O que me di no
O que h no corao
Mas essas coisas lindas
Que nunca existiro...
So as formas sem forma
Que passam sem que a dor
As possa conhecer
Ou as sonhar o amor.
So como se a tristeza
Fosse rvore e, uma a uma,
Cassem suas folhas
Entre o vestgio e a bruma.
Fernando Pessoa, 05-09-1933
____________________________________
H no firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.
Quase maresia
A hora interroga,
E uma angstia fria
Indistinta voga.
No porque a brisa
Ou o que quer que seja
Faa esta indecisa
Vibrao que adeja 1,
No tenho sentido,
Alma ou inteno...
Stou no meu olvido...
Dorme, corao...
________________________________________
ACONTECE EM DEUS
Suavemente grande avana
Cheia de sol a onda do mar;
Pausadamente se balana,
E desce como a descansar.
To lenta e longa que parece
De uma criana de Tit
O glauco'1 seio que adormece,
Arfando brisa da manh.
Parece ser um ente apenas
Este correr da onda do mar,
Como uma cobra que em serenas
Dobras se alongue a colear.
Unido e vasto e interminvel
No so sossego azul do sol,
Arfa com um mover-se estvel
O oceano brio de arrebol.
E a minha sensao nula,
Quer de prazer, quer de pesar...
bria de alheia a mim ondula
Na onda lcida do mar.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
No sei ser triste a valer
Nem ser alegre deveras.
Acreditem: no sei ser.
Sero as almas sinceras
Assim tambm, sem saber?
Ah, ante a fico da alma
E a mentira da emoo
Com que prazer me d calma
Ver uma flor sem razo
Florir sem ter corao!
Mas enfim no h diferena.
Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela florescer
Em ns ter conscincia.
Depois, a ns como a ela,
Quando o Fado os faz passar,
Surgem as patas dos deuses
E ambos nos vm calcar.
St bem, enquanto no vm
Vamos florir ou pensar.