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Teoria Critica no Direito e Pluralismo Juridico: novos paradigmas éticos para o modelo juridico nacional Critical theory in the Right and Legal Pluralism Teoria critica en el derecho y Pluralismo legal Renato TOLER Bray Mestrando em Direito pela Universidade Metodista de caba, Nicleo de Filosofia e Hist6ria das Idéias Juridicas. Bolsis- ta CAPES. e-mail: renatobray2003@yahoo.com.br Everatpo T. Quitict Gonzatez Docente da Universidade Metodista de Piracicaba, Professor da Ps-graduacio em Direito pelo Nacleo de Filosofia e Histéria das Idéias Juridicas. Doutor pela Universidade de Sao Paulo (USP). e-mail: equilici@unimep.br. RESUMO Pretende-se com este trabalho desenvolver um estudo sobre a Teoria Critica no Direito e sua relagio com o Pluralismo Juridico enquanto novo paradigma ético para o modelo jurfdico brasileiro. Palavras-chave: TrortA JuRiDICA CRiTICA ~ PruRALISMo JuRIDICO — Novo PA- RADIGMA ETICO ABSTRACT It is intended with this paper to develop a study about Critical Theory in the Law and its relation with Legal Pluralism as new ethical paradigm to de Brazilian Law order. Keywords: CRITICAL LEGAL THEORY — LeGat PLURALISM — NEW ETHICAL PARADIGM RESUMEN Se piensa con este trabajo desarrollar un estudio sobre la Teoria Critica del Derecho y su relacién con el Pluralismo legal como nuevo paradigma de la orden juridica nacional. Teoria LEGAL cRiTICA — PLURALISMO LEGAL — NUEVO PARADIG- Palabras-clavé MA ETICO 9 Cadernos de Direito,Pracicaba, 6(11):09-21, jul/dez 2006 oro Toutes Bray; Evena.no T.Quuici Gonzauee INTRODUGAO A Teoria Critica pode ser aplicada em diversos ramos das ciéncias humanas jé que tem por fungi emancipar 0 homem de toda forma de alienagio, contribuindo, assim, para a compreensio de muitas questoes sociais e para a critica de teorias tradicionais ¢ positivismos cientificos. Nesse sentido, a Teoria Critica representa também um novo pa- radigma ético, exatamente por propiciar a critica das ciéncias, da razio e dos valores. Com efeito, nao h4 uma Teoria Critica do Direito, mas uma Teoria Critica no Di- reito, ja que ela pode ser aplicada em qualquer ramo das cigncias que tem como objeto © estudo do fendmeno humano e de seu mundo. Como método, adotaremos a Teoria Critica enquanto fundamento ético e teérico para 0 estudo do pluralismo juridico. A Teoria Critica no Dircito, analisada sob 0 fundamento ético e teérico, assume a forma de uma Teoria Juridica Critica, pois questiona e rompe com o que esté discipli- narmente ordenado e oficialmente consagrado, opondo-se tanto em relagio ao positi- vismo juridico, como em relagao ao jusnaturalismo. No campo das propostas, a teoria juridica critica oferece novos paradigmas éticos, propondo formas diferenciadas, nao repressivas e emancipadoras de praticas juridicas, a exemplo das praticas de natureza comunitdrio-participativa-informal, que assumem a forma de negociagéo, mediagio, coneciliagao, arbitragem, conselhos e tribunais populares, ¢ que se desenvolvem em ambiente plurais e conflitantes. Nao acreditamos ser possivel a realizagao de um trabalho cientifico neutro, em especial na drea das ciéncias humanas. £ necessério que © pesquisador tome uma pos- tura de compromisso com algo e que opte por uma determinada linha metodoldgica e &tica. Por isso, optamos por lancar um olhar sobre o pluralismo juridico na perspectiva da teoria juridica critica. 1. A Teoria critica £ A ESCOLA DE FRANKFURT © termo “critica” aparece no pensamento filoséfico moderno com Kant, repre- sentando a maneira de se trabalhar o pensamento, isto é, de como podemos conhecet 6s fendmenos. Kant inaugurou um pensamento filos6fico critico, inclusive denominan- do propositadamente os titulos de suas obras com a palavra “Critica”: “Critica da razio pura”, “Critica da razao pratica”, “Critica dos Costumes”, dentre outras obras. Con- tudo, num segundo momento da histéria do pensamento filoséfico, a palavra “critica” adquiriu outro sentido com Karl Marx, passando nesta etapa a representar 0 discurso revelador ¢ desmistificador das ideologias ocultadas que projetam os fendmenos de forma distorcida.' Para Wolkmer ? a escola que melhor desenvolveu formulagdes acerca de uma Teoria Critica foi a de Frankfurt. Da escola frankfurtiana ressaltamos a contribuicao de alguns de seus principais representantes, a saber: Horkheimer, Marcuse, Benjamin, Adorno ¢ Habermas, pensadores que adotaram como objeto de estudo, um novo para- WOLKMER, Antonio Carlos apud CORREAS, Oscar. Introdusio ao Pensamento Juridico Critico, 3.cd. Sao Paulo: Saraiva, 2001. p. 4 ® WOLKMER, Antonio Carlos. Introdugio a0 Pensamento Jurtdico Critico, 3.ed. Sio Paulo: Saraiva, 2001. p. 5. Cadernos de Direito, icaba,6(11:09-21,jul/dez. 2006 10 ‘Teoma Camca no Deo & PLURAL sio Juco: NOS PARADIGMS F1K0S MRK\O MODELO RDO RACONAL digma ético e cientifico, inaugurando assim a critica da ciéncia, a discussio da indiistria cultural, a questo do Estado ¢ suas formas de legitimidade.* que havia em comum nos fil6sofos frankfurtianos era uma postura de distan- ciamento do marxismo ortodoxo, sem, no entanto, desvincular dos idedrios ut6picos, revoluciondrios ¢ emancipat6rios, Na verdade, a articulagfo de uma teoria critica, como categoria ¢ fundamento de legit magio, representada pela Escola de Frankfurt, encontra toda sua inspiracio tedrica na tradigio racionalista que remonta ae criticismo kantiano, passando pela dialtica ideal hegeliana, pelo subjetivismo psicanalitico freudiano e culminando na reinterpretagio do materialismo histérico marxista* De inspiragao neomarxista, o principal alvo de ataque dos pensadores frankfurtia- nos que cuidaram do Direito era 0 positivismo juridico. A proposta era desmistificar a legalidade dogmatica tradicional, criticando as funcdes do Direito enquanto ideologia, enquanto ciéncia que se propunha totalmente desvinculada da ética e das praticas so. ciais. Destaque para Franz Neumann (1899-1955), Otto Kirchheimer (1905-1965) ¢ Jiirgen Habermas (1929- ), De acordo com Wolkmer ‘, podemos conceituar a Teoria Critica como ; O instrumental pedagégico operante (tedrico-pratico) que permite a sujeitos inerees ‘¢ mitificados uma tomada de consciéncia, desencadeando processos que conduzem formagio de agentes socials possuidores de uma concep¢io de mundo racionalizada, antidogmatica, participativa e transformadora. Trata-se de proposta que nio parte de abstrag6es, de um a priori dado, da elaboragaio mental pura e simples, mas da experiéncia histérico-concreta, da pritica cotidiana insurgente, dos confltos e das interacées sociais, € das necessidades humanas essenciais. Como se vé, por ser a Teérica Critica um método que parte da praxis, da expe- riéncia cotidiana e das necessidades humanas essenciais, representa também um novo paradigma ético para a discussio do Direito. Isso porque a palavra ética deve ser enten- dida como os gregos antigos a compreendiam, isto é, como conjunto de atos e virtudes que devem nortear a conduta humana na vida em sociedade, 2. O surcimENto ba TroRIA Critica No Direrro A Teoria Critica aparece no Direito no final dos anos 60, gracas & contribuigio de pensadores europens que estudavam 0 Direito de modo critico, isto 6, de modo nao tradicional. Basicamente, neste periodo, tivemos como legado o economicismo juridico sovi- ético (Stucka ¢ Pashukanis), a releitura gramsciana da teoria marxista feita pelo grupo de Althusser, a teoria critica frankfurtiana e as teses arqucol6gicas de Foucault sobre 0 poder.* Nos anos 70, 0 movimento se concentrou na Franca através de professores tt FREITAG * i, Barbara. A Teoria Critica: ontem ¢ hoje. 4.ed. Sio Paulo: Brasiliense, 1986. p. 8. * WOLKMER, AC. Op. cit. 2001, p. 5. * Ibid, p. 5. © Ibid, p. 16. " Cademos de Direito,Piracicaba, 611):09-21,jul/dez. 2006 Resaro Tower Bray; Evesuoo T. Quel Gone versitarios de esquerda, e num segundo momento, na Italia, tendo a frente magistrados antipositivistas ¢ politizados, precursores do “uso alternativo do direito”.? Na década de 80, o movimento de critica juridica repercutiu na América Latina, principalmente na Argentina, no México, no Chile, na Colombia e no Brasil. ‘Aqui as discusses acerca da critica juridica e da importincia pedagogica da teoria critica no Direito ganharam forga a partir da metade dos anos 80, gragas nio s6 & repercussio dos movimentos critics francés e italiano, mas também ao pioneitismo e ao incentivo de alguns professores de filosofia e sociologia juridicas em diversas faculdades de Direi- 10 do Pais, como Roberto Lyra Filho, Tércio Sampaio Ferraz Jr, Luiz Fernando Coelho Luiz Alberto Warat!* A Teoria Critica do Direito, que no inicio limitava-se a se opor aos fundamen- tos do positivismo juridico, ampliou seu objeto de critica, voltando-se também para a construcéo de novos paradigmas ético-juridicos, utilizados para se contrapor ao jus- naturalismo ¢ ao realismo sociolégico, este de viés positivista. O movimento, nesta etapa, mais amadurecido, pretendia revelar como, através do ensino dessas doutrinas idealistas ¢ formalistas, eram encobertas ¢ reforcadas as fungbes do Direito e do Estado na reprodugao das sociedades capitalistas.? Convém apontar que, se para Wolkmer, 0 movimento teve sua origem no final dos anos 60, para Warat ¢ Pepe ', 0 movimento comegou nas universidades francesas, na década de 70. Um grupo considerivel de professores marxistas, sentindo-se ameagados em seus car- B05 académicos, decidiram criar uma associagio critica do Direito e publicar uma revista chamada Procés. No primeiro nimero, datado de 1978, aparece o Manifesto para uma tworia critica do Direito, Esse trabalho coletivo pretendia questionar as idéias accitas sobre © Direito em nossa sociedade, assim como as formas como ele ensinado na Universidade. Os mais conhecidos representantes dessa associagio sio Michel Miaille ¢ Antoine Jeammaud. A associacio logo se estendeu para Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha e Inglaterra, tendo, na América Latina, seus prineipais ecos no México, Brasil, Venezuela e Argentina. De acordo com Wolkmer "', a teoria juridica critica represent A formulacio teérico-pritica que se revela sob a forma do exercicio reflexivo capaz cde questionar e de romper com o que esti disciplinarmente ordenado e oficialmente consagrado (no conhecimento, no discurso e no comportamento) em dada formacio sociale a possibilidade de conceber e operacionalizar outras formas diferenciadas, no repressivas emancipadoras, de pratica juridica. Nesta linha de pensamento, podemos entao conceber e operacionalizar praticas de pluralidade alternativa, a exemplo da resolugio dos conflitos por via ndo-institucio- nalizada, forma diferenciada ¢ emancipatéria de préticas jurfdicas. Por outras palavras, © que se busca é na verdade um novo paradigma ético-jurfdico. Ibid, ps 16. + thid, p16. * WARAT © PEPE, 1996, p. 65 Did, p. 63-64 © WOLKMER, AC. Op. cit. 2001, p. 18. Cademos de Direito,Piracicaba,6(11):09-21, jul lez. 2006 2 Teoma Cama no Do & PLuensivo JuRDICO: NOS PARADIGMAS ENCOS PARA © MODELOJURIDCO NACINAL Na medida em que 0 rgio de jurisdigio do modelo de legalidade estatal convencional torna-se funcionalmente incapaz de acolher as demandas e de resolver os confltos ine- rrentes is necessidades engendradas por novos atores sociais, nada mais natural do que © poder societirio instituirinstancias extrajudiciais assentadas na informalidade, auten- ticidade, flexibilidade ¢ descentralizacio. A constituicéo de outro paradigma da politica €¢ do juridico esté diretamente vinculada ao surgimento comunitério-participativo de no- vas agéncias de jurisdic nfo-estatais espontiineas, estruturadas por meio de processos de negociacio, mediagao, conciliacio, arbitragem, conselhos e tribunais populares."? Com esta leitura, o pesquisador da UFSC aposta no poder de ago e de tomada de decisoes da sociedade civil, aproximando-se da leitura critica habermasiana. De acordo com pensamento ético-juridico habermasiano, a legitimacio pelo procedimento diversa da legitimagao pelo consenso. Isto significa que nao basta que uma lei ou ato administrativo seja produzido conforme a circulacao oficial do poder politico Estatal, esse poder, tem que manter intima conexio com 0 poder comunicativo gerado fora da circulagao oficial para ser legitimo, isto é, depende da participagao dos atores sociais no espago piiblico, do entendimento recfproco e consciente face a0 processo de constru- so das normas, bem como do consenso em torno do conceito universal do justo, o que se dé por meio da linguagem e da razio comunicativa e de uma ética social, Resta evidente que a teoria juridica critica busca um novo paradigma ético e juri- dico para a resolugao de conflitos que emergem da vida sécio-comunitaria; € se assim procede, € justamente para contestar 0 modelo superado da mera legalidade estatal convencional, um modelo insuficiente para resolver muitos dos conflitos que brotam das necessidades populares. Tomando emprestada esta definigio, convém apresentar- mos as principais propostas de uma Teoria Critica no Direito, 0 qual se revelam como novos paradigmas ético-juridicos. Warat ', por exemplo, aponta algumas propostas: a) mostrar os mecanismos discursivos a partir dos quais a cultura jurfdica converte- se em um conjunto fetichizado de discursos; b) denunciar como as fungdes politicas e ideolégicas das concepgdes normativistas do Direito ¢ do Estado encontram-se apoiadas na falaciosa separagio do Dircito € da Polftica e na ut6pica idéia da primazia da lei como garantia dos individuos; ©) Fever as bases epistemol6gicas que comandam a produgio tradicional da cién- cia do Direito, demonstrando como as crencas teéricas dos juristas em torno da problemética da verdade e da objetividade cumprem uma fungdo de legitimagio epistémica, através da qual pretende-se desvirtuar os conffitos sociais, apresentan- do-os como relagdes individuais harmonizaveis pelo Dircito; 4) superar os bizantinos debates que nos mostram o Direito a partir de uma pers- pectiva abstrata, forgando-nos a vé-lo como um saber eminentemente técnico, © IDEM: Pluralismo Juridico: Fundamentos de wma nova cultura no Dircito,3.ed. Sao Paulo: Alla-Omeva, 2001. p.310. "HABERMAS, Jagen. Di Universitério, 1997.193-203 “ WARAT, Luis A. A Pureza do Poder. Floriandpolis: Ed. UFSC, 1983, p. 39-40. to © Democracia: entre facticidade e validade. Vol. II. Rio de Janeiro: Tempo 13 Cademnos de Direito,Pracicaba, 6(11:09-21,jul/dez. 2006 ‘Rousvo Touen Bar ;Evenino T.Quuuci Gowaez destinado a conciliagio de interesses gerais (..) Desta forma, a teoria erftica tenta recolocar o Direito no conjunto das priticas sociais que o determinam (,..). Do exposto, consideramos que a Teoria Critica é importante na medida em que confere ao Direito um sentido ético e socio-politico, combate 0 positivismo juridico, bem como contesta o tipo de justiga legalista apresentado pela maioria dos ordena- mentos jurfdicos Ocidentais. 3 MonisMo & PLURALISMO JuRipico Na Europa 0 Dircito, como se sabe, nao foi sempre monista. Na tradigao européia, o plura- mo juridico tem suas raizes no Império Romano, j4 que os romanos nao impuseram rigidamente seu Dircito as populagdes conquistadas", permitindo uma certa liberdade para que as jurisdig6es locais ¢ estrangeiras continuassem a aplicar seu Dircito autéc- tone. De acordo com a pesquisa sociol6gica de Ehrlich ', os romanos jé conheciam e utilizavam fontes juridicas ndo-estatais, representadas basicamente no chamado Direito costumeiro dos juristas, isso porque esse povo Antigo nao separava totalmente a ética do Direito. Duas fontes juridicas romanas existiam naquela época: a privada e a piblica. Esta representava o Dircito elaborado pelo Estado, embora nao fosse propriamente uma lei estatal, a0 passo que aquela representava os costume (mores) decorrentes da neces dade do povo. Na Idade Média, temos 0 fendmeno do pluralismo de jurisdig6es, isto é nenhum grupo possui o controle de todos os aspectos da vida civil. Lima Lopes ”, na obra O Dieito na Histéria, fala sobre o pluralismo de jurisdigées, quando faz considerag6es acerca da experiéncia do Direito Portugués do século XII. Havia em Portugal quatro sistemas jurisdicionais, © primeiro a) © comunitério-concelhio das comunidades camponesas. Sobreviveu nas zonas de fronteira sobretudo. Depois foi Oficializado pelos forais e conviveu com o segundo sistema, b) o senhorial, tendo eles a primeira instincia€ os senhores a jurisdigio de recurso ou apelacio, O sistema senho- rial originaya-se do poder dos senhores sobre a sua prdpria casa (dommus). Julgava vassa- los e oficiais do senhor. Como Portugal se forma tanto enfeudando-se a0 papa quanto no momento histbrico de renascimento e crescimento do direito canénico, encontra-se também ali o sistema c) eclesidstico. Finalmente, existia 0 sistema d) régio, que se cré no direito de julgar os costumes e eliminar os que no sio razoaveis. Na Idade Moderna, aos poucos, o “monismo” foi se firmando."* Porém, a estati- zagio do Direito se consolidaria de modo efetivo com o surgimento da racionalizagio politica centralizadora, isto é, com a idéia hobbesiana da subordinacao da justiga & vontade do monarca soberano. © certo € que, ao longo dos séculos XVII e XVIll, pouco a pouco © absolutismo mo- narquico e a burguesia vitoriosa emergente desencadearam 0 processo de uniformi- hid, p. 184. «EHRLICH, Eugen, Fundamentos da sociologia do direito. Brasilia: UnB, 1986, p. 116, 333-336. LOPES, J. R. de Lima. O Direito na Historia: ligdes introdutérias, So Paulo: Max Limonad, 2000, p. %6. “EHRLICH, E. Op. cit. 1986, p. 117. Cademos de Direito,Piracicaba, 6(11):09-21,jul/dez. 2006 “ “Teoma Camca no Dio ¢ Puausto JURIDIC: Novos PARADKGAS ETCOS PARA MODELO UREKO NACIONAL zagio burocritica que eliminaria a estrutura medieval das organizagdes corporativas, bem como reduziria o pluralismo legal e judiciério. Ainda que se possa encontrar as bases tedricas iniciais da cultura juridica monista na obra de autores como Hobbes ¢ no desenvolvimento do Estado-Nagio unificado, foi com a Republica Francesa pés-revolu- ciondria que se acelerou a disposicio de integrar os virios sistemas legais sob a base da jgualdade de todos perante uma legislagio comum."* Antes de designarmos 0 “pluralismo”, convém, previamente, falarmos brevemen- te sobre 0 “monismo”. A Modernidade burgués-capitalista adotou um modelo buro- critico, jurfdico, ideol6gico, econdmico e politico, de acordo com os seus valores ¢ interesses. Basicamente, portanto, temos os seguintes paradigmas: a sociedade burguesa, a economia capitalista, a ideologia liberal-individualista e o Estado Soberano como for- ma de organizagao institucional de poder, ao lado de uma burocracia racional-legal.”? Esse modelo, ainda vigente nos dias atuais, tornou-se insuficiente para solucionar velhos e novos conflitos sociais: quanto aos velhos, 0 aumento do ntimero de deman- das, a morosidade do Judicidrio e a dificuldade do acesso as populagdes mais pobres, revelam 0 declinio ¢ 0 colapso da velha ordem juridica; quanto aos novos conflitos sociais, geralmente direitos de terceira gera¢io, nem sempre sao solucionados com os vetustos fundamentos da certeza, imparcialidade e seguranga juridica, bem como os princfpios da estatalidade, da racionalidade formal ¢ do “monismo”2! 0 “monismo” parte da idéia de que o Estado € a Ginica fonte legitima de produgio normativa, descartando qualquer possibilidade de reconhecimento de outras fontes de produgio juridica, O “monismo”, na histéria, passou por ciclos. O primeiro ciclo ocorreu nos séculos XVI e XVII, amparado pela filosofia politica de Hobbes, idedlogo fundador do moderno Estado Absolutista e o principal te6rico da formagao do “mo- nismo” juridico ocidental. A formagao do “monismo” juridico est associada ao declinio do Feudalismo, pois a doutrina monista pretende justificar a validade de um Estado de Direito centralizado nas maos de um Poder Absoluto. O direito, neste caso, passa a ser produto da vontade exclusiva do monarca soberano, totalmente divorciado de um paradigma ético que reconheca os valores s6cio-culturais da populagio. O segundo ciclo inicia-se com a Revolucio Francesa ¢ termina com as principais codificagdes do século XIX, a exemplo das Constituigdes dos Estados Modernos e do Cédigo Napolednico. Trata-se de um perfodo hist6rico no qual a teoria juridica busca separar totalmente 0 Direito da ética, embora essa tentativa tenha sido fracassada, terceiro, biparte-se. Abrange os anos 20 ¢ 30 numa primeira etapa; numa se- gunda etapa, abrange os anos 50 ¢ 60. Nestas etapas, 0 que se buscava era uma lega- lidade dogmética com rigidas pretensoes de cientificidade. Mas 0 que contribuiu para a construcio técnico-formal de uma Ciéncia do Direito deste ciclo? a) A expansio do intervencionismo estatal na esfera da produgio ¢ do trabalho; b) A passagem de um capitalismo industrial para um capitalismo monopolista “organizado” c) A implemen- © WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Juridico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 3.ed, Sio Paulo: Alfa-Omega, 2001. p. 185. Ibid, p. 26, 4 Ibid, p. 26 15 Cademos de Direito,Pracicaba,6(11):09-21,juL/dez. 2006 Revaro Toute Bray; Evezatoo Quuse Gonzaez tagio de politicas sociais no contexto de praticas keynesianas distributivas d) O E: tismo juridico ocidental da Escola de Viena, encabegada pela construcio da teoria pura do direito, o que levou a Hans Kelsen descartar os dualismos Etica —Direito e Estado- Direito, descartando a idéia do Dircito enquanto parte de um sistema ético e fundindo 08 conceitos de Direito e Estado, de modo que o Direito ¢ Estado tornam-se verso ¢ anverso da mesma moeda.* Finalmente, o quarto ciclo, abrange os anos 60 ¢ 70, periodo do surgimento de novas necessidades de reordenagio e de globalizacao do capital monopolista, da crise fiscal ¢ da ingovernabilidade do Estado do Bem-Estar e de seu enfraquecimento. Jao “pluralismo” parte da idéia de que existe mais de uma realidade, de miiltiplas formas de agio pratica, ou seja, envolve o conjunto de fendmenos auténomes e cle- ‘mentos heterogéneos que nao se reduzem entre si.® Neste prisma, podemos considerar a existéncia de varias instdncias plurais, a saber: a cultural, a técnica, a politica, a socio- logica, a econémica, a filos6fica, a jurfdica, que em seu conjunto revelam o surgimento de um sistema ético-jurfdico renovado. 4. DOUTRINA DO PLURALISMO JURIDICO NA AMERICA LATINA Na América Latina, podemos identificar te6ricos que tratam da questio do plu- ralismo jurfdico. No México, por exemplo, temos Jesus Antonio de la Torre Rangel ¢ Oscar Correas. Rangel ** que optam por uma juridicidade assentada nos fundamentos de uma Filosofia da Libertacio, e tecem criticas aos diversos modelos de normativismos formais que predominam na cultura ocidental burguesa, defendendo a existéncia de uma normatividade paralela e plural no bojo das comunidades indigenas e pobres. Correas*, argentino radicado no México, é considerado como um dos principais teéricos do pensamento critico latino-americano ¢ um dos responsiveis pelo sucesso das publicagoes de Critica Juridica, Correas ** também reconhece a coexisténcia de va- tios sistemas éticos ¢ normativos em um determinado territ6rio, e cita como exemplo as comunidades indigenas da América Latina e os grupos ciganos da Espanha; define © pluralismo juridico como “a coexisténcia de dois ou mais sistemas normativos que pretendem validez no mesmo territério.” Calcado em idéias marxistas, reconhece a existéncia de um conifito entre a ordem juridica hegeménica ¢ 0 sistema alternativo paralelo, sendo que neste entrechoque de instancias normativas, pode ocorrer a redugio ou extingio da eficécia das normas do Estado em face da forte reagao revoluciondria da ordem juridica paralela, Para tanto, © autor menciona a guerrilha dos zapatistas no México, entre 1994-1995, em que os revolucionarios buscaram a modificacao da ordem juridica oficial.?” = IDEM, Introducio ao Pensamento Jurfdico Critico. 3.ed. So Paulo: Saraiva, 2001. p. 46-66. ® WOLKMER, AC. Op, cit. 2001, p. 171-172, ™ WOLKMER, A C. Op. cit. 2001, p. 203, % Ibid. p. 204. % CORREAS, Oscar apud WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurfdico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito, 3.ed. Sio Paulo: Alfa-Omega, 2001. p. 114, ” CORREAS, Oscar apud WOLKMER, Antonio Carlos, Pluralismo Juridico: Fundameatos de uma nova cultura no Direito. 3.ed. Sao Paulo: Alfa- Omega, 2001. p. 156-157. Cadesnos de Diteto,Piracicaba,6(11):09-21,jul/dez. 2006 6 “Teor Crnica No Det & PLURALISM JUNOICO:NOVOS PARADIIAS EES MRA © MODELO MIHOAC NACIONAL © pluralismo jurdico também foi objeto de andlise de juristas criticos na Colém- bia e na Argentina, destaque para o colombiano German Palacio ¢ para o argentino Carlos Cércova, autor de A Opacidade do Direito. Palacio pesquisou sobre os servigos legais populares, as praticas jurfdicas alternativas, a administragao da justiga ¢ os influ- xos da globalizagao na esfera da legalidade.”* Neste tiltimo aspecto, trabalha com a crise do monismo juridico, decorrente do abrupto divércio entre a teoria juridica e a ética, relacionando tal realidade com o fendmeno da fragmentagio juridica. E apresenta sua compreensio de pluralismo: ‘A pluralidade & marcada pela porosidade e inter-relacio, onde 0 Estado é substituido ‘ou complementado por miiltiplas instiuig6es: a corporacio transnacional, o mercado internacional, a localidade, a comunidade, a familia, © grupo religioso e a organizacio no-governamental” Jo argentino Carlos Cércova deu grande contribuigao nas investigagdes sobre: marxismo ¢ Direito, Teoria Critica, Direito alternativo, Direitos humanos e Etica; vale consignar que, para 0 jusfildsofo argentino, o Direito ¢ ao mesmo tempo opressio € emancipagio, Em sua obra A Opacidade do Direito, levanta a existéncia de novas praticas de pluralismo, todas clas relacionadas a processos de migragées, aculturagao € multietnias."° No Brasil, temos alguns nomes importantes a considerar: Oliveira Vianna, André Franco Montoro, Joaquim de Arruda Falco, José Geraldo de Souza Jr., Luiz Fernando Coelho, Eliane B. Junqueira, Edmundo de L. Arruda Jr., José Eduardo Faria, Roberto Lyra Filho, Lufs Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pépe. Por derradeiro, vale registrar que Wolkmer *” aponta quatro vertentes da critica juridica brasileira: a sistémica, a dialética, a semiolégica e a psicanalitica. A perspectiva dialética, tem como objeto de estudo o fendmeno do pluralismo juridico, sendo que seu maior representante foi Roberto Lyra Filho. Temos ainda a pessoa de José Geraldo de Souza, que trabalha a questio do phuralismo nesta perspectiva, 5 PLURALISMO juRiDICO E TEORIA CRETICA COMO NOVO PARADIGMA E£TICO-JURIDICO Basicamente, o “pluralismo jurfdico” esté relacionado ao reconhecimento da exis- téncia de outras fontes de produgao juridica ao lado do Estado. Aos olhos de uma Teoria Critica, reconhece-se a existéncia de um Direito nao oficial que emerge das priticas sociais, um Direito “paralelo”, “achado na rua” ou “insurgente”. Nessa linha de raciocinio, 0 Direito € legitimo nao em fungio da autoridade competente ou dos me- canismos procedimentais do Estado quanto & criagao das normas, mas é valido porque a comunidade, em decorréncia de seus costumes, habitos e valores éticos, reconhece como tal. Assim, a Comunidade Local, a exemplo da Associagio dos Moradores de 3° WOLKMER, AC. 2001 Op. cit. 2001, p. 205, * PALACIO, German apud WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurfdico: Fundamentos de uma nova ‘cultura no Direito. 3.¢d. So Paulo: Alfa-Omega, 2001. p. 207. © WOLKMER, AC. 2001 Op. cit. 2001, p. 207. "bid, p. 87-119. 7 Cadernos de Direito,Piracicaba, 6(11):09-21,jul/dez. 2006 euro Tous Bre; Everavo T.Quiuei Gonzalez Bairro de uma favela', nao s6 reconhece a legitimidade das normas informais, mas também as aplicam, solucionando, dessa forma, os conflitos. De que adianta uma norma do Estado ser formalmente valida, se os membros da sociedade civil nao a reconhece como legitima, nem mesmo acreditam na agao das instituig6es do Estado? Se indmeras dimenses podem ser encontradas no pluralismo filoséfico, sociol6gico ou Politico, 0 pluralismo juridico nao deixa por menos, pois compreende muitas tendéncias com origens distintas. Essa situagio de complexidade nao impossibilta admitir que 0 principal ndcleo para o qual converge o pluralismo juridico 6 a negagio de que o Estado seja a fonte nica e exclusiva de todo 0 Direito. Trata-se de uma visio antidogmitica © interdisciplinar que advoga a supremacia de fundamentos ético-sociolégicos sobre critérios tecnoformais. Assim, minimiza-se ou excluise a legislacio formal do Estado ¢ prioriza-se [grifo nosso] a producio normativa multiforme de contetido concreto -gerada por instincias, corpos ou movimentos organizados semi-auténomos que com- péem a vida social” Numa leitura de viés positivista, ha autores que preferem a expressio pluralismo normativo. “Se todas as normas sociis sd0 “dieto”, entdo o termo perde sua utlidade e mesmo seu significado! Portas motivos, considerams que os sistemas de regras ndo ofa, mesmo tendo ‘um grau de obrigatoriedade, ndo possuem 0 atributo da juridicidade."™ Portanto, para um positivista, 0 pluralismo que existe € apenas normativo, ¢ nao juridico, j4 que as normas informais ndo possuem o atributo da juridicidade. Embora nao negue a existéncia da multiplicidade de regras de comportamento, Sabadell * considera extremamente arriscado reconhecer o caréter de “direito” aos sistemas normativos informais (Igrejas, Associagao de Moradores de um Bairro, etc.)- Primeiro, porque tais sistemas sio extremamente fluidos e mudam de modo informal. AAs regras podem ser alteradas facilmente e muitas vezes os membros do grupo niio saber exatamente quais sio as regras vilidas. Assim, nio é possivel distinguir entre di- Feito, preceitos morais, regras de convivéncia e a pretensio de poder de determinados membros do grupo, Isto nos leva a colocar uma questio: ¢ correto afirmar que qualquer norma social € “direito”? (..) A segunda razio contra o reconhecimento do pluralismo juridico é que a existéncia de sistemas normativos paralelos, nfo exclui a atuagio do Estado neste campo. Se existe vontade politica, o Estado pode recuperar 0 espaco, que devido & sua auséncia, foi tomado, por exemplo, pelos “chefes” da mifia. Além disso, 08 individuos que obedecem a0 direito informal sabem que existe também um direito oficial que possui validade, € que pode ser invocado a qualquer momento. Em outras palavras, todos sabem que 0 verdadeiro direito é o estatal "Este fendmeno ji foi objeto de estudo do socidlogo lusitano Boaventura de Sousa Santos, Ibid, p. 183. ROBERTS, Simon apud SABADELL, Ana Licia. Manual de Sociologia Juridica: introdugio a uma leit ra externa do Diteito, .ed. io Paulo: RT, 2002. p. 126. 'SSABADELL, Ana Liicia, Manual de Sociologia Juridica: introducio a uma leitura externa do Dircito. 2.ed. Sio Paulo: RT, 2002. p. 126-127. Cadernos de Direito, Pracicaba,6(11:09-21,jul/dez. 2006 18 “Teowa Caca wo Dro € Puunaismo Jutlxco:NO¥oSPAADIGNAS COS PARA. MODELOJUIICO NACIONAL Carbonnier prefere empregar os termos “infradireto” ou “fendmenos infrajuridi- cos”, a empregar os termos “direito alternativo”, “informal” ou “espontaneo”.%* Convém consignar que, nos fins do século XIX, primérdios e meados do século XX, 0 “monismo” foi muito questionado por alguns pensadores curopeus, que de- monstraram insatisfagao em relagdo a expansio do capitalismo industrial, ao dominio do individualismo filos6fico, ao liberalismo politico-econdmico, bem como ao dogma do centralismo juridico estatal desvinculado de valores éticos. Neste momento hist6ri- co, portanto, surgem as denominadas doutrinas pluralistas de linha tradicional. Nas primeiras décadas do século XX, como alternativa a0 normativismo estatal po- sitivista, ressurge © pluralismo na preocupagio de jusfilésofos e publicstas (Gierke, Hauriou, Santi Romano ¢ Del Vecchio), bem como de sociélogos do Direito (Ehrlich, Gurvite). Nao menos importante seria, igualmente, a retomada do pluralismo nos anos 50 e 60 por pesquisadores empiricos no ambito da antropologia juridica (L. Pospisi, S. Falk Moore, J. Griffiths).” Nos dias de hoje, temos a pessoa de Boaventura de Souza Santos, pensador portu- gués que realiza uma discussao original e rica sobre o pluralismo jurfdico contempora- neo. Boaventura é respeitado internacionalmente, exatamente por sua visio interdisci- plinar e pela retomada critica sobre o pluralismo juridico.™ Estudou com profundidade as estruturas juridicas de uma favela do Rio de Janeiro, a que deu o nome ficticio de Pasirgada, e para tanto, valeu-se de critérios empfrico-socioldgicos. Além deste estudo, o soci6logo lusitano ” identificou seis ordenamentos juridicos, todos relacionados ao poder de dominagio. a) dircito doméstico: relaciona-se com o patriarcado, que é o poder exercido pelos homens no espaco doméstico; d) direito da produgao: relaciona-se com a exploragdo, que € 0 poder exercido no espago da produgio, onde os trabalhadores si explorados pelos detentores dos meios de produgaos ©) direito da troca comercial: relaciona-se com a alienagao, que é a forma de poder que direciona 0 comportamento das pessoas manipuladas pela propaganda e sub- metidas aos valores do consumismo no espago das trocas comerciaiss 4) direito da comunidade ou dos grupos sociais: relaciona-se com a diferenciagdo desigual, que € uma forma de poder exercida no ambito das varias comunidades através da exclusio daqueles considerados “estranhos”. O exercicio deste poder se manifesta na discriminacao dos “diferentes” (por exemplo, dos homossexuais, dos mendigos); 5° CARBONNIER, Jean apud SABADELL, Ana Liicia. Manual de Sociologia Juridica: introdugdo a uma leitara externa do Direito. 2.ed. Sio Paulo: IT, 2002. p. 127. Y SABADELL, Ana Licia, Manual de Sociologia Juridica: introdugio a uma leitura externa do Direito, 2eed. Sio Paulo: RT, 2002. p. 186. 8 WOLKMER, AC. Op. cit. 2001, p. 202. ® SANTOS, Boaventura de Sousa apud SABADELL, Ana Liicia. Manual de Sociologia Juri- dica: introdugio a uma. leitura externa do Direito.Editora RT. 2* edigio, 2002, Sio Paulo, p. 122. 9 Cadernos de Dieito,Piracicaba,6(11):09-21,jul/dez. 2006 FReuaro Tous Bray; Evena.oo T Quuse Gonz ©) direito estatal: relaciona-se com a dominagao, que corresponde a0 exercicio do poder politico do Estado; f) dircito das relagGes internacionais ou sistémico: relaciona-se com a troca desigual, devida ao poder exercido pelos pafses mais fortes nas relacées internacionais. Consiprragoes Finals ‘Pelo presente artigo identificamos algumas concepgdes que versam sobre o plu- ralismo juridico, 0 que abrange tanto os teéricos da linha da teoria critica, quanto os tedricos de linha mais tradicional. Igualmente, pudemos identificar as concepgées que nio reconhecem a validade das normas de origem nao estatal.; os que negam, ou que ao menos partilham de uma visio de combate, se enquadram na linha do positivismo jurfdico, a0 passo que, os que reconhecem aquela validade, se enquadram entre os te6ricos que partilham de uma teoria jurfdica critica. Todavia, 0 que se buscou demonstrar pelo presente estudo, é que a teoria juridica critica e © pluralismo juridico possuem estreita relagio e podem se constituir em um novo paradigma ético-juridico que propicie uma nova compreensio do Direito no Bra- sil. Consideramos, ainda, que 0 ordenamento juridico brasileiro, moldado em critérios de racionalidade instrumental, ndo consegue estabelecer um consenso, nem mesmo um didlogo com a sociedade civil, em especial com as populagées exclufdas, margina- lizadas e oprimidas de nosso pais. © paradigma juridico em vigor, podemos dizer, tem se revelado obsolcto ¢ ultrapassado, jé que o critério de legitimagio das normas pelo procedimento burocratico-legal do Estado € divorciado da ética e das praticas sociais, © que gera dividas inclusive sobre a validade de muitas das normas vigentes no orde- namento juridico brasileiro, Ao lado de um Estado ausente e impotente, temos uma sociedade civil apética, com baixo nivel de instrucao ¢ educagio, o que inviabiliza 0 processo de diélogo e de comunicagio com a Sociedade Politica. E porque impotente? Impotente porque no consegue atender as necessidades ¢ os desejos das camadas mais pobres da populacao; ausente, porque o Direto Oficial é destituido de uma ética de consenso ¢ completamen- te divorciado das praticas sociais. Embora tenhamos alguns setores da sociedade civil que buscam a resolucio de seus problemas de modo informal, por outro lado, temos reagées contrérias a toda for- ma de agao participativo-comunitaria realizada fora dos padrdes oficiais. O monismo juridico continua tendo a sua forca, jf que 0 nosso modelo de justica é formal-liberal. Todavia, a solucio para os problemas da morosidade da Justica, do acesso ¢ da legitimidade de nossa ordem legal, passa necessariamente pela adogao de um modelo juridico pluralista, entendido este como uma nova ética jurfdica que concretize parte dos ideais e necessidades de varios segmentos sociais que convivem ¢ coexistem num mesmo espaco-geopolitico. Esses segmentos possuiem necessidades e realidades cultu- rais, politicas e econémicas que geram uma realidade juridica-normativa diferenciada, A ordem juridica estatal monista nao pode ignorar a legitimidade das normas nao oficiais, bem como sua aplicabilidade em conflitos localizados, surgidos em fungao da inoperancia do Estado ¢ do distanciamento do Judiciério das populagdes exclufdas e oprimidas, por vezes alijada do acesso a Justiga face ao baixo grau de instrucio. (Cadernos de Direito,Pracicabs, 6(11):09-21, jul /dez. 2006 20 ‘Teoma Catnca No Di ¢ Pumas Juco: NOVDS PARADIGMAS EMCDS PARA 9 MODELO UIDICD NAGONAL Numa perspectiva critica, consideramos que as contradigGes sociais promovem conflitos, insatisfagdes ¢ reivindicagbes junto aos varios segmentos sociais, os quais, mesmo na condi¢ao de excluidos ¢ marginalizados do processo decis6rio, criam suas realidades juridicas, com “normas” préprias e exercem sua auto-aplicagio, j4 que 0 Estado nio aleanga muitos desses segmentos sociais e comunidades periféricas. REFERENCIAS CARBONNIER, Jean. Sociologia jurfdica. Coimbra: Almedina, 1979, CORREAS, Oscar. Teoria del Derecho. Barcelona: Bosh, 199: IntroducciGn a la sociologia juridica. México: Coyocan, 1994. EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasflia: UnB, 1986, FREITAG, Barbara. A Teoria Critica: ontem ¢ hoje. 4.ed. So Paulo: Brasiliense, 1986. GERMAN, Palacio. Pluralismo juridico. Bogota: IDEA/Universidad Nacional, 1993. 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