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A whe a JAMES FENTRESS— CHRIS WICKHAM MEMORIA SOCIAL NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE O PASSADO Tradugao de Telma Costa teorema RECORDAR —0 hortor daguele momento — continuou o Rei. —Nunea, nunca esquecerei! — Mas his-de esquecer — se a Rainha — se nio fizeres disso uma lembranga, Lewis Caroll Do Outro Lado do Espelho Sobre o que temos dentro da cabega A meméria & um assunto vasto e 0 seu trat cologia 4 filosofia, da neurologia a hi mento completo iria da psi t6ria contemporinea e da zoologia & petite madeleine de Proust. Mais modestamente, este livro limita-se a duas tarefas, A primeira € mostrar qualquer coisa sobre o funcionamento da me- méria. A segunda € langar um olhar critico sobre 0 modo como historiadores € sociélogos tém encarado a meméria e a tém usado como i rumento de pesquisa e sugerir algumas vias para obter resultados mais convincentes me diante uma methor avaliagio do carécter do material que Actualmente, os ramos da histéria directamente baseados na meméria — Ie a etno-histéria, mas outras Areas também — tor- naram-se disciplinas reconhecidas. Deram origem a estudos, manvais, jor- sobretudo a histéria 13 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM nais especializados e, inevitavelmente, a um debate por vezes acintoso sobre téenicas e sobre o valor dos produtos alta de Tit quéncia singularment © que é la cabados enquanto «histérian. P no haver fatura sobre a matéria, Contudo, 0 debate é com fre- sttito, indo por vezes além da auto-justificagao. nentavel & que, por mais radicalismo presuntivo que haja na afirmago do especialista da histéria oral de que esti a reescrever a histéria «do fundo», os del qu fes ficam muitas ve: s confinados as tradicionais ificas — o re ‘Ses © perspectivas histori perigneia das 0 que ae: pessoas vulgares tem para a historia, o significado histérico de uma visio de fundo ou 0 grau de influéncia que a cultura de elite pode exercer sobre @ cultura popular. Nada ha de errado nestas questdes; mas so questées gerais de historia social. O que geralmente falta € a nogdo da pai natureza da mem icular ja como fonte. © que define a histéria oral e a coloca a nal, o ff € nao em textos. Contudo, os seus historiadores parecem sentir relutancia te dos outros r nos da histéria é, 9 to de assentar na meméri em destacd-lo, preferindo, aparentemente, tratar a meméria como um con- junto de documentos que acontece estarem dentro da cabega das pessoas € no n Arquivo publico. Uma raziio desta relutancia em colocar precisamente a meméria no cen- tro do de rate pode residir no facto de os especi ialistas da historia oral rei- vindi as suas foi ¢ temas, uma dignidade igual & dos historia- dores tradicionais (ver infra, p. 114-15). Querem, em suma, quie os levem a sério, O desejo de iimidade também aju 7 2a explicar a obsessilo pela metodologia que caracteriza muitos deles ¢ muitos dos seus projectos de histéria oral, Ch fo que se compreende u erto cuidado de organizagai num ramo da historia que assenta tanto no trabalho de equipa, mas todo este vo dado ao método pode ocultar o f to de nilo se saber bem 0 que procura. O que ¢ a memoria?” Cagamo-la com um questiondrio ou devemos usar uma rede para borboletas? Por outras palavras, existe um perigo de reificagio, No entusiasmo de ecolher «memérian, de reunir os rquivos do testemunho oral, podemos estar calmamente a conferir 20 nosso objecto 0 cardcter de coisa sei n nunca nos determos a perguntar se tal se justifica, Claro que se pode argumentar que esta reificag ro passo de quala é portanto ne -vinda, Pois nao é a definigio do objecto o primei- er discurso cientifico? Tratar objectivamente a meméria sitio para defini-la como objecto. Tudo isso pode ser ver- 4 s acintoso sobre istorian, Parece bate é com fre- to-justificagto, ivo que haja na ver a historia tradicionais experiéncia das 9 de uma visio © exercer sobre jo questies ‘0 da particular ral e a coloca i entir relutincia como um con- das pessoas néria no cen: storia oral rei- a dos historia- ue os levem a bsessio pela S projectos de nizagao nas todo este = bem o que se io ou devemos iasmo de al, podemos sem nunca umentar bjecto o primei- pode ser v MEMORIA SOCIAL dade; mas toda a discuss comes por girar em tomo da questio de saber se a meméria possui na realidade esse cardcter de objecto. Se no o possui, pode ser que o «objector da de objecto da investigagdes no pa nossa propria imaginagio. A predileegao dos especialistas da historia oral em falar de meméria em termos de «registos» ¢ «doc imentos falados» revela até onde ji se espalhou a reificagio, Trata-se de uma maneira de falar da meméria que niio sé a objectifica como a transforma em texto. Com efeito, ambas as coisas cabem no mesmo paradigma geral, a que podemos chamar «modelo textuaby da meméria, Como veremos, este modelo teve © continua a ter uma grande ine fluéncia. Nada disto € na realidade surpreendente, pois 0 modelo é em sia expresso de uma predisposigao generalizada da moderna cultura letrada para defi if conhecimento em termos frascoldgicos, isto é, definir con mento em termos de declaragdes expressas como Lin v em, ou como pro~ sica ou cientifica!, E caracteristica a tendéncia para dividir o conhecimento em trés v posigdes, numa qualquer notagZo 16 stas categorias: 0 conhet mento proposicional ou conhecimento sobre coisas; conhecimento sensorial @ empitico ou conhecimento directo de coisas; ¢ conhe conhecimento de como fazer fisiea cimento habil ou 's como andar de bici cleta (cf. a andlise de Rorty, 1980, cap. 3). Destes trés tipos, habitualmente 86 0 primeiro ¢ tratado como conhecimento no pleno sentido do termo. Exa- minaremos os antecedentes istéricos desta concepsiio do conhecimento mais adi neste capitulo; por ora, precisamos apenas de chamar a ate para uma consequéncia desta concepe2o: transforma o proprio conhecimento numa espécie de «objecto» — qualquer coisa dentro das nossas cabegas. Mary Warnock coloca muito bem a que A ortodoxia [filosét a] tem defendido que © conhecimento nao é um estado de espitilo... Quando... digo que conhego uma coisa nao estou a cansmitir uma exper elaragio da le do que afismo. (Seg mais um bem cuja propriedade pod seis intima, F que conhega & fazer uma de- mos reivindicar (eon ou sem razto) (1987:39) 0 enunciado elissico desta concepeto do contesimento & de Austin 1 Needham, 1981, d in da meméria, 46, Warnoek, 1987, nonstram efectivamente as ralzes epstemoldgieas de toda a anilise da psi 15 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM ‘A distingio aqui crucial ¢ entre conhecimento e sensagiio. O conhecimento pode «pertencer-nos» temporariamente; mas no proptios no sentido em que o é a sensag3o. O conhecimento pode se acrescentado ou subtraido sem que sejamos alterados em qualquer aspecto fisico, Ter 6 uma parte vital de nds nos sum con mento na nossa cabega & portant muito mais como {&lo num bocado de papel que se traz:no bolso, Claro que o primeiro pedago de conhecimento é mental, ao passo que o segundo é fisico, e esta é uma dife renga de modo algum desprezivel. Mas 0 facto é que a analogia se aguer ter conhecimento na ca no bolso, A vant ca é, no seu aspecto mental, a mesma coisa que t em desta doutrina & separar 0 ¢: Isso eria a possibilidade de 0 con noscente daquilo que conhece. iecimento ser objectivamente verdadeiro. A falsidade do que afirmamos existe independentement Nada é verdadeiro (ou falso) s6 porque por acaso 0 verdade ou de nds. irmamos; se a assergiio entdo & verdadeira em qualquer parte independentemente de ou de onde e de que maneira ¢ feita, Portanto, a doutrina ajuda a distinguir a verdade objectiva de uma asserg3o que no dependa de pessoas da interpretagio do significado da assergdio que € expresso do juizo subjec- tivo de uma pessoa ‘A desvantagem de tal doutrina for verdadei quem a fi oma-se evidente, porém, no momento em que tentamos usi-la como base de um modelo de meméria. Ao contririo de conhecer, recordar parece obviamente um estado de espirito. Recordar € uma exper ncia ou actividade realizada pelo espirito. Isto ndo s6 opde re~ cordagio 2 conhecimento como, ¢ de uma forma mais radical, ameaga separar por completo as duas coisas. Parece possivel, por exemplo, «saber- mos» coisas (t riamente sermos capazes de as Jas no espirito) sem neces: recordar, Conhecer uma coisa e recorda-la \dependentes. Seri © contririo possivel? Poderemos «recordar» coisas sem as «onhecer»? Se pensarmos «onhecer» prioritariamente relacionado com saber factos que sto objectivamente verdadeiros, entio é na ge eralidade possivel, pois a maior parte do que recordamos esti sob a forma de emogdes, sentimentos zens sensoriais recordadas, Estas silo as coisas fantasias recordados, ou ima que podemos recordar sem as «conhecer» objectivamente, Claro que muitas vezes recordamos informagdo como a 108, a verdade da informago 1 ago. ¢ localizacio do contentor que a alberga. Descubro, por exemplo, um facto separado de nds; nestes c: \da tem a ver com a con! 16 2. O conhecimento Parte vital de nés 0 pode ser-nos qualquer aspecto muito mais como © primeiro pedago esta é uma dife alogi ma coisa que té-Io se aguenta uilo que conhece, 0. A ntemente de nés. 208; se a assergiio dendentemente de 1 doutrina ajuda a rte verda >enda de pessoas, do juizo subjec- m, No momento ria. Ao contririo irito. Recordar é do s6 opde re- radical, ameaga xemplo, «sabe 9s capazes de as spendentes, Seri «conhecem? Se ‘aber factos que possivel, pois a s, sentimentos e as sio as cois Igo separado de a configuragio mplo, um facto MEMORIA SOCIAL interes: te que quero preservar. Que fago com el computador ou telecopio-0 por satélite para alguém do outro lado do globo, Em alternativa, posso decigir simplesmente recordi-lo. Conquanto a informa- Gio permanega idéntica, porque haviam de importar a localizagiio ow a forma? Porque havemos ? Eserevo-o, meto-o no equer de imaginar que a informagdo nas nossas memérias & de algum modo diferente da informagio dentro de computadores?? Mas esta ¢ apenas uma parte da memoria, pois muito do que recordan refere-se-nos pessoalmente e, portanto, nfio pode mesino estar sendo nas nossas cabegas. Se contar a um amigo as minhas recordgdes pessoas, elas continuam a ser memérias minhas; a despeito de mais al continuam a re Assim, 108 1ém as conhe erit-se a mim e a descrever a minh experiéncia pessoal. 10 contririo do conhecimento objectivo, que s6 nos pertence de uma forma conting ente © temporaria, as memorias pessoais so indissoluvel- ‘mente nossas, fazem pi uma i de nés. Este é um aspecto mais lato da meméria, parte que os seres humanos partilham com os animais. Podemos distin- guir-nos de um sapo por sermos capazes de conservar factos objectivos na nossa cabega; mas dificilmente nos distinguimos por sermos eapazes de re- cordar. Portanto, recordamos conhecimento, mas também recordamos sen~ sa ctos da nossa vida es. A meméria, com efeito, penetra em todos os asp mental, dos mais abst itivos aos mais fisicos e inconscientes. A memiria esta sempre operante no nosso espirito; ler este livro, procurar um (Ca o, pensar nas noticias, tudo isso & em parte, exercicios de memoria ey, 1987: ix; Warnock, 1987: 1; Gregory, 1984, cap. 9), Deste modo, a nossa doutrina do conhecimento objective leva-nos a Considerar a meméria naturalmente dividida em dois segmentos. Ha uma Parte objectiva que serve de contentor dos factos, a maior parte dos quais Podia alojar-se em muitos outros locais. E ha uma parte subjectiva, que in- lui informagao e sentimentos que fazem parte integrante de nés e que, por- tanto, se situam adequadamente apenas dentro de nés. A primeira parte da 7 Como alguns Jeitores terdo reconhecid, isto & 0 « forte (ntcligéncia artical) que dz, resumidament john Searle chama o argumento da «lA, em assur que fags qualquer diferenga ter «processo de iquina ow na eabega de alguém. Parece dbvio que a gencralidade 10 entre conbesimento e estados de conscincia ros, nto temos que n0s preocupo os argue os da TA dependem da separa ‘Veremos adiante que isto & simplesmente um coroirio da separasdo entre palawra €abjesto em Descartes ¢ nos empiristas do séeulo XVII, Sobre IA, ver Hofstadter tv Hafstader ¢ Dent 1982: Para a erliea, ver Searle 1987 ¢ Penrose 1989. JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM memeéria € relativamente passiva; limita-se a conservar conhecimento, A segunda parte é mais activa; experimenta e regista para a consciéncia, Deste modo, a distingio entre facto objectivo e interpretagdo subjectiva situa-se na propria estrutura da memoria modelo textual é uma expressio desta concep sto fisic da meméria, Um texto é um n ‘0; contém informagio sobre 0 passado, alguma dela possivelmente rigorosa, Tratar a meméria como se fo e, em certos casos, oga a um texto capta o sentido em que também ela é um contentor de possivel informagio objectiva. Usar esse contentor como fonte implica de- senvolver um método para ir buscar factos fora do contentor. Na medida em que 0 contentor é como um ica submet lo a uma forma de anilise textu Foram os historiadores que desenvolveram essa metodolo- a. Ao analisar um texto oral, + lacionando-o com outros, documentos escritos ou outras pegas informativas, os historiadores cons em, frequen- temente com razoavel certeza, crestituir» o texto a su tua esta versa io no seu contexto social, criando essa particlar p spectiva do passado que © adocumento oral» requer. a sua comodidade, esta analogia ¢ muitas vezes defensivel. Se per guntarmos fo a alguém na rua, tratamos habitualmente a resposta como informagdo objectiva, sem nos p eocuiparmos com 0 de ser ape- has a memoria subj tiva da pessoa. Quando tentamos len para um objecto perdido, parece po! sar-nos de onde es sujeitarmos o nosso espirito a um proceso de jocirar ¢ relacionar, algo semelhante a critica de texto. As vezes, convém tamt xém esquecer que, por tris dos textos dos historiadores ant € medicvais, pouco mais ha do que as memérias dos contemporiineos, espe- cialmente quando lemos esses textos sobretudo pelo seu conteiido factual S6 quando esses historiadores anteriores afirmam, como tantas vezes fazem, uma coisa que nsideramos totalmente impossivel se torna wtil recordar que se basearam, afinal, «apenas na meméria subjectivas Por mais comodidade que dé, por n, 0 modelo textual & analogia. Nao € necessario argumentar que a meméria se of apenas uma fealmente como texto. A al ogia tem os seus pontos fracos, No espitito, a ‘meméria é apenas pensamento. Os textos, pelo contririo, so objectos fisicos © cada texto ¢ independente do seguinte, Se no fOssemos eapazes de separar 05 textos uns dos outros, dificilmente poderiamos analisi-los de modo critico. Contudo, s6 mentalmente podemos separar as memorias, De facto, a condigdo 1B onhecimento. A 2 a consciéneia, Deste bjectiva situa eo da meméria, Um ma di em certos casos, € um contentor de fonte implica de- entor. Na medida em > a uma forma de ram essa metodolo- ‘0s, documentos spectiva do > defensdivel, Se per- mente a resposta facto de ser ape- nos de onde sso espirito a um xto. As vezes, iadores antigos ido factual tas vezes faze! na itil recordar al & apenas uma zaniza no espirito Sc0s. No espirito, a zes de separrat Sos de modo critico, De facto, a condigio MEMORIA SOCIAL de saber seja 0 que for através da nossa meméria é esta manter-se em li R memiérias; se a cadeia se deslizer e todos os elos ficarem separados, deixare- ‘ordar implica muitas vezes viajar para tris a0 longo de um encadead mos de todo de poder recordar. Neste sentido, um historiador que estuda um texto de modo algum s melha a uma pessoa que tenta recordar. Um texto ada do historiado em si completa; pode enviar as suas amensa 18 a0 historiador, mas ndo pode recebé-las devolvidas. Uma recor dagao nao se sepa a assim da consciéneia; nem é posta de parte; entre memé- ria e consciénei ortanto, hi sempre trifego nos dois sentidos. Claro que € possivel construir uma tentaria mostrar que hi oria em apoio da analogia, A teoria uma parte da meméria em que esto armazenadas réplicas exactas do passado. Mais adiante, neste capit lo, examinaremos esta Teoria. Mas mesmo que a teoria fosse em si plenamente convincente, seria ainda assim dificil ver em que sentido essas réplicas se mantém objectivas dentro da nossa cabega. Nao ha raza . por exemplo, para supor qu réplicas esttio menos enraizadas na neuroquimica do cérebro au menos presas as sensages corporais do que as opinides subjectivas, E também ni hi razio para supor que a mi smoria sofra uma alteragio a certa altura da qual se tome objectiva, «Objectivamente verdadeiro & um atributo que s6 pode qualificar a informagdo propriamente dita; ndo influencia a ma cemos. Nos termos da experiéneia de recordar, nao hd nada que distinga a recordagdo de f eira como a conhe: clos verdadeiros da recordagiio de absurdos. Definitivamente, 0 modelo textual de meméria parece estar imerso em con- fusdio. No fundo, 0 que permite utilizar a meméria como for podermos articuli-la, O que fizz a meméria wobjectivan parecer mais objectiva do que a meméria dos sentimentos ¢ da experiéncia pessoal é simplesmente 0 facto de podermos articular e comunicar por palavras iltima, A me a primeira mais facil mente do que a mdria «objectiva» & simplesmente o melhor vei- culo para nossa memé: sportar informagio; & o aspecto a mais facilmen- te acessivel aos outros. Esta dist eo ndo tem porém er da meméria, € antes um facto social, Portanto, aquilo que emerge no ponto de ‘om a estrutura articulagio no & a parte objectiva da meméria, mas 0 seu aspecto social Ultimamente, os historiadores t&m-se mostrado mais inelinados a con frontar questdes conceptuais — a evolugdo das «menta idades» ou modelos da «mudanga paradigmétican proporcionam casos clissicos, Esti aqui im- plicita a aceitagdo da doutrina de Durkheim, que diz, que as ideias susten- 19 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM tadas colectivamente so «factos sociais» e, como tais, resultado de forgas € histéricas. Afirmamos que também a meméria é€ um facto social. Admite-se que se trata de um tipo especial de facto social, pois a meméria 6 em parte € social. Algumas das nossas recordagdes parecem na verdade ser mais privadas ¢ pessoais do que outras. No entanto, esta distingao entre hor das hipéteses, relativa, Nor- recordacdes esto misturadas ¢ tm ao mesmo tempo meméria pessoal e meméria social é, na m jente, as noss: um aspecto social e outro pessoal. Mas esta parece ser uma razilo escassa para supor que a prépria meméria se divide em dois compartimentos — um pessoal ¢ outro social. E ma parte das nossas recordagSes objectiva ao passo que a outra ¢ subjectiva. Em si e por si, a meméria é simplesmente subjectiva. Ao mesmo tempo, porém, a meméria é estruturada pela lingt pelas ideias colectivamente assumidas e por experiéncias partilhadas com os é ainda mais escassa para supor que gem, pelo ensino e observagio, , Também isto constroi uma meméria social. Qi z, como fonte historia, tem que se conffontar outr quer tentativa de usar jeméria, de uma maneir a sa partida com o earicter subjective, embora social, da meméria, Nao quer isto dizer que a meméria nao seja também portadora de informagdo objectiva. Os historiador ‘onsideraram os livros de memérias, relatos em primeira sempre mio e testemunhos oculares excelentes tontes histéricas, 0 que ¢ inteiramente adequado para nao dizer inevitivel, Mas ha outra possibilidade, uma possibili- dade mais geral, mais sintonizada com o caricter especial da meméria talvez, de pa boramos uma representagio de nés proprios para nés préprios e para aqueles cular interesse para os historiadores. Quando recordamos, ela ‘que nos rodeiam. Na medida em que @ nossa «naturezay — 0 que realmente somos — se pode revelar de um modo articulado, somos aquilo de que nos embramos lembramos. Sendo assim, ento um estudo da maneira como nos maneira como nos apresentamos nas nossas memeérias, a maneira como definimos as nossas identidades pessoais ¢ colectivas através das nossas memérias, a maneira como ordenamos e estruturamos as nossas ideias nas mos essas memérias a outros — nossas memérias € a maneira como trai 0 estudo da maneira como somos. Ost to A meméria, entio a memoria hi-de ter a sua histéria propria. Para aquel méria simplesmente como pa ais do nosso apa- arecer bizarra. Mas a verdade & que a s sociais evoluem e mudam com o tempo. Se isto é verdade quan- que consideram a lho co a sugestiio pod nitive, resultado de forgas um facto social pois a meméria recem na verdade distingdo entre ses, relativa, Nor- 10 mesmo tempo ama razdo escassa imentos — um jue uma parte das abjectiva, Ao mesmo tempo, asino e observagio, partilhadas com os ver tentativa de usar m noria, No qu se confrontar ico objectiva, Os Jatos em primeira que é inteiramente dade, uma possibili- recordamos, ela- prios e para aqueles —o que realmente ilo de que nos no nos lembramos através das nossas as nossas ideias nas nérias a outros — sto é verdade quan- prépria, Para aqueles is do nosso apa verdade ¢ que a MEMORIA SOCIAL nossa maneira de recordar revela ter atris de si uma longa historia, O resto deste capitulo explora as maneiras de recordar por forma a demonstr algumas das que nos parecem mais naturais e espont ceram noutras eras e a outr rar que is nem sempre o pare- gentes. Uma das melhores maneir: le ver qual © papel da meméria para a historia é observar a meméria na historia Memébria da his dria ou «histériay da meméria? Na sociedade ocidental, a historia da meméria como fonte de conhe cimento € a histéria da sua ripida desvalorizagao — desvalorizagao que prossegue a par da evoluga © da cres -nte domiinagao do paradigma tex de conhecimento, Esta desvalorizaga tem a sua historia propria e parte dela de colheita recente. Como salientou Edward Casey, desde o fim do século XIX até aos anos trinta, os mneménicos («memoristas») foram um ntimero rey ilar nos especticulos de variedades € music-hall, Este mesmo periodo assistiu ao florescimento dos panfletos ¢ outros meios de publicida gando sistemas para «uma meméria le divul- nais forte em apenas dez dias» (1987:6). Hoje, a popularidade desta literaura diminuiu, A difusdo paradigmas de inteligéncia mais abstractos tivos produziu uma Titeratura auxiliar que, em vez de prometer uma meméria mais forte, promete aguy ar a «aresta competitivay por meio de igressivas» e por vezes ensina apenas como dizer «nio»’ Para nés, a meméria foi recuando cada vez mais para o plano pessoal. f tuma fonte de conhecimento privado, niio social. Nem s edito de 1174, conde de Nevers, comega por observar: «O uso das letras foi des ventado para presen re foi assim. Um concedido aos habitantes de Tonnerre, na ‘oberto e in- cdo da meméria das coisas. Tudo 0 que quisermos reter e saber de cor passamos a escrito, Deste modo, coisas que no somos eapazes de conservar nas nossas frigeis memérias, conservam-se por ito © por Tal 2. no se deva Falar aqui de desvalorizagdo da meméria enquanto tal, mas antes, © mais especiieamente, da desvalorizagdo da meméria mecanizada eomo metodo de ensino. A critica as rtinas de memoria no ensino tinha ja sido feta, como veremos, por Rabelais. Fo fia de novo, muito Sorgasamente no steulo passado, por William James no seu Tals to Teachers [Alo Professores}. A partir desic ponto, a eriiea da memorizagio mecanizada fer sempre «a peda la Ver Meyers, 1968. JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM meio &: s letras, que duram para sempre» (in Le Goff, 1988: 140). A observa mais, na verdade, do que uma formula escri- lo era um lugar comum; po ta. Mas isto torna o facto ainda mais significative, pois 0 eseriba fazi aqui uma suposigao que, por mais obviamente evidente que lhe tenha parecido, nos impressiona por pouco habitual: corpo dos costumes, direitos e deveres le- ais e sociais pelos quais habitualmente se rege uma comunidade eram nor- malmente conservados na meméria colectiva dessa comunidade. Por mais im- portante que fosse, a escrita era ainda encarada como um adjunto da meméria, Seria muito conjunto de informagd mento da s dificil susten io hoje. Para comegar, 0 F esta suposis s le sociais necessirias para 0 suave funcion: ossa sociedade — leis, contratos, capacidades téenicas e cientif as, formulas m ‘atemdticas, acontecimentos desportivos, regras gramaticais, de etiqueta, etc., ete, — ¢ simplesmente demasi do vasto e complexo para se conservar, mesmo colectivamente, apenas de meméria. Necessitamos de outros meios. Cada individuo tenta memorizar alguma da informagdo que LA » para blo- tem directam 10 do globo social que ocuy te a ver com a magra por maior parte desta informagio, porém, é geralmente «descarregada cos-notas formagao de uma vez por todas faz de uma ne de preservar a meméria de informags sendas. A capacidade de escrever pa rita uma maneira muito is comoda norizadas € especifias, como enderegos ¢ telefones, saldos bancrios e consultas no dentista. Este padra funciona também em larga escala, A informagio pode ser conservada em liveos © em computadores; enquanto essa informagio estiver disponivel quando e onde for necessaria, ninguém se dara ao trabalho de a memorizar Os docu cos, por exemplo, esc rem-se para serem preser- vados e consultados. A maneira como os ju dade informago pormenorizada; para definir, de um modo preciso, cont 'stas os pensam e depois expri- mem por escrito reflecte a ¢ ue tem um texto escrito para guardar ¢ eventualidades; para estabelecer relacionamentos com outros documentos juridicos; e, por fim, para preservar indefinidamente a informagio. Este nivel de exactidao & impossivel caso 0s contratos e acordos assentem apenas na meméria viva, Portanto, escrever no so congela a memeéria como a rente das con b formas textuais que evoluem de maneira bastante di que servem a memoria oral. A forma e a sintaxe de um documento juridico seja ele do século XII ou do século XX, reflectem a forma ea sintaxe de ros documentos esctitos. Estio geralmente integrados num complexo de 88: 140), A observa ¢ uma formula escri- © escriba fazia aqui e tenha parecido, direitos ¢ deveres Ie- »munidade eram nor inidade, Por mais im- adjunto da meméria. oje. Para comegar, o a 0 suave funciona- téenicas e cientifi- gramaticais, isto e complexo para ria, Necessitamos de a da informagio que social que ocupa. A para blo- informagio de a muito mais moda s e especifias, como entista, Este padi jo estiver dispor para sere preser- ensam e depois expr © escrito para guardar preciso, contingéncias m outros documentos ea informagio. Este jos assentem apenas aa meméria como a nte das n documento juridico, forma e a sintaxe d bastante dif dos num complexo de MORIA SOCIAL outros textos, R ferem-se a esses textos; constituem apoio ra eles. E este sentido de textos que «falam» com textos que explica porque & que a sintaxe de um documento juridico conserva dio poucas semelhangas com a sintaxe do discurso ou do pensamento. Portanto, a suposi fio do escriba borgonhés Bes legais se guardavam nom a supor que os eamponeses do de que os direitos e obriga- almente na meméria colectiva, ndio nos obri ulo XII andassem com o texto dos docu- mentos dentro da ega. A forma como 0 conhecimento social é conservado ha meméria colectiva ¢ sempre muito diferente da forma como ele aparece, Por exemplo, num cédigo. Este ponto & muito importante. A palavra eserita no & um espelho dos nossos pensamentos. Quando muito, os registos textuais s6 representan a consiéncia colectiva de uma forma indirecta. tem a ver com a espontaneidade: nada do q crevemos & to disperso e desordenado como nosso processo de pensamento, Mas isto é apenas u pequena parte do problema, pois € dificil supor que os redactores dos editos medievais quisessem produzir literatura de worrente da conscigneian, A palavta escrita nao s6 no con: ue espelhar 0 nosso processo de pensamento como raras vezes tenta, Nem todos os utiliz ‘ores letrados da linguagem tiveram sempre nga. Na Islandia m comunicadas oralmente e 05 le: ciéneia desta difey acostumadas a textualiz parece dificil imaginar que outras culturas possam considerar o conhecimento articulado de maneira diferente. Caso significativo, todos os nossos trés exemplos — Isl Borgonha ndia medieval, a Grécia antiga — eram sociedades a Os pri contexto social oral em que do século XII emer r para a lei pios dessas sociedades reflectiam ainda um. dificil im tisse fora da eabega das pessoas. Consequentemente, era dificil aos memb rvado de dessas sociedades imaginar que o conhecimento pudesse ser pr outra forma além da meméria viva, Isso influenciava a sua propria con- cep pela meméria viva do que, por via de regra, a nossa Jo de meméria. As sociedades orais nutrem geralmente maior respeito Ascensdo ¢ queda da meméria artificial As varias técnicas com que a literatura ai talecer a meméria so, como salienta P Ihorar e for liar procura m aolo Rossi, meros «fésseis intelec- tuais». Em altima andlise, derivam dos sistei mas de mneménica, muito mais complexos e laborados, criados no mundo antigo ¢ desenvolvidos ¢ repeti- culo XVII (1988a: 212) ro da meméria» de Giulio Camillo, no principio do século damente reelaborados desde a Idade Me Desde o «te: a até a XVI, até ao projecto de Leibnitz de uma linguagem universal capaz de cate- orizar todo 0 conhecimento e a partir da qual se poderia construir um sis clopédico, a ideia de reduzir o conhe- © no Teeteio como na > um jovem nobre que 1 palavras adequadas: em Cavallo, 1988: 29). itava qualquer forma de 0 recitar, rejei- entre conhecer os poe- scimento ¢ articulado. uir de uma forma tipi- \cas com a forma como >. Para culturas como a ce dificil ima; articulado de maneira emplos — a Borgonha — eram sociedades a lect inar que e 0 conhecimento exis- a dificil aos membros preservado de va a sua propria con- salmente maior respeito procura methorar e for- meros «fésseis intelec- mneménica, muito mais snvolvidos ¢ repeti- éculo XVII (1988a: 212), no principio do séeulo iniversal capaz de cate deria construir um sis ideia de reduzir 0 conhe- MEMORIA SOCIAL cimento a uma forma memori: obcecar os eruditos europeus. -nos-a titil examinar brevemente 0 que eram algum No mundo antigo, a meméria foi classificada como um ramo da ret6riea (Cartius 1967; 68; Yates 1978: 20ss.). As té clissica desenvolveram-se pois ligadas a oratoria. Em geral, a retorica em. pre is destas téenicas, chicas mneménicas da Roma gava-se em processos de tribunal. Um advogado romano usava a técnica clissica da «memeéria artificial» para fixar na meméria os pontos daa mentagdo que desejava apresentar perante o tribunal. «Meméria artificial» era a memoria de «lugares € coisas». Os oradores eram treinados a reter na memoria uma p reo de um lugar real, fisieo — como uma f la de lojas. Isso servia de espaco mental pa guardar uma série de imagens mneméni- inventadas. Essas imagens constituiam 0 mapa de pontos que 0 orador desejava desi sar. Quando 0 orador falava, seguia em imaginagao ao longo do seu passeio decorado, not ido as imagens que previamente Isso permitia-Ihe no s6 recordar todos os pontos que desejava salientar no seu discurso como também recordi-los pela ordem adequada, riamente, imag ‘As imagens em si eram, neces: is visuais, embora a cone- xilo entre as imagens de ads € os pontos que 0 orador queri recordar nio fosse necessariamente visual. Eram compésitas, fixando conexdes por combi: nagdes arbitrarias de imag ns semanticas, visuais ¢ auditivas. Assim, para dar- ‘mos um exemplo, a um orador que precisasse de se lembrar de qu atribufa ao seu cliente © envenamento de alguém para obter uma heranga con a acusagio vinha lembrar-se de um velho deitado na cama com 0 réu a cabe fra segu- rando um copo (veneno) ¢ placas de barro (0 testamento). Estas eram simplk sinais visuais, A acusagilo, porém, afirmava também que 0 acto tinha teste- munhas (em latin: destis), Para recordar este pormenor, o orador tratava de colo i (em Ir no quarto dedo da im: 1 do réu um molho de testiculos de carneiro Siero, Ad Herenium, Ill, XX 33, citado em Yates 1978: 27), Em prineipio, a retorica era a arte de falar com efiedcia; na pritica, o te mmo estendia-se também & escrita. Assim sobreviveram as prticas retdricas do mundo an — mneménicas incluidas — ao lon 10 da Idade Média. A rei Zo, no Renascimento, acrescentou uma dimensdo episten coberta de Ph l= gica a esta técnica de decorar imagens. Giulio Camillo afirmava que as ima- gens escolhidas para o seu teatro da me ria eram como as estituas do antigo Egipto, cujos escultores, pensava ele, conseguiram levi-las a tal estado de per- feigio que passaram a set chabitadas por um espirito angélico: pois no pode AMES FENTRESS ¢ CIIRIS WICKHAM. haver tal perfeigdo sem alma» (Yates 1978: 159; ver também 142 ss.). As imagens sintetizavam uma entidade espititual, ndio uma alocugdo, Deste modo, © teatro da meméria podia ser utilizado como fonte independente de conhe- cimento, Se as imagens do teatro dan yemoria fossem verdadeiramente propor= alma» do que cionadas com perfeigio, captariam a .cordado, permitindo novas deseabi s através da sua contemplagao, As raizes desta cones ;peo assentam no Neoplatonismo renascentista. Mas, como observa Frances Yates, ha aqui mais do que teoria filoséfi ito, os teatros de meméria do século XVI so manife ia maneira dif abstracta, Com e! agdes de wi te de encarar a meméria, ou talvez até de uma maneira de pensar o pensamento diferente da que hoje temos. (Yates 1978: 140; para o e' adramento, ef es 1964). E realgado 0 caracter visual do onhecimento. Com esta importincia do visual vem a importéncia do espago: percebemos os pormenores das imagens na meméria talmente & volta de! indando men- ° 's, como se fossem estituuas num: galeria radigi ma resultante € menos abstracto do que um paradigma textual de jecimento. Alem dis: . tal como em Platiio, 0 conhe imento esti associado & retengiio na meméria de imagens na sua integridade: € um conhecimento algo € nao indirecto de factos que possam aduzir-se sobre e Para nés, as elaboradas técnicas que tais si tranhas. Sao diferentes dos simples e arbitrarios auxiliares mneménicos, tais como rimas ou frases feitas que por vezes usamos, especialmente em ciéncias jumanas € naturais, para ajudar a fixar impor antes passagens de terminoli cientifica (especialmente antes dos exame As imagens escolhidas para deco- ia do século XVI niio eram simples nem arbi- trarias. Eram ima, ens visuais cuidadosamente construfdas. Portanto, no e meras «lembrangas», construidas como um meio comodo de recuperar conhe- cimento semi iado na meméria: elo contririo, destinavam-se a dar corpo e d ever © conhecimento nelas repre tado, Eram «map. coisas destinadas a representar 04 O mal dos teatros da meméria era serem incémodos (Viano 1988), Des- cartes queria um método mais simples. Nao seria muito mais ef inte, per= guntava ele, usar, como chaves mneménicas, ndo imagens, mas causas? Uma vez que uma causa pode ser reponsavel por um grande ntimero de efei- tos diferentes, recordar as causa memorizar (cf. Res duziria 0 volume do q a preciso nti, Il, IV, VIII, eitado por Vi- ae ad directione 26 bém 142 ss,). As Deste modo, pendente de conhe- iadeiramente propor- zcordado, permitindo ou talvez até de uma temos. (Yates 197; visual do 1 a importan noria andando men- aleria, O paradigma de conhecimento, associado & retengao ecimento directo m parecem es es mneménicos, tais mente em cigneias de terminologia scolhidas para deco- m simples nem arbi s. Portanto, ndo eram » de recuperar conhe: itio, dest Eram «mapas» (Viano 1988). Des- » mais eficiente, per- mas cau 70 de efei- as? do que seria preciso VIII, citado por Vi- MEMORIA SOCIAL ano 1988: 254 ss.). Esta ideia conduziu-o a outra, Descartes observa que as imagen: nformagio, Nai dado das fantasias. Esta sobredeterminag do teatro da meméria eram complexas; continham demasiada © conseguiam separar os fi jo da imagem da mneménica era, evidentemente, da perspectiva de Giulio Camillo, uma das suas prineipais virtudes: as im: ns do teatro da meméria eram escolhidas para objectos de contemplagiio mental; 0 seu excedente de si que as qualificava para fontes de conhecimento. Para Desi uma desvantag nificado simbélico era aquilo artes, isso era 1m. Ele insistia na simplicidade e na transparéncia como vir- tudes cardinais de qualquer sistema mneménico, As criticas de Descartes iam ao encontro de consideragdes semelhantes, por parte de Francis Bacon, Hobbes e outros; ¢ esta nova vistio da memoria iria mais tarde reflectir-se na arte combinatéria de Leibnitz. (Para Bacon, ver Rossi 1988a: 223-4, 236-7; para Hobbes, ver Warnock 1987, cap. 2: para Leibnitz, ver Rossi 1988a: 233-7; Viano 1988: 266-9.) Mas toda a pers- pectiva estava entio a mudar. Em vez de se procurar a im: m perfeita- mente proporcionada contendo a «alma» do conhecimento a recordar, 0 es forco ia para a descoberta da categoria légica certa, A meméria deste sistema orias logicas e causas cientificas isentaria 0 individuo da necessidade de recordar tudo em pormenor. O conhecimento, por out as palavras, comecava a separar-se do conhecedor. Enquanto isso, um modelo gradualmente substituindo 0 modelo visual. Isso inifica que 0 modo dominante de conexio mneménica se tomnou légico, semantico de meméria foi tuma cadeia de conexdes ¢ causas articuladas em «espago» sintético, em vez, da represent © novo realce dado as componentes Ii 0 visual do espago. iguisticas do conhecimento — semintica e Jégica — estava de acordo com a evolugiio do pensamento filoséfico e cientif co, O pensamento separou-se do mundo fisico e a ci ‘Jo ao formalismo matematico. A envolver em dire ficou livre para se de: tendéncia reflectiu ta 1ém na filosofia empirist . quando uma concep, nominalista do conhecimento suplantou um realismo mais antigo. Conhecer saber sobre ela — 0 seu non Jo num uma coisa implicav: a sua posi esquema de classificagio descrigiio, Conhecer as plantas, escreveu 0 botinico Tournefort em 1694, é 0 mesmo que saber que nomes thes atribuir (Rossi 1988a: 231). O problema de memoriza culo XVI, passou a ser 0 problema de o c © mundo, caracteristico do ssificar cientificamente. JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM Os progressos cientificos e filséficos do século XVII estiveram asso- ciados a facilidade do uso das propriedades da li construgdo de sistemas de classificagao ¢ meta- m ao servigo da eferéncia cada vez mais abstractos. Este prog ss0 foi acompanhado por uma mudanga tecnologica Jo importante como o proprio desenvolvimento da escrita — fusto da imprensa. Na época de Lineu (1707-78), por exemplo, pas na pagina impressa. A representago visual do conhecimento, primeiro em textos escritos, mais tarde em livros impressos com dia quas: ver-se grificos € n ramas e ilust Ses, comegara a revelar a propria estrutura for- mal, sintictica e légica do conhecimento, Enquanto isso, 0 préprio conhe- ia tornando mais sofisticado (Febvre e Martin 1958), A desvalorizagao epistemol| 10 -a. da meméria como fonte de conhecimer to reflecte este padrio de mudangas. Como o conhecimento se caracterizava ila vez mais por consistir em afirmagées acerca da realidade e > em ima- ns da realidade dadas no espitito, deixou de haver justificago para elaboradas técnicas de meméria visual. Separar 0 conhe imento da ima 40 visual implicava s ;parar o espirito da matéria, © cognoscente do conheci- mento. 0 conhecimento passou a residir em textos e a precisar de ser ordenado xplicitamente visual. A descrigio de Rabelais da desordem da de St Vietor, em de maneira biblioteca método de ordenar 0 conhecimento (Gargantua ef Panta Durante este periodo, emergiu uma concepgio mais activa do proprio intelecto. O intelecto, ou «juizo», surgia como um que insuflava vida na matéria in aris, foi uma sitira pioneira A confuustio do velho gruel, Il, vi) espécie de forga mental erte. O conhecimento em forma de texto alojado na meméria era passivo, mas 0 poderoso espirito era activo. A ecer um aspecto relativamente embotado de um in- telecto afinal activo. Montaigne observou que «uma excelente meméria fa- meméria poderia pa cilmente se conjuga com 0 mais débil dos intel Saki, Montag Esquecer, observava, é criativo. Se me lembrasse sempre de tudo, nunea pre- cos» Em palavras as di 1 canta louvores ao esquecimento, cisaria de inventar; nao teria necessidade de demonstrar a minha esperteza me- diamte esconder eficazmente a minha noriineia, E, mais ainda, se eu recordar uma observagdo espirituosa, & vantajoso esquecer quem primeiro a proferiu. Eseais, 1, IX: «ll se voit par experiene stot aw rebours Hh joignent volontors aux jugements cebiles.» II estiveram asso- em ao servigo da ia cada vez mais danga tecnolégica da escrita — a di- emplo, era vulgar entago visual do n livros impressos pria estrutura for- + 0 proprio conhe- in 1958), nie de conhecimen- to se caracterizava justificagdo para mento da imagina- scente do conheci- sar de ser ordenado is da desordem confusdio do velho el, U, vii) activa do proprio fe de forga mental em forma de texto era activo. A abotado de um in- elente meméria fa- s a0 esquecimento. de tudo, nunca pre- a esperteza me- primeiro a proferiu. wires exellemtes se MEMORIA SOCIAL Nesse caso, parecer-me-i que & minha, o que é itil, pois, como muitas vezes se observa, compreendemos melhor as nossas proprias ideias do que as de outta pessoa. O espirito era, portanto, uma forga aetiva que tomava muito mais poderosa graga A palavra escrita era fecunda, mas inactiva, O conhecim 8 sua incorrigivel capacidade de esquecer. nto em livros & tum conhecimento do passado; o conhecimento que a mente activa busea ¢ 0 conhecimento do futuro. As bibliotecas, escreveu Montaigne, silo lugares de esquecimento colectivo; o seu valor reside nas oportunidades de ichados que iz de inesperadas pegas do conhecimento proporcionam, a descoberta esquecido (Essais, Il, IX). As palavras ¢ as coisas Os comentarios de Montaigne eram prescientes, prefigurando os parado- Xos mais tarde associados & concepgio cartesiana da mente, Esti implicita ta concepsdio uma ideia de meméria prioritariamente como um sistema de armazenamento ou um repositorio de conhecimei to. Enquanto t ar informagdo, Mas este ni meméria ea alber passiva; limita-s sentido em que pensamos a nossa m ot ico méria. Quando dizemos «lembro-me», ou estou a tentar lembrar-men, ou «veio-me agora meméria», estamos a usar a nogdo de meméria num sentido mais activo. E neste sentido que cordar parece ser uma experiéneia me , sujeita, além disso, a um certo grau de controlo consciente. Deste modo, a meméria nao sé niio se apresenta como um mero mecanismo que copia informagio e a armazena na nossa mbém como a experiéne' le recuperar essa informagio e de a combinar de maneira a formar pensamentos novos Muitas das dificuldades clissicas dos tratamentos filoséficos e psicolé- gicos da meméria emergem na tentativa de concilia iF estes dois aspectos. A fonte de mi s destas dificuldades reside na suposi 10 preliminar de que meméria é, acima de tudo, um sistema de «mazenamento, Esta supi ig sugere um modelo do funcionamento da totalidade da meméria. Podemos visualizar este modelo, 4 maneira cla a, como o int lecto inspeccionando textos e im: ns avados ou suspensos das paredes da meméria, ou vé-la, nel de controlo, com acesso a bits de informagio a partir do banc de dados da m Como tal, o modelo ¢ obviamente uma mera analogia. A d num sentido mais moderno, como um homunculus no ps ildade surge 29 JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM na tentativa de taduzir esta mais convineente ‘alogia para uma descriga (para 0 homurculus, ef. Dennett 1979, parte 11) Poderiamos colocar 0 problema de modo ligeiramente diferente. Tome- ve de fonte de conhecimento?» mos a pergunta: «Como é que a meméria se m dois sentidos. Por um lado, podemos tom ite como uma -la simplesu eo modo como a meméria copia mazena informagio; por outro, podemos toma-la como uma pergunta sobre o modo como a meméria, primeiro, copia e armazena informagiio, e depois usa essa informagao para formar ideias novas. Em qualquer dos casos, porém, 0 pressuposto continua a ser o de que a meméria é, acima de tudo, um mecanismo de c6pia e ar- mazenamento, Este pressuposto, no entanto, no € necessirio; nem, como nto, podemos os um fundamento real para o afitmar. Po veremos, t tomar a pergunta sobre 0 modo como a memoria nos ajuda simplesmente como pergunta sobre 0 que € que constitui a experiéncia da meméria. Pode ser este 0 nosso ponto de partida. A. nossa nogio de meméria tem, como vimos, uma dimensio historica. Vimos ja que esta nogiio de meméria descende, em larga medida, de Des- cartes, Leibnitz e dos empiristas do século XVII, A nova nogio que fle, ini dade sentida pela comegou a aparecer nessa altura in a nec de se libertar da concepgtio viswal do conhecimento implicita no teatro da meméria de Giulio Camillo, Como via para 0 conhecimento cientifico, tal concepso comegou a parecer ndo sé de uso incémodo como intrinse: camente iluséria, Foi suryindo uma crescente compreensio ¢ uma erescente dependéncia do potencial de linguagem e de notagdo cientifiea para efeitos de sintese e de abstraccio, E uma nogiio de meméria textual como a parte da meméria que é intrinsecamente objectiva ¢ racional, e contraposigao méria sensorial e pessoal como a parte da meméria intrinsecamente sub- jectiva ¢ no racional foi o resultado deste processo em que a relagdo entre calm ‘a linguagem e © mundo que ela desereve foi r nte repensada, Isso implica que no apenas a nossa nogiio de meméria como categoria mental, como tan f revelar ae nbém a nossa propria experiéncia pessoal de meméria m influenciadas pot sse reequacionamento. Dai que uma maneira d cia da memoria seja perguntar se & possivel uma experién- cia de meméria diferente da nossa e, se sim, como seri. Sug é de facto possivel uma experiéneia diferente, Vamos ag ras de descrever essa diferenga. 30 jo mais convincente c diferente, Tome. 2 de conhecimento?» jesmente como uma ena informagao; por sa informagao para oressuposto continua mo de copia ¢ ar- essirio; nem, como Portanto, po ajuda simplesmente da memoria, Pode dimensio historica. medida, de Des. A nova nogdo que sentida pela cigneia aplicita no teatro da mento cientifico, tal odo como intrinse- sdo e uma crescente fica para efeitos extual como a parte em contraposigo nntrinsecamente sub- que a relagdo entre e repensada, ria como categoria soal de memoria ue uma maneira de ssivel uma experi 4. Sugerimos ji que An observou que «O uso das let formente, neste capitulo, fakimos de um escriba bo s foi descoberto ¢ inventado meméria das coisas». Trata-se seguramente d non sequitur. O que a escrita preserva ndo ¢ a memoria de coisas, mas a de palavras. Resvalar S palavras para as coisas que elas representam & uma atitude bastante vulg iF e, neste partic: exemplo, prov Nao ha divida de que o que o rei a o facto de 0 proprio edito preservar um conjunto conereto de direitos ¢ obs gagdes. Ao omitir que esta preservagdo sé resulta mediante palavras reservad dactor estava apenas a fazer uma supi sigdo subjacente a muitas das nossas Conversas. Escutamos a mensagem; passamos directa e inconscientemente as significam. Mas hd uma avrasy € «meméria de coisas» e podemos untar como se manifesta ta das palavras para as «coisas» que estas palav distingdo entre «memeéria de pa distingao, Todas as sociedades, mesmo as mais primitivas, possuem maneiras ¢ écnicas de preservar a sua «meméria de coisas»: hd uma extraordindria voriedade. Auxiliam a meméria geogi fica eartos fafando o céu nas figuras ssini ajudando os pastores a contar as estagdes e os marinheiros a tracar a rota. Org: anizam a paisagem para os Abori penheim 1964: 370 ss.; Munn 1973), Tan cial: as tatuagens das aust ianos (Op. m conservam a informagio so- tribos malaias registam genealogias, parentesco e 10 Smith 19} formagao que fincionam filiagdo de cla em pinturas sobre 0 corpo (D A todas estas representagdes portadoras de como aides-m roire, podemos chamar abreviadamente «mapas». A caps dade de fazer es mapas auxiliares da meméria social € arcaica e di- fundida em todo o mundo (Leroi-Gourhan 1965: 212-32). Como observam Robinson ¢ Petchenik, «Tudo o que pode ser espacialmente concebido pode ralado — ¢ provavelmente jé 0 foin (in Harley © Woodward 1987. 4). Pouca diferenga faz, porém, que esse mapa represente um espago real ov iio: os mapas do submundo nio si 9 menos mapas do que as repre. sentagdes do nosso quintal. Do mesmo modo, também ni faz diferenga que © préprio mapa seja uma representagdo real, constr ida, ou uma repre- ‘entagdo imaginiria. Os signos do zod o dio um mapa do céu; ¢ ¢ desne- ssirio especificar se este mapa é mesmo desenhado ou «visto» nas estre= Jas, Portanto, um «mapa, no sentido em que estamos a utilizar 0 termo, & um conceito visual, uma imagem consteuida Projectada que se refere JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM traz informugdo sobre qualquer coisa exterior a ele, # um eonceito em apoio Nos termos da concepgio da meméria como «copiar e armazenary, no importa realmente se vemos estes mapas mneménicos como exemplos de ameméria de palavras» ou de «memeéria de coisas». Em termos de experién- cia dam leravel. Se virmos esses méria, porém, faz uma difer ga cons mapas mneménicos como informagio conceptualizada, podemos considerar a meméria de tais mapas andloga & meméria de textos. Podemos até ver na feitura de mapas mneménicos uma forma primitiva de «escrita», ou, por as- sim dizer, escrita avant la lettre Mas dizer que a meméria de mapas é andloga & «meméria de pa no contempla os aspectos em que ela é também afim da «memiéria de coisas». Um mapa mneménico é uma imagem visual €, como vimos, a expressio vi- sual do conhecim: dificil de comunicar. Portanto, um mapa colectivamente guardado na meméria de um é mais complexa do que a seméntica, E também mais rupo pode também ser considerado semelhante s imagens do teatro meméria. Neste caso, 0 mapa seria uma imagem conceptualizada, mas nd texto primitivo, Na realidade, a questo de saber se os mapas mneménicos dio textos ou. ns no pode receber uma resposta a priori. SO pode resolver-se por referéncia as proprias culturas autoras de mapas. Claro que estamos muito habituados a ver grificos © mapas, Interpretamo-los como representagdes visuais de con \ecimento que pode, em principio, ser representado de outras formas. Para nds, portanto, um mapa mneménico seria ap xensio nas uma da nossa «memoria de palavras», Isto no € porém o mesmo que dizer gue todas as culturas que fazem mapas desses os véem como represent -0, Com efeito, na maior p da cultura teriam provavelm \gbes do scimento semintico out l s citados, os membros de Jos attr culdade em conceber os seus mapas de outra forma que nao como repre- sentagdes direetas. O mapa incorpo Neste contexto, & s a «coisa» que representa, ificative © facto de os map: «meméria de coisas» anteciparem consideravelmente os textos auxiliares da memoria de palavrasy. B o que diz Edmund Leach ao comentar que «a feitura e Jeitura de mapas bidimensionais é quase universal na humanidade, a0 passo que a leitura e redacgo de escritos lineares é uma faganha especial, associada a um alto nivel de sofisticagio social ¢ técnica» (1976: 51). Escre~ 1 conceito em apoio e armazenar», no como exemplos de sermos de experién- el. Se virmos esses podemos considerar Podemos até ver na escritan, ou, por as- eméria de palavrasy nemiria de coisas». mos, a expressio vi- E também mais do na meméria ens do teatro eptualizada, mas nio sio textos ou resolver-se por que estamos muito 9 representagies entado de outvas ens uma extens 0 smo que dizer que epresentagdes do arte dos exem- vavelmente difi- jo como repre- pas auxiliares da extos auxiliares da 20 comentar que «a ssal na humanidad anha especial, 976: 51). Escre- MEMORIA SOCIAL ver esti associado ao conhecimento semanticamente organizado que pode ser transmitido em lingu la ou es, rita, Um texto conserva a «me- méria de coisas» através de p ras. Um mapa pode representar esta me- moria textual; pode também ser uma simples representagiio sem a ago da Tinguagem, Como su ta concepgao da linguagem enquanto meio de preserva- ¢20? © comentirio inicial do eseriba borgonhés d muito interes fa: «0 uso das letras foi scoberto e inventado para preservagio da ameméria de coisas, O que & te, € que isto pode ser literalmente verdade, A ereepeaio de que escrever preserva de facto a «amemé fa de p lavras» su invengio da eserita, ndo antes. Os eruditos ergem que o idec rama sumério, wado em barro, evoluiu de um sistema de representagilo directo, «coisa a » (Schmandt-Besserat 1978). Portanto, a ideia de que foi a linguagem gue serviu de base rido aos antigos Su escrita parece, pelo menos em principio, no ter ocor- ios, Como € que um sistema de auxiliares mneménicos, que preservou a a P memoria de coisas» repr fentando essas «coisas» em tabuas de barro, evoluiu para a escrita — um meio de representar valem por «palavrasy? isasy através de sina undo o assitiologista francés Jean Bottéro, a nogao de li gem como meio deseritivo auténomo, independente do con: exto da fala, emergiu lentamente no Proximo Oriente antigo a medida que goando a escrita cuneiforme (1987; 89-113). Além disso, a intuigao de que foi a linguagem que assumiu a tarefa de des- crever a partir da representagio directa deograma valia por uma ap: se foi dese ‘olvendo e aperfe fo veio da intuigdo d que cada avray e ndo por uma «coisa». Na verdade, ao da sua e jensa historia cuneiformes foram npre vis os como representagdes mais de «coisas» do que de «p Javras». Podiam ser ocalizados quer na lingua suméria quer na lingua acidia, Serviam também e base adivin do ¢ isso exigia que fossem vistos como signos visuais portadores das «coisas» que r esentavam em todos os seus aspectos (Bot ér0 1987: 133-70; também 1974) E mais provivel que a intuigdo de que a eserita representa linguagem surgido da compreensio de que os conjuntos de ideogramas repre: am a realidade Zo apenas directamente como também nas stias relagvies ituas — por outras palavras, Wo pelas suas relagdes com as coisas mate- iais, mas pelas suas relagdes de sintaxe. Portanto, uma coisa seria construir JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM. um conjunto de aides-mémoire em que cada imagem fosse um mapa repre: sentative de uma coisa, ¢ outra muito diferente us para enunciar ordenados, uma proposigiio, Quando isto acontece, os mapas passam a sé indo uma sequéncia sintacticamente determinada, por outras palavras, or- denada como «lin; im». Observado o facto, a diferenga entre «palavras» € coisas» no podia continuar a ser ignora 6pria linguagem se tinha tornado visivel no texto, Mas se esta reconstituigdo estiver corn lin gue as pessoas tiveram que esperar por um meio de dispor visua auagem antes de perceberem cl (Bottéro 19% 0). O argumento de Bo amente a diferenga entre «palavra» e «coisa» 12 gro & especulativo. Nao obstante, esti de acordo co (0 que os antropélogos frequentemente observaram, Nas sociedades ilet ido muito, 77). Ne! Antica niio est separada do contexto em que a men- a linguagem niio esti separada do contexto da fala; qua vagamente entendida como existéncia separada (Goody I ciedades, a mensagem sen sagem € fornecida; » promessa niio se distingue do acto de prometer, Uma acto fizem béngio ou uma maldigdo é um acto e as palavras usadas ne: simplesmente parte de todo o processo, Curiosamente, 0 comportamento dos escribas babilénios assemelha 20 nosso. Estamos tio habituados a usar pai ameméria de coisas» que nem sempre repat ymos que elas esto li, Nao lembramos de estar a usar um meio. Implicitamente, a escrita cuneiforme representou desde o principio um sistema auxiliar da «meméria de coisas» neio de palavras. Simplesmente, os escribas do Préximo Oriente le smpo @ aver» isso. Em ambos os casos, hi uma tendéneia pa gnorar a distingd entre «palavrasy & «coisas», Ha também uma diferenga entre os dois exemplos. Estamos tio habituados textos que tendemos a vé-los em toda a parte. Um quadro, uma maneira de vestir, um estilo de decoragio so interpretados «semioticamente» cor cafirma ximo Oriente no viam gdes» de qualquer coisa. Os escribas do reconhi extos para onde quer que olhassem. A principio, nem sequi iam os jextos como textos, O sett mundo era de «coisas ; os sinais que faziam eram simplesmente «coisa As culturas letradas tender que valiam por outras portanto a semantificar «coisas» em signi- dos, a passo que as culturas nio letradas tendem a reificar «palavras» cia & diferente, mas, curiosamente, 0 resultado fi em coisas. A experi fosse um mapa repre- ‘mapas para enunciar am a ser ordenados por outras palavr renga entre «palavrasy ¢ pria linguagem se tinha por visualmente a lin- re «palavran € «coisa te, estd de acordo com {as sociedades iletradas, quando muito, € vody 1977). Nestas so em que a men- acto de prometer, Um adas nese acto fazem s em auxilio da nossa € elas esto la, Nao nos @, a escrita cuneiforme 4 ameméria de coisas» lo Préximo Oriente le- ha uma t Jéncia para Estamos to habituados quadro, uma «semioticamente» como ximo Oriente nfo viam 1 sequer reconheciam os m a reificar apalavras» ente, o resultado final MEMORIA SOCIAL mesmo. O que isto sugere que, prin iO, a nossa experiencia da oposi¢aio tre «palavrasn e «coisas» é em certa medida determinada pela no: a. Isto ndo signifi 1 que nilo passemos também pela experiéncia subje tiva; mas implica que a ss experiéncia subjectiva no defina a estrutu da propria memoria, Na memérii fronteira entre «palavra» e «eoisa», ou ico» © «sensorial», no esti nem onde a nossa cu tura a pode ex- Perimentar nem onde uma cultura pré-letrada a pode experimentar. Isso afinal, que, em termos de meméria, no ¢ preciso assumir de modo gum a existéncia dessa fronteita, Meméria e psi logia cognitiva As mudangas no nosso paradigma epistemolégico reflectem as mudan cas na nos a maneira de pen specialmente na maneira de pensar o sia traduz-se portanto pensamento, A epistemolo; n psicol a. Vimos que fo textual da memoria cabe num contexto histético mais vasto © que esta concepgio contém lguns paradoxos a ela associados, Estas di- ficuldades nao passaram desapercebidas ¢ de 10s examinar algumas das vias utilizad: ieélogos cognitivos e pelos idar com estes problemas. fil6sofos empiristas para A solugio mais ficil, provavelmente is comum, ¢ dividir a meméria em dois ou mais tipos. O tipo de meméria cap: az de guard; jectivo & uma parte; outros tips de meméria form: sim, ¢ segundo Ende! Tulvis cipal au conhecimento um Oulras partes. As~ uum psicélogo da Universidade de Toronto toridade em meméria, as nossas memérias dividem-se em pelo nos dois «sistemas» — um «sistema de meméria semantica» e um sistema de meméria epis6dica». Presume-se que estes dois sistemas sio subjacentes a duas diferentes formas de consciéncia, meméria semintica A por tris da «consciéneia cognit iva», a0 passo que a meméria episddica € subjacente 4 weonscigneia auto-cognitivan. Assim, a memér ege 0 nosso conhecimento acontecimentos independentes da exper pessoal de nds préprios, ao passo que a meméria ¢ nosso sentido subjectivo de identidade (Tulvin; tensa, ver Gardner 1985). Com esta por tris do 1983; para uma anélise ex JAMES FENTRESS ¢ CHIRIS WICK meméria racionalmente organizada — isto ¢, meméria organizada como fe organizada — ou uma rede de conceitos — e experiéncia nao racionalme seja, experigneia pessoal recordada, sequenciada temporalmente ou, como diz a teoria, «episodicamente». Em si, salientar isso nao € uma objecgiio a eoria, Tulving pode declarar que estas categorias epistemologicas so tam- bém categorias psicolé universais do espirito, Mas servo observ Lem to- ria distingdo entre a semantica e a episddi versais? das as culturas? A resposta mais curta é «no» — s6 em culturas com uma nizado, semelhantes concepgiio do conhecimento semanticamente org nossa, Nas culturas no let de Tulving seriam provavel- mente ininteligiveis. A teoria também dificilmente tradas com concepgdes do conhecimento de base visual, At nis de Loyola, pois ai 0 verdadeiro conhe- s, as dist e aplica a culturas le- somo os exemplos do século XVI que examinamos atr ria tornaria incompreensivel uma obra como Exercicios Espirit cimento € escorado pela vivéncia da experiencia sensorial soa A propria escolha dos termos em Tulving é frequent ladora, Segundo meméria semantica recorda através de «simbolos» are cia. a0 passo que a meméria episédi da evocando a «exper «Simboloy & aqui usado no sentido de «simbolo légico», isto é, um signo s este no € o seu finico significado mantico. M com equivalent possivel. Mesmo hoje, uma concepgiio do simbélico que 0 opde & ex- per nsorial & estreita, pois tal concepgio pareceria impedir 0 uso de usimbolo» no Ambito das artes visuais. Por volta de 1400, 0 humanista florentino Coluccio Salutati deu uma deserigiIo muito diferente da imagem visual: «Um a ver qu scemos as coisas espitituais compreendemos e coi por 1 nsiveis [...], enquanto apreendemos a pintura como ela mao do homem, no coisa em si divina, [podemos con- coisa feita p tinuar a ver nela] uma similitude da divina providéneia, jus (ir Baxandall 1971: 60-1), Estas palavras implicam uma t paradigma seméntico; resumem toda uma faixa de pensamento medieval & a e orden» onhecimento em antitese com 0 renascentista sobre imagens visuais e a sua relagiio com 0 mundo real. O magem visual si facto de até mesmo hoje nificativa ser perfei- amente compreensivel para a maior parte das pessoas parece sugerir que a jonalista teoria da meméria se coibe de prestar justi¢a no apenas as méria organizada como mente organizada — ou emporalmente ou, como (© nao & uma objecgao a pistemoldgicas so tam. Mas mesmo uni- observivel em to- s6 em culturas com uma anizado, semelhantes & fulving seriam provavel- > se aplica a culturas le- sual, como os exemplos ‘omaria incompreensivel is ai o verdadeiro conhe asorial da meditagao pes é frequentemente através de «simbolos» ndo a «experi Slico que 0 opie a ex: pareceria impedir 0 uso a de 1400, o humanista to diferente da imag endefuos a pintara como i divina, [podemos con- ncia, justeza e ordem» mento em antitese com o pensamento medieval e Bo com o mundo real. O ificativa ser perfei- parece sugerir que juisti¢a no apenas as MEMORIA SOCIAL memérias de periodos anteriores da nossa hi ‘ria, mas também as nossas préprias intuigdes.S Membria ¢ filésofos empiristas Qualquer teoria do con! mento tem que, numa altura ou noutra, se confron com a nossa ideia do funcionamento da nossa mente, quanto mais no seja para acabar por concluir que ndo ha relagdo necessaria entre ambas. Os filésofos empiristas jx no século XVII o entenderam muito claramente. Viram que a sua concepgio de conhecimento objectivo teria que ser asso ciada a uma explicagZo do modo como recordamos objectivamente. A nogio de meméria sua preferida era a de imagens sensoriais retid Esta des- crigio, contudo, coloca de imediato um problema, Como Hobbes observou, para mostrar como é que a meméria preserva informagio sensorial ver dadeira t os primeiro que mostrar como é que, no nosso espirito, con. seguimos distin; sir per ida da mera «fantasia», Por outras palavras, temos que supor a existéncia de uma propriedade mental ¢ nos permite distinguir meméria verdadeira da mera ima inagao. Hume mentava q priedade & ivéncia superior e o caricter vivo da neméria verdadeira (Treatise of Human Nature, 1739, 14.3). Esta foi a linha adoptada por muitos empiristas. Assim, filésofos desde Hobbes ¢ Hume até Russell tém defendido a existéncia de determinada propriedade na experién- l do — que nos permite, puramente com base o (Warnock 1987: 15- cia mental — uma qualidade especifi as memérias verdadeiras, um sin que thes esté infalivelmente li com citagaes). splo, pois nto hi agulespage para uma anise la memdria, A nossa critica de Tulving assenta cin dois pont, Primeiro, cle ndo fez qualquer tentativa para vaidar as sous resultados em eulturas com entre semanteo ¢ sensorial suscita uma concepgao da memoria que & cantta-intuitiva Esta ob jess & muito mais complexa, pois embora os psicdlogos cognitivesdlstingam habiwualmente sistemas epis6dicos e semnicos de memiria, nem todos o fazem de mancira tio descon omietida como Tulving. Portanio, Baddeley, um dos prineinais tcorisas modemos da disci ina, fala de asinestesia» em mem, referindo-ke a0 maco como a meméria & um nivel @ voca a um outro. Duvida explieitamente a utlidade prtica da dist '976: 317-18; 1990.) Ver também Mishkin e Apperzeller 1987 e Neiser 198] JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM qualquer sinal ligado 4s memérias verdadei- i$ pressupde que de facto no hi qualquer ce re a verdade da fantasia, Todav de que 0 fagamos s teza mpre. Num relato da sua mais antiga recorday jocthe descreve como, pouco depois do nascimento da sua ima, ele, te tado por amigos da sua idade, atirou com as porcelanas da f rua, Como acontecin taque de citimes, presume: milia para a ento, 0 incidente nio era problematico — um mero se. Como memi a, po n, era mais amb pois, como escreveu Goethe na su: obiografia, ndo sabia se a recordaga do incidente era uma meméria real ow se era ap. as a record dente tal como ele o reconstruira na sua imaginagtio infantil depois de ter ouvido a histéria conta Ac a pelos seus pais (Wollheim 1980) neia de Goethe tora a declaragdo do empirista duvidosa. A imagem era sem diivida suficientemente viva para Goethe, mas isso no Ihe garantia que aquilo que to claramente recordava nao fosse a sua propria 10. Além do m nei n 5» estat exper jo é invulgar; hi muita gente que acha ambiguas as suas memérias da i Rincia precisamente deste modo, E facil tomar a meméria pela weoisa cientemente viv pois muitas vezes no queremos reconhecer que © que recordamos ¢ apenas memoria, nao dados sensoriais preservados, Esta am biguidade pode ser sconcertante, pois abala a fé espontnea que temos na a distinguir sempre as verdadeiras recordagdes da nagdo gragas ap. S nossa experiéncia da meméria. O dilema dos empiristas radiea na sua neepgaio da meméria como dados sensoriais retidos. Esta concepgio, provavelmente, pode reportar-se em Giltima a ise, & problemitica deserigao da percepedo no De Anima® de Aristéte folveram esta concepgio dentro dos confins de uma nogio carte jana do espirito que teria sido inteiramente es tranha a Aristételes. Os empiristas ti eram que demonstrar que uma im mos, de um moran; 0, aperc to © armaz, bida pelo espi 0 na realidade sem que essa imagem bjt 1972. Nao se sabe bem se as douirinas dos empirisas sobre a mem6ria foram infue 8 pelos textos de Aristteles especiieamente sobre a memoria ou pela teciageral da per epga0 contida em De Anina, Sobre este ponto, ef. McGinn 1982, 38 as memérias verdadei- P ao ha qi ssupde que de facto quer ce is antiga recordag > da sua irma, ele, ten- anas da familia para a slemaitico — um mero mais ambiguo, > sabia se a recordagtio $a recordagao do inei- > infantil depois de ter 1980), mpirista duvidosa, A oethe, mas isso nao Ihe fosse a sua propr vulgar; hii muita gente cisamente deste modo. do a recordago ¢ sufi econhecer que 0 que eservados. Esta am- pontdnea que temos na da iras recordags Jo da meméria como . pode reportar-se, epcio no De Anima’ de oncepgiio dentro dos nonstrar que uma ima- ito e armazenada na © sem que essa imager MEMORIA SOCIAL completamente verdadeira em relagdo 4 realidade, mas também indepen- dente dela, poderia servir como fonte d a qualquer parte da teoria fatalmer -onhecimento objectivo. Renuneiar iraria fundamento ao conhecimento objectivo. Por isso Hume pode candidamente admitir que o modelo ¢ incon ruente com a experiencia, embora continue a achar que o modelo em si tem que se: jendido. A memoria no seu contexto A conclusio de Hume ¢ paradoxal. Se na re rig elas do que & habitual, Sentir-nos. alidade acreditassemos que as nossas memérias so trai figis de experiéneias reais, exibiriamos maior confiang amos talvez també muito mais perturbados pelo facto de esquecermos. Com efeito, muita da icla quotidianna parece nunca chegar a ser devidamente «trans critay. Contudo, em circunstan as normais, a nossa meméria serve-nos muito bem: recordamos sem sequer termos dar. O q mecanismo garante da verdade den a nogio de que esta 0s a recar- ‘4 implicito no fracasso do esforco empirista para descobrit um do espirito é o fe «c6pia ¢ armazenamento» nio corresponder realmente & nossa experiéneia to de 0 modelo de da memoria. Tal nao implica que @ confianga que temos na meméria seja ndevida, Simplesmente, obi confianga, nos a ir procurar noutro sitio a fonte desta ‘A maior parte dessa confia nga deriva do facto de experimentarmos 0 presente em relag 9 com 0 passado. A nossa experigneia do presente fica portanto inserita na exp. a passada. A meméria representa o passado ¢ © presente ligados entre si ¢ coerentes, neste sentido, um com o outro. Temos confianga neste tipo de meméria porque € contin. ia quotidiana, Esta test mamente testada na ambém revela frequentemente incoeréncias; quando isso sucede, porém, habitualmente no tel mos dificuld: de em con- fabular uma razio. Nao consigo encontrar as minhas chaves no sitio onde me recordo de as ter deixado e: a manhd. Imagino que outra pessoa as tirow ou eu ando mais distraido do que de costume. Nenhut las hipdteses me forga a duvidar da conexdo entre passado e presente. cl ser a raiz da sua debilidade como fonte de con! © que esta insergdio da memsria na experiéneia presente pode também mento do passado, A 39 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM memiéria é mais forte no continuum presente, onde € con: antemente exerci= @ testada; pode ser anacrdnica quanto a acontecimentos exteriores a0 con- un, porém, 0 método de validagaio permanente da meméria através da experiéncia presente funciona habitualmente bastante tinuum, Dentro do cont bem. Se a meméria é valid és da pritica real, ine -se que, felizmente essa meméria nunca € absolutamente segura. O nosso conheci- mento, tanto do passado como do presente, ¢ construido sobre ideias ¢ evo- cages na mente presente; no pode fiel do que as ideias e evoc Bes sobre as quais se constréi. A ct nfianga que temos na meméria é limi tada pela possibilidade de uma nova experiéncia ou ideias melhores a con- tradizerem, Tenhamos ou nao consciéneia disso, 0 que tem valor na memé- ria nijo é a sua capacidade de providenciar um fundamento inabalavel ao conhecimento, mas, simplesmente, a sua capacidade de nos manter & tona A incapacidade dos registos, tanto filos6ficos como psicold necerem um conjunto de ca orias para a deserigaio da meméria que seja valido universalmente re natureza funcional de grande parte da nossa exp \itia, Trata-se habitualmente de uma experiéncia asso- ciada a tarefas especiticas; ¢ importa de que tipo de tarefas se trata. A nossa experigneia de recordar informagiio semantica € diferente da nossa experién- cia das reminiscéncias da infiincia, E ambas sdo diferentes da nossa ex iéneia de tentar recordar como se danga o tango. Mas estas diferengas fun- cionais sdo também diferengas sociais, pois é 0 mundo em que vivemos que distribui as tarefas da nossa meméria, determina a mat fas devem ser desempenhadas ¢ até nos dit as categorias com que as pen samos. Isto & verdadeiro para a meméria individual e € também verdadeiro para as memérias conservadas colectivam Qualguer conjunto de categorias utilizado na descrigaio da meméria sé pode ter uma validade rel tiva, € no universal; e isto aplica-se, evidente as usadas neste livro. Tentaremos escolher categorias is e neutras quanto possivel; mas continuam a ser categorias relativas Temos também que ter 0 cuidado de racionalizar a memoria & medida que . A memoria é fTuida e opera de formas de que mal n 40 € constantemente e tos exteriores a0 con- validagio permanente da habitualmente bastante ue-se que, in- ido sobre ideias ¢ evo- do que as ideias e melhores a cor que tem valor na memé: ndamento inabalavel ao ide de nos manter 4 tona no psicoligicos, de for- > da meméria que seja ande parte da nossa de uma experiéncia asso e tarefis se trata, A nossa ferentes da nossa exp Mas estas diferengas fun- indo em que vivemos que gorias com que € € também verdadeiro is pen- descrigdo da memé ¢ isto aplica-se, evidente- os escolher categorias tio a ser categorias relativa am MEMORIA SOCIAL conta. As categorias com que analisamos a memoria tém pois que ser sufl- cientemente indefinidas para se evitar qualquer sensagiio de limites rigidos a separar um «tipo» de meméria de outro. Finalmente, hd o problema de, em qualquer estudo da meméria em geral, Ihe conferirmos Este, porém, de usar analogi consisténcia objectal que ela na realidade niio possui roblema que esti ja presente no nosso habito quotidiano as fisicas para exprimir experiéneia n mental, As ideias «aco- dem-nos»; «procuramos» respostas. O que «realmen e> queremos exprimir quando dizemos «a moeda acabou por eair> 6 que a «maquina» subitamente ow», ou talvez que o «ponto» da observagio acabou por wengre «encaixou», Para explicar uma analogia recorremos a outta e parece que so: mos permanenten ente ineapazes de sair do circulo, Veremos mais tarde que esta tendéncia para descre’ icativa, Aqui, porém, tra io de cto analogias. Enquanto estivermos ¢ apenas de salientar que essas descrigdes so somos capazes de compre- ¢ 08 homuncull & frente dos seus paingis de controlo sto apenas «ho- enzinhos» met Gricos ¢ heuristicos, ¢ no verdadeiras entidades mentais, O problema da analogia coloca-se também a um nivel mais profundo. A nos das analogias descritivas € influ iciada pela nossa concepgio da pripria linguagem como um meio de des! na a analogia de Arthur Koes- para descrever 0 nosso espirito, o «fantasma na maqui ver auténomo & ado daquilo que descreve. I isso qu . Ho obvia- ente heuristica. Mas vemos também que a distingio entre «palavray e isa» no esta naturalmente presente na nossa meméria; nem as pe mente da mesma fas culturas sentem sempre esta distingao preci aneira qu que é 0 do modo de estudarmos a meméria social, para 0 da descrigaio fica que, se deslocarmos a discussdo do problema das experiéneias de meméria de outras pessoas, temos que ter cuidado com a descrigJo dos «fantasmasy das amiquinas» das outras pessoas. Em principio, podemos ir olhando a meméria social como expresso da Jentifiea um grupo, conterindo ido ao seu passado e definindo 0 futuro, Ao faz2-lo, 2 meméria social faz muitas vezes exi ssados, Por vezes, podemos confrontar estas exigéncias factuais com fontes cumentais; outras, nJio podemos, Em ambos os casos, porém, a qi considerarmos Srias historicamente verdadeiras revela-se mui: stas men a JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM tas vezes menos importante do que a de eles considerarem verdadeiras as suas n consid memérias. Os grupos pod de histérias divertidas, tal far que as suas tradigdes S20 um conjunto m com uma ligio moral a extrair, mas nfo dei de ser fiegdes, Mas, noutros ca rupos podem respeitar a autoridade das suas tradigdes. Neste tiltimo caso, ¢ importante saber como e porqué procedem assim, pois nio é de supor dados sensoriais dos seus antepassados, que foram retidos, A meméria soc al é uma fonte de conhecimento. Isso significa que faz mais do que fornecer um conjunto de gorias através do qual, de um modo inconsciente, um grupo habita 0 seu meio; dé também ao grupo matéria de reflexdo consciente, Isso significa que devemos situar os grupos suas préprias tradigdes, descobrindo como interpretan préprios «fantasmas» e como os utilizam para fonte de conhecimento, Reconhecimento, evocagao e articulagao Poderemos regressar i descrigiio da mi do: a memoria é tais. Frequentemente néria com uma simples observ: omplexa, Por tris da palavra esté uma série de actos men- sociados & meméria esto, por exempl ticulagdio. Reconhecer significa identificar al coisa ou alguém com base num conhe mento ou experiéncia anteriores habitualmen quer coisa» que temos diante de nés. Para evocar, nio € necessiria a presenga; este termo impli qualquer coisa de volta ao espirito, Ao contrario do reconhecime: 0, que percepedo, evocar & portanto um acto puramente interior que envolve qualquer tipo de represent 0 mental. Quando nos entre; niscéncia, comunicando a outros 0 que evocamos, levamos a memoria até fase seguinte —a articulagao, Isso mplica expressio, a qual, sendo embora, no geral, uma exterioriz ser também um processo puramente interior Obtemos assim ts categorias — reconhecimento, evocagiio e articu- lagdo. Podemos perguntar acto ou de tres actos estas trés categorias fazem parte de um Gnico distintos. Além disso, na medida em que possam ser distintos, podemos ver em que exacto sentido os pod Segundo P. D. Macl. ciente — isto é, meméria associada aos lobos n, podemos considerar frontais do nosso eérebro — rarem verdadeiras as suas str Jigdes so um conjunto Ta extrair, mas no deix 1 respeitar a autoridade das suas tradigdes como meros retidos, nto. Isso significa que s através do qual, de um ém a0 grupo devemos situar os grupos > como interpretam os seus c de conhecimento, com uma simples observa- ti uma série de actos men. por exemplo, o reconhe- nifica identificar alguma de nds. Para evocar, nao fazer qualquer coisa de nte interior que envolve os entregamos a remi- levamos a memoria até a silo, a qual, sendo embora bém um proceso nento, evocagio ¢ articu fazem parte de um dnico edida em que possam ser ue a nossa me a ck ais do nosso cérebro — MEMORIA SOCIAL evoluiu em trés fases. A primeira fase representa o desenvolvimento do cére~ bro reptilineo, a que poderemos chamar «consciéncia de crocodiloy. Aqui, a meméria existe puramente a0 nivel do reconhecimento, A presenga de um stimulo reconhecido desencadei ade acgilo que esti j, em certo sentido, programado no animal. A segunda a fase paleomamitera, 2 nossa «consci incia de cavalo», Consiste na capacidade de um animal estabele- io entre um estimulo presente ¢ um estimulo ausen d coisa que tema — para reay Assim, tar em presenga do estimulo — comida ou qualquer ele, mas apenas em presenga de algo associado a comida ou a medo, Tanto basta para habilitar 0 animal a «visualizar 0 que se em conformidade. A terceira fase € a neoma- se, 0 «animal» tem capacidade para niio $6 seguir vem a seguir e comportar mifera, Somos nds. Nesta uma cadcia de associagdes como também representar ou de algum modo ar- ischer 1979: 34), Todas estas teorius sobre a origem da consciéneia so extremamente ticular 0 que recorda (citado em especulativas: citimos esta m samente como exemplo, Tem a vantagem de presentar comodamente as tés categorias da meméria a evoluirem em trés ases neurologicamente clistintas. Se aceitarmos a teoria, aceitamos também que reconhe distinguidos. Si puramente psicolégicos? valor do exemplo esti em imento, evocs io e articulagtio podem ser neurologicamente ifica isso que podemos distingui-los também em termos mostrar que isso 1 se passa necessariamente. E certo que podemos distinguir reconhecimento, vocagao € articulagdo como wés tipos diferentes d comportamento. Mas ica nem a de uma disting’io comportamental determina que fagamos também uma distingllo em termos nem a possibilidade de uma disting%o neurol6; puramente de experiéneia mental. A este nivel, pouco hi que os separe. Por ndo 4a sensagtio de que uma parte reptilines do nosso eérebro entrega a sua exemplo, niio hit nada de subjectivamente primitive 9 reconhecimento, nsagem aos nossos centros de raciocinio mais evoluidos, no cortex cer Nem, por exemplo, quando vemos um sinal de stop, temos qualque' ago de que o reconhecimento da palavra vem de um «sistemay de tro, 0 reconhecimento da cor vem de 0 «amemérias») pode ser uma questo pertinente, Isto nao faz dela uma questio psicol pois onde uer que possa ser essa localizagiio, ndlo sentimos que as nossas recordagdes ordar, «Limi vém «daqui» € nao «dali»: limitamo-nos a JAMES FENTRES IRIS WICKIIAM dap» porque estamos de tal modo situados relativamente aos nossos pen- samentos que no temos forma, por assim dizer, de «olhar para tris das costas» para ver de ide véem, Como consequéncia da nossa estranha tuagdo, os nossos relatos dos acontecimentos mentais raramente passam de pa do nosso esp apercebidas do comportamento mental. Mas estas categorias eas. Fazemos © 10 projectando nel sua maior parte funcionais, Detinimos as partes do nosso espirito por réncia ao que fxzemos com essas «partes». Deste modo, a experiéncia social é redesenhada como topografia mental, Podemos aprofundar este ponto um pouco mais mediante uma rudimentar experigncia de pen- samento, Imaginemos um floricultor especializado de rosas com um stock d mos, 100 tipos de rosas. Se the pedirmos que dé o nome ea deserigdo de todas as rosas, pode ser capaz de o fazer com facilidade. Presumivelmente, tera dentro da ¢ tipos e sube ga uma gran porgiio de conhecimento relacionado com cies, com as suas diversas caracteristicas e historias particu: A focar, uma cadeia natural de associagao disy -Ihe o resto do seu conhecimento de especii jonibiliza- Mesmo sem a ajuda de for- mulas mneménicas, hd corpos de conhecimento estruturados em sequéncias de conceitos relacionados, Isso facilita consideravelmente a sua evocag Esta conexdo do conhecimento ndo serve ap; cilita também a articulagdo. As para ajudar a evocar; quéncias de conceitos onados stio em ral semanticamente estruturadas. Tais sequéncias silo relativamente ficeis de articular porque a meméria jé as tem preservadas sob uma forma sintactica A lingua 6 um aide-mémoire natural; organiza © nosso conhecimento em ategorias conceptuais imedik fe disponiveis ame a articulagio. Podemos, porém, para efeitos de experiéncia, tom mais dificil a tarefa mneménica introduzindo a oposigdo entre semantico e sensori Podemos pedir ao floricultor que represente para si proprio cada um dos 100 tipos de rosas sem articular @ representaglio em palavras — nem sequer para lavras, estariamos a pedir-Ihe que evocasse uma série de coisas em termos puramente sensoriais, Executar a tarefa poderia re- da sua parte, uma deambulago im: siniria pelos canteiros de rosas, vendo cada flor ao passar por ela, Esta operagio mental, priv li & mais dificil do que a meméri Ja do atalho tempo; vimos que a meméria ¢¢ a-a-palavra, Mas nio € impossivel amente aos nossos pen- de «olhar para tris das ia da nossa estranha si- 2is raramente passam de -spirito projectando nele al. Mas estas categorias tes do nosso espirito por ste modo, a experiénci ddemos aprofundar este ar experigncia de pen- as com um stock de, di- © nome ea descrigio de idade. Presumivelmente, mento relacionado com eas € historias partieu- o disponibiliza. uturados em sequéneias Imente a sua evocagio, tos relacionados sio em so relativamente ficeis ‘ob uma forma sintactica, nosso conhecimento em ra articulagto, dificil a tarefa 0 e sensorial, Podemos mar ma da um dos 100 tipos de sequer para si que evocasse uma série tar a tarefa poderia re- relos canteiros de rosas, ental, privada do atalho a meméria coisa-a-coisa Mas niio é impossivel. MEMOR Na verdade, a ideia de uma deambula io mental por uma série de imagens Visuais era 0 principio por tras do teatro da meméria, Daremos agora mais um passo para apresentar a distingio entre memérias sensoriais que silo inerentemente espaciais e as que 0 no slo, Podemos tirar a0 floricultor 0 apoio do espaco imaginario pedindo-1 cada uma 1e que recor’ das 100 rosas apenas pelo seu perfume, sem Thes evocar os nomes € sem se quer se lembrar do seu aspecto ou do local que ocupam no seu jardim, Esta- recordasse uma série de odores avras, a pedir-lhe qui riamos, por outras p: sem nome e sem localizacZo, uma série que nao est organiz pacialmente. Esta tarela podia bem revelar pobre floricultor podia nem sequer saber por onde comegar. Tal como as distin impossivel. O semintica ou es méria de coi- de. jes naturais simples. So ambas maneiras de interpretar s entre «memér a de palavras» € «ani sas», a distingo entre semantico e sensorial & genuina, Todavia, nenhuma las representa oposigd © categorizar experiéncias que se desenvolveram gradualmente na sociedade ocidental. A nossa experigncia de meméria, porém, interfe fe com a man como usamos a meméria, Estas distingSes influenciam portanto 0 modo como usamos realmente a nossa meméria A meméria ¢ flexivel; se quisermos, somos perfeitamente capazes de distinguir recordagdes abstractas de recordagdes da percepgio & dos senti- mentos. Se o floricultor recorda conhecimento destinado a articulagdo em mente estruturados, fi-lo porque & mais eficaz reter in- id articulada sob formas semantica formagio que terd que estar estrus adas, A razio € funcional. O facto de o floricultor ter articulado a sua meméri m conceitos semanticamente estruturados no significa, obv mente, que the faltem outros tipos de meméria, Ele também era capaz de recordar as s visual. O fucto de ele ter observado uma distingdo entre semanti 0 e sensorial na pratica mostra que sabe adaptar a sua meméria aos seus objectives Pondo as coisas de um modo mais geral: € possivel recordar «infor- ma Antica» isto é, informagdo codificada numa cadeia de go puramente sem icos ou outros. E meméria codi- ‘los seménticos, linguisticos, matem ficada como uma cadeia de simbolos, Isso é 0 que fz. um computador e, em muito menor medida, o que ns fazemos. O facto de acharmos eémodo re- izada ilustra a cordar informag8o semAntica sob esta forma descontext vantagem das palavras como meio de preservagdo da «meméria de coi 45 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM Habitualmen ave quando ordenamos as nossas recordagdes em cadei conceitos puramente semanticos, 0 nos 0 campo associativo € ja de si seméntico. Uma cadeia semantica conduz a outra. As cadeias de conceitos seminticos esto portanto i que se evita quase inteir jegradas num campo sensorial mais vasto em mente a invocagao sensorial E muitas vezes vantajoso recordarmos informagio textual ou cientifica pl io. Esta int scisamente deste prmagio ¢ «objectivan, Evocd-la 1 quer evocar onde e quando a aprendemos, pois fluem na informagio propriam we dita. Em geral, é mais eficaz simph mente esquecer essas circunstincias sempre que podemos faz@-lo sem perda da informagao. Nesta maneira de recordar, os conceitos semanticos fun- am como «s Intes» sem os seus «significados» Por mais utilidade que esta cadeia semantica possa ter para de informago pura, contudo retengio nada serviria ao floricultor se the pedis semos que deambulasse mentalmente pelo seu jardim. Pedir-the que antec’ memiéria sensorial —a «me- passe conceitos semanticos remeteu-o pa méria de coisas». E significativo o facto de le ter reeu: meméria pessoal, pois ele s6 p: ender a sua deambulagiio mental evocando a experiéne pessoal. [sto ajuda a demonstrar um ponto impor- Esta videntemente, que 0. E ico entre o sensorial e o pessoal mais ndo © efeito da continuidade de espirito © corpo e de meméria e percepeti e nestas continuidades que a meméria consegue conced réncia que escora 0 nosso sentido do eu. Fornecer-nos essa coeréncia & ji © dissemos, a principal tarefa da meméria na nossa vida normal, Portanto, a fonte da nossa contianga no amento da meméria assenta na con- linuidade de espirito e corpo € na nossa meméria pessoal e sensorial, mais do que na nossa meméria semantica, Assim se estabelece o paradigma tex- tual da memeéria no seu enunciado: a meméria semantica ndo é a forma canénica, normal, da meméria, mas a excepgo, Claro que no estamos a osprezar o grande poder ¢ comodidade da meméria semantica ou a negar que € principalmente através desta meméria que conseguimos recor- dar informagio fora do continuum presente, Na verdade, quando no recor damos informagio semantica, tendemos a queixar-nos de que «nos falha a memériay. No entanto, é facto que nao poderiamos estar integrados no 46 dagdes em cadeias de ssociativo & ja de si s cadeias de conceitos nsorial mais vasto em © textual ou cientifica vay. Bvoei-la nto re- cicunstincias nao in- + mais efieaz simples- mos fazé-lo sei perda citos semanticos fun- sa ter para a retengdio oricultor se the pedis. Pedir-lhe que anteci- ele ter ado para a 2 deambulagio mental strar um ponto impor- naturalmente ligadas: evidentemente, que méria © percepedo. E e conceder-nos a coe- Ds essa coeréncia é, ja ida normal. Portanto, ria assenta na con soal e sensorial, mais lece o paradigma tex- intica ndio & a forma Fo que ndo estamos a néria semantica ou a ie conseguimos recor de, quando nfo recor- s de que «nos falha a MEMORIA SOCIAL mundo da maneira que estamos se a meméria semantica niio fosse con tinuamente escorada e completada pela memoria pessoal e sensorial Finalment © facto de 0 floricultor no ser capaz de evocar uma série nente olfactiva significa que ele ndo se lembrasse do cheiro das Perante 0 aroma de determinada rosa, poderia reconhecé-la ime diatamente. 1 o-que & m; no momento em que reconhecesse 0 odor, 0 nome e a imagem dessa particular rosa saltar- Ihe-iam imedi be famente & ca- a, O cultivador era simplesmente incapaz de evocar esses odores de ut a maneira suficientemente nitida para os usar numa sequéncia mneméni Com isso, podemos colocar mais um ponto. Ao assegurar-nos a nossa lic i¢40 ao mundo, todos os sentidos 1m sem divida o seu papel a desempe- Nao obstante, ver e ouvir parecem ser os dois sentidos mais tipicamente nados para 0 tipo de sequen \onica essencial & evocagio. O olfacto, o paladar e 0 tacto ocorem também no espago e no tempo; mas no costumamos usar imagens olfactivas como meio de sequenciar as no recordagdes. Portanto, embora reconhegamos, gragas a todos os nossos sent dos, costumamos a evocar vistas ¢ sons com mais facilidade do que cheiros, dares e tactos. Facilme uimos represent tages pessoais de im: ns visuais ¢ aciisticas, o que é mais dificil com os outros sentidos. A nossa capacidade de evocar e fantasiar imager espaciais e actisticas (mesmo imagi- © nosso espitito com « ntasmas» € «membérias») mostra que a memé- ria sensorial do esp \g0 € do som no é menos conceptual do que a nossa me- néria abstracta dos significados. O espago ¢ 0 som ci acterizam o mundo tal mo 0 representamos na nossa imaginagdo de uma maneira que os cheiros, s paladares ¢ 0 tacto no conse; Alargar a nogio de «conceptual» de modo a incluir imagens visuais e cisticas significa rejeitar uma nogJo que limita o conceptual a ideias se anticament nizadas. n termos de funcionamento da meméria, as ens sensoriais evocadas nJo so menos conceptuais do que os conceitos m0 «conceitos» significa regressar em parte 4 nogdo de Locke de que 1g Voices de Oliver Sack (Sacks 1989) apres seriamente a possibilidade de do toeto (ver Baddeley 1976: 262-4, para Jenar a meméria apenas pelos sonidos do olf jgumas experiacias). Mas temos uma interes ick Siskind, Perf JAMES FENTRESS ¢ CHIRIS WICKHAM qualquer coisa que se possa te se qualif «ideian, Podemos aceiti-lo des que nio tenhamos que aceitar um modelo de copia samentoy quer da memoria quer da percepgao, A meméria Tequer um certo grau de interpretagdo, As nossas memsrias ndo armazenam mais pequenas réplicas do mundo exterior feitas de material mental do que as traseiras dos nossos televisores (ef. Marr 1982; Kosslyn 1980) Conceitos visuais recordados Podemos ilustrar a nogio de «onceito visual» com uma experiéi ples do historiador da arte Emst Gombrie onze anos que fi Gombrich pediu a uma erianga de ssse uma cépia exacta de Wivenhoe Park, de Constable. O resultado foi uma representagiio alt simplificada. A relva matizada e erde; a: am-se uma zona uniforme de einzento cla abund deli figuras humanas e animais fora e de Constable cou reduzida a uma mancha lisa d wdamente coloridas torn: puxadas para a fiente e d enhadas despro- em. O estudo de io da natureza de Constable foi portanto transformado conceitos visuais (Gombrich 1980, a0 lado da p. 50), Como coneeito, a erva é uma «coisa porcionadamente grandes ou simplesmente tiradas da ima cuidadosa observa azuly € uma magi uma «coisa vermelha», Empiricamente, claro, erva, céu © magiis podem ser de muitas cores, Se as ctiangas habitualm pintam os is azuis ¢ as mags vermelho vivo, nio é of sofferem de falhas na sua fieil conseguir uma imitagdo re. conhecivel pintando o conceito, Do mesmo modo, 0 conceito de ser humano 6 o de uma coisa com pemas, bragos, miios, dedos, olhos, orelhas, na elo, ete. Empiricamente, cla humanos loealizs se frequentemente no nosso campo de visio maneira que muitos destes pormenores se nos tomam invisiveis. Para uma crianga, porém, pode arecer conceptualmente incorrecto representar a pessoa te Inhelder 1956). Dai que a f jente aumentada e roda conquista a: ¢ modo (Pi a possa ser despropor cional ia para ser apresentada de frente, A crianga im espago para incluir todos os pormenores essenciais, Quando ras podem ser simplesmente no pode fx lo, as fi noradas. Na meméria, ha sempre uma tendéncia para a simplifica © esquema- tizagdo. A conceptualizag%o significa que a memoria esta armazenada de uma forma «conceptual», po os conceitos so mais recordar do nte se qualifica de «ideian, da pereepeio, A meméria memérias no armazenam rial mental do que 2; Kosslyn 1980), com uma experigneia sim- ch pedi a uma erianga de ioe Park, de Constable, O ada, A relva matizada e forme de cinzento claro, As rente snhadas despro: s da imagem. O estudo de foi portanto transformado a0 lado da p. 50), 1 como 0 eétt é uma «coisa amente, claro, erva, céu s habitualmente pintam os sofferem de falhas na sua ete. Em piricamente, » nosso campo de vistio de am invisiveis. Para uma orrecto representar a pessoa 4 possa ser despropor. ada de frente, A crianga enores essenciais. Quando simplificagdo e esquema- néria esti armazenada de nais fiiceis de recordar do que as representagdes completas. A simplificagdo que resulta d espacial das figuras na im: MEMORIA SOCIAL conceptua- (© pode ser dristica. As relagdes espaciais numa ima a ser modificadas por forn yem vistial esto na a tornarem as relag temporais ou 16; de consequéncia mais claramente visiveis. Ocasionalmente, o arranjo om € até reconstruido dem no estavam ori Ses de causa ¢ efeito qu almente presentes, ett ea «busca do sig. if ado» nossa actividade quotidiana, a meméria sensorial e Gria semdntica esto ligadas e forma complementar. Utilizando a anterior fe conceito visual, podemos comegar a ver como & Ke isso se processa, jel observa a conceptualizagio numa experigncia psicolé Jo de que € muito mais do que recordagde ica pela il observar e registar recordagdes «que «que entram». O exemplo de Gombrich vale por ma série de experiéneias psicolégieas. Facto ificativo, quase todas ram realizadas por psic6log Iport 1955; Gibs s especialistas da percepedo (ef. por exem- 1950). E mais fieil observar pe 10 «que entrw meméria. Isso sugere que, para efeitos de experiéncias psicoldgicas, a ia pode s m iratada como uma extensiio da pereepgo, Esta abordag S seus perigos: esquecer, por exemplo, Imente anilogo a ni ber. Mesmo assim, tratar a meméria por alogia com a pereepgio dé nos algun neeptuallizagtio, roblem ss indicagbes de distorsio que provavelmente surgem du de observar tanto a meméria aque entray como a memoria sai» foi pela primeira vez ado pelo psicélo F 0 alemo Ebbinghaus, »s de 1880. Colocow os seus sujeitos da expe ia em completo iso- 0 € mandou-os decorar ck Bartlett, psicélog éries de silabas sem sentido, Nos anos trinta, ridge, estudou as experigncias de Eb- is. Na sua opinido, os resultados, embora interessan ss, eram limi: AS experiéncias eram demasiado artiticiais. Ebbi aus tentara re problema da meméria isolando-a tanto quanto possivel do contexto quotidiana; mas, afirmava Bartlett, a caracteristica mais importante méria, da mani artlett 1932: como realmente a utilizamos, é que nunca sai do 3-5), ponto de partida de Bartlett para as suas p do psicdlogo francés Binet de «ideia directrizn. Bartlett concebia a réprias experiéneias foi a “9 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM como uma «busca do significado» em que o meméria gnificado se ating sequenciando o que se quer recordar num padrio claro, compreensivel — consequentemente — facil-de-recordar. Bartlett desejava investigar as ideias que regiam a formagdo dessas sequéncias (ver Bartlett 1932, para este ponto ¢ para tudo quanto se segue) » desenhos de con- Numa experigneia, Bartlett mostrou aos sujeitos cin toro de rostos de militares e pediu-lhes que gravassem esses rostos na me- méria, Tal como suspeitava, os sujeitos destacaram tragos salientes dos de- senhos — chapéus, insignias, barbas, cachimbos, ete. — como «ideias di- rectrizes» que 0s ajudassem a seq Ao dis também usavam certo m complicadas operagdes me renciar na meméria as suas percepgdes. cutir o assunto com os sujeitos, porém, Bartlett descobriu que eles ns deles realizavam ero de outras técnicas. A\ ais, rodando ou invertendo certas imagens por s. Outros inventaram forma a tornar mais evidentes certos padrdes vis! esquemas seménticos de aide-mémoire. Uma téenica favorita foi a de «dar vida aos rostos», imaginando-os como pessoas reais sobre as quais se inven- tam pequenas historias Estas experiéneias confirma jumas observagd mal erais sobre 0 uso ficado. ss80 tanto da meméria. A primeira, € que a busca do um pr consciente como inconsciente, Quer 0 sujeito abordasse a tarefa definindo em fundamental era sempre a mesma. Os sujeitos tent \dro no ma- a um padio ou impor-Ihe um padriio por forma a abordag conscientemente uma estratégia, quer nilo, @ m sempre observar um p terial, reduzir om: tomé-lo proprio para ser memorizado, Por outras palavras, antes de poderem memorizar o material, tiveram que fazer dele um «mapa», erial eram 'sutilizados pelos sujeitos para fazerem 0 mapa do mat dois tipos — semantico e sensorial, Alguns sujeitos tendiam mais erial; outros a ver padrdes visuais. Ne a projectar padres seménticos no ma ninticos ou exelusi- hum deles, porém, recordou padrdes exelusivamente sei vamente visuais. De facto, a maior parte dos padrées eram tanto seménticos como visuais, Portanto, um sujeito que recordou os rostos dando-Ihes vida comegou por empregar uma estratégia visual, Mas, tal como explicou a Bar- 20 rosto, fixou-o na meméria atribuindo-Ihe um tlett, assim que dew v nome, Esses asaltos» entre 0 semAntico e 0 visual foram comuns € sentidos irais. Os sujeitos inventaram como na aves seminticas p focar deserigées seminticas. visuais © aram imagens visuais p 50 que o significado se atinge 9 claro, compreensivel e — iesejava inves artlett 1932, para este ponto tos cinco desenhos de con- n esses rostos na me- am tragos salientes dos de- s, ef. — como «ideias di- eméria as suas percepgoes. Bartlett descobriu que eles ns deles realizavam ertendo certas im: ns por visuais. Outros inventaram nica favorita foi a de ad: is sobre as quais se inven: rais sobre 0 uso ficado & um proceso tanto rdasse a tarefa definindo em fundamei servar um padrio no ma- um padrio por forma a ntes de poderem mapa», 0 mapa do material e: ns sujeilos tendiam mais ver padrdes visuais. Ne nte semanticos ou exelusi- Ses eram tanto semdnticos 0s rostos dando-Ihes vid: mo explicou a Bar eméria atribuindo-Ihe um aticas para evocar im des seminticas. MEMORIA SOCIAL Além disso, fizeram os possiveis por usar virias téenicas em conjunto. Nenhuma técnica sozinha deu resultados consistentemente satisfatérios, por isso, como Bartlett descobriu, fascinado, os sujeitos tendiam a ser ¢i dos pelas préprias técnicas que empre; avam. As téenicas semanticas, evo- nediante um padro verbal, s6 preservavam a informa- 40 dentro do proprio padrio verbal. Uma vez. formado ¢ entre: ria 0 padido verbal, o significante era, por assim dizer, cortado ao signifi do. Quer isto dizer que uma vez verbalizada, a informago sensorial era efectivamente esquecida. Os sujeitos nao podiam ir verificar a su visual e aperceber os erros. E porém significative tl ndlo equiva ns visuais, Inevita- cm visual ligada a chave verbal. E, 0 que é mais, igem visual tendia a corresponder a essa chave, estivesse ou niio errada a chave visual. Por outras palavras, os sujeitos de Ba m dentro do dilema de Goethe: nao ter maneira de dizer se uma lea que a memoria verbalizada no seja acompanhada de ima velmente, havia uma ima, lett achar requéncia nagem visual recordada é real o fantistica. As técnicas visuais retinham uma imagem que podia ser introspectiva- nente consultada, Portanto, as t nicas visuatis preservavam a informagio por completo, cas visuais tendem a preservar as imagens de ma forma nao estruturada, Isso torna-as mais dificeis de evocar. Tio-pouco as imagens visuais estavam livres de distorsio, Parece que niio era possivel 0 sujeito concentra € numa imagem sem fintasiar em tomo dela, Por isso os sujeitos que deram vida 0 rostos mostrayam tend cia para reconstruir as as imagens destes rostos s undo a sua prépria imaginagao, Quando Bartlett nostrou 0 verdadeiro desenho de um dos rostos a uma das participantes, que le dera uma descri¢do muito circunstan ial, portanto pouco rigorosa, ela nho tinha sido substituido por outro. Bartlett ficou intrigado com a memoria visual se ¢ pensou que o dese \eira como a meméria semantica e a ompletavam mutuamente, mesmo que ambas estivessem das. Suspeitou que mesmo quando # meméria parecia semanticamente nizada podia haver nda uma forte componente visual na experiéneia da propria recordagdo. A meméria visual, observo fixar em pormenores que eram recordados com acuidade, enquanto a pe u, tinha tendéncia pectiva ¢ as relagdes do campo visual 0 no eram, Isto f8-lo pensar nos efei- tos desses pormenores vivamente recordados sobre a meméria semilntica, Tinha observado que a meméria visual compensava um erro de pa seméntico produzindo uma im: m visual que confirmasse 0 padrio. JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM Poderia isso funcionar ao contririo? Se: nntica capaz de se acomodar aos pormenores visuais registados? sta questio, Bartlett lleu uma histéria que deu a decorar aos sujeitos. Nao queria Para explorar ncebett uma experigneia um tanto diabélica, Es pediu-hes avras. Na que decorassem todo o texto, implesmente que contassem da exp eneraliida historia pelas suas préprias pa le, as condig rigneia eram informais, afigura-se que os sujeitos «dos seus conhecides. Leram a histéria inteira duas vezes ¢ foi-Ihes dado tempo para pensarem ne Barth diatamente a seguir e mais tarde, a intervalos irreg, lures que dependiam do facto de os encontrar (encontrou um dos sujeitos na ua seis anos depois do teste e imediatamente perguntou pela historia), © que Bartlett no Thes disse, mas algo que torna a experiéncia particular- mente interessante, foi que a histéria era ininteligivel. Bartlett escolhera um conto dos indios da América registado pelo antropélogo americano Franz as», A historia fora Boas, intitulad «A Guerra dos Fanta porém, retirad do seu contexto, No texto de Boas, os fantasma 6 de todo claro quem quem trava a guerra, Tal como Bartlett previra, a radical ambiguidade da historia forgou os sujeitos a operar intelectualmente, Na sua «busca do signi- far a historia antes de a decorarem, me ficado», foram forgados a carto, te alribuirem-| 1¢ uma interpretagdo que a tomasse inteligivel 1s. A aborda; Tais interpretagdes foram tase varia m mais comurn fe expulsar racionalmente os fantasmas interpretando a referén. cia a afantasmas» conotada cam algum cla on tribo americana nativa. Nao e na Cambrid, 1¢ dos classicistas F. L, Comford e Jane Harrison ambém sido proferidas umas retagdes. bizarrament iativas. Um dos sujeitos recordou a histéria nos termos do ritual dos tivessem mortos do ant go Egipto. Outro lizou os person ion vivos interpre. tando a histéria como um mito da natureza. Ba se coaduna com a interp tt ficou interessado em confirmar a sua hipotese de que a meméria ago. Quando a meméria ainda esti tres sujeitos tém frequentemente conseigncia de que havia possivei: serepin cigs entre a historia tal como a recordavam e as suas interpretagdes. Mais tarde, embora a méria da interpretagdo permanecesse, a das partes da historia que ndo condiziam com a interpretagzio desvanecia-se. Os sujeitos podiam ainda lembrar-se de que a historia era ambigua; tinham porém esquecido quais eram, na sua perspectiva, as passagens discorda eméntiea capaz de se a experiéneia um tanto rar aos sujeitos. Ni 9 queria Jesmente que contassem condigdes da expe: m todos seus conhecidos. em nela, apo para pensarem n intervalos ir trou um dos sujeitos na na a experiéneia particular- colhera um z givel. Bartlett ropélogo americano Fri storia fora, porém, retirada claro quem so os fantasmas jdade da a radical ambi ne. Na sua «busca do antes de a decorarem, me- n- ag imerpretando a rel ibo americana nativa. N30 L. Comford ¢ Jane Harrison erpretagdes bizarramente ria nos termos do ritual dos personagens vivos interpre- 1ua hipétese de que a meméria neméria ainda esti fresca, os siveis diserepan- navia pos € as suas interpretagdes. Mais anecesse, a das partes da lesvanecia-se. Os sujeitos ambigua; tinham porém Jiscordantes, ins discorda MEMORIA SOCIAL Mas Bartlett do estava interessado nas interpretagdes dos sujeitos en- janto tais. A ambiguidade da historia forgara-os a semantifica cordagio dela. Bartlett per a sua re. untava-se se esse elevado nivel de semantifi cagiio inibiria a formagao de imagens visuais, Se, tal co a, nilo inibisse, queria s F que tipo de papel desempenha gens visu Mais uma vez, a escolha do texto feita por Bartlett foi abil, pois embora a historia fizesse pouco sentido, continha mesmo assim um certo nimero de vivas imagens visuais. Bartlett suspeitou que um pormenor visual recordado ervia muitas veze is directriz» da reconstrugéo semintica, Nao se pode observar uma imagem mneménica visual no ponto de articut pode observ: introspectivamente, ao nivel da evocagiio, Portanto, Bat- tlett podia confirmar a sua hipétese limitando-se a pedir aos sujeitos que discutissem a Assim fez e descobriu que, nuns tantos casos, uma imagem visual recordada iniciava e 2 uma cadeia recordada de associagdes semanticas. Bartlett péde concluir que, por tris da meméria ao nivel da articulaga nente, havia uma experiéncia subjec- que s6 podia ser organizada semanti va da meméria que era me au de sem ntica. Embora, a0 nivel da evocagio, intificagdo pudesse variar consideravelmente, s6 excepcional- nente a evocagio ficaria semantificada por completo sem a participa 0 de ens sensoriais. Ao contar com as distorsdes do contetido da memeéria, al como se observam na articulagao, tem que se ter em ¢ a meméria encontra o seu padrio na mente de c: nta a forma como sujeito, Con 1 forma como a meméria se sequeneia refl loe Ma so complementares: cte ngao do individuo que recorda; mas es: a inteng; ncia a0 contetido. Sé que os individuos, geral ja de si se forma por mente, nao tém plena ncia das suas intengdes, pois as proprias experigncias tomavam evi- te que muitas das opgdes de forma em que o material encontrav ontineas — téenicas que simplesmente se apresentavam ndo o individuo procurava recordar, ura e sequenciagéio da meméria descobriti que a forma sob a qual a memori ia era no sé um podia ser sequen- lexo do contetido como também determinada pelas © predisposigdes dos individuos que recordam, Individuos diferen- 53 JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM. tes tinham recordagées diferentes, utilizando pormenores diferentes nas suas ideias directrizes e diferentes estratégias para as memorizar. Isto traz-nos & questio final, Em que medida sio as estratégias que nds, conscientemente ‘ou nio, adoptamos para recordar determinadas pela nossa cultura € pela nossa educagiio? Parece proviivel que as formas sob as quais os advogadlos recordam os documentos ju grau determinadas pela sua formagdo profissional, Sera possivel ir mais Tonge ¢ por em contraste a maneira geral como as culturas letradas sequen- dicos ¢ os pintores os quadros so em certo as culturas no letradas? ciam as suas mei filosofo americano Charles Peirce afirma que o estado de espirito mais conducente & eriatividade é 0 estado de «Musement» [Contemplativo}» ou de «Pure Play» [Pura Fruigaio] (in Sebeok ¢ Umiker-Sebeok 1983: 26). A afir- magdo esta dentro do espirito de Montaigne: um intelecto poderoso, activo, precisa de se livre e amplamente, de no ser, portanto, estorvado pelo tipo de conhecimento puramente passivo que se pode ir buscar, se necessirio. Podemos talvez tomar tais observag es como pessoais — Peirce est a dese ver a experiéncia do seu proprio espirito — e usti-las para definir qual a face da memoria na experiéncia de um individuo altamente inte abstracta, altamente semantificada e estruturada numa rede de categorias cas. E também altamente personalizada, pois as pessoas so ca- sos, Esta estrus nite, E em geral pazes de ordenar a sua imaginagao de acordo com os seus tura é também solta e informal. As técnicas de sequenciagdio empregues per mitem a maxima amplitude possivel e a maxima liberdade de associagio possivel (© oposto desta especie de memoria pode ser a de um grupo pequeno, isolado, culturalmente homogéneo, nao letrado. Se a hipdtese estiver cor recta, a sua memoria sera menos seméntica; ser também voltada para as stractas, I6gieas € causais. A sua coisas ¢ menos estruturada em conexdes a meméria sera também mais reduzida, menos pessoal ¢ mais rigidamente sc- quenciada, 0 que parece ser frequentemente 0 caso. Os rai, uma pequena tribo que vive no Vietnam, tém sido estudados pelo caneés Jacques Doures (Dournes 1976). Dournes desereve a cul- tura mneménica dos Jérai como uma cultura nfo s6 bem organizada mas tam- etndgrafo f ie convencional. Ha bém hiperorganizada, O discurso dos Jérai é altamer grande homogeneidade nas ideias expressas;_as ideit pouco convencionais correm 0 risco de ndo serem de todo compreendidas. Assim, para os J6rai, 54 enores diferentes nas suas morizar. Isto traz: que nés, conscient ela nossa cultura pela ob as quais os advogados 05 quadros so em certo al, Sera possivel ir mais culturas letradas sequer as culturas nio letradas’? 0 estado de espirito mais » [Contemplativo}» ou de Sebeok 1983: 26). A afi nite ecto poderoso, activo, r, portanto, estorvado pelo car, se necessiirio. sis — Peirce est a di sere as para definir qual a face nite intelig geral numa rede de categorias nite, E em 4a, pois as pessoas sio ca os seus gostos. Esta estru- uenciai 10 empr 1 liberdade de associagao ues pe a de um grupo pequeno, ea hipétese estiver cor- ambém voltada para as Pa yal e mais rigidamente se. as e causais, A sua n, tém sido estudados pelo ). Dournes descreve a cul bem organizada mas tam amente convencional. Hi leias pouco convencionais as. Assim, para os Jérai, a MEMORIA SOCIAL inteligéncia manifesta-se, iJo enuneiando novas ideias, mas usando a reserva rbios e ditados de forma expressiva e compondo canoes Sujas forma e contetido sfo rigorosamente ditados pela tradi tradicional de pro Dournes analisa os ditados ou expressdes que constituem a parte cial da conversa entre os Jérai. Sao frases feitas, tornadas mais memo- riziveis pela consondneia e ri imo. Os Jérai utilizam uma série de recursos aciisticos nesses ditados — ritmo, rima, conson incia e aliterago, O d logo Jorai consiste na troca de ditados, um dos quais pode dar a relagao de con- sonancia com o texto. A natureza altament padronizada da conver ndo impede a narrativa; mas mesmo ai, ela resulta da troca de ditados, com © narrador a a 'sumir ambos os papéis na conversa, A medida que longas passagens monologadas vio substituindo mitaga 0 de didlogo, A sequen- ciagio pelo auditério desempenha portanto um forte papel na consolidacao a memoria social Jérai, De facto, parece que conseguir um efeito acti radivel na troca de ditados exprime 0 que Dourne chama 0 sentido Jérai de «bon ton» nas relagds A sequenciagio pelo auditério niio é a tinica m eira como os Jérai pre- ervam a sua meméria s cias de imagens. Neste sen al; hd também st jas conceptuais e sequén- d, a meméria social JOrai parece ser muito pré- determinada por um conjunto de mnemotécnicas altam zadas. Isso torna particu € convencionali- mente interessante o facto de os Jérai ne rem qualquer uso de mnemotécnicas ou pelo menos de Ihes darem pouca im- portincia, ‘m plena consciéne! de usar 0 ritmo e a consoniineia para tor © seu discurso nais agradvel aos ouvidos. Mas nélo admitem que usam meios como uma maneira de fixar 0 ditado na meméria. A prépria ideia thes parece absurd: pois os seus ditados estruturados, altamente con- encionais € acusticamente embelezados parecem-lIhes ser simplesmente 0 mundo tal qual. antropélogo britinico Evi s-Pritchard observou que os Ashanti, em Africa, véem 0 mundo através de uma «tein de fé». Contudo, no dio por S0 porque tomam a suta pereepgdo do mundo simplesmente como uma re- entagio do préprio mundo tal como ele é. Nao podem, portanto, «sol se das malhas» porque nem sequer ima; inam que elas existam. Um anti vé a tradigtio como uma eestrutura eterna»; em vez disso, «li a te: a do seu pensamento, ¢ no é apaz de pensar que 0 seu pensamento est rado» (Evans-Pritchard 1937: 194; Horton 1967). 55 JAMES FENTRESS e CHRIS WICKHAM Tal com » os Ashanti, os JOrai ndo «véem as malhas». Tal como os escri- bas babilénios de caracteres cuneiformes, muitas vezes no const que uma «palavray é diferente de uma «coisa» € que a ordem das pala € regida pela semantica e pela sintaxe € ndo pelo mundo «como ele é real mente». Fi almente, tal como Tulving, nao cons rem compreender que aguilo que obervamos nao é necessariamente o mut proprios conceitos projectados. Vimos, ni individuos «corrigem» a sua 1 Jo tal qual, n as Os seus experiéneias de Bartlett, que os néria sensorial para a porem em conformi- dade com a st ia imerpretagdo geral, mesmo quando essa interpretagdo esté errada, Veremos em ca tulos posteriores como € que a co jonados pelas memérias socialmente guardadas podem muitas vezes ser suficientemente fortes para superar e disfargar contradigdes gritantes en- tre memGria e realidade. Claro que nada disto significa que os Jorai tenham fracas memérias ou sejam de algum modo menos inteligentes do que nés, Simplesmente, usam esto as suas mentes de maneira diferente, Dourn ss salienta que os JKirai notavelmente adap ados a recordar tudo quanto querem ¢ de que precisam, Recordam, porém, num ambier e cultural no qual o problema da meméri como fonte de conhecimento verdadeiro simplesmente ndo poderia surgir problema da coeréneia don \do no espirito com © mundo fora dele ndo existe para os Jorai Os Jérai exprimem a sua propria concepgiio da coestio do espirito e do corpo e da pessoa com 0 sett meio social mediante uma ceriménia, Logo de- pois do nascimento, os sentidos da crianga Jérai sto «acordados» mediante sopra anga, invor recordar a sua fun Os reconhecerem as ideias presen 213-15), em neles raiz de gengibre. Quando a parteira sopra para os ouvidos da aa m ria, Todos os sentidos sio conjurados a «recordar: recordar o seu ensinamento; reco lar os deveres para com a familia entidos recebem portanto ordem de «serem agudos» ps 5 na cultura do recém-nascido (Dournes 1976: Esquecer Mary Warnock obser sntais que pensamos estar a trabalhar norma a que a memoria & a Gniea das nossas faculdades mente quando funciona mal (1987, introdugao). A observagdo é deliberadamente irénica, no entanto, tal 56 nalhasy. Tal como os eseti- s vezes no conseguem ver 2 que a ordem das palavras © mundo «como ele é rea Nseguem compreender que undo tal qual, mas os seus rigneias de Bartlett, que os para a porem n cor ndo essa interpretagdo est € que a coeréneia e © apoio rdadas podem muitas vezes r contradigdes gritantes en- enham fracas memérias ou € nds. Simplesmente, usam salienta que os Jérai estto querem ¢ de que precisam, lema da memér mente ndo poderia surgir om o mundo fora dele no da coesto do espirito e do © uma ceriménia, Logo de- ra sopra para os ouvidos da io conjurados a «recordary: 10; recordar os deveres para em de «serem agudos» para xém-nascido (Dournes 1976: inica das nossas faculdades nente quando funciona mal ente irdnica, no entanto, tal MEMORIA SOCIAL e bow Uma coisa que as como na observagio de Montaigne sobre a associagilo frequi meméria € fraco intelecto, vai ao coragdo do problem descrigdes filoséficas ¢ fisiolégicas da memoria mui esquecer é normal. E certo que esquecer pode por vezes tornar-se emba. ragoso, do ponto de vista social; mas, como se ilustra pela attibulada vida do mneménico descrita pelo psicélogo russo Luria, debilita mais ndo esque- cer nunca (Luria 1975; ef. Borges 1956: 117-27), O que 0 promotores da literatura tipo «Os 10 ‘0S para uma Memoria Forte» oferecem nao ¢ portanto um meio de nos imunizar conira esquecer coisas, mas sim as técnicas tradicionais por meio das quais o processo de re cordar e esquecer pode ser colocado sob um certo, Isto, como vimos € apenas uma extensio dos tipos de técnicas consci tes que muitas vezes procuramos dominar para tornarmos a nossa meméria mais eficaz para as nossas tarefas quotidianas. Mas o conirolo conseiente que exercemos sobre a sa meméria nunca ¢ mais do que parcial e limitado, A nossa meméria mantém-nos nos damos conta tona na nossa vida quotidiana por forma A nossa meméria exprime a io do nosso espirito ao nosso corpo € do nosso corpo com 0 mundo so al e natural que nos rodeia. No entanto, esta continuidade ¢ também fonte de esquecimento normal, Se ligat ¢ desli- ar 0 mesmo interruptor da luz quatro vezes por dia durante dez anos, ndo ia ordenada de 4x365x10 marcas inde pendentes apaga na meméria; com efeito, no caso dos actos habituais, a repetigao recordagdes anteriores. Este sucessivo cesborratan» de casos repeti al, mas pode também ter resultados inesperados. Nao apercebemos as mudangas do rosto q vemos no mesmo espelho. Mas se confrontadas subitamente com uma velha fotografia, podemos ficar surpreendidos ver como o processo de mudan- 6a operou em nés. As mudangas escapam-nos ndo apenas por sei para se reparar nelas; é a natureza habitual da acgdo que esborrata a nossa recordagio anterior. Se nd houver qualquer em, no dia- dia, demasiado p quena associagdo especial que leve a meméria a resistir, de -abrimos que somos simplesmer ic incapazes de nos lembrar de nos termos visto ao mesmo espelho hé um més, um ano ou hi dez anos O que é verdade para a meméria dos individuos também 6 ver ide para a meméria social. Roman Jakobson, quando descreve a transmisstio oral dos JAMES FENTRESS ¢ CHRIS WICKHAM Contos populares, conta como é que uma histéria, ao passar de geragio para geragiio, & sucess in famente alterada. Mas entro da propria sociedade ora te processo de mudanga pode ser 1. Sem palavras eseritas para fixar ama ver © em qualquer das fases de transmissio, no ha termo de com- Paragdo. A versio contada pelo narrador parece ser a mesma que ele aprendeu ha muitos anos. E esta versio, por sua vez, par pela primeira vez, h idéntica a verso contada muitas geragdes, quando 0 suposto acontecimento estava fresco no espirito de todos. Nao hii percepgai do proceso de mudanga, (akobson © Bogatyrev 1973). Tentimos, neste capitulo, salvar a meméria dos problemas da teoria do conhecimento ¢ també) pois este proceso oblitera-s ha passa n tevelar-Ihe 0 cardcter subjective ¢ conceptual. A memeria ndo se ordena como um texto fisico, mas, por mais dificil que seja mo o proprio pensamento. Nao & ‘mas sim um proceso de reestruturagiio acti recepticulo passivo, fa em que os elementos podem set retidos, reordenados ou suprimidos. No préximo capitulo veremos como se desenrola este proceso.

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