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i 7 ! A MUS/CA DE CULTO AF RO-BRAS/LE/RO NA AMAZOM/A Anaiza Vergolino Antropdloga Mario Lima Brasil Maestro -Compositor /, Nota tt istorico-Cultural Apesar de nao ser uma regio de predominancia negra, a presenca africana na Amazonia foi expressiva, pois fontes histéricas revelam a importagao de escravos para a regido desde o séc. XVII (Salles, 1971), e um intenso trafico externo e interno ao longo do século XVIII (Vergolino-Henry & Figueiredo, 1990). Nos dias de hoje, uma religido de origem africana permanece viva na quase totalidade dos municipios paraenses. Somente na Regido Metropolitana de Belém é praticada em cerca de 1.000 terreiros, considerando-se apenas as casas de culto cadastradas na Federacao Espirita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Para (FEUCABEP), entidade fundada em 1964 e desde entao sediada nesta capital (Vergolino e Silva, 1976). Curiosamente, os terreiros mais tradicionais do Para e por extensao da Amaz6nia, nao se preocupam em tracar uma genealogia africana como acontece com os grandes candomblés baianos e casas maranhenses (Ferretti, $. 1985). Assim, para se entender a versao religiosa afro-amaz6nica, em particular a paraense, faz-se necessdrio pensé-la nas suas origens, como o resultado de um processo histérico de aculturacao de duas matrizes religiosas que se interpenetraram: a primeira, dos povos indigenas, escravos africanos e dos colonos luso-brasileiros, para quem a religiao se apresentava principalmente como instrumento de sacralizagao da natureza. A segunda, mais espiritualista ou transcendente, e que foi tipica do catolicismo romano, religiao oficial do Estado lusitano (Azzi, 1976). Ao pantedo dos deuses formado por santos Catdlicos, orixas e voduns africanos, e seres e elementos da natureza divinizados pela mentalidade animista indigena, vieram juntar-se outras personagens safdas dos mitos e do folclore ibérico, algumas delas, elementos do imagindrio europeu trazidos na bagagem do colonizador portugués. a Caracter: sticds, simcretismos € mudéncas internas Nesse conjunto, excetuando-se santos catélicos, orixds e voduns africanos, existem no culto os espiritos locais, genericamente designados como encantados, seres que sao concebidos como “vivos” porque diz-se que nunca teriam experimentado a morte fisica; e que possuem sentimentos humanos tais como o citime, a vaidade, a raiva, 0 prazer, 0 orgulho, entre outros. Eles se manifestam nos médiuns tanto para curar, resolver suas afligdes, quanto simplesmente para se divertir, Os encantados se dividem em duas grandes categorias: os Senhores e os Caboclos, incluindo-se entre os primeiros os orixas nagés, os voduns jéjes e os espiritos de reis, duques, bardes, marqueses, alguns deles personagens da histéria portuguesa datada, e que no culto se transformaram em herdis dos mitos. Os Caboclos sendo encantados, nao sao espiritos de indios mortos € to pouco esto associados apenas ao dominio da Natureza como aqueles seres “selvagens” e “primitivos” caracteristicos da Umbanda sulina (Birman, 1983). Ainda que sejam brasileiros, 4 semelhanca dos Caboclos maranhenses, os Caboclos dos terreiros paraenses tém preferencialmente uma “dupla nacionalidade”: sao brasileiros e turcos, franceses, africanos ou paraguaios (Ferretti, M. 1993). Outros encantados, como o Surrupira, so verdadeiramente locais, tendo sua encantaria na localidade Arapixi, municipio de Chaves, na Ilha de Maraj6. Essa ligagao direta ou indireta com outros povos e nages se expressa nas genealogias das familias em que os espiritos se agrupam. Assim, a cabocla Herondina, ou simplesmente “Dona Herondina”, é romana mas foi criada pelo Rei da Turquia, razao pela qual ela é Toia, quer dizer, uma princesa. Os encantados caboclos, ao contrario dos orixds e voduns, nao so sincretizados com os santos catélicos mas pode acontecer que um caboclo adore um santo cat6lico, a exemplo do Caboclo Guapindaia, um turco que adora Santo Expedito. Em linhas gerais, essa seria a tradigo afro-paraense que de inicio foi registrada como Babacué (Alvarenga, 1938), a seguir como Batuque (Leacocks, 1972; Vergolino, 1976), e finalmente como Mina-Nag6 (Furuya, 1986) ou Mina do Pard (Vergolino, 1988). Ao longo do tempo essa tradicdo sofreu influéncias da Umbanda sulina (anos 1940/50) e do Candomblé Kétu baiano (anos 1970), 0 que teria levado as casas paraenses, e também as amazonenses, a oscilarem entre um proceso de “umbandizagao” e “nagoizacao” (Cf. Gabriel, 1985; Furuya, 1986). 3. * musica do ritual A misica tem um carater ritualistico, importante para evocar as entidades que se manifestam nos médiuns, quando esses cantam e dancam ao som dos instrumentos de percussao. Sua estrutura € ciclica, responsorial, onde o solista canta e 0 coro responde. O ritual divide-se em duas partes: o xiré, onde se canta para os orixds, obedecendo-se a uma determinada ordem, e a “virada pra caboclo”, que nos rituais noturnos geralmente acontece por volta da meia- noite, quando se canta para os caboclos, entidades nacionais e regionais. Pode-se perceber, nessa “virada”, uma mudanga no cardter das musicas executadas, com predominancia do toque adarrum, de andamento mais rapido, e que é 0 toque preferido dos caboclos. Neste CD, esse toque passa a ser predominante a partir da faixa 13, quando termina a louvacao aos orixds e comega 0 “toque pra caboclos”. 3./. lnstrumentos Os instrumentos objetivam a execucdo da miisica sacra. No terreiro “Légo Xapana”, objeto deste estudo, existem quatro tambores: rum, rumpi, lé e ilu; além do agogé, da cabaga ou agué e ganzé ou xeque. Os tambores ocupam lugar especial, sao sagrados, razao pela qual sao cumprimentados pelos visitantes, pelas entidades e pelos iniciados durante © xiré. Eles sao conhecidos pelo nome generalizado de atabaques, e sio “vestidos” de acordo com a entidade homenageada. Todos sao percutidos com as maos. A misica inicia-se pelo solista, normalmente o pai-de-santo ou mae-pequena, que introduz a doutrina; em seguida entra 0 agogé, instrumento de Ogum, abrindo os caminhos para que o ritual transcorra em paz. Além disso, 0 agog6 anuncia 0 toque para o rum, que com o seu som mais grave inicia o toque, chamando as entidades para 0 ritual; ele também é responsivel pelas “viradas” e variacdes, que geralmente acontecem logo depois da resposta do coro. Apés 0 rum, entra o rumpi, atabaque mais agudo que o rum, responsavel pelas respostas as “viradas” do rum; por Ultimo entra o lé, o menor dos atabaques, de som mais agudo e que mantém a batida do toque ou “levada”. Dependendo da doutrina, 0 coro entra antes ou depois de todos os instrumentos. Os demais instrumentos, a cabaga e o ganzé entram depois do solo, do agog6, dos atabaques e do coro terem entrado. O il, raramente tocado, entra normalmente depois de todos terem entrado; ele é 0 instrumento de som mais grave. 3.2. Forma A forma musical é ciclica, ou seja, uma determinada estrutura melddica repete-se até que o solista dé o sinal para parar, o que acontece depois de sete a treze repeticdes. Essas repetic6es sao variagGes do solo. A melodia basica que origina a doutrina é desconhecida, o que se tem é uma variacéo desse modelo imaginario. A forma predominante é AA', mas também se encontra AB, nas vezes em que 0 coro responde ao solo com uma melodia diferente. 3.3. S'stemas A maioria das melodias sao tonais, no entanto existem melodias defectivas, ou seja, hexacordais e pentacordais que induzem o sistema pentat6nico. Encontrou-se, também, algumas melodias pentat6nicas, reminiscéncias africanas, assim como melodias modais, influéncias dos modos eclesidsticos nesta regiao. Também foram encontradas melodias de sistemas miltiplos. 4, Hibrid’sme musical O hibridismo musical, caracteristico da musica brasileira, acentua- se nesta regido e mais ainda no Abassé Afro-Brasileiro Légo Xapana. Ele faz parte do processo de formacao espiritual e musical do lider do terreiro, Pai Orlando Bassi. Pai Bassti nasceu e cresceu ouvindo misica de ritual; seu pai, conhecido como “pai Bassti velho”, era um dos pais-de-santo mais conceituados de Belém. Pai Bassti cresceu ouvindo os tambores, executando os toque do Batuque, como era conhecido o ritual nas décadas de 1950 e 1960. Em busca de diferentes ensinamentos, pai Bassti (foto), ainda adolescente, buscou novos aprendizados na Umbanda, modificando a forma quadrada da curimba, para a forma mais sincopada do Batuque no qual ele cresceu. Na década de 1960, apds sua feitura em Sao Lufs-Maranhao, incorpora elementos do Nag6, aprendidos com sua mae-de-santo Margarida Motta, com isso modificando os toques do terreiro. O resultado, atualmente, é uma mistura de toques paraenses com toques maranhenses. O conhecido corrido do Para, passa na casa do pai Bassti a ser o adarrum, e 0 valsado passa a ser © agueré, nome dos toques conhecidos naquela casa. Nesse terreiro, a assimilacao e a incorporacao do novo em um processo de hibridismo antropofagico compoem um elemento comum. = ee Encontraram-se os seguintes toques no terreiro do pai Bassti: agueré |, agueré II, agueré Ill, adarrum, toliboré, aluja, ijexd, bravum, angola-omoloc6, opanijé, olubajé e eg6. Nesta gravacao, pode-se ouvir 0 toque agueré | na doutrina 4; agueré II nas doutrinas 1 e 5; agueré 3 nas doutrinas 6, 10 e 18; toliboré nas doutrinas 2, 3, 11, 17 e 23; adarrum nas doutrinas 7, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21 e 22; opanijé nas doutrinas 8 e 9 e angola-omoloco na doutrina 12. bblograticas D3 8 Q ¢ ry iS ry aA AZZI, Riolando. “A formacao hist6rica da matriz religiosa brasileira. In Didlogos - Revista de Ensino Religioso, n. 2. Sdo Paulo: Paulinas, Maio/1996. BIRMAN, Patricia. O que é umbanda. Col. Primeiros Passos, n. 97. Sao Paulo: Brasiliense, 1983. BRASIL, Mario L. Mudancas musicais do Babacué gravado em 1938 em Belém (PA). Tese de Doutorado, ECA/USP, 2000 (Mimeo). CACCIATORE, Olga. Dicionario de cultos afro-brasileiros. Rio de Janeiro: Forense Universitaria. 3a. ed. 1998. FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na Guma: O caboclo do Tambor de Mina no processo de mudanga de um terreiro de Sao Luis - a Casa de Fanti Ashanti. Sao Lufs: SIOGE, 1993. FERRETTI, Sérgio. Querebentan de Zomadonu: etnografia da Casa das Minas. Sio Lufs: UFMA, 1985. FURUYA, Yoshiaki. “Entre ‘nagoizacao’ e 'umbandizagao': uma andlise no culto Mina Nag6 de Belém-Brasil”. ANNALS, Tokyo, Japan Association for Latin American Studies, n. 6, p. 13-53, 1986. GABRIEL, Chester E. Comunicagées dos espiritos: Umbanda, cultos regionais em Manaus e a dinamica do transe mediGinico. Sao Paulo: Ed. Loyola, 1985. LEACOCK, Seth and Ruth. Spirits of the deep: a study of an Afro-Brazilian Cult. New York: The American Museum of Natural History, 1972. VERGOLINO E SILVA, Anaiza. © Tambor das Flores: andlise da Federacao Espirita Umbandista e dos Cultos Afro-Brasileiros do Paré (1965-1975). Diss. MA. UNICAMP. 1976 (Mimeo). VERGOLINO-HENRY, Anafza. “A Semana Santa nos Terreiros: Um estudo de Sincretismo Religioso em Belém do Para”. In Religiao e Sociedade, 14/3. Rio de Janeiro: ISER, 1987. VERGOLINO-HENRY, Anaiza [&] FIGUEIREDO, Napoleao. A presenca africana na Amazénia colonial: uma noticia hist6rica, Belém: Arquivo Pdblico do Paré, 1990. SALES, Vicente. O negro no Para: sob o regime da escravidao. Rio de Janeiro: Fundagao Getilio Vargas [e] Universidade Federal do Pard, 1971. ‘Adarrum - Toque dos atabaques em andamento rapido e ritmo acelerado; trata-se de um toque peculiar dos caboclos. Adorar - Diz-se da veneracio que um caboclo pode ter em relacdo a um certo e determinado santo catdlico, nao necessariamente o santo de devocao do seu médium. ‘Agogo - Instrumento de metal em formato de iro, com um arco, e que é percutido por vareta também de metal. Alujé - Toque em andamento, guerreiro, para chamar Xango (cf. Alvarenga, p. 48). Angola-Omolocé - Ritual originério da nagdo Angola, sudoeste da Africa, particularmente das tribos lunda-quidco, ou toque em andamento rapido. Bandeirantes - Grupo de entidades associadas a familia do Rei da Bandeira odo da Mata), que apesar do titulo, ndo se trata de um nobre. Sao, no entanto, poderosos curadores e importantes ‘encantados (cf. Leacock & Leacock, p. 146). Bravum - Toque ou ritmo proprio para o orixd Oxalé. ‘Cabaga - Instrumento musical confeccionado com o fruto do cabaceiro esvaziado de sua polpa € coberto com uma rede enfiada com sementes chamadas de lagrimas de Nossa Senhora. Sin. agueé. Caboclos - Nas casas de culto de Belém, trata-se de uma categoria de entidades de status inferior aos Senhores. Corrido - Toque dos atabaques que em Belém corresponde ao adarrum. Curimba ou Corimba - Ritual para chamar e louvar as entidades (orixas e caboclos) acompanhado de cénticos, e onde o som dos atabaques é substituido por palmas. Doutrina - Letra e mel ia de um cantico sagrado. Prece evocativa cantada. Sin. “ponto cantado” Egé - Toque proprio dos rituais funerérios (axexé). Encantados - Categoria de seres sobrenaturais pensados como invisiveis, mas que se acredita que podem possuir os seres humanos. Sin. guia, santo. Feitura - © mesmo que iniciacao ou preparacio ritual da pessoa do médium que se destina a ser suporte do orixd e demais categorias de entidades do culto. Ganzi - Instrumento musical de percussdo tipo chocalho, confeccionado em folha de flandres, formado por um cilindro ou dois deles unidos pela base, tendo pedras ou chumbos no seu interior. Sin, xeque. Gentis - Nobres encantados (geralmente europeus), as vezes confundidos com orixds e, como estes, também associados a santos catdlicos (cf. Ferretti, M. 100). Herondina - Uma das entidades femininas mais populares em Belém. No imaginério das casas de culto ora é pensada como cabocla, sem filiagdo, ora como uma princesa que foi criada pelo Rei da Turquia. Fjexé - Ritmo tocado para 0 orixé feminino Oxum, Md - Nome dado, por alguns, a0 rum, atabaque maior dos candomblés ou denominacdes dos tambores de dois couros, presos por cordas, usados nos candomblés de ijexa (cf. Alvarenga, p. 145). 1 - O menor dos atabaques, de som agudo ‘Mie-pequena - Um dos degraus hierdrquicos de uma casa-de-santo, Mulher que “recebe” santo e que ajuda o pai ou mae-de-santo no comando do terreiro. Maouros - Caboclos que ndo sao brasileiros ou mestigos de indio e branco; os mouros so cestrangeiros, procedentes do Oriente. Sin. turcos. Olubajé - A rigor trata-se de uma refeicio comunal em honra ao orixé Omuld-Obaluaié, em agosto. No terreiro “Légo Xapana” refere-se ao toque para esse orixd, Ver Opanijé. Opanijé - Toque ou ritmo preferencial para a danca sagrada do orixé Omulu-Obaluaié, Orixés - Divindades intermedirias entre Olorum ou, entre seu representante e filho Oxalé, e os homens. Alguns so reis, rainhas ou heréis divinizados que representam as vibragées das forcas elementares da Natureza, ou atividades econdmicas primordia, ou ainda as grandes ceifadoras de vidas como as doencas epidémicas (cf. Alvarenga, p. 197). Pai-de-santo - © mesmo que babalorixé; chefe do terreiro, ciltimo degrau da hierarquia de uma casa-de-santo; “recebe” santo e joga biizios (processo divinat6rio). Rei da Turquia - Chefe de uma familia de espiritos guerreiros cuja origem remonta as mouriscas ‘ou, a adaptacio portuguesa da Cancao de Rolando, epopéia francesa cujo tema chegou a0 Brasil e se constitufu no nécleo central do teatro de mouros e cristéos, presentes em intimeros folguedos folcl6ricos nacionais (cf. Cascudo e Alvarenga apud Leacock & Leacock, p. 132-33 € Ferretti, M,, p. 188). Ver turcos. Rum - O maior dos trés atabaques utilizados nos rituais dos terreiros. Rumpi - Atabaque médio, intermedidrio entre o Rum e o Le. Senhores - Nos terreiros de Belém significa entidades que tém alto status relativamente aos caboclos. Categoria que inclui os Orixés e os Voduns. Terreiros - Espago fisico onde se realizam os cultos; 0 pavilhdo onde acontecem as cerimOnias religiosas. Toia - Termo feminino derivado de Toi, que significa Pai na tradicdo jéje maranhense. Em Belém trata-se de um termo anteposto ao nome de uma entidade para indicar sua ascendéncia nobre. Toliboré - Toque geral para varios caboclos. Turcos - Grupo de entidades pertencentes a numerosa familia do “Rei da Turquia” ou “Seu Turqui Correspondem aos “mouros” e por um processo de adaptacio cultural representam no culto 0s heréis do drama por oposigdo aos cristdos. Sin. mouros. Valsado - Denominagio local para 0 toque dos atabaques em andamento lento ¢ ritmo de valsa, © apropriado apenas para os Senhores e nunca para os Caboclos. Virada - Termo com que se designa, na seqiiéncia ritual, o momento em que terminados os CAnticos de louvor e/ou chamada dos Senhores, se inicia a chamada dos Caboclos. rada pr caboclo” Voduns - Termo usado para se designar um encantado com alto status. Influéncia da tradicao daomeana maranhense onde o termo é usado para designar a divindade. Xiré - Ordem em que sao tocadas, cantadas e dancadas as invocag6es aos orixds, no inicio das ‘ceriménias festivas ou internas (cf. Alvarenga, p. 251). Orixa da terra, do ferro e dono dos caminhos. Suas danas € cAnticos referem-se as batalhas weyny: bo rere e morte de seus inimigos opelé da soum a6 abd rere Divindade da caga. Seus canticos e dangas lembram cagadas Nos campos. Tem o dominio ehreré, da fauna e da flora. O cantico hoponty inde representa uma homenagem kopany todd a algumas qualidades de Oxossy. Ony fad Onosay to aye kopamy loite SONS DOS ATABAQUES @TUM OTA XT DOUTRINA n.1 per) Voz Agogo Atabaque DOUTRINA n.2 Voz Agogo Atabaque Ossae fununu tununé ossa bebé kynyny bewa’ Obaluayé, Obaluayé, Obaluayé, Obaluayé manjé, manja, manja, miawe (16) orobé tunjé tunjé bory bery gwenawé Representa as folhas, 0 segredo maior da floresta. O cntico significa que sem as folhas nao existe 0 orixa. E 0 orixa da peste e da bexiga; é um santo velho e teimoso. Quando aborrecido € cruel e implacavel. No cantico Obaluaié esté louvando Yemanja. Canta pedindo saide € protecao. DOUTRINA n.3 Agogd Atabaque DOUTRINA n.4 A olay | Divindade dos rios. £ velha e rabugenta. Geralmente em suas cantigas lembra uma velha cansada e recurvada segurando um bastao. O cantico é um pedido de licenga essa mae para que ela entre na casa-de-santo. agé ylé nana nago ylé ago yla nana boroké agé ylé nananago yla agé ila Orixé feminino, ora é considerada irma de Yansa, ora a cobra-femea esposa de Oxumaré, ora é confundida com Oxum. O cantico, um tipo de reza no Nag, refere que a entidade € do tempo, da terra e do mar. E diz: “como teu filho venho dykylogy magyé ewa dykylogy magyé ewd emy kyrybyté de ké bémy bate kerun eld cyé dera eld dadyré ewa emy kyrybité de ké bemy bate kerun elo cyé dera elé dady ré ewa humildemente pedir tua béngao e protecao”. DOUTRINA n.6 joe ee eee =— SS Oxumare Orixd do arco-iris porque faz a ligacdo entre o céu e a terra; representado por uma serpente. Tem natureza bissexual, sendo durante 6 meses masculino e nos outros seis, feminino. Possui duas qualidacles: Angoré (cobra fémea) e Bessem (cobra macho). A.unido das duas chama-se Da. O cantico é uma louvacao a Oxumaré. Veve (2 96 48 ¥e Grama oxuNt ihe? VE yO VE VE Ve ye mai OGint this) ye. yé ye mamae oxunt ye ye ye oxtnt-mare ANgOTO mamae Oxia Bessem oxminiane Orixa deusa da beleza, faceira, vaidosa, sensual, Veste-se de amarelo-ouro, danga trazendo 0 “abebé” ou leque em metal amarelo e mostrando suas j6ias. © cAntico € uma reza de quarto sagrado (roncé), uma adoragao as varias qualidades de Oxum. Louva a “omy lewa” (4gua formosa) ea “ory lewa” (cabeca formosa). DOUTRINA n.8 yba lony oxum omy lewa ayré omyré 6 minha mae oxum omy lewa ayra 6myr6 6 odé dy oxum ory lewa ayra 6Gmyr6 yba oné oxum ory lewd ayra omyré mytalandé oxum 6yra Opéryté oxum ory lewd ayra 6myré 6 apara oxum ory lewd ayra omyré 6 minha ya oxum / emana 6 ynderecé oba kynlé yemonj4 _Orixé das dguas e também a mae a kota derecé o oré de todos os orixas. Suas cantigas e dancas obé kynlé yemonjé laxagro falam de seu dominio sobre as Aguas. O cAntico faz referéncia a Derecé, uma qualidade de Yemanja. Reconhece a entidade como “a kota Derecé” (senhora das aguas, rainha de minha casa); refere o “ord” (fundamento), e que ela a “senhora dos segredos”. DOUTRINA n.9 x, EGO aa (bis) Grande e poderoso orix& toroba mofoba ioruba (nagé), deus do raio leryé moyé xexe e do trovao. Suas dangas e cantigas em geral falam de ei va suas forgas, de sua realeza (oba), oba jynguim lé de sua qualidade de (bis) rei do fogo (taroba) e de Oyé, pa com malé cidade de nagé da qual foi o fundador mitico. O cantico 6 uma reza de adoracao a xang6 pedindo a Bk béncao para uma casa de Nagé. abaya micéle emy kory lé 6 aba DOUTRINA n.10 Matt oya dé arid yansa oré axangolé yoadé yoada (bis) ki papa (bis) éa maneta loia no ayé PC Hho 0 yby na nyjaré (bis) bobé dy ory xalé xiré 6 jay by na e6 erym bobé oryxala xewep baba rewa Orixa dos ventos e das tempestades. Dona das almas; danca como se estivesse semeando ventos e tempestades e afastando as almas do seu caminho. O cantico é uma reza-recado para lansa do Balé, pedindo as almas muita forca para os médiuns na terra. Orixa da criacgao; 0 pai de todos os orixds; 6 0 tinico orixd branco e o mais respeitado. Suas cantigas e danas falam de sua velhice, bondade e sabedoria. O cAntico, a mésica (erym) refere-se a terra, © renascimento (yby), 4 luz do mundo (na). Satida o dono da cabeca, da paz, do universo e louva a paz no mundo. DOUTRINA n.11 DOUTRINA n.12 | a apontados como tendo (seh a [e9 influéncia islamica e que um dia teriam adotado o reino So de Nagé como sua morada. ee O cantico faz referéncia a ae S = : es essa nacionalidade nao brasileira. ~ 38uGldca Et cit ten com o de ntimero 15 Caboclay eee de cumprimento feito ee pees eat indistintivamente a Coe ee todos os caboclos, com a le ee i eat DOUTRINA n.13 DOUTRINA n.14 (0). (4-( ie a Decrees ear: (4, Bey Gea elo rn Lp) OR abet ra uo rr Raa Ad Meena en Patan laciugecl eae bore nar ’ . bags tantas fortalezas, Diz-se que NO dean man cee ear a ae 3 os caboclos, especialmente o Pen Sere een eee Acabaracy 66 me Ghen Porsretini heirs emu avant DOUTRINA n.15 DOUTRINA n.16 Porto do Cabaoclo ya Pinda Taja, do tupi ta'ya, trata-se de uma planta que possui um tubérculo do qual partem folhas, em geral grandes, coloridas, e de grande beleza. A palavra pinda também procede do tupi pi'da, que significa “anzol”. Na doutrina, esse caboclo velho da “linha de pena-e-maraca”, e que realiza curas méagicas com origens no xamanismo indigena, canta se apresentando, ai ai eu tenho meu taja pinda meu pai é rei ele é barao guaja DOUTRINA n.17 Atabaque [ ; ‘goes Gt 0 (ALC Yay Por “voduns” entenda-se o nome genérico das divindades da tradi¢ao jéje do Daomei, aqui saudadas pela tradicao nagé. Aexpressao “telé telé” significa “antigamente”. No cantico também. se pede protecao, principalmente a Xang6. CE La Guerra A doutrina é uma espécie de “grito de guerra” chamando 0s caboclos, tanto os Jurumeiros quanto os caboclos do mar. ord myna telé felé Liver R Ch COme ye) ete troei mune ets] emu E RCE merit eeecereel tT: | Eyer UEC) Pm state) De ie Kota Un (seat) Denney a ear cg Cte r ruts CMe ace lice Crore mtorr) Peleg DOUTRINA n.18 Caboclo ma Nao na guma ylé Doutrina entoada durante o ritual na guma ylé para homenagear aqueles caboclos na guma yla considerados mais especiais no Nag6, quero uma balanca entre eles: os Gentis, os Mouros, meu pai 0s Turcos, os Bandeirantes. para me pesar DOUTRINA n.20 e Poutring O cantico se remete a entidades que se fixaram no vizinho Estado do Maranhao, par a apés terem vivido muito tempo na Espanha. € ib. k No terreiro em questao sao referidos como c a Oc a “gentis novos” e certamente correspondem balanca que pesa ouro 05 “gentilheiros” fidalgos nao confundidos balanga que pesaouro ©™ orixds, as vezes também classificados nao pode pesar metal = como caboclos (cf. Ferretti, M., p. 100). nao pode pesar metal Neste caso, pertencem a uma 6 D. Miguel da Gama nobreza européia crista. 6 D. Miguel da Gama Meu pai badela no mar. DOUTRINA n.21 deve Voz D ou trima de Alguns canticos sao considerados apropriados para 0 encerramento ENCLEm Te am ery do ritual, como no exemplo 6 vamos dar gracas a Deus ao lado. Via-de-regra (bis) so entoados em portugués. 6 boa noite que Deus nos deu. ely as Me Aa No momento de vo me embora encerramento do ritual, vo pra minha aldeia 0 caboclos ainda “em guma”, cidade longe onde tem pogo fundo ou seja, ainda presentes a minha casa fica muito longe no local da ceriménia, D. Pedro Angaco foi quem me criou também cantam v6 com abé oy6 se despedindo: abé aya abé oyé abé aya DOUTRINA n.22 Je132 DOUTRINA n.23 O Pard, no curso de sua histéria, tem sido, particularmente na misica, 0 estudrio onde desaguam vertentes sonoras de diversas origens. Das afro-indigenas, passando pelo popular, ao erudito. Com este selo, a SECULT objetiva contribuir para o registro dos movimentos musicais no Estado, onde a meméria de sons e ritmos se transforma numa antologia dos nossos mestres compositores, do passado edo presente. Nesse inventério, pretende-se contemplar, ao mesmo tempo, as diversas faces de uma realidade regional muito peculiar, apesar das invas6es massificantes e pasteurizadas do mais que banal, tanto da misica, quanto da vida paraense, no registro de velhos habitos e costumes e suas transformagées no correr do tempo. Como toda antologia, eventuais injusticas e esquecimentos podem ser, involuntariamente, cometidos, mas passiveis de correcao, na medida em que deles nos apercebamos, no préprio proceso de realizagio e divulgagio dessa série de CD's. Assumir os riscos e navegar pelo tempo imemorial, dialogar com a impermanéncia das coisas, critérios e valores. Arquedlogos em busca de um possfvel paraensismo, que se faz, desfaz e refaz, como tudo que éimanéncia e inconclusao. Enfim, navegar... So ineglves a eme- 1. Moranbac: Thangas existentes entre 0 ‘onde a Par deite raizes Tambor de Mina maranhense © © culto Mina-Nagb, designacio «a tradigioafro-paraense, o que levou pesquisadoresafricanistasafalarem de um modelo e-nagé que, saido do Maranhio, teria se difundido na Amazénia a partir de duis matrizes: a Casa das Minas e a Casa de Nag®, ambas insaladas em Séo Luis, no sé XIX (Carneiro, 1964), Sucede que & mesma época, além da capital, o culto era muito difundide na ‘oma suoeste do Maranhio, notadamente no municipio de Cod seus powoados, como © de Santo Antonio éreas habitadas por descendentes de escravos remanescentes das Primeiras plantagées de arraz ealgodio da regiso (Eduardo, 1948), NNesse culto rural, as divindades afeicanas eram quase sempre ausente, sendo substituidas por espirtos chamados de encantados, que posulam as pessoas durante 6s rtuais. Eram também referidos como bud, possvel variante do termo vodum. ‘Muitos encantados tinham nomes braileiros como Fedo Angago, Maria Birbara, Moca Fina ete. Os de nomes africanos e de origem daomelana, como Verequete, apareciam ‘os cinticos de abertura dos rituals, mas nunca se manifestavam nos participantes. Leb, chamado de Légua Bogi, era um dos mais populares encantados, a quem se creditana bons © maus atributos (Eduardo, 1948: 58/59). Esse culto também conhecido como “linha de Cod6”, “linha da mata” ou tech", se expandia tanto para Sio Luis quanto para Belém, registrado no final dos nos 30 pela Missio Foldlérica de Mirio de Andrade nos terreiros de Maximiana (MA) de culto ji ‘ede Satiro Ferrera de Barros (PA) onde era denominado de Babassué, Ainda no processo de dfs, outros empriéstimos devem ter ocorrido, pois pesquisisrecentes conchiem que os dois terreros praticavam um ritual que fviao cruzamento do terecd (linha de Cod), com 2 Mina e com a Umbanda (Ferretti, M. 2001: 66/71). Portanto, da constatagio de sincretismos internos nos terreiros maranhenses — incluindo-se a tradicional Casa de Nag®, cuja teogonia mals flexivel abrigou os orixss, os voduns e a linha da mata (Lima, 1980; Santos, 1986) ~ nio se pode apontar um modelo tnico de ‘tambor de mina maranhense que se tenka difundido no Pars. Até porque anda no séc XIX, existiam em Sio Luis, alm das Casas das Minas e de Nag6, otras notrias casas de alto (ef: Santos, 1986 e Ferretti, M. 2001). Com das deas pode-setragar uma vinculago religios linear dreta entre © Maranhio e o Pars: 0 Terreiro da Turquia,fundado em 1889 por Anasticia Licia dos Santos, natural de Cad €o Terreiro do Egito, dato de 186+, originariamente um quilombo,e fandado pela africana Basia Sofia, Nio se consegue completar as genealogias de outras tradicionais casas paraenses de matriz maranhense, a exemplo do Terreiro de Nagé Rainha lemanjé, dd falecida Mae Raimundinha (Raimunda Prudenciana da Silva), herdeira da mmaranhense Mae Inés, de quem no se conhece a casa mater. ©'mesino acontece ‘com a maranhense Mie Josina, que preparou ritualmente a paraense Mae Amelinhay a falecida mie consangilnea da Mie Luks (Laiza Ninfa Oliveira, atal ds centenirio Terreiro Dols Irmios, Dom José e Verequete Das liderancas relgiosas que chegaram ao Paré a parti dos anos SO, algumas ji/eram fetas no santo, como Chico Légua, iniciado no Maranhio por Mie Maximiana, praticante da linha de Codé (Ferretti, M. 2001: 66). Do Professor Saraiva se dlesconhece a sua genealoga religioss, mas ele ficou na meméria do “povo do santo” ‘como um maranhense branco, “nagoense de fundamento que cortava lingua (alava africano), ele, Mie Doca e finado Ivo", Tornou-re famoso € pitoresco quando incorporado com Seu Sentinela, um encantado da famfia da Turguia que na sua -nos anos 50, costumava freqientar o bar O Jangadeiro, no burro do Comércio, nas imediagbes da 15 de Agosto, atual Presidente Vargas, onde bebia e comia bolacha Maria com azeitonajusificando: “o que vem da terra no fz mal p'ri caboclo! Esseselgioss foram, portanto, pessons verdadeiramente enrazadas em Belé grande parece ter sido o intercimbiosécio-ritual entre maranhenses ¢paraenses. Foi a ‘maranhense Mie Doca, por exemplo, quem deu *banho de cabesa” no pai-de-santo Paraense Crioulo (Aimorino da Conceigio Pimentel); eo parsense Bené, a0 “fazer 0 santo” com o marankense Manoel Colaco, teve como pai pecueno o nagoense Professor Saraiva © como padrinhos os paraenses Raimundo Silva ¢ Maria Aguiar. E foi pai Bené quem, décadas depois (anos 70), *sentou o axé” do terreiro do maranhense Agrpino Carvalho, ajudado por duas notiveismédiuns: a paraense Conrada de Japetequara, “nas- ‘ida no tereiro de Mie Li", ea maranhense Mara José de Seu Manesinho. A elas coube fazer as “obrigagies” da casa em Belém se continua dizendo que rmaranhenses homens, era tudo adé de mio cheia”. O que confirma as pesquisas atuais que revelam que do: terreiros de mina de Sio Luis, ainda que influenciados pela Casa das Minas pela Casa de Nag6, muitos tém linha de mina © de cura ou pajelanga e realizam anualmente, pelo menos uma ver, a cura denominada “pena © maracé”, ritual sem fs tambores de mina “para dar passagem is suas entidades de cura tirar fitiga” (Ferretti, M. 2001; 60). Assim sendo, a grande difusio do tambor de mina rmaranhense no Pars talvez se explique por suas afinidades com a “pena & ma ‘ou jurema; em outras palavras, com a cura paraense, herdeira legitima da pajela indigena E certo que até o final dos anos 60 os religiosos maranhenses aportado: ‘em Belém ainda chegavam identificados como “curadores”, para logo em seguida se transformarem em “mineiros", como aconteceu com 0 falecido Agripino Dias Carvalho que, reeém-chegado, era o “Mestre Agripino” um curador que, em meade dos anos 70, desp 10 0 chefe do terreiro Toy Joty di Bosso Quema di ‘Mata Virgem, praticante do ritual Nagé. Ele tinha como guia Joio da Mata da Familia de Bandeira, mas, uma ver que a casa misturava Nag6 e Jurema, Joo da Mata era menos um rtugués © mais um findio “associado ao grupo das Juremas, povo da Jurema, juremé, elementos que so cultuados pelos ritos da palelanga, de pena e maracé® (Régo, 1983: 21). couradores paraenses, por sua ve, receberam o impacto tanto do tambor de mina maranhense «quanto da Umbanda carioca, como sueedeu com o professor JoSe Lotro, ainda hoje respeitado médium que nos anos 50 freqentava 0 terreiro do Crioulo, Ele era um curador que pratcata uma Umbanda de palma e, no sew ritual, passva uma mirfade de

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