma de atingir esse progresso. O ex: J clo do vato, em outras palavras, nao era consi- derado como um meio de reforma social, nem como a expresso da soberania popular, mas como um processo de consulta, um gesto a fa- vor das nocées democréticas de direitos. Nessa concepcio, “o social” é um objeto de alengéo da parte do Estado, o qual, em nome da ordem, do progresso, dos interesses parliculares e do ‘bem-estar geral, poderia alé levar em conside * Para uma dkcussto do “sci, vs RILEY, 1988, p.44-6 Sobeeo social na Franca v. DONZELOT, 1984 a profiso das amas de leit, a fim de diminuir 159 JOAN W. SCOTT a incidéncia da mortalidade infantil, em 1874; providenciou-se tutela para criancas “m mente abandonadas", ern 1889; ram-se leis que protegiam as mi lhadoras, em 1892. 0 sionou as condigdes de higiene das casas de familias pobres, para impedir que doengas con- + SUSSMAN, 1982; tagiosas se alastrassem.? A partir do final dos Se seam ee 180, promulgram se es ae exgiam dos empregadores indenizagéo as vitimas de aciden- ‘mee tes de trabalho, o que acabou sendo o primeira asso para a criacéo da instituigéo da previ- EWALD, 1986;e DON- déncia social!” ZELOT.1984.Paraslguns A nogo do social, embora associada com mais freqdéncia a idéia das “classes populares”, trazia embutida a reconsideragao mais ampla do significado de individuo. O que tornava a intervengao do Estado plausivel era 0 fato de que tinha em visla regulamentar as agées inde pendentes dos individuos, definidos como mem- bbros de grupos. Se por um lado a privacidade e a singularidade do individuo se tomavam uma preocupacéo cada vez mais evidente (na popu latidade dos retratosfotogréficos, na paradoxal as intimidades da vida privad inagdo por uma nova cié que rejeitava o “egofsmo moral” do individuo rousseauniano (com seus atores auténomos ¢ voluntérios, que eram a antitese da sociedade) punha om cau lugar um individuo social por definigdo, visto que os lagos que o prendiam ‘a0 demais eram anteriores a seu nascimento @ no podiam ser cortados. De acorde com essa 160 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, ™ DURKHEM, 1973, p 13, *DURKHEDE, 1964, p 62 linha de pensamento, néo havia contrato (nun: ‘ca houve) feito por um individuo que nao pu- rompido. A sociedade era n: al] pode ser considerado um eu [un mé ‘Segundo Emile Durkheim, 0 eu néo é ume dade, mas uma percep, impresses dispares ‘ou menos definida”. Qualquer senso de totalidade — sela de uma sociedade, seja de bbalho— uma formulagao que cia para substituir a luta de classes do: fas — consistia nesta mesma plementar de partes dispares eu seja garantido, um outro ‘ontinuamente intemalizado: {que nos completa se torn {..]€s¢ toma parte tao integrada e permanente de nossa consciéncia que dela no mais nos po- demos sep: io ser na presenca do ob- jeto que a representa." A idéia era re- conhecer a relacdo com um outro como parte constitutiva do eu: 0 todo — to Léon Duguit, que jé sugerira néo fosse a propriedade considerada ecto grupal da identidade do individuo: O homem é um ani muito se dise; 0 indufdu, homem por ser socalizado, isto é, por fazer par fe de um grupo social. Sou tentado a dize ele € umn super-homem. O super homer nao é, de modo clgum, como Nietzsche ‘oconcebeu, aquele que consegue impor sua oi 161 ™ Citado por EWALD, JOAN W. SCOTT ‘poténcia Individual: mas, antes, aquele que esté por EWALD, Outro te6rico do Direito, René Worms, es- creveu: “A sociedade néo é composta direta- 1985, p53 politicos inimigos dos te6ricos socialistas, am- bos os lados compartithavam a énfase quanto 2 importancia das identidades coletivas e sobre Gialistas, cada vez mais visiveis ¢ bem organi- zados nas décadas de 1880 e 1890, entendiam essas identidades coletivas como classes em uta: os que produziam tinham de trabalhar ar- duamente e enfrentar seus exploradores, os ca- PERROT, 1974, p. 607- pitalistas que thes sugavam 0 sangue.”” os ppublicanos, ao invés disso, apresentavam a idéia ‘numa analogia entre grupos sociais ¢ individu- ‘os que se deve ao socidlogo: “Se uma entre duas [pessoas tem o que a outra néo tem mas deseja, afesté o ponto de partida de uma atracéo posi tiva".!*Da mesma forma, diferencas ocupacio- nais eram a base para as relagSes sociais. 3s socialistas imaginavam um mundo em que as diferencas de classes como divisoras da sociedade acabariam, caso triunfasse a vonta- de soberana do povo, enquanto os republica- nos tendiam a ver um mundo em que essas HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA Léon Bourgeois, Le duziam, a conseqiiéncia que pat cursos politicos da época deviam necessatia- ta. O reconhecimento da cas sociais fundamentava a cidadania sobre novas bases; o individuo abs- trato — auténomo, independente, portador de direitos — néo era mais protstipo do homem, do cidadéo, pols fora substituide por membros integrantes desse ou daquele grupo, cujas dife- rengas faziam com que se interessassem pela patticipacéo politica. O direito & participacso era dado pelo voto, que implicava igualdade formal entre diferentes interesses. Dessa forma, 08 socialistas procuravam provar que era do interesse dos trabalhadores usar 0 volo como tuma arma nas lutas de clases, a fim de conse- guir a igualdade almejada, ao passo em que 03 de humana que precede diferencas de fungées e de poderes na divisso social do trabalho. Nes- ‘sa perspectiva, Léon Bourgeois descrevia 0 so- lidarismo como um sistema de “interdependén- «ia livre e racional, baseado no respeito igual € que eram unidades iguais e intercambisveis."? Uma vez que a diferenga @ a identidade sociais passaram a ser tidas como caracterst- cas definidoras dos individuos, e que 0 voto era entéo considerado como a expressiio dos dife- rents interesses que as diferengas ais pro- te era.a de que as mulheres tamb missdo de votar. Usando a interdependéncia e da diversidade funcionais, |) Hubertine Auclert chegou a seguinte conclusio. * em 1881; “Nao ¢ possivel que todas as pessoas desempenhem 0 mesmo papel; ao conirario, a diversidade é indispensével para que a socie- dade funcione harmoniosamente {...| O dever imposto a todos é diferente para cada um, Os 163 Tout le monde ne peut APERROT, 1977, p. 105: 121, @ 1984. V também SOWERWINE, 1978, JOANW SCOTT direitos inerentes ao individuo sf iguais para todos”. Sua teivindicagéo a favor do sufrégio ferninino, porém, fol sistematicamente negada. istente negativa, quer pprovenientes de socialistas, quer de republica ‘os, castumeiramente invacavam o velho argu- de muitos debates e dispu- , embora alguns grupos dentro co movimento dos trabalhadores endos- assem reivindicagées a favor do mesmo paga- mento para 0 mesmo trabalho ¢ a favor do voto da deixavam a questio esquecida. A ju: vva, quando dada, era, &s vezes, fedrica: aeman- cipaco das mulheres deve esperar a revolugso; coutras vezes, prética: j6 que as mulheres néo tinham direito ao voto, e j4 que os socialistas, ‘queriam conquistarforca politica, seria uma per- da de tempo preocupar-se em defender os inte- resses das mulheres. Houve ocasiées em que 6 socialistas sustentavam claramente que 0 ‘nico lugar das mulheres era o lar: “a mulher no lar [la femme au foyer|” era o slogan de uma parcela significativa do movimento das classes trabalhadoras ‘A divisdo funcional do trabalho era tam- bem a justficativa republicana para negar a mu- Iher odireito a0 voto. Tal negativa era uma com provada excegéo (segundo Hubertine Auclert, ‘uma contradigéo) & promessa de que as divi- 3 trabalho no afetariam a parti- . A divisio de trabalho entre 20 contrario da divisdo de tra- cipagao maridoe 166 HUBERTINE AUCLERTE A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA ® DURKHEIM, 1933, » 60, balho entre homens, era vista, mais uma vez, ‘como uma diviséo entre o piblico e o privado, ene o intelectual ¢ 0 afetivo, entte o politico e © social, Tals diferencas, na verdade, resulta vam, segundo a concepgae cientificista da 4 «2, da evolugio, eram, portanto, vistas amplamenie aprovado exemplotipico dessa po- sigao. No passado remote, observava ele, as di- ‘entre homer e mulher mal apareciam, ividuos de ambos os sexos tinham porte smelhante ¢ levavam o mesmo tipo de cexisténcia. As mulheres ainda néo tinham ad- quirido suas caracterfsticas atuais de fraqueza e feminilidade; & semelhanca de certas fémeas do reino animal, as mulheres se oF , tudo isto mudou. As mu- theres “se retiraram das guerras e dos negScios ppblicos e consagraram sua vida inteira a fami- lia”. Em conseqiéncia, as duas grandes fungées da vida foram] dissociadas”, ou sela, as 7 mudangas “morfologicas”, ndo apenas em al- tura e peso, mas especialmente no tamanho do cérebro. Escoracio em estudos do médico e so- cidlogo Gustave Le Bon, Durkheim alega que, Com 6 progresso da cvileacta, o eérebro dos dois sexos fica cada vee mas dliferenciado (Le Bon}, essa tabela progressva é ivo, do cranio feminino, “Desa forma”, diz ele, “embora a média de cranto do homem arsiense sja equivalente dos malorescrinios 16s = DURKHEIM, 1983, p. 6). Sobre Le Bon, v. BARROWS, 1981; HARRIS, 1989, ¢ NYE, Ba, DURKHEIM, 1983, p. cs JOAN W. SCOTT ‘onheclds, a média do crénio das parisienses fica entre a dos menores crénio observodos, ‘mesmo abaixa do erénio dos chineses, e mal ¢ mal acima do erdnio das mulheres da Nova Caledénia’® Essa prova de origem morfolégica teve 0 ppoderoso efeito de dar foros de natureza a todo © debate. Estabelecia-se, doravante, de Histéria Natural para 0 processo do trabalho e uma base de Historia da socieda- de humana para a evolucéo da diferenca se- xual, Ambas eram vistas como sinals de pro- aresso ciilzatrio; no mundo europeu contem- cas que distinguiam a civilzagéo da barbérie, e adverte : “HA mes- nario procurava néo ape- nas achar uma soluedo para a di trabalho, com a excluséo das ri tica, mas também proteger a mas. cidados, 6 quea soberania do po lada como base de legitimidade da Reptblica. Na verdade, a histéra da exctusdo poliica das mulheres pode ser intepretada, grosso modo, ‘como uma parébola sobre a nia popular. Nessa nova perspectiva, a emer- sgéncia do social, principal objeto de preocupa- lo do Estad duo como ba do individuo como agente pablico implicou a circunserigSo mais acentuada da mulher den- 166 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, {to da esfera privada, a da intimidade e dos sen- timentos, Restava ao individuo (masculino), naquela altura cada vez mais diluido no social (assim como a mulher aferrada em definitive & fara), abandonar-se aos cuidados do Estado, ‘Nesse cenéii, o Estado fundamentava sua legitimidade néo 56 nos votos dos cidadaos, mas também numa analogia com o pai de familia, ‘Motivado por sua benevolente preocupagao com © bem-estar fisico e moral de seus entes queri- dos, o bom e burgues pai sempre age em favor de sua fama, Assim sendo, a analogia toma- va as intervengdes do Estado mais sutis e me- nos contundentes; no minimo, reduzia a possi- bilidade de interpretarem suas agées disciplina- doras como violagées a intimidade ou & integr- dade da familia. A identificagao do Estado com © pal ea restrigéo & cidadania dos homens ser- viram também para a gulo, a alianga da mi ‘ea, Ao abandonarem a i ‘original e a dos individuos soberanos e autino- ‘mos estruturadores do Estado, os teéricos se afestarem danogao de que a masculinidade dos cidadéos era a base comum e exclude legitimar esse mesmo Estado, dade foi, em 1789, na prética, entre os que falavam em nome d tam bbém o foi, em 1848, entre os que viamn no tra- balho o drei & propriedade, o que ocoeu, em 1880 e nos anos seguintes, foi bastante diverso: ‘ Estadio € que passa a conferira cidadania aque- les que 0 constituem. Se, por um lado, esse con- ceito garantia a lealdadle dos eidados da Repti bilica, por outto, inadvertidamente, permitia qu as linhas de diferenciagéo sexual se tomassem ‘menos nts, e, portanto, menos seguras do que muitos imaginavam, o ensinava que a diferenca se- ‘base na natureza, © que cor de estabelecer a mas JOAN W. SCOTT dadie como um fato independente da agéo do do povo. E aqui que entra o feminismo, denun- ciando e incorporando tals contradigées. Hubertine Auclert é um exemplo caracteristco. Hubertine Auclert se rei que a teoria da evolu fosse ju a excluséo poltica das mulheres, pois isso con- trariava as promessas republicarias de para todos, independentemente de diferen- 428 sociais ¢ funcionais, Excluidas as mulhe- res, ficaria provado que a desigualdade politica efeito da divisdo social do trabalho, © pelos adversérios do voto das mulheres, a idéia de subordinar o exercicio de um direito a um social j tinha sido usada como objegéo tse de sbordonner smens” evercce du dat 8 une ibertine Auclert chamou a question de re, avant Gate invoauée par es ‘versaires du vote des de Trabalhadores em Marselha para o fato ‘os homens que toleravam a excluséo da objection au mulher estavam sempre sujeitos a perder seus * direitos e, conseqiienter Pr os homens". Hubertine Auclert procurou estabelecer uma alianca com os socialistas que apoiavam adoutrina da soberenia popular, segundo a qual snica forma de governo realmente represen ésaux’ 1879, da quesido social, argumentando que, Vist 168 HUBERTINE AUCLERT F A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, © AUCLERT, 1889, inspirava-se nas acées de al mulheres serem identificadas simbolicamente com o social (porque vulnerdveis, dependentes, carentes de protecao), seus direitos, em tiima analise, decomeriam da soberania popular — do direito do social de se auto-representar. Se as mulheres (2, portanto, 0 socal) fos- sem chamadas a se auto-tepresontar, deveriam satistazer os padrées de comportamento e cren {25 que os republicanos esperavam de seus ci dadaos. Por isso, a cidadé femi Hiubertine Aucert tuma cidads (pot légiea 2” Forman manter sua cedibilidade implicava enfrentar um bom ndmero de obstéculos. Por meio de suas acées, Hubertine Auclert extenséo, a de todas as mulheres) 20 apelo da Repii no, jé em 1876, trés anos apés sua chegada a Paris, cidade para a qual se di do-se com 0 que the coubera heranga patema, a fim de se que lutavam por seus dit Comitna de Paris, de Louise Michel e André Léo, bbem como de Maria Desraimes e Léon Richer, indaram a Associagao pelos Direitos da , em 1870.) As batalhas de Hubertine ‘travadas nas paginas de seu jornal, La foyenne, ¢ nas centenas de abaixo-assinados que ela fara circular @ mandava para os depu- tadios. Defendia suas idéias tart em algu- SHAUISE, 1987, p. 78, S'*Pour la femme, la ICLERT, 18899, p. 123) JOAN W.SCOTT laridade nas prefeituras ¢ nos varios arrabaldes de Paris, tentando convencer as mulheres a nao fazer 0 “voto de obediéncia”, ao se casarem com. seus homens, “Nao, Senhor uma noiva, que provavelmer ta, “Tundo deves obediéncia e submissao a tou marido [... Tu és igual aele em tudo [..] Procu- ra viver a seu lado, ¢ ndo a sua sombra [...] Levanta a cabeca |...) Procura ser sua amiga, sua companheira; e néo sua escrava ou sua em” pregada”.® Mesmo depois de ser descrita como histérica, ser comparada aos padres que, que- rendo injetar nos casamentos civis, per- turbavam as ceriménias, ser rejeitada por ou- tras feministas e pela sociedade de livres-pen- sadores cujo nome ela invocava para suas attudes,além de ser ameacada de prsdo pela policia, Hubertine Auclert continuou a es- crever sous artigos, dentre os quais apelava as mulheres para que, ao se casarem, néo assu- missem os nomes dos maridos ¢ insistissem no regime de sparagéo de bens em seus contatos is “Para uma mulher, o fundamen- lade no casamento esta na manuten- "u proprio nome e na posse de um sa- lario ou de uma renda”. Custou-he superar a prépria reluténcia em se casar com © amante, ‘Antonin Levrier, quando este ficou gravemente doente, na iminéncia de morrer. De 1888 até 11892 ela viveu como sua mulher, na Argéla, onde Antonin Levtier exercia a magistratura, voltan- do a Paris ¢ a0 feminismo depois que ele mor- reu, Em 1904, Hubertine reuniu-se a um grupo de feminists, por ocasido do centensrio da pro- mulgacéo do Cédigo Civil, a fim de queimar em pblico uma cépia desse documento, que “es- cravizava” as mulheres da Franca, Em 1908 ela derrubou uma urna eleitoral no Quarto Distito, Levada ao Tribunal, defendeu-se dizendo que 2 crime algum contra a Repiibliva, nas exercido seus direitos politicos, 170 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, "los, désespéréedene em nome da liberdade republicana, Declarou {0s julzes que se baseara em precedentes his- téticos de revolugées anteriores, quando “os ho- ‘mens levantararn barricadas para preservar seu. direito ao voto”: A militincia de Hubertine Auclert abarca- va um variado leque de atividades, a maioria das quais de acordo com os 1 dependénca de_nos de cidadania; assim ela procurava provar cinco anos de boa con- que as mulheres também podiam ser cidads. 0 dit susenionga ep Ca as primeiras edicdes de La Citoyen- dun ss seranen cabeatho das primeitas edigbes de La Citove: re apresentava graficamente uma ilustragéo de suas intengées. Centrado, abaixo do titulo do jor- nal, em letras pouca coisa menores, eslampava seu nome, com a intengéo de autoproclamar-se uma cidada exemplar. Essa representagao esta- vva de acordo com sua convicgo de que era ne- cesséria a agéo dlreta para que os efeitos reque- ridos fossem alcangados. “E preciso ‘como provas de que o género nada tinha a ver com o exercicio dos direitos. Observava que "to- ‘grupo de criancas de ambos os sexos e submeté- lo ao mesmo tipo de educagi condigdes de existéncia”.% A todas as andlises sobre 0 assunto, portanto, faltavam contetido, pois ndo tinham fundamentagao cientilica. “A ‘bjegao segundo a qual as mulheres nada sa- bem sobre a vida paiblica néo é valida, porque por meio da pratica é que alguém pode se ‘eapacidade como pensadoras e estates an = HERTZ, 1985, p.27-54; GULLICKSON, 1991 THOMAS, JOAN W, SCOTT pela habilidade de aleancar © meio-termo equi- ameacador para a Repablica e cuja figura — profundamente enraizada no imaginério politi co republicano — era, na época, perigosamen- te identiicada com o conceito ederiam fazer com que a lembranga delas ressurgisse hés que tomavam a mulher © primeito dizia respeito indisciplinada, sexualmente agressiva e inracio- nalmente desordeira, que a iconografia popular, ses, esas fries que empunhavam tochas e acavam incendiar Paris durante os dios dias 46 lavante contra © novo gover, identifcavam 0 excesio8 da Revolugio com 0s excess das mulheres.* Estas realmente lutaram reitos e representarara um papel fante na mobilizacéo ‘Comiuna, Depois ais aivdades se tomaram re _resentativas do carter subversivo do movimen- cra uma mulher, uma incendlia, cuja fria de- senfreada ameagava reduzir a cinzas os sistemas de propriedade e de governo que eram abbase da condem social. E pela Faria com que lutavam; uma mul aa -HUBERTINE AUCLERT E A POLFTICA DA TERCEIRA REPUBLICA tes, enearcids plo é, todas imundas ¢ exe. repadas, algumas com 0 peito nu para mostrar (0 cabelos desgrenhados e uma mais ferozes"®, ia a0 pé da letra, essa iconografia, "Edwle Child, etado em GULLICKSON, 1991, p. 250. dde morte de algumas mulheres acusadas de pro- ‘moverem incéndios criminosos, argumentou no eas desculpassem por serem mus paixes eram exacerbadas e que, tregaram a um estado de frenesi histrico, somando a mais profunda ignoréncia Cade por DUFRANCA- & corrupgéo por elas vivida desde o berga”. TEL, 1976,p.134. Para Maria Desraimes (e mesmo para muitos dos que se opunham as relormas destinadas a modificar o status legal das mulheres), apenas corque a natura hes revere, © segundo leh que taneonmava ami- ther numa ameoga 8 Repbea carcezave- a como sein pia supercon do paroad, Arena 20 voto fominno ee urna va, em grande pate, na cena de que a mr Theres eam exageradarventa sents 8 nf tncia dos pdte,podendo relrgar com seus soto o per da dela denial €anepu durante a Terceira Reptiblica.” sblicanoe ferrenhoe, que apotaram a2 173 “Citado por HAUSE, 1987, p. 41, Citado por HAUSE & KENNEY, 1984, p, 16, SOAN w.SCOTT teformas educacionals e legais a favor da mu- Ih Mulhere editor do jomal por ela editado, L! Avenir dees Femmes. Segundo ele, as mulheres precisa. vam se submeter a intensa alividade educacio- nal para ficarem livres do “perigo negro” do cle- 10, “Entre nove milhdes de mulheres que ram a maturidade, somente uma pequena cela votaria livemente; 0 resto cumpriria as. dens vindas do confessionério”.® Um outro re- Publicano, o filésofo solidarista Alfred Fox Ha em consonéncia com seus confessores, que Por sua vez receberiam ordens de Roma. Em vvez de contribuir para 0 progresso, creio que 0 voto ferninino traria 0 retrocesso. Esperemos, A. ‘Questéio me parece prematura”.*! Em 1907, 0 do partido radical, Georges Clemence: niimero dos que escapam a0 clero é ridiculamente baixo”, adverti actescenta que, caso “amanha fosse dado as mulheres o direito do voto, a Franga, repentina- * mente, retrocederia para a dade Média” A crenga de que a mulher era excessiva- mente propensa 2 religiosidade reacendia ve- te identificadas com a facgéo clerical e anti-republicana. Como sua presenca era uma ameaca constante & con- tinuidade da comunidade politica, sia excluso era justificada. Tais argumentos, porém, consis- tiam numa faca de dois games, Por um lado, ‘auibuie-se:o comportamento feminino a falta am HUBERTINE AUCLERTE A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA de instrugao, assim as mudangas ficariam um incremento da edu- mulheres; por outro, explica- theres tinha ratzes nao s6 em aspectos institici- tonais, mas em caracteristicas psicolégicas, de As gandeshistrias de Emboraa objecio de A. Fouillée depois de décadas de educa- francesas, numa época em. ue intimeras mulheres educavam com éxito as 1 eriangas sobre os valores seculares da Reptbli- ‘a, 2 figura da mulher piedosa agrlhoada a seu uava a servir de ampla justif- e se negasse a ela o direlto ao ara a concretizacéo da cidadania no seio da Repablica ‘Apesar de suas diferencas aparentes, am- bos os chavées — 0 da fanatica obediente & pia e o da revolucionaria de sexualidace desen- freada — eram na verdade dois lados da mes- ma moeda, pois concebiam as mul ‘metidas a influéne do controle racion comprovadamente, dade excessiva ¢ a falta de disciplina conjura- ‘vam para fazer das mulheres uma ameaca & Replica, Até mesmo dentro do lar a mulher ppoderia se tornar um agente da subverséo cleri- Cal, mas a ameaca que ela representava no do- iio politico era muito maicr, ‘Hubertine Auclerl procurou apresentar al- tetnativas que apagassem essas imagens. Ao as “ AUCLERT, 18896, 71 %, ‘ AUCLERT, 1881, p. 92 JOAN W. SCOTT aceitar a reveréncia da Terceira Repiblica ac Positvismo, ao secularismo e & ciéncia, ela se revelava como uma pessoa eminentemente ra- ional e disciptinada por forca da légica, urna recortente em seus escritos. Ten- 2 as mulheres a demonstrat mais a do que aqueles que as opri- miam e, frequentemente, denunciava a desigual- ther & prova da légica: al dizer que as fungées esp impediam de votar? Pois faze. co” quanto privar a mul Jeanne Deroin. Feminis- ea de suas campanhas a ia identificacao com uma tradigéo construfda ou “inventada”, Oiympe ‘O método de Hubertine Auclert era cienti- fica, dentro dos padrées da época; a verdade para ela era uma questao de fatos, os quais se- tiam elogientes por si 6s. Embora acreditasse que o enquadramento de um fato num racioci- nic léaico eliminava a contradigao, seus prépri- (8 argumentos — como os de Gouges ¢ os de 176 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA Deroin —néo eram desprovidos de paradoxos, Frequentemente ela conciufa veementes tincias dos efeitos danosos da excluso da da cidadania, oferecendo provas “Podemos provar nossas alegagies 2 Os ndémeros eram, para ela, ain- da mais convincentes e semipre os trazia con- sigo para dar forca a seus argumentos. Se al F exemplo, de que oimpasto xa apropriado pelos ho- “La Sttoyenne, 13, fev 188, dasconfianga”." Enquanto pesquisadores so ‘omprovavan suas fses out regulamen- com dados colhidos em pesquisas es- fstcas, Hubertine baseava suas reivindica- eformistas em fatos.* Quanto as mulhe ¥es, por que nao hes pagar por seu trabalho Sobre os pexqusas de Coméstico $6? perguntou carta vez. Quando a pina ABSENBERG, ria, o marido se obrigava a contra- 183,07 5 tar uma enfermeira para os filhos. Nao seria esta uma prova cabal do valor monet trabalho doméstico? Para aqueles a favam que tal pagamento prejudica nous evens raison de nous mer. AUCLERT, 1887, p10, © AUCLERT, 1879p. 123 e mata as mulheres." do sindicato dos tipéarafos, , que, em 1883, alegava que ad- mitir mulheres para a funco de tipégrafas des- tnuiria nao s6 as mulheres mas a propria civili- zacéo francesa Hubertine Auclertrespondia que a tipografia era na realidade uma profisséio que tha perfeltamente. Em u ele profetizou que as a7 JOAN W. SCOTT vvoz € as maneiras grosseiras das homens que ali trabalham; finalmente, elas recairiam num estado pi tural e se tomariam sim- plesmente fémeas". Tornar-se, “simplesmente i6 a negra de Havana ou a arém turco que concardatia em. trocar a hacienda espanhola ou a residéncia tur- ‘ca por um emprego numa tipografia?” Para ele, pportanto, a feminilidade era a pedra de toque Iheres “delicadas” e “elegantes", francesa dependia da “mulher no| resposta a Jacques Alary, Hubertine afirmou que a fungdo de tipégrafa era, como muitas outras, apropriada para as mulheres ¢ apontou com fir- ‘meza para a tealidade dura de fatos relatives 08 trabalhos, por tradigéo, executados pelas mulheres. Seré que o trabalho de uma tipégrafa seria menos monétono do que o de uma baleo- sta, de quem se exigia que ficasse de pé o dia os em égua escaldante e a manipular pesa- dos ferros de passar cheios de brasas? Seré que © alto salério de um funcionétio de tipografia aio salério que urna operéria recebia to costurado, a qual, por pura compen- sagho, era obrigada a prostitulr-se? Os fatos da vida da mulher trabalhadora contradiziam cla- amente as afirmativas de Jacques Alary , sus- tentava Hubertine Auclert, e os que se recusa- vvamn a aclmitr esses fatos agiam ou por interes- se pr6prio ou por m Um desses motivos eram os argumentos ‘com que abertamente justificavam a exclusio da mulher da politica io usavam 0 pre- texto de proteger a Reptiblica de seus inimigos 178 |HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA telonos dave com ume dupa contradic tao flagrante que su explicada pela hip 2 preconceitos que a sociedi nivencia com o clera em a9 JOAN W.SCOTT ta, ¢, assim reforcariam a opiniéo predominan- te sobre clas: “Vamos demonstrar que n&o estamos do lado deles. Vamos nos levantar ¢ fazer com que nossas gritos de protesto sejam couvidos de uma extzemidade & outra da Fran- «2. Vamos declarar em alta var para o mundo que nés queremos ‘Néo abstante tragbes, a tentativa de Hubertine Auclert apre- tar provas contra a hipoctsia preponderan- era paradoxal, visto que, por definicéo, hipo- de interesse pessoal nos atos que praticava. AO mesmo tempo, Hubertine reconheceu a dificul- 1883, ela deciarou seu compromisso de traba- lar no com a forga mas com a “persuasio", AUCLERT,1683,p.282. isto é, com a forca do raciocinio légico.® No ‘mesmo artigo, exortava as mulheres a crar urna forca que contrabalancasse a dos homens: “no se pode exigir da natureza humana mais perfe!- ‘0 do que ela tem; enquanto os homens, sozi- HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, as promessas de alguns “supostos” socialistas de que as mulheres receberiam poderes em uma {ura nova socedade, Huberine denunciou de cumprir suas “sagradas prome: vva.a lembranca das experigncias de Olympe de Gouges: na época da grande Revolucéo, as mulheres trabalharam ingenuamente a favor de ‘mudangas politicas, apenas para serem, logo em Segui, rlearzads e casigndas ples po homens a quem ajudaram a triunfar. Em , repetiu-se a experiencia: 20 proclamarem osdiretes de tous ls frangalse, ao mesmo tem- o, restringitem-nos “a metade da nacéo”, os homens deram prova de seu verdadero “egois- mo". Nada era dilerente em seu tempo, susten- tava Hubertine Auclert. Por que razo uma C8 ‘mara de Deputados, constituida somente de ho- ‘mens, mantida & custa de impostos sobre os salérios das mulheres, abdicaria do dieito de serem juizes e mestres exclusives dessas mes- ‘mas mulheres? Simples argumentos nunca lo- contra semelhante mal. © tinico ia a mobilizagéo; elas tinham de forga de oposigéo para conse- evidenciava na tensdo entre liberais, conserva ores, radicais, ¢ socialistas sobre até que pon- to 0s conflitos politicos poderiam ser permiti- dos para que a integridade da Repiiblica néo ficasse ameagada. Em que ponto as mobilza- ‘goes em prol de um interesse especifico ou em ‘oposigéo a uma politica adotada pelo govemio ultrepassam a linha diviséria entre forca e per- suasio? A questéo dos sindicatos servia de ten JOAN W. SCOTT exemplo: sua legalizacéo, ern 1884, foi 0 reco- no em intervireontra os grevistas (nos confron- tos sangrentos que ocorreram nas décadas de 1890 e de 1900) eram prova clara da confuséo dos limites entre mei @ uso inaceitével da fc ‘Attensa entre persuasio e forca ficou ain: dda mais exacerbada para Hubertine Auclert de persuasso pparlicipantes de uma discussao politica e se ex- 3 por meio da terminologia apropriada para debates. Mas, visto que elas nao podiam volar, eram desqualificadas para participarem de quaisquer discuss6es, e, portanto, impedidas de ulilzarem 0 recurso da persuasdo. E 0 que cera ainda pior: ficavam excluidas dos préprios assuntos em debate. Conseqilentemente, era ‘uma dupla excluséo: no podiam entrar na po- Itica para representar seus interesses e seus in- teresses nao faziam parte dos debates politicos por falta de quem as representasse. des dos advogados ou se tomassem testemu- nhas, eleitores, perguntava Hubertine Auclert, se essns palavras 36 existiam ne masculine? NBO 182 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, bbastava afirmar que 0 género nesses casos era neutto que as mulheres poderiam ser inelui- logia j@ aplicada ao género Neste pas & force de caso a divisio sexual do traba~ wwés de apenas descrevé-la, Todos num debate, apresentavam a dife- 10 um pressuposto natural, ja- iam convencer pelas propostas roblematico do que associar as ppersuasdo era estabelecer sua ca- de raciocinio légico. Quando ine Auclert usava 0 vocdbulo “persua: la queria dizer esforco de repressao sis- ‘uma proposia contrétia. Persuaséo, ha outras conotag6es que contradizi- am a idéia de um processo no qual a verdade prevalecia sobre o erro: denotava elogiiéncia; comrespondia a um apelo néo & mente mas & java convieg6es oriundas da “bele- 9, bem como as persuadir um perstiaséo podia apoiar-se quer no nia verdade; nada havia de evidente- u LITTRE, 187, p. 1078. Le Temps, 17 mai 1880; Gi Blas, 12 mat. 1880. JOAN W, SCOTT ‘mente bom ou mau nas crencas que alguém era persuadido a aceitar® Além do mais, & seme- Ihanga das nocées de imaginagao ou de androginia em épocas anteriores, a persuasio stave marcada pelo género, O uso da beleza, da elogiiéncia e das emogdes a fim de persuia- dir era freqiientemente descito como um estra- tagema feminino. Na verdade, a Ret6rica era considerada como 0 contraponto feminino da Filosofia, que era masculina. A mulher que t- niha o dom da persuaséo era vista mals propri- ‘amente como uma ameaga a0 raciocinio 16g 0, do que como sua encamagéo. Portanto, sempre que uma mulher alegava ‘estar hicubrando algum raciocinio l6gico com a finalidade de persuadit, como era 0 caso de Hubertine Auclert, ea atraia uma reago com- plexa. Por um lado, dada a possibilidade de a mulher estar fazendo uso de seu poder de p suasdo por meios e para fins em geral consi rados fora de expectativa para os padres: ninos, estaria demonstrando, em tal caso, uma capacidade de raciocinio argumentativo, o que, efetivamente, desafiaria qualquer dos esteres- tipos de mulher entéo dominantes. Por outro lado, o fato de uma “mulher légica” ser uma combinagio ilégica, seu poder de persuasio Para'a mulher que se envolvia em politica, pportanto, a persuasso era, na melhor das hipd- teses, ambiqua. Sua habilidade de raciocinio lé- 4gico poderia ser mais propriamente endereca- da aqueles que partilhavam de seus interesses, do que aqueles cujos interesses invariavelmen- te se opunham la. Ao serem excluidas tanto da arena politica quanto da linguagem ee HUBERTINE AUCLERT EA POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA politica, as mulheres perderam 0 acesso aos ‘ma, seu tinico recurso seria abragar a idéia cla forca. Foi assim que as mogoes de Hubertine Auclert passaram a fazer as mulheres duvidar @, em seguida, desafiar os que estavam no po- der, negando-hes 0 direito de felarem pela so- ocinio, os interesses das: mull ser conhecidos e, partanto, representados por elas proprias. A tentativa empreendida por Hubertine ‘Auclert de fazer da mulher poltica um republi- dade, abracada com mais entusiasmo pr palmente nos curriculos escolares, {ualquer conteslagio considerada fundamen. tal. Eis a razdo porque os politicos legiimavam 10 governo dos poderosos e s6 abriam espaco para aqueles que aceitavam jogar de acordo bbém encamavam e representavam uma dissi- dencia que nao pocia ser aceita,) Caso a Revo- lugéo fosse vista como algo sério, e 0 sistema aceitasse as reivindicagées de partcipagéo po- Iitca da mulher, das duas, uma: ou néo a veri- am como fundamentalmente diferente, ou, en- to, a reconheceriam como diferente, nto da estrutura simbélica da politica, politico ferinino s6 cabia 0 papel de Sujet revoliconério — por mals legals que 285 Areepeito desta hist, vy, HAUSE & KENNEY, Aqueles que apoiavam o sulréai | teresses” a serem considerados JOAN W. SCOTT ‘fossem suas aces e por mais racionais que fos- sem suas palavras. ‘A tese fundamental de Hubertine Auclert era a de que havia uma conexao entre os inte- resses da mulher e os interesses do social, Du- rante a Terceira Replica, 0 pensamento fun- cionalista j6 priorizava a idéia de que a mulher tinha interesses especificos, ndo s6 ene mu- ravels a aprovagao do voto irde 1906, o apoio a esses pro- Senado, sempre distante e vador, sistematicamente néo 0s aprovasse, ‘gumentavam que as mulheres ali tinham urn conhecime cindivel para que da mulher, portanto, tinham de dos pelo voto da mulher. Ferdi deputado da regiéo do Sena que presidia, em 1911, na Cémara 0 comité para as questées do vvocar as mulheres para que prestassem sua “ um Jaboragéio social” pelo voto: “Tem sido obser- “*BUISSON, 1911, p.208. vado na vida pablica quea mulher € tio ou mais ualifeada do que oomem para cuidar de um 'bom némero de interesses e a eles s ‘es interesses se relacionavam com assunios de “familia, assistOncia publica, higiene, protecéo HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA Huberfine Auclert apelava para esses “in- de politica da mulher. As ambigtidades do ter- mo, porém, eram um grande desafio para ela, pois a palavra “interesse”tinha a conotagéo de bem como de fade, e mesmo 8 € grupos eram jogados uns contra os outros, quando os inte- resses eram conflitantes; mas também estimu- lava a solidariedade, quando os interesses eram comuns ou quando havia uma identidade com- partilhada. Era uma palavra que ao mesmo tem- , po unia e dividia. Além disso, a nogio de in- teresse implicava a existéncia prévia de pessoa * cuja vontade estava em jogo. O sintagma “inte- resses da mulher” evocava um ser dotado de um conjunto constante de necessidades e caracte- risicas —o que hoje denominarfamos de con- cepgio essencialista da mulher —, mas também comtiao risco de particulerizé-la de tl forma, que acabaria por confirmar os velhos arguments para‘a exclusio da mulher do campo politic, Hubertine Aucler, mesmo quando apela- va em favor dos “interesses das mulheres”, ten- * tava evitar a essencializacéo e a particulariza- G60 delas. Sempre lograva éxito, porém, quan- do explicava que a patticularidade das mulhe- res no era sendo o efit histrico de leis cons- titucionais (a comecar pela Constituigdo de 1791), que destituiram todas elas dos direitos polticos que algumas (por nascimento ou por casamento} tinham usufruido no passado. A exclusdo legal das mulheres como um grupo, aigumentava, encorejou-as a militar a favor da restauragéo da justica perdida ‘Ao mesmo tempo em que insistia sobre as origens historias dos interesses das mulheres, Hubertine Auclert sustentava que eles estavam em consondincia com os interesses sociais em 187 JOAN W. SCOTT eral, Ela tentava, entretanto, ndo confundir um com outro, a fim de que no se perdesse a 08 da muither, quando aluta pea igualdade de todos (isto é, igualdade com os homens) era a meta final Em 1881, Hubertine Auclert expds suas idéias sobre a necessidade de um jomal e de luma organizacso devotados ao interesse das ‘mulheres: Para aqueles que nos acusam de ser- ‘mos exclusivistas, de tomarmos a questao das mulheres uma questéo a parte, nés responde- ‘mos que seremos obrigadas a por em evidéncia ‘© problema da mulher enquanto a mulher for tratada de maneira diferente. Enquanto a mu- Iher nao tiver o poder de intervir, a fim de defen- dlr seus interesses, onde quer que estejam em jogo, nenhuma alteracao das condigées polii- co-econ6micas vai trazer melhorias para sua claro nessa afirmagéo se 0s 2 resultam da diserimina- ‘G40 de que so vitimas ou se a discriminagao & {que as impede de defender os Inter tentes. Essa imprecisio, na verda ta a identidade coletiva das mulhe dela a cusa eo produto de umn mobllaario conjunta, Quais eram os “interesses das mulheres”? Hubertine Auclert raramente dava maiores ex- plicagées sobre eles, a ndo ser quando se tra- tasse de fazer do direito ao voto, a0 mesmo tem- interesses har social e sextalmente era a raiz de toda a ee JOAN W. SCOTT HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, {e6ricos liberais sugeriam, que a diviséo sexual ‘monopolizagao do poder masculino no comér- do trabalho era um paradigma para a divissio cio e na politica, além de ser a causa da defesa social do trabalho, entéo as mulheres e os tra- comporativa de investimentos particulares essen- balhadores inham que abragar uma causa co- redundaria na perenizagSo, e ndo no de- saparecimento, da ignorancia e da supersticéo, ‘A missdo francesa, dessa forma, solapava seus préprios objetivos: mulheres como exéticas, sensu- ie vida.” As imagens que ela apre- 1 fisicas @ exdticas: la descrevia os ccorpos explorados e exat Ineres copulando nas ruas, meninas forcadas 220 sexo, mulheres agonizando por forca de dar € luz muitos filhos, maes com peitos deforma- jentando seus filhos com seu. exploracao das mulheres francesas, petigo da situagéo, como Hubertine Auclert 0 via, ndo era 0 simples fato de que a condigao das mi “civil nas ainda 0 fato de que o3 admi- nistradores colonials se deixavam contaminar pela corrup¢ao, corrompendo por extensio 0s altos padroes da Franca civilizada. Se os ho- mens franceses colaboravam, ainda que por ‘omisséo, para degradar, o que os impediia de tratar as mulheres da Franga da S6 a forga moralizadora da mulher francesa poderia remediar essa situacéo. Se as france- sas votassem e participassem da politica das col6nias, as mulheres das colénias acabatiamn orreceber a mesma educagéo que os homens. HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA, Asargelinas, entao, poderiam desenvolveras vir- tudes do republicanismo secular pelo exercicio. do voto, e a *misséo civilizadora” estaria no caminho certo. Na época, escreveu anos mais tarde, “mulheres brancas educadas” nao po- diam votar, ao passo que “negras selvagens” rine apoiasse 0 diceito " de votar numa rept- tratamento preferenc- ‘alem telagao & mulher branca “um insullo con- {ra a raca branca”."' Na verdade, o precon- ceito racial era 0 fulero desse arqumento. As mulheres francesas “civilizadas”, que é haviam triunfado sobre os instintos e paixées do cor- seriam a fonte da discipl- para toda a nagéo e seus ‘membros, E, também, & semelhanga das mses, iriam educar seus filhos para que se toras- sem cidados leais & Reptblica. (Quando, po- rém, se tratava dos outros filhos — os “nati- vos" —, a analogia da familia, antes redefinida para que os papéis do pai e da mae fossem ‘igualados, mantinha, entdo, todas as conota- ‘Ges de hierarquia e dependéncia.} Em suas consideragées sobre a mulher ar- gelina, Hubertine Auclertransformou o interes- se das mulheres em sinénimo perfeito de inte- resse nacional, Seus argumentos, entretanto, ‘do eram totalmente originais. Seu objetivo era ttilzar 0 conhecimento que as mulheres tinham do social para a formulagéo da politica, era transformar a mulher numa parceira que usu frufsse das mesmas vantagens e de todos os di- teitos atribuidos ao homem na administracéo da nagao. Enfim, seu desejo era acabar com a separagio entre 0 politico ¢ o social, sem apa- gay, por completo, no entanto, as diferengas en- tne homem e mulher. A identidade da mulher amy eleitorado politico particular seria con- 197 ' vamente masculino. JOAN W. SCOTT quistada pela oposicéo critica & politica exis- publica negava 0 cardter particular dessa iden- fidade. “Quando a mulher, cujos interesses no Estado sd0 0s mesmos que 0s do homem, esti ver, como ele, armada dos necesséros dieitos pata se protege, para se defender, para melho- tar sua condigéo, entéo a Franca, de posse da soma total de suas forgas mentais, ocupard seu lugar de lideranca no raundo,"= A semelhanca dos socialistas, cujo apoio "ela buscava, Hubertine Auclert se recusava a abandonar a idéia da soberania do povo. Para ‘que uma auténtica igualdade se concretizasse, sustentava ela, seria necessério que o Estado no mais fosse considerado como um pai (por mais generoso e solicito que fosse), e a cidacla- hia nao mais poderia ser um dominio exclusi- 4J4 havia muito tempo que Hubertine ‘Auclert denunciava a identificacéo ‘com a masculinidade como algo egoista ¢ anti- social. Qualificava a ficco evolucionista que ‘exciufaas mulheres da esfera politica como uma, fabula que mascarava uma expulsao injusta, conseguida por meios legais® Considerava 0 ‘emprego da forga estatal para proteger a domi- nnagéo masculina como uma usurpagéo caleu- lada, que contrariava a finalidade expressa da Reptiblica, Por isso ela rotulava como absurdo © pedido de Jacques Alary, lider do sindicado dos tipografos, no sentido de que a legislagdo. “ctiasse obstéculos intransponiveis” no cami- nho das mulheres que buscassem emprego nas tipografias.** Segundo Jacques Alary , caso se ‘admitissern as mulheres como tinégrafas elas se tornariam homens, ¢,entéo,inevtavelmente, os 198 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA homens se torariam mulheres: “E inaceitével que os homens tenham que viver como zangéos e ficar em casa para cuidar dos afazeres do- mésticos” ® Viver como um zangSo era ser va- lorizado apenas como um reservatério de es- perma para a rainha, apenas como um agente lnmubersoursoigerie de Yeprodugéo. Viver como um zangao era ficar erage. reduzido & categoria de fémea humana, e, por- tanto, degradar-se como homem. Nenhuim go- tra tal de- tia contra tal degradacao. Para Hiubertine, esse ‘uso do poder do Estaclo era urn abuso em favor dos inteesses egoistas dos homens. Huberline Auclert aiacou publicamente a associacéo entre o Estado e a masculinidade dos cidadéos, mas a solidez dessa associacéo ficou bem evidente na tea¢éo provocada con- tra um de seus protestos, em 1908. Acompa- nnhada pelas feministas Caroline Kauffmann ¢ “ment” do “sufegio unisenua!” testemunho mais tarde, um dos ager ras relatou que, a0 presenciar a mado por uma terrivel sensagio de Ge, feando como que petiicado pel Medusa.* impossvel, depois de Freud, ler esse tos termunno sem pensar em castragSo. Se cons '** derarmos Freud o intérprete de uma certa logi- queé. JOANW. SCOTT Decapitar = castar O terror dle Medusa 6, pportanto, um terror de casirapto, ligado ao foto ‘de veralguma coisa, Numerosasandlisesfzeram ‘com que conheeéssemas a ocasio em que isso pode acontecerocorre quando um mening, que ‘vel cabeca em seu “uma mu- ther inabordével, que repele qualquer desejo sexual — pois ela oferece 0 hontpilante érgio da castracio, ‘odin € acompanhado de al- ‘gum conforto para 0 menino, que é a base de ‘sua conscientizacao da diferenga sexual. Assim escreve Freud: A tisto da cabega da Medusa dea o es- ‘pedlador duro de terror, transforma-o em pe- dire. Observem que temos oqu! mais uma vea.a ‘mesma orlgem do complexo de castragao e @ ‘mesrna transformagéo de afto, pois tomar-se rigido significa ter uma erego, Portanta, na or gem, ela reconfortao espectadior: ele ainda esté cde posse de seu pénis,o que fea assegurede por seuentjecimenta®® ‘A Medusa, portanto, tem um efeito duplo: € 20 mesmo tempo uma ameaca para a forca sexual do homem e sua confirmagao; a0 incor- porar © horror daquilo que poderia ser, a ima- gem intensifica o desejo, a fim de preservar © Na verséo do agente eleitoral, a violenta interupcao do exercicio do direito ao volo (Hu- bertine Auclert pisoteou as oéelulas espalhadas 200 [HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA no chao) foi sentida como uma ameaga de cas- tragio, Ao pér em divida alegtimidade de uma des linhas divisérias que separavam os s2x0s, considerourse que Hubertine punha em divida a propria diferenca sexuel. Ao mesmo tempo, porém, a legalidade de sua acéo (ela foi presa ¢emullaa por um juz) tomava inécuo seu ques tionamento, reconfortando o agente eleltoral com a idéia de que 0 voto (como o falo que o voto encamava) era um aiributo somente dos homens. Foi exatamente essa asso: © falo e 0 voto que levou um jornal recusar a reivindicagao que Hubert fazia pelo voto das mulheres nos seguintester- mos: “Dame Hubertine esté pedindo que nos demitamos de nossa fungéo de homens? Que sociagio entre a mas. voto fivesse base na di Le Gao, 7 yun 1277, Ela apontava para o fato de que nem todas as dlivisbes sociais seguiam as linhas do género: ser homem ou mulher é téo importante na dis- "Ee homme ou femme tribuigéo das fung6es sociais quanto ser alto ou. cabelos castanhos ou loiros, gordo ou agro" ®? A divisio por sexo no campo sociopolitico era uma imposicao arbitréria, Bone, gras ou maigre’. acrescentava ela, tada para proteger 0 Ja te des femmes monopdio mascuin sob 2 sgcitoverme, 19 sobre o podel , enfim, 0 que ele aan convencionou alvitrar “coisa de homem”. Para #80 logo as mulheres lives- iam representar muito mais € sociais do que os seus . Na sé enta € que o social 108 polticos e os sociélogos a ele = Naquela époce, 08 ter mos dos debates sobre aprovada. AUCLERT, 1908a, p. 60. V. BRU: BAKER. 1992. etre mires qe fem- mney dete sldats, AU- CLERT, 1908a, p.46 & pas, © AUCLERT, 1885, p. 42 @ AUCLERT, 1885, p. 41 "0 valor social das contribuigées dos hor "das mulheres para a nacéo era equivalente, * mulheres serem soldadi JOAN W. SCOTT A viséo de Hubertine Auclert suplantava em termos de acdo democratica os tedricos jo discurso invocava. Em sua ver- ica republicana, as mulheres (isto é, eram as receptoras passivas da assisténcia do Estado, mas agentes ativos, cuja dinamica estava simbolizada no voto. Mesmo ‘os dots sexos tivessem naturezas fundamen. come tal deveria ser reconhecido As mulhe- * res garantiam a reprodugo da populago na hhagéo, a0 passo em que os homens a defendi- am. Na verdade, se apenas fosse levado em conta o tempo despendido — algumas sema- nas de treinamento militar contra nove meses de gestacso — “seria infinitamente mais dificil para os homens serem mées do que para as Hubertine Auclert endossara proposta de uma lista de mulheres candidatas a cargos politicos, em 1885, segun- do a qual deveria haver servico militar obriga- {6rio para os homens e servigo humanitério obti- sgaldrio para as mulheres: "Defesa do tenitrio para os homens — cuidado de criancas, de ido- sos e de doentes para as mulheres® >” Tarefes jalmente vitals, ga- ‘a Replica tinha se comprometido, Depois que essa meta fosse alcancada, a pi ela em 1885. Nessa metafora, o monstro pre- dadior seri-humano que exige tributos em ouro e-em sangue seria substituide por uma figura 202 HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA velhas; doentes e sios. A maniaga do Es- tado comesponderia a sua feminizagao também, presentagio de Hubertine, 0 reprimido ressur- ge: aquele que, no Estado, encarma o paciente (isto é, o social), toma-se o agente, deste modo, fica perfeitamente restaurada a soberania po- Foi, na verdade, a mobilizagao popular do social que Hubertine Auclert usou para definir sua campanha a favor do voto feminino, Em- ita da persu- lino: “Isto coisa de homem’, ® Na verdade, ria uma forca de. pressionar a opiniao ‘das mulheres: “Se os porque se unem e se ¥ homens (Faisons comme les hom is comme les hommes” fol um grito a represeniagdo das classes operéias tha, desde o final dos 203 JOAN W. SCOTT masculino. O grito de guerra de Hubertine ‘Auclert ora anunciava a intengSo de comparli- Thar, ora de conquistar esse poder exclusivo, Em qualquer dos casos, o resultado seria o mesmo: a cidadania de sua capacidade de ou de confirmar a masculinidade, pri- vando, assim, o Estado do papel de represen- Como tora aectvelo papel do Estado? Ao forcar seus contemporaneo: < , Hubertine revel jerenca sexual ¢ a bbou por ser nao s6 a origem softia ¢ mas ainda a fonte da seu feminism, Nos anais do feminismo francés, Hubertine ‘Auclert tem sido lembrada menos como figura pioneira do que como militante: grande niimero de seguidores nem Ihe cong tou orenome de uma Olympe de Gouges ou de militantes do ni f Pankhurst, na Inglat Anthony, nos Estad ‘medida que o moviment or do voto femi- nino ganhava seguidores em massa, os esfor- {gos de Hubertine Auclert ficaram mais eclipsa- dos do que gloificados. Sua reivindicagso de vada prematuy ministas que abre HUBERTINE AUCLERT E A POLITICA DA TERCEIRA REPUBLICA de, Amargamente, Hubertine chamava essas ne6filas de oportunistas que, sempre “fingindo "ado por HAUSE, 1987, p. 206 prezava-lhes a Uusurpacéo do que ela considerava seu lugar de direito na Historia, De certa forma ela tinha razéo. O funeral de Hubertine Auclert, em 1914, atraiu grande rntimero de feministas, que ouviram fervorosa- mente mais do que uma diiia de oragées ffne- bres. Sua morte foi manchete de primeira péai- HAUSE, 1987, p.216- 218. in assegurava que Hubertine Aucert nha 10 jus ao titulo de “mae do voto das mulhe- que este se tomar realidade em ‘uma vez atraido atengso .,na década de 1970, quando do movimento, sua prime! cla, em 1987, por [.-] forgar néo produz novas conviegSes. Ai, leva tempo para que as flores desabrochem, assim 205 HAUSE, 1987, p. 218, JOAN W. SCOTT ‘como leva tempo muclar mentalités. Mas o tem- po é longo, ¢ a vida é breve!” ™ Hubertine Auclert ndo alcangou, nem du- rante sua vida nem depois, o tipo de reconheci- ‘mento hist6rico que procurava, o que néo é um fato de todo surpreendente. Por um lado, a am- plitude do movimento e a diversidade de posi- Ges estratéaicas que surgiram de 1870 a 1914

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