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Colecado Lazuli = — On ae UFEOS Biblie oa Saternal de & onamia el ae agao We CHAMADA 640-2 0.3e-F WF OBR Meer EOISind: A228 Copyright © Editions Gallimard 1947 Titulo Original: Exercises de Sigle Capa: Vicror Burton Appio: Embaixada da Franca no Brasit CIP-Brasil, Catalogagdo-no-fonte ‘Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Rj. QSie 95-1895 Queneau, Raymund, 1903-1976 Bxercicios de estilo / Raymund Queneati; tradugdo, apresentagdo e posfacio, Luiz Resende. — Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995, (Colegao Lazuli) Tradugito de: Exercises de style Inclui anexos ¢ bibliografia ISBN 85-312-0480-1 1. Literatura experimental. I. Rezende, Luiz. Ii, Titulo, Hl. Série CDD — 848.07 CDU — 840-8(07) Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderd ser reproduzida por fotocdpia, microfilme, processo fotomecinico ou eletrénico sem permissiio expressa da Editora, 1995 IMAGO EDITORA LTDA. Rua Santos Rodrigues, 201-A — Estdcio 20250-430 — Rio de Janeiro ~ RJ — Tel.: 293-1092 Impresso no Brasil Printed in Brazil SUMARIO I, Escrevendo Que Se Vira Escrevedor, 11 — Luiz Rezende Anotagao, 19 Em Duplicata, 20 Litotes, 21 Metaforicamente, 22 Retrogrado, 23 Surpresas, 24 Sonho, 25 Profecias, 26 Sinquises, 27 Arco-fris, 28 Gincana Verbal, 29 Hesitagdes, 30 Precisdes, 31 O Lado Subjetivo, 32 Outra Subjetividade, 33 Relato, 34 Palavras-Valise, 35 Negatividades, 36 Animismo, 37 Anagramas, 38 Distingdes Necessdrias, 39 Pareoteleutas, 40 Versao Oficial, 41 Texticulo De Orelha, 43 Onomatopéias, 44 Andlise Légica, 45 Insisténcia, 47 Nao Sei De Nada, 49 Presente, 50 Acontecendo, $1 Pretérito, 52 Imperfeito, 53 Alexandrinos, 54 Pés-Alexandrinos, 55 Poliptotos, 56 Apécopes, 57 Aféreses, 58 Sincopes, 59 Quer Dizer, Né, 60. Exclamagées, 61 Entéo, 62 Empolado, 63 Povao, 64 Ocorréncia, 65 Comédia, 67 Apartes, 69 Parequese, 70 Fantasmatico, 71 Filos6fico, 73 Apostrofe, 75 Desajeitado, 76 Desenvolto, 78 Parcial, 80 Soneto, 82 Olfativo, 83 Gustativo, 84 Tatil, 85 Visual, 86 Auditivo, 87 Telegrafico, 88 Ode, 89 PermutagGes de Grupos de 5a9 Letras, 90 Permutaces de Grupos de 4a8Palavras, 91 Helenismos, 92 Conjuntos, 93 Reaciondrio, 94 Pai-dos-Burros, 96 Hai Ku,. 98 Haikikai, 98 Versos Livres, 99 Teminino, 100 Translacao, 102 Lipogramas, 103 Galicismos, 106 Préteses, 107 Epénteses, 108 Paragoges, 109 Metateses, 110 Gramitica Transformativa, 111 Troca-Troca, 114 Nomes Proprios, 115 Lingua do Pé, 116 Poucas-verdades, 117 Macarrénico, 118 Da (Quase) na Mesma, 119 Para os Franceses, 120 Trocadilhos, 122 Botanico, 123 Medicinal, 124 Gastronémico, 125 Zoolégico, 126 Injurioso, 127 Impotente, 128 Pés-Tudo,. 129 Probabilista, 130 Retrato, 131 Geométrico, 132 Sertanejo, 134 Interjeigces, 136 Precioso, 137 Inesperado, 139 Agora que Vocés Ja Leram, 142 — Luiz Rezende ° Anexos Exercicios de Estilo Possiveis, 161 Exercicios Brasileiros Papo de Botequim, 167 Pisando na Jaca, 170 Brasileirinho, 172 Tupinacara, 175 Samba do Crioulo Doido, 177 D4Samba, 179 Bibliografia, 181 E ESCREVENDO QUE SE VIRA ESCREVEDOR Luiz Rezende Ao ouvir as fugas de Bach em concerto, 14 pelos anos 30, Raymond Queneau teve a idéia de criar um equivalente literério, constituido por uma série de variagdes em torno de um tema bem simples. Durante a guerra, para distrair-se um pouco de seus projetos “sérios” e de suas atividades editoriais, pOs-se a escrever os primeiros exercicios, em torno de uma discussao entre dois passageiros a bordo de um Onibus. Apés ter composto um “Dodecaedro”, pensava em parar, mas acabou contagiado pela propria idéia e con- tinuou a série até chegar aos 99, “nem muito, nem pouco demais: 0 ideal grego”. Em 1948, os Exercicios de Estilo foram publicados pela primeira vez em forma de livro, e logo inspiraram uma pega dos Irmaos Jacques, 0 que assentou sua popularidade e reforgou a do autor. Raymond Queneau era, entao, com Sartre e Prévert, um dos decanos da boemia circulando pelo Saint-Germain-des-Prés existencialista, “alto e forte contra o vento da besteira”, segundo a elogiosa formula de Juliette Gréco, que emplacou um grande sucesso transformando em cancao seu poema “Si tu t’imagines”. Inspirado pelo convivio encontrado na Grécia entre dois registros de linguagem, com primazia do demético sobre a lingua pura, Queneau vinha tentando a defesa e ilustragao do francés falado desde o comeg¢o dos anos 30, e chegou a propugnar um neo-francés: eps ~ Mézalor, mézalor keskon nobtyin! Sa dvyin incrouayab, pazordiner, ranvérsan, sa vouzaalor indsé droldaspé dontonrvyin pa. On Irekoné pudutou, Ifranse, amésa pudutou, sa vou pran toudinkou unalur ninversanbarbasé stupéfiant. Avrédir, semém maran. Jérlu toudsuit lé kat lign sidsu, j¢papu manpéché de mmaré.' No comecinho dos anos 70, veio a reconhecer, nio sem uma pontinha de nostalgia, que a norma culta estava im- pregnando a fala popular, e atribuiu o fendmeno a influén- cia da televisao. Em 1958, surgiu Zazi no metré, livro que ganhou um prémio de humor negro e virou filme de Louis Malle, além de oferecer a Queneau seu primeiro e tinico real sucesso de estima popular.” Para contar a historia de Zazi, garota pro- vincial e mais desbocada que chofer de caminhao, Queneau langa moderadamente mao do seu neo-francés. O sucesso foi tanto que por pouco nao apaga a figura do criador; a partir daf, Queneau virou, antes de mais nada, 0 “pai de Zazi”. Ca se chante aussi, la chaussette: meia suja também se canta. O problema € extrair do cotidiano “sua veia pottica, seu pequeno heroismo”. Georges Perec, proximo de Que- neau, definia esse projeto como a busca do infra-ordindrio: “talvez possamos finalmente fundar nossa propria antropo- 1 Mais alors, mais ators, qu’est-ce qu’on r’obtient! Ca devient incroyable, pas ordinatte, renversant, ca, vous alors, un de ces drotes d’aspect dont on ne revient pas. On le reconnait plus du tout, fe francais, ah, mais plus dis tout, ca vous prend tout d'un coup une allure invraisemblable, cest stupéfiant, A yrai dire, cest meme marrant. J’at relu iout de sutte les quatre lignes ci-dessus, j’ai pas pu m’empécherde, me marrer ("Ecrit en 1937", retomado em Batons, chiffres, lettres, p. 22). Em Portugués: “lai, iai, ukekidd! Ficadupiru, nadavé custrossu_ kiagetchilé, egrassadu paca, nedé prassigurd, Pareci até chinuki, vaive tupiniki, essigeitchinhu koladu, feitukorcu beescritu, legau prakaralhu..." 2 A (boa) traducdo brasileira de Zazie no metré é de Irene Cubric ¢ foi éditada pela Rocco, em 1985. 12 aque falar4 de nés, buscaré em nés 0 que tanto fomos pilhar nos outros, O endético, em vez do exdtico” (apud Souchier, 1991, p. 12 — ver a Bibliografia, ao final deste volume). Trata-se de uma poética estudadamente esponta- hea, com mais rima do que raz4o, como assinala Jean-Yves Pouilloux (1991), mas nos melhores casos, quando a rima concebe a raz4o, abre-se um espaco de linguagem motivada onde se opera uma relacgao, digamos magica, entre fala e mundo, O laborioso plumitivo descasca chaves, provér- bios ¢ lugares comuns, guarda a polpa para uso renovado e varre os escombros de um golpe de pena que, forcosamente, deixa tragos textuais. Queneau € ainda capaz de escrever roteiro para docu- mentario de encomenda, cantando as maravilhas do estire- no em alexandrinos! Sua produgao poética, sob a aparéncia parddica, multiplica exigéncias e recursos formais, como no caso dos Cem mil bilhdées de poemas, 10 sonetos cujos'14 versos podem ser livremente associados, 0 que resulta, como o titulo indica, em 1014 sonetos — cada verso vem’ escrito numa lingiieta recortada, de forma que a pagina se comp6e de catorze lingiietas independentes, que podem ser viradas uma a uma (como em certos livros infantis). Em 1960, criou-se, sob sua inspiragéo, o Ouvroir de Littdérature Potentielle, ou Oulipo, Nao sem humor, o nome ne refere aos ateliés (ouvroires) de corte e costura das freiri- nhas. Quanto a literatura potencial, trata-se de pesquisar s formais que possam em seguida encontrar aplica- «io em obras literarias. I-Ching, Tar6, jogos retéricos do perlodo alexandrino, formas poéticas dos trovadores pro- vengais... e, sobretudo, recursos l6gico-matematicos. O gru- po, que teve seu perfodo dureo nos anos 60, e inclufa, entre outros, [talo Calvino e Georges Perec, continua existindo, e matrize 13 ja publicou trés atlas para expor seus achados. Para Que- neau, fa de jogos, o “realismo matematico” é uma forma de conjurar a desgraga ou, ao menos, de torn4-la suportavel, provisoriamente relegada a um nicho da consciéncia inati- vo. . “f, escrevendo que se vira escrevedor”: C'est en écrivant qu’on devient écriveron. O homem adorava esta frase, a ponto de fazer dela um lema, forjado por ele a partir do provérbio francés c’est en forgeant qu’on devient forgeron, “forjando se faz o forjeiro”, derivado por sua vez do latim fabricando fit faber. Ela resume admiravelmente a ética do trabalho arte- sanal que define as relagdes entre Queneau e a literatura. Relendo Hegel, como tantos outros de sua geracio, Queneau via na Histéria “a ciéncia da desgraca humana”, A tragédia é cotidiana e difusa; contd-la exige, nessas circuns- tancias, um qué de humor, sob pena de uma insuportavel narra¢géo reduzida a desfiar mazelas. “Quando o narrador sorri e desdenha a morte, chamam seu relato um ‘romance cémico’, mas o ‘tom leve’ empregado é, na verdade, um resquicio de graca numa paisagem de catédstrofe...” Desen- ganado como o anjo da Hist6éria. ““Gente feliz nado faz hist6ria’; ndo é sé trocadilho. A(s) desgraga(s) formam todo o campo narrativo”. Matthieu Galley, falando da enormidade e da “indigén- cia agressiva” dos trocadilhos de Queneau, ja os tinha assimilado a certo espirito de escola primaria. Se 0 ubuesco Jarry tem um qué de adolescente, e 0 humor derivado de Lautréamont aos surrealistas um negrume para l4 de adulto, a peculiaridade de Queneau talvez esteja nessa malicia que, mesmo no auge da vulgaridade, guarda certa inocéncia e candura. Seu primeiro critico, Jean Queval, aproveitou a homofonia quase perfeita entre recrear e recriar — recréer e 14 récréer —, para estabelecer uma analogia entre espirito de escola e trabalho literario, ambos funcionando sob 0 impé- rio de aparentes contrrios, disciplina e distragéo. Mas que tal ludismo nao nos engane; como diz Queneau, num eco dantesco, “quem entra aqui deve aceitar todo e qualquer jogo de — e sobre — palavras”. Enquanto se joga, o inferno fica esquecido. E, pela ética queneliana do riso, tentemos, enquanto isso, matar a charada, para nado terminarmos arreganhando os dentes num esgar inenarravelmente ama- relo. 1S 7 ANOTAGAO No 6nibus S, em hora de aperto. Um cara de uns 26 ‘nos, chapéu mole com cordéo em vez de fita, pescogo comprido demais, como se tivesse sido esticado. Sobe e desce gente. O cara discute com o vizinho. Acha que é espremido quando passam. Tom choramingas, jeito de pirraca. Mal vé um lugar vago, corre para se aboletar. Duas horas depois, vejo o mesmo cara pelo Paco de Roma, defronte a estagao Sao Lazaro. L4 vai com outro que diz: “Vocé devia p6r mais um botao no sobretudo”. Mostra onde (no decote) e como (para fechar). 19 EM DUPLICATA Por volta do meio da jornada e em torno de meio-dia, pulo e subo na plataforma € balcdo traseiros de um 6nibus e transporte para todos repleto e lotado da linha S, que vai da Contrescarpe e Contra-escarpa ao Campeto e Charper- ret, Percebo e noto ali e nesse lugar um jovem homem e adolescente passado, ridiculo assaz e grotesco o bastante: pescogo magro e gogé descarnado, fio e cordao em torno do chapéu e tapa-miolos. Apés e depois de um bate-boca e empurra-empurra, ele diz e profere em tom e voz choramin- gantes e lacrimejantes que seu vizinho e co-passageiro insis- te e persiste em espremé-lo e importund-lo sempre € a cada vez que desce e salta um gaiato alguém. Isso € tal coisa dita e feita e depois e assim que abriu e botou a boca e 0 trombone no 6nibus e no mundo, precipitou-se e dirigiu-se para e rumo a um lugar e banco recém e no instantinho mesmo livrevago. Duas horas e cento e vinte minutos mais tarde depois, eu o reencontro e minha pessoa vé o mesmo novamente de novo na Cour de Rome e Paco de Roma em face da gare Saint-Lazare e defronte a estacdo Sao Lazaro. Esta e encon- tra-se com um amigo e companheiro que o incita e aconse- lha a por e botar mais um botao e suplementar osso no seu manto0 sobretudo. son 20 LITOTES Z Eramos poucos tantos a deslocar-nos em conserva, dos quais um, ligeiramente aquém de maduro e com ar de rarefeita inteligéncia, sugeriu, algo veementemente e por um lapso de instante ao, se ouso dizer com certo abuso, cavalheiro que se encontrava a mui discreta distancia de si, conjeturas sobre 0 comportamento, quigd libado, deste ultimo; quase continente, absteve-se de verbo e renunciou 4 posicao ereta. Néo houve largo esperar antes de reaperce- b0-lo num repente. Estava em singular companhia e discorriam sobre im- plementos de moda. 21 METAFORICAMENTE Orastro apolineo parecia ter imobilizado seu tao célere curso em zenital posicdo e dardejava implacdvel no meri- dio escaldante como as dunas de Copacabana, exasperando o sufoco da massa compacta num coleéptero de alvo abd6- men, tal sardinhas em lata, quando um girafoso e glabro pinto langou-se 4 escamagao de uma delas, das menos saracoteantes, com repentina arenga que nos ares desfral- dou-se tmida de protesto. Em seguida, aspirado por vacuo oportuno, subito e volétil partiu ao poleiro. Revi-o todavia, cronométricas revolugées passadas, pe- ripateteando em médica comunhao e difuso senso no ma- lincénico dédalo onde a urbe se traduz em metéfora coletiva, reduzido entretanto a espirrar toda sua arrogancia por obra de somenos botao. 22 RETROGRADO “ Ado sobretudo bem poderia vocé acrescentar um botao”, disse-lhe 0 amigo. Foi em pleno pago de Roma. Pouco antes ao aconselhado vira eu, 4vido sobre vago ‘ssento se precipitando mal expresso seu mau protesto contra o vizinho cujos gestos, alegava, extremo agrediam- Ihe os extremos ao sabor do fluxo de entrada e saida de passageiros. Trazia o descarnado jovem ridiculo chapéu. Na (raseira plataforma: era. No, ao meio-dia lotado, $, tudo comecara. 23 SURPRESAS Que aperto na traseira! E aquele fulaninho, iiihh que cara de bobo, e que arzinho mais ridiculo! Sabe o que ele fez?! Nao é que deu de emburrar, s6 porque — atrevido o senhorito! — 14 muito de vez em quando, no lufa-lufa, um cidadao dos mais honestos dava umas encostadinhas! Caca- rejou o quanto péde e depois saiu escafedido para it-se aboletar num lugar vago, ainda quentinho! Que displante! Em vez de deixd-lo para uma senhora! Duas horas depois, adivinhem quem eu vejo defronte a estacio?! O proprio! O mocetio! Ouvindo dicas de roupa! De um amigo! Nao da para acreditar! O amigo era um gato, nem te conto! E entendido em moda como ninguém... 24 SONHO Tudo era bruma nacarada, sombras multiplas onde avultava um jovem, vejo nitidamente seu rosto encarapita- do num conspicuo pescocao, que salientava’seu cardter mais para covarde que cabrao. No lugar da fita do chapéu, um fio trangado, Pés-se a discutir com um individuo indistinto; depois, como que amedrontado, sumiu num corredor escu- 10. iim outra parte do sonho, esté andando sob o sol a prumo defronte a estagao Séo Lazaro, com um companheiro que Ihe diz: “Vocé devia botar outro botio no sobretudo”. Ai eu acordei. 25 PROFECIAS Meio-cia vird, e vocé estara na plataforma traseira de um 6nibus com passageiros saindo pelo ladrao, onde perce- ber4 um raparigo ridiculo, de pescoco esquelético e cordaéo algum no feltro mole. Esse jovem ficara desassossegado, pois pensara que espremé-lo ha, de propésito, um senhor, e tal ato repetir-se-4 sempre que subira ou desceré alguém do 6nibus. Protestos haveré, e serao proferidos em voz que se altear4, mas tao incondicional ser4 seu desdém que o ad- moestado nao se rebaixard a responder. Em pAnico, 0 rapa- rigo escafeder-se-4 sob o nariz do algoz e escarrapachar-se-4 num lugar que vago ficar4. Vocé de revé-lo h4, pouco mais tarde, no pago de Roma, defronte a estagdo Sao Lazaro. Um amigo estar4 com ele, e dir-Ihe-4 palavras tais que seus ouvidos escutarao: “O sobre- tudo nao assentaré direito como presente. Para o futuro, pord outro botio”. 26 SINQUISES Ridiculo raparigo, que eu me vendo lotado um dia em Onibus da linha S, por tracao talvez o esticado pescoco, no chapéu cordao eu um percebi. Arrogante e em lacrimejante tom, que contra o senhor ele ao seu lado protesta, encontra se, Encontroes Ihe pois daria este, vez gente cada que desce. Vago senta sobre e se se um lugar dito precipita, isto. Paco no de Roma, dou mais com ele ouvindo tarde, duas horas que no seu sobretudo outro botar, aconselha-o um amigo botio. 27 ARCO-fRIS Li vai na boléia de um dnibus marrom de gente um rapazelho escandalosamente borrado: pescogo indigo, bar- bante rosa no chapéu malva, Vermelho de raiva, destrata num tom verde bilioso um senhor que nao amarela e, ao ver a coisa preta, o almofadinha fica branco de susto e prefere azular para alvo assento. Na hora em que todos os gatos sao pardos, eu o reen- contro em frente a uma estacao furta-cor. Roxo de inveja, um amigo diz que deve p6r um bot&o turquesa para dar mais corpo a seu manté cereja. 28 GINCANA VERBAL Usar: dote, baioneta, inimigo, capela, atmosfera, Bastilha, correspondeéncia, Eu estava um dia na plataforma de um 6nibus pequeno demais para transportar 0 dote de Mucuripe Rua, filha do llustre Eng? Reinaldo Consorcio Jardim, gragas a quem a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (C.M.T.C.) tanto fez para aumentar 0 espfrito gregério do usudrio amigo, nado de sentar-se na baioneta de um inimigo, apesar dos clitos populares malevolentes, mas de transportar-se em intima e sudoripara companhia, ainda que eu tenha visto por ld, nesse dia, um jovem assaz ridiculo, que levava jeito, mesmo nado sentando, e que de repente atacou, com voz a capella, um senhor instalado em suas costas e que nao era sacristao, Tendo assim feito pesar a atmosfera, deixou cair a Bastilha. Duas horas mais tarde, reencontrei-o dando voltas por 4/ com um companheiro que 0 aconselhava a por mais um hotéio no sobretudo, conselho que podia muito bem ter sido dado por correspondéncia. 22 HESITAGOES Once foi, ndo sei muito bem...em uma igreja, uma lata de lixo, uma fossa comum? Um Onibus talvez... Havia al mas 0 que € mesmo que havia ali? Favas, lombrigas, goia- bas?... Vai ver que caras... Com carne em volta, quer dizer, provavelmente vivas. £, mais ou menos isso... Gente num énibus. Uma das caras... ou melhor, um cara e nao uma cara... nem metade... dava... na vista? A vista?... Nao sei mais como nem porqué. Por sua redondeza? Sua grande grandeza? Sua megalomania? Ou melhor... mais exatamen- te... por sua pouca idade e muito... queixo? Nariz? Dedao? Nao: pescocgdo... de todo tamanho, e um chapéu muito, muito estranho. Ai entao, né... quis querela... ¢, algo as- sim... com alguém por ali — Velho? Crianga? Homem? Mulher? A coisa acabou... ela bem que deve ter acabado se acabando...eu acho pelo menos...de um jeito ou de outro... vai ver que um dos dois fugiu, ou os dois, sei la. Alias, pensando bem, acho até que vi ele de novo, pode ser... mas onde?... Quer dizer, 0 cara... ndo o outro, 0 querelento... 6, 0 de chapéu... Ai né... ele andava por ali, quer dizer, sozinho ndo, né... tinha muita gente... nao, com ele nado... 0 que é que era mesmo? Uma igreja? Uma fossa comum? Um centro comercial?.., Eles iam pra ld e pra ca... mas acho que nao era coisa de grupo... s6 que devia ter alguém, acho até que... €, amigo, conhecido, sei 14, né... e se diziam qualquer coisa, mas 0 qué? O qué? O qué? 30 PRECISOES As 12:17 min, num Onibus da linha § com 10 m de comprimento, 2,1 m de largura e 3,5 m de altura, evoluindo 4 4,6 km do ponto de partida e lotado com 48 pessoas, um individuo de 27 anos 3 meses e 8 dias, medindo 1,72 me pesando 65 kg, de sexo insignificante, que portava sobre a ¢abega um chapéu de 17 cm de altura com o cone de matéria morbida circundado por um cordao de 35 cm de compri- mento, interpelou um homem de 48 anos 4 meses e 3 dias de idade, 1,68 m de altura e 77 kg de peso, através de 14 palavras cuja enuncia¢do durou § s e que faziam alusdo a deslocamentos involuntarios de 15 a 20 milimetros. Em seguida foi sentar-se a 2,1 m do palco onde ocorrera o dcontecimento relatado. Apos um lapso de 118 min, o primeiro individuo men- clonado encontrava-se a 10 m da estacao So Lazaro, sendo esta distancia considerada a partir da entrada para os trens de subtirbio, e deslocava-se longitudinalmente em ambos os sentidos de um vetor cujo raio era de 30 m, em sincronia harmonica com individuo andlogo, 28 anos de idade, 1,70 i de altura, 71 kg de peso, aplicado em emissao verbal constituindo 15 palavras, semanticamente referenciadas ao «leslocamento projetado de S$ cm, na direcao zenital, de um «irculo perfurado com aplicagGes vestimentares de 3 cm de diimetro, 31 O LADO SUBJETIVO Minha indumentaria, nos idos de hoje, punha-me pando de orgulho, posto que estava inaugurando um cha- péu inédito, muito jeitoso, que amoldara a meu gosto infalfvel: um complemento perfeito ao manté de caxemira fulva que tenho em tio alta conta. Encontrei X na passarela da estagao Sao Lazaro, no inicio achei étimo té-lo como testemunha enquanto brilhava no meio do vulgo, mas ele, s6 para estragar meu prazer, foi logo tentando me convencer de que meu sobretudo é fendido demais e que preciso acrescentar um botio; é bem verdade que o maledicente, por mais que procurasse, nao encontrou nenhum reparo a fazer ao cobre-coco, o galao trangado que apliquei é mesmo demais. Pouco antes, eu pusera no devido lugar um cafajeste que me brutalizava sem propésito, culpa desses imundos omnibi, tao atulhados e populdceos justo nas horas em que me é azado utilizé-los, 32 OUTRA SUBJETIVIDADE Hoie, na plataforma traseira do Onibus, ia ao meu lado uum desses ranhosos como ja nao se faz mais, gracas a Deus! Sendo eu ainda matava um! Esse ai, um moleque de uns vinte e seis, trinta e nove anos, me irritava especialmente, no tanto por causa do pescocao de peru desplumado, mais pela fitinha cor-de-beringela enrolada no chapéu mambem- be, Ah, sacripanta de uma figa! bem, o Onibus ia lotado, eeu aproveitava 0 empurra-em- purra do sobe-e-desce para entrar de cotovelo no lombo (ele, Terminou se escafedendo, o covarde! Pena, mal tive lempo de dar uns pisGes nos seus arpéus, iam ficar roxos lelto o chapéu ridiculo que ia levando. Faltou dizer também, para ensinar umas verdades ao almofadinha, que faltava um hotio no seu horrivel sobretudo decotado demais. 33 RELATO Certa manha por volta do meio-dia, na plataforma traseira de um 6nibus quase lotado da linha S — hoje em dia 84 — circulando nas imediacoes do parque Moncéu, percebi um personagem de pescoco comprido demais com um chapéu de feltro mole circundado por um galio de trancinhas no lugar da tira, O individuo interpelou de chofre seu vizinho, pretendendo que este ultimo espezinha- va-o propositalmente sempre que subiam ou desciam pas- sageiros, apos o qué abandonou a discussao para jogar-se num recém-vago lugar. Duas horas mais tarde, revi-o defronte a estagao Sido Lazaro conversando animadamente com um amigo que 0 aconselhava a diminuir a fenda do sobretudo em algum alfaiate assaz competente para por mais alto, talvez, um botao. 34 PALAVRAS-VALISE Eu plat6nibus formava co-multitudinariamente em es- pago-tempo lutécio-zenital avizinhando um longipescoci- neo serranhento e encordesmiolado. Talcujo apostrofava um qualqueranénimo, “O sr. me propespreme”, o que Jaculado, vagossentou-se vorazmente. Em dltera espacocro- nia, revi-o em peripateticomércio com X que Ihe dizia: “Voce precisa botambotar mais alti fo sobretudo”. E po - plicava-lhe como, pores 3S NEGATIVIDADES Nio era navio nem avido, mas um meio de transporte terrestre. Nao era de manha nem de noite, mas ao meio-dia. Nao era caduco nem bebé, mas rapaz. Nao era fita nem barbante, mas um galio trangado. Nao era procissao nem mutiraéo, mas empurra-empurra. Nao era mau nem amavel, mas ranzinza. Nao era verdade nem mentira, mas pretexto. Nem de pé nem de boca, mas querendossentar-se. Nao era ontem nem amanha, mas para ja. Nem a Luz nem a Central, mas Sao Lazaro. Nem conhecido nem desco- nhecido, mas camarada. Nao é piada nem mentira, mas dica de amigo: nunca acredite em conselho traduzido. 36 ANIMISMO ra uma vez um chapéu matrom, de feltro mole e abas catdas, com uma trancinha em volta para enfeitar, um chapéu entre outros, cujo destaque aleatério era mais devi- do ds desigualdades do solo ea sua repercussao pelas rodas do vefculo automével que 0 transportava, a ele o chapéu. A cada parada, as idas e vindas dos circunstantes causavam nele, o chapéu, movimentos laterais ocasionalmente assaz, pronunciados, o que terminou por irrité-lo, ele o chapéu. ['xprimiu entéo sua ira 14 dele chapéu por intermédio de \ma voz nem um pouco de feltro, e que se Ihe articulava a ele, 0 chapéu, numa disposi¢do estrutural Cuja ovoide de ressonancia, dssea, irregularmente perfurada e recoberta com uma camada qualquer de matéria animal situava-se sob ML, SLO chapéu. Depois foi sentar-se, se o chapéu, sem por nem tirar, Umas duas horas mais tarde, a pouco mais de metro e Melo do nivel do solo, em deslocamento continuo defronte 4 estagdo Sao Lazaro, 14 estava ele, o chapéu. Um desmiolado Wizla que devia por outro botio no sobretudo.., Outro bolo... e sobretudo... dizer isto a ele!... § de se comer 0 chapéul... 37 Faculdade de Biblioteccnoiia ¢ Comunicagao / UFRGS BIBLIOT, ECA ANAGRAMAS No S naum roah de soamas um pito nuds setienveis sona qeu suspoia um dengar copesco e um achupé ronado de drocao no gular da tifa, braviga moc um trouo saposgreia que eel causava de elh espermer de porpisoto. Tendo assim congiranhado, se crepitipa serbo um algur rilve. Uma hoar mias dreta, co-neontro no capo de Amor, fedentro Osa Arloaz. Vaseta moc um picomeanho que hel zidia: “Ovec viade troba sima mu taobo no teu subredoto”. 38 DISTINGOES NECESSARIAS Num Onibus (nao confundir com ninho de obus), eu vi (e ndo como veio) um alto capiau (nao no capim alto) com um chapéu no cocuruto (nao € um pé j4 no coco bruto) ornado de um fio trangado (nada de ofidio transado). Ele possuia (mas ndo em pé € osso ia) um conspicuo pescogo (nado com pico pesco ou co¢o). Como o povo empurrava (distinto de polvo como-o, emburrava), um novo Ppassageiro (corte nu povo massageiro) deslocou o dito cujo (e nao (lescolou j4 0 dito cu). O distinto reclamou (nao clamou telinto disso), mas vendo um lugar vago (antes que lendo uum vulgar alvo), ali se aboletou (nao se Ali Ihe botou). Mais tarde, dou com ele (e néo vou com mel) defronte 4 estagao Sao Lazaro (distinto desta sancao 14 azaro), falando com um companheiro (nao falhando come um cao bronhei- ro) a respeito de um botao do seu sobretudo (a nao confun- dir com arres, peitudo em botando o seu sobre, tudo). 39 PAREOTELEUTAS Un diulo caniculo no veiculo em que circulo, um fanculo com mintiscula bula gesticula, a sua mandibula em virgula e o capitulo ridiculo. Outro sonambulo o acula e anula, ele fuitil articula, “crapula”, mas seus escripulos dissimula, recula, capitula e arrima 14 longe seu cu. Em tardula hula, rumo a estacula Santula Lazula, eu o disculo; com um amigulo, disculia de bétulas e sobretulo. 40 VERSAO OFICIAL Tenho a honra de informar V. S* dos seguintes fatos, que pude testemunhar tao imparcial quanto horrorizada- mente, Neste dia mesmo, por volta do meio-dia, encontrava-me eu na plataforma de um Onibus que subia a rua de Corcelhas em diregéo ao Campeto. O dito énibus estava lotado, e mesmo superlotado, é mister assinalar, pois o bilheteiro dceilara varios impetrantes em sobrecarga, exorbitando suas lunges, ignorando o regulamento e frisando a indulgéncia. A cada parada, os passageiros, ocupados em tramites ascen- dentes e descendentes tio somente privados, davam azo a irregular empurra-empurra, 0 que foi motivo de protesto, devo acrescentar que respeitoso, por parte de um probo cidadao veiculado. E digno de nota que, tendo se revelado um lugar vago, o supracitado encetou ordeiramente a mar- cha que levé-lo-ia a abandonar provisoriamente, segundo 0s dispositivos em vigor, o estado vertical. Acrescentarei 0 seguinte adendo a este breve relato: tive novo registro ocular do referido cidadao, nessa ocasiio posterior desinvestido de seu estatuto de passageiro e inves- {indo a via publica em companhia de um personagem nao \dentificado, Ambos procediam em contraditoria direcdo e oulrossim a uma conversa que, segundo os termos arrola- «oy, parecia dizer respeito a questdes de natureza estética. Dadas tais condigées, rogo que V. S* indique a este seu servidlor as Consequéncias a extrair dos fatos, bem como a atilude que vos pareceré de bom alvitre tomar para que estes 41 se repitam, ou nao se repitam, de acordo com as normas gerais de gestao ficcional que orientam a fidedigna escritu- racgaéo de nossos servicos. 42 TEXTICULO DE ORELHA O célebre romancista X, a quem jd devemos tantas obras, ¢ algumas primas, apresenta-nos desta vez, como brio (jue sempre deu alento a suas criagGes, a personagens ines- (ueciveis agindo em ambiente conhecido e situagdes ao aleance de todos, jovens ou maduros, remediados ou irre- medidveis, O enredo transporta-nos num 6nibus onde o herél topa acidentalmente com um enigmiatico personagem (jue tenta acud-lo em Jancinante altercagdo, mas uma feliz casualidade evita o desenlace extremo. O livro apresentaum - fecho de ouro, onde o misterioso individuo, em conluio com um mestre em dandismo, entrega-se a um vertiginoso (idlogo onde aflora toda sua devassidao vestimentar, X sabe como ninguém pér-nos em guarda contra os riscos sempre ‘tuals, @ por isto mesmo sempre esquecidos, de abrir de- mals; sejamos modestos, fechados e para todos como seu herél, Uma grande ligéo moral! Um enlevo de escrita buri- Jada como um broche! E, estamos certos, mais um triunfo de estima ptiblica e eritica de X, cuja obra de rara estatura tanto vem nos edificando. 43 ONOMATOPEIAS Na plataforma, roga roca, de um Onibus, bi bi, da linha S que ld ia, ssssssss, ja era meio-dia e bem, blém belém, blém belém, quando um ridiculo efebo, tsc tsc, com um desses tapa-miolos, ufa, virou-se e disse, hm hm, para o vizinho, logo com raiva, rha rha: “Nao vai nem vem, nem no vaivém, tchitchitchira o pé, titica, e sem tchitchitchi, sendo viro bicho: au”. Eo outro: mau. Crau e pimba. Nisso, ve um lugar livre e bumba, ali pde a bunda. No mesmo dia, pouco além, vemvemvém, dou com o mesmo coco 0c0, toc toc, em companhia de outro efebo, tsc tsc, os dois a tagarelarem, tchitchitchi tchatchatcha, sobre botdes de sobretudo (brrr, brrr, mas entio fazia um friozi- nho do bem bom...). E pimba. 44 ANALISE LOGICA Onivus. Plataforma. Plataforma traseira de um Onibus. Lugar. Melo-dia. Aproximadamente, Melo-dia aproximadamente. Hora. Passageiros. Querela. Uma querela de passageiros. Evento. Moco. Chapéu. Pescogo longo e magro. Mogo pescogudo, trancinha no chapéu. Personagem prineipal. Basbaque. Um. Um basbaque. Personagem coadjuvante. Bu. Bu. lu, Terceiro personagem. Narrador. Palavras, Palavras. Palavras. O que foi dito. hu Ocupado. Um lugar livre logo ocupado. Resultado, Listagiio Sao Lazaro. Uma hora depois. livre. 45 Amigo. Botao. Frase ouvida. Conclusao. Logica. Légico. 46 INSISTENCIA Un dia, em torno do meio-dia, tomei um Onibus quase lotado da linha S. No 6nibus quase lotado da linha S, j4 havia um Jovem assaz ridiculo. Subiramos no mesmo 6nibus e o Jovem, que tinha subido antes do que eu e ja vinha no Onibus da linha S, quase completo, por volta do meio-dia, {a levando na cabeca um chapéu que achei bastante ridiculo, eu que subira no mesmo 6nibus da linha S$ que o rapaz, mas tum pouco depois, um dia, em torno do meio-dia. O chapéu tinha em volta uma espécie de galdo trancado como um libré, e o jovem que estava usando semelhantes chapéu e galéo encontrava-se no mesmo 6nibus que eu, mas linha subido antes, um 6nibus quase lotado, pois era meio- dia, Sob o chapéu, cujo galao imitava um libré, espalhava-se wma cara acompanhada por um pescogo muito, muito comprido demais. Ah! como era comprido 0 pescoco do Jovem que portava um chapéu com um galao em volta, num Onibus da linha S, ao meio-dia daquele dia que podia ser um dia ou o meio-dia de um dia qualquer! O atropelo era grande no 6nibus que nos transportava fumo ao ponto final da linha S, um dia perto do meio-dia, “ mime ao jovem que 14 ia levando havia tempo um pescogio debaixo de um chapéu ridiculo. Os choques que se produziam acabaram subito provocando um protesto, |rolesto esse que emanou do jovem de pescocao na plata- forma de um 6nibus da linha S, um dia qualquer quase ao melo-dia. 47 Houve uma acusacdo formulada em voz timida de dig- nidade ofendida, na plataforma de um Onibus 8, por um jovem usando um chapéu munido de galao em toda a volta, e este —0 jovem, nao o chapéu —quase levou um pescocgao no pescocao, do ofendido que, de tao ofendido, poderia ter esticado um pouco mais o pescogio do jovem além de dar-Ihe um pescocgdo, mas houve também um lugar vago assim de repente nesse 6nibus da linha $ quase lotado porque era meio-dia ou quase, e o lugar foi logo ocupado pelo jovem de pescogao e chapéu ridiculo, que j4 vinha de olho porque nao queria mais ser espremido na plataforma traseira do 6nibus S, um dia qualquer quase ao meio-dia. Duas horas mais tarde, eu o revi defronte a estacgao Sao Lazaro, o tal jovem que ja vira na plataforma do Onibus S, ao meio-dia do mesmo dia, mas tanto fazia. Estava com um companheiro do seu estilo, que Ihe dava um conselho relativo a certo botéo do seu sobretudo, e escutava atenta- mente. Quem escutava atentamente, para ser mais claro, nao era outro senado o jovem que eu ja tinha avistado e que estava levando um galao em torno do chapéu, na plataforma traseira de um 6nibus da linha $ quase lotado, um dia qualquer ao meio-dia, ou quase. 48 NAO SEI DE NADA Nao vem nao, num t6 sabendo... Té bem, peguei o S ao'meto-dia, sim. Se tinha gente? Té na cara, que duvida, tim magote, também, numa hora dessas, po... Uns nego ali era mole? — um arrastdo, mas sem encosto tinha que ser na maciota... Um cara de chapéu mole? Vai saber. Nao ta Nox meus habito encarar barbado. Aliés pra mim tanto faz. No trangado? No chapéu? E, gozado pode ser, t4 certo, 14 pris nega dele, eu por mim nao levo gozacio pra casa...e depols, nao tenho nada com isso: trancinha no chapéu, nao falta mais nada pra inventarem... Entrou numas com o vieinho? E daf? Tem coisa muito pior acontecendo. Se dei com ele de novo mais tarde? Sei la! Num to nem al, Acontece de tudo nesta vida... TO me lembrando do velho, ele contava sempre que cum ele nao tinha Papo... 49 PRESENTE Ao meio-dia, a canicula estatela os passageiros de éni- bus e estes reagem: trocam mutuos pis6es. Uma. pouca cabec¢a encima um pescoco de marcada presenca € orna-se com grotesco chapéu, se inflama e come o pau. Vivas bocas esquentam as orelhas presentes com injurias atuais, mas logo refresca a bronca, pois a gente se escarrapacha 14 dentro, em banco e sombra fresca. _ Mais tarde acontece que conselhos vestimentares sio veiculados defronte a estagdes com multiplos dtrios, eles concernem um botao indistinto que dedos pegajosos de suor bolinam de modo ausente. ACONTECENDO Estou ficando por conta com o énibus do Campeto. Kile esta sempre passando lotado de bdis, de bois, velhos, Mmilicos e mulheres. Vem ficando parecido com safda de jogo de futebol. $6 subindo na marra. Vou logo pagando a Passagem para ficar a vontade, encarando os basbaques. Nada de interessante acontecendo, fico me divertindo com Puc, esses caras de pescocgio qué andam levando chapéu Mole de trancinha. Volta-e-meia vem estourando um em- purti-empurra no meu-deus-qué-isso dos sobes-e-desces. Ando ficando calado, na minha, mas os de cordao vém (undo de estrilar com os vizinhos, ficam dizendo sei-ld-o- (ue Uns para os outros, s6 estou sabendo que tém se enca- tado furibundos. Mas depois vao logo ficando ‘irreganhados, estéo sempre com medo de um Pescocao nos pescogdes, Ai, vao saindo de fininho e se sentando onde e como vai dando Sempre que vou voltando do Campeto, ando passando ilefronte a estagado Sao Lazaro, onde vém acontecendo umas ‘onversas estranhas entre esse tipo de tipinhos, que ficam “pontando o indicador para o botao 14 de cima do sobretudo (eles, Depois o Onibus vai indo em frente e nao ando Podendo ver mais nada, vou s6 ficando ali na boa, encaran- (lo 0 lelo sem estar pensando em pensar. PRETERITO Meio-dia passou. Os passageiros subiram no énibus Ficamos apertados. Um cavalheiro de pouca idade portou na cabeca um chapéu envolto em tranga a guisa de tira. Ostentou alongado pesco¢o. Queixou-se junto ao vizinho dos golpes que este lhe infligiu. Assim que percebeu um lugar vago, precipitou-se sobre ele e ali desmilingiiiu. Reapercebi-o mais tarde, em frente da estagao Sao Laza- ro. Vestiu-se com um sobretudo, e um amigo que se encon- trou ali, passado, fez-Ihe uma observacao. Foi preciso supor um botao suplementar. 52 IMPERFEITO . Kia meio-dia. Os passageiros subiam no énibus. Esté- yamos apertados. Um mogo levava na cabeca um chapéu (ue tinha em volta uma tranca em vez de tira. Seu pescocgo eri comprido demais, Queixava-se ao vizinho dos esprem6- #4 que levava. Se percebia um lugar vago, partia e se sentava. Mais tarde eu o percebia defronte a esta¢ao Sao Lazaro, (juando se vestia com um sobretudo e um amigo que iacom ele estava comentando que assim nao dava, era preciso que Pusesse mais um botao. S53 ALEXANDRINOS Acalcada-se suibito um 6nibus $ Sofrendo 0 sitio preste da turba; tal pes- Te subindo, se desse, por onde se desce E, no sobe-e-desce, €u, sem que nada pudesse Vi-me acuado no fim da plataforma, esse Valhacouto de tipos de reles espécie, Dos quais fora conspicuo 0 horrendo espécime cava despudorada e chapéu cafajeste, Nao houvera também minimo mequetrefe Pisando, mau, seus Pés, se — e sempre que — desse Pé, ao sabor do sobe-e-desce, sem finesse, Até que 0 do chapéu esbocou verbal frege Contra o vil catatau mas, antes que lhe pregue O tal boa bolacha, mal disse ja se escafede Até ao primeiro banco e ali amolece, Voltando para casa, O que me acontece? Dou com o mesmo tipo em vivida quermesse C’outro dandi da laia: “Caso lhe interesse, Saiba que seu manté outro corozo padece!”, Replicando lesto com lidimo pé De olvido: “Assim é, Pols que se lhe parece”, S54 POS-ALEXANDRINOS Um dia, 14 no 6nibus ane role seus i sirigaito que sei da pior es- ecie veclamando, se bem que seu turbante Levasse, em vez de tira, reles barbante. sao Tal moco insipido, com seu halito putri E tamanho pesco¢aco, alegava turgido ; Que outro cidadao, de modo assim ligeiro xo Dava nos seus costados quando um passagei Alcava-se ofegante e premido na hora, a Esperando almogar em sua casta demora. O triste esporreta caiu fora da mutreta Indo sentar-se 14 dentro com ar de Patera Quando estava voltando 7 a casinha i de longe a feia figurin! Cam ouhods ais laia, dandi imbecil Sean Conselhos de moda: “Seu botao é nefando”. SS POLIPTOTOS Tomei um Onibus cheio de contribuintes que estica- vam sua misera contribuic¢do a outro contribuinte que es- condia sua barriga de contribuinte atras de uma gavetinha que permitia aos demais contribuintes continuarem seu trajeto de contribuintes. Ali notei sobretudo um contribuin- te para cuja esquisitice contribufam um chapéu mole de contribuinte com tal trancinha em volta como jamais con- tribuinte algum contribuiu para envergar. De repente 0 dito contribuinte interpelou o contribuinte vizinho reprovando- Ihe amargamente o habito de contribuir Para seu mal-estar pisando de propdsito nos seus pés de contribuinte sempre que outros contribuintes contribuiam para a confusdo su- bindo ou descendo do énibus para contribuintes. Depois o irritado contribuinte aproveitou a contribuigado do acaso para sentar-se num lugar-para contribuintes que vinha de liberar um contribuinte qualquer. Algumas horas mais contribuindo, percebi-o no Pago de Roma, ent&o coalhado de contribuintes, em companhia de outro contribuinte que contribuia Para sua elegancia com peritos conselhos sem a menor retribuigao. APOCOPES Eu to um 6ni lota. Repa num ra cu pesco é de Sina e que esta de cha com um cor tranga. E fi bra com oul a, ave acusa de Ihe pi nos pés sem que su ou des al. De foi se pois um lu va. - , Volta, dei com e anda de um la pa ou com um ami que Ihe da conse de elega, e que mostra pa e o primei bo do seu sobretu. 57 PaUMiuaus Be Lens 1 8d BIBLIOTECA AFERESES ado aes ‘ado. Parei paz jo coco ra rafa, tava péu dao . ‘0 tro lano, cusava ia ci i terse gar seen sar pre bia cia guém. Pois Tando, le dando do ra tro migo va selhos legancia, q ra le meiro tao bretudo, “eva 58 SINCOPES Pyuei iionbus chéo djntje. Vi légu rpaz de pescocom- pridjrafi xapéu cocorndo tira. Elsi mteu arklamaé cuotro babakaprvétava trnscao prdé nel. Ensgda sijgo nu luvago. Na volprkéz, dei cuel no Pasrom, tamigali dad u’a cao delgans abrutao. 59 QUER DIZER, NE Quer dizer, né, eu entendo, né: um sujeito que se mete a te pisotear, s6 da pra ficar com raiva, né... Mas, depois de tanta reclamacao, ir assim correndinho sessentar feito um maricas, nao da pra entender, né. Quer dizer, acho que foi bem o que eu vi, né, outro dia na plataforma traseira do S, né: c4 pra nés, eu achava o pescoco dele meio comprido, mas a trancinha no chapéu até que era engragadinha. Quer dizer, né, pro Marcio nao, né, que eu jamais da minha vida safa com homem estiloso!... Mas como eu ia dizendo, né, depois de esgoelar que o vizinho estava pisando nele, enfiou a viola, né, 14 dentro, né, quer dizer, assim sem mais nem menos sessentou. Entao né, nao da, né, se fosse eu, a bolacha que eu pregava! Quer dizer, né, na orelha do pesudo. Ai né, tem umas coisas engragadas na vida, quer dizer, né, nem dé pra contar, quando a gente menos espera, dé de cara com 0 demo. Foi, né, umas duas horas mais tarde e quem é que eu vejo, né, na frente da estagéo?! O magricela, pois €, né, o préprio! Eu sé podia, né, quer dizer, fiquei 14 escutando os trique-triques que levavam, ele e outro sujei- tinho da mesma laia, que ia dizendo: “Pde mais alto o botao”. Ai eu olhei bem, né, por pura curiosidade, quer dizer, né, era o de cima. 60 EXCLAMAGOES Que coisa! meio-dia! hora de pegar 0 onibus! quanta gente! quanta gente! que aperto! gozado! aquele a ave focinho! e 0 pescoco entao! setenta e cinee cent brincando! e o galao! o galdo! ainda nao tinha reparado! que gozado! mais gozado ainda! gozadésimo! em vo 7 chapéu! E agora deu de ralhar! ele! 0 do gala no chapéu! com 0 vizinho! dizendoqué?! 0 outro? em cima dos pés dele?! iithhh, vai acabar em tabefe! vai sim! como, que nada?! vai sim, garanto! € isso ai! mete bronca! vai fundo! chupao olho! desce o pau! firme! ué...fugiu darinha...para se aboletar num canto! depois de enfezar tanto! Esta € a maior! de novo?! é, € ele sim! logo ali, olhat na frente da estacao! é, andando para cima e para baixo! com outro fulaninho! no maior fuchico! ai, vamos ver © que € que eles tanto tém para se dizer... como?! essa nao!... que precisa botar mais um pbotao! no sobretudo! é!! no dele!!! 61 ENTAO Enta i a ium cea chegou. Entao eu peguei cle. Entdo eu que me chamou a atenca 4 ‘ n¢ao. Pescogao dele e a trancinha no chapéu Tinie decent a esbravejar com 0 vizinho que entio pis. Entao foi correndo sentar. vio tao ele comecou ava nos pés dele. Ai enta i ole ante eu dei com ele de novo no Paco de Roma. Entao com um colega. O colega dizia entao pra ele: “Voc ‘ * - cé devia entao botar mais botio no casacao”. Entao. 62 EMPOLADO + A hora em que ja se encarquilha a dedirrésea Aurora, galguei, tal leste dardo, 0 estribo de um coletivo transporte, portento na estatura e fragil nos olhos doirados de neblina, da linha $, de sinuoso trajeto. Agilimo e impavido como Peri, preste reparei raparigo em invio pé de guerra. Seu pescogo era longalvo como o do cisne, e suportava um elmo de mérbido feltro ornado de fulva tranga, quica clanica heranga de séniores exercicios de estilo. A funesta Discordia de sulfareo hdlito, estigma do vicio que em sua encapelada boca nado houveram extinto os mais fluoridicos mares de dentifricio, a Disc6rdia, 14 ia eu dizendo, veio insuflar sua maligna procela no débil animo do cisnetrangudo varao, que fero virou-se contra Altero passageiro de farinhoso viso, aderecando-lhe adrede: “Dizei-me pois, homem mau, por que fortuna pisoteais meus artelhos até que fiquem rubros como verso tinto de sangue?” Tendo assim falado e dito, célere foi sentar-se em vago lenho. Mais tarde, na Taba Grecolatina de majestaticas propor- Ses, azo me foi dado de entrever redobrada vez o doce barbaro, que plastico tal cervo por ali passeava em Itidica companhia, {nclito cacique de mordas que se pronunciava em sua intengao. Nada querendo perder da nomotética fala, meus afiados auriculos colheram em preste espicho o dito alhures enderecado, e que de lidimo modo criticava a cons- picua tunica do Herdi: “Voce lograria aprecidvel efeito diminuindo 0 cavado de sua tanga, mormente pela adicao ou alteamento de um eburneo botao de circular periferia”. 63 POVAO Exam meiudia passada quandu a genti pudemu pega ueci. Afa genti subimu, juntamus caramingué mais u mené néin num pag6. Af dispols a genti vimuomi gozadu, cum pescoscau dipiru i um fiu nu tapamiolu, Eu oiei né, pru Causa qui era gozadu quandaf dispois u omi pux6 briga cu otromi ladu ladu 14 deli. Ai entau elidici pru otro éi vossé ai Oia meus pé aqui, tudu icu xoramingando pru causa qui era di proprositu qui eli axava. Mais eli tinhumedau danadu di leva nu qengu. Dai intau eli foi sissentd, tudu orguuiozu. Dispois a genti fumo na estassau compras pacagi pru tréin das onse mais tevum pobrema i ndis perdeu utréin dai qui a genti vimuomi dinovu cuuamigu iu amigu disia acim pra eli: “Bototru botau nu cazacau”. 64 OCORRENCIA -No dia da ocorréncia, a que horas passou o 6nibus da linha $ das 12:23, diregao Campeto? — As 12:38, — Havia muita gente no indigitado dnibus? — As pencas. — Algum elemento particular? — Um elemento particular de pescoco comprido e tran- ga no chapéu. — A atitude do elemento era téo suspeita quanto a indumentéria e a anatomia? — Nocomeco, nao; o elemento se comportava normal- mente, mas depois se alterou e foi causa de uma altercagao que perturbou o desenrolar tranqiiilo da viagem. — Vamos passar a descri¢ao objetiva da ocorréncia. — O elemento em questio teve um acesso de folia, referido no manual como ciclotimico-parandico, talvez sob efeito de estrupafeciente, esmalte de unha ou cheirinho-da- lolé. Nao foi possivel proceder a verificacado. — Seje mais objetivo. — O elemento interpelou um elemento vizinho com trejeitos de choro e disse que o interpelado estava aprovei- tando para pisar proprositadamente nos seus pés sempre que subiam ou desciam outros elementos. — A declaracao tinha fundamento? — Desconheco. — Como se encerrou a altercagao? 65 — Com a fuga precipitada do menor, que foi ocupar um assento vago. — Aaltercagao deixou seqiielas? — Menos de duas horas mais tarde. COMEDIA — Em que consistiram? — Na reaparicao do elemento. — Onde e como se passou a ocorréncia? — Passando no Paco de Roma. — Qual era a atitude do elemento? — Ia para cima e para baixo, tomando uma licéo de Sena] elegancia. — Escreve af: ocorréncia de somenas importancia. Deixa eu assinar. Porra, to atrasado Pro meu curso de ikebana. Ato I Na plataforma traseira de um 6nibus S, meio-dia de um dia qualquer. TROCADOR — Passinho a frente, faisfav6. Espreme-espreme de passageiros. Cena Il O 6nibus péra. TROCADOR —Espacinho pra descé. Sobimais? Lotado! locupau. Ato IT Cenal Mesmo cendrio, PRIMEIRO PASSAGEIRO (jovem, pesco¢ao, trancinha no cha- péu) —Quer me parecer, distinto, que o senhor pisa nos meus pés de propésito quando passa alguém. SEGUNDO PASSAGEIRO (dd de ombros) —... 67 Cena Desce outro passageiro. PRIMEIRO PASSAGEIRO (monologando em voz alta) — Oba! Um lugar vago, ainda quentinho! Na faixa! (dirigindo-se ao publico) —Tal assento fica livre num momento critico, 6 um convite...O que fazer? Ficar no campo de honra, a custa dos meus pés? Subtrair-me as injtirias deste cidad4o? Sentar ou nao sentar, eis a questao! (hesita, varre o paico ea platéia com um olhar agoniado, depois se precipita e toma posse do lugar.) Ato III Cenal Pago de Roma. UMJOVEMELEGANTE (ao primeiro passageiro, agora pedestre) — Grande demais a fenda no seu sobretudo, devia fechar um pouco, poe mais alto o botao. Cena Il A bordo de um 6nibus S passando em frente ao Paco de Roma. TERCEIRO PASSAGEIRO (para 0 quarto) — Olhald, é bem o sujeito que agorinha mesmo estava as rusgas no meu onibus de ida. Tamanha coincidéncia nao pode ser obra do acaso! Vou aproveitar pruma comédia em trés atos. 68 APARTES Oo Onibus chegou vomitando gente. Se eu pelo menos conseguir pér 0 pé no estribo... acabo fazendo um cantinho pra mim. Um dos passageiros viso mais raro! um pescogago e esta cara de bostéo estava com um chapéu de feltro mole contor- nado por uma espécie de cordeleta em lugar da tira ndo deixa de ser pretensioso e pOs-se de repente vixe! quéquideu no gajo? a vituperar um vizinho o outro nao dd a minima pro papo dele que acusava de pisar propositalmente parece galinho de briga mas vai ver que é bola murcha nos seus pés. Como vagou um lugar no Onibus quéqueu disse? virou as costas e foi sentar-se. Aproximadamente duas horas mais tarde vai entender lanta coincidéncia estava no Pago de Roma com um amigo empoado com a mesma farinha que indicava um botao do seu sobretudo pra que tanta peruagem se isto ndo vale um tostao? 69 PAREQUESE Botaram uns bostas abondantes bobeando no énibos que os transbordava na boa bota com os bonus dos bornais aborrotados. Um bom bota-a-boca-no-trombone esbocgou- se quando um bogal de bobé abominavel se aborreceu com um probo bobé e botou o verbo: “Bonito! meu bolo é sob o seu! Bote além a bota!” Quase acabou em esb6rnia, mas a vibora desbocada, mal deu 0 bote, borrou-se e escaboliu de embocar umas bolachas no rabo, indo aboletar-se num tamborete onde desabou como um rebotalho. Ao cabo de umas boas, esborrei com 0 bocal em bochi- cho com outro bobo: “Tobo! Bota o botao no bolso!” 70 FANTASMATICO Nos, guarda-caca da Planicie Moncéu, hemos honra a Va. Sra. relatando por extenso a inexplicdvel e maligna presenga, a data de hoje, dezasseis de maio do ano da gracga de mil setecentos e oitenta e trés, as redondezas da porta oriental do parque de S.A.R. Dao Filipe, sagrado e consagra- do duque de Orleas, quica Braganga, de um chapéu mole cuja forma ins6lita vinha envolta em galao trangado de muy pouco herdldica aparéncia. Ulteriormente, houvemos cons- tatado ainda a repentina aparicdo de um mocoilo, provido de longo pescogo e trajos nunca dantes avistados, ao gosto dla China. O espantoso aspecto do precitado quidao gelou- nos 0 sangue e obstou-nos a retirada, tio prudente tal fora. A aparicéo quedou-se imével poucos instantes, apds o que foi presa de stibito desassossego em cujo curso agitava-se resmungando como se repelira invisiveis incubos s6 a si sensiveis. Sua atencao dirigiu-se entretanto a seu capote, e escutamo-lo murmurar 0 que segue: “Falta botao, falta hotao”. Em havendo assim falado e dito, arrepiou caminho cm demanda a Sementeira. Atrafdos, malgrado os naturais receio e recato de vosso servidor, pelo muy extraordinario lenémeno, seguimo-lo para além dos limites atribuidos 4 nossa guarda e alcancamos, todos os trés, servidor presente mais chapéu e quidao, brumosae fria estufa assombrada por andlogas aparigdes e, com todo o respeito devido 4 Vossa Alteza e a quinta que € vossa sanctificada propriedade, dlecerto em pacto com o demo pois que, longe de se desen- corajarem, ambos outros dois, com 0 aspecto desolado de 71 tal sitio, pareciam ali regozijar-se, como plantados pés de couve; para despiste de sua estancia inmunda, houveram inscrito “Paco de Roma” num muro, em marcada blasfémia. O quidao, recém-chegando, foi galvanizado por nova crise de desassossego, e lacrimejante lamentou-se a couve mais proxima: “Ele me espezinhou”, 0 que dito desapareceram, avante ele, a seguir, o chapéu. Com 0 qué, e empés de muy extenso e reflectido modo haver outrossim relatado, para Vossa ciéncia, 0 fendmeno acontecido e sua nao menos extraordindria liquidagéo, vou-me deste passo a taverna do Paulistinha para esvaziar um chopps. 72 FILOSOFICO A cidade polifOnica que se afirma hoje, expandindo para além do eurocentrismo historista e redutor novos arcanos do inteiramente outro, oferece agenciamentos at6- picos multivocais e multi-sensoriais onde, j4 desinvestidos (a propria iluso neurotizante de possessio formal do ser- objeto como unica fonte do desejo, podemos enfim orques- trar séries infinitas de relagdes cuja fractalidade constitutiva deixa repercutirem, como numa imensa camara eletronica de ecos icénicos, as multiplas instancias do ser pos-indus- trial, para quem 0 aparente caos videoactistico reveste a forma ltidica da afetividade confluente e da sexualidade plastica como reatualizagao cognitiva constante, muscular © neurolingtistica, da histéria paradamica em sua espiral incessante, Angico-luciferina, cintilagGes fugazes onde re- brilham contudo, fazendo estilhagar-se em miriades signi- ficantes o siléncio terrorista da fungao forclusiva, tragos da aspiragdo vocativamente multifacetaria que permite ser ao origindrio uno tangencialmente conjugado em espezinhan- te atracdo pelo baixo dia-a-dia, no que falo comunga e fala, palavra cotidiana de si mesma olvidada, como resgate do alto em vortical avesso. O locus muscular privilegiado tor- na-se feixe de enunciacées conceito-afetivas voluntaria e€ voluntariosamente abertas na aleatoriedade vetorial cuja topologia alternada justapde uma variedade de expansivas expansdes, universos interiores em convivial secancia peri- odicamente provavel e holisticamente indeterminada, 0 que permite as maquinas desejoso-desejantes indexadas ao 73 processo formal de traslado meta(eu)forizante as mais po- liss€micas arquiteturas de intra-engrenagem pulsomocio- nal, onde a descoberta se alia ao risco sempre presente de uma reciprocidade falha, expressa em proposigGes reclusas na l6gica agressiva remanente: estamos ai diante do 6bvio sintoma de angustia frente 4 devorante banalidade do sam- bodrama da historia, que afeta os simulacros antropomorfos de forma tanto mais previsivel quanto mais se acentuam suas pulsoes estilistico-primarias, aqui sob a forma de mér- bido apéndice cervical, acolé de fina matéria serpentina, como se uma inexoravel forca centripeta encerrasse o des- ser numa estase modal-representativa, surda a quaisquer potencialidades da supernova catastrofe que nao seus cantos anarmdnicos; € p6s-tragico, certo, parédia prenhe de paixd- es patético-platénicas, mas virtualmente condenado a am- bivaléncia signica uma vez superado 0 forceps totalitario da supera¢ao: amor-ddio, amorédio, amédio esquizicamente uns. Na mesma teia epistémica, outro acontecer fortuito é iluminado pela coruscante brilhancia do efémero a ritmar © caos urbico em provisérios ordenamentos de virtuais possiveis e de possiveis virtuais, emprestando um eixo her- menéutico privilegiado a desconstrucao de um troca-troca proposicional entre dois simulacros da mesma farinha, se- gundo o qual uma fissura estilistica pode, com probabilidade significativa, atingir uma solucionatica parcialmente resolu- toria através da elevacdo topoldgica projetada de um esfe- réide material; em poucas palavras: basta resolver para fechar, sobretudo. 74 APOSTROFE Zz oO estilografo platinopenado, que teu agilimo curso trace ligeiro sobre o alvo dorso do papiro tais glifos alfabé- licos que transmitirao aos homens de lunetas faiscantes ° relato empirico de funesto encontro sob auspicios onibusi- listicos. Fero corcel de recénditos sonhos, fiel camelo de meus feitos poéticos, esbelta fonte de vocdébulos contados, pesados, triados, descreve pois as curvas metaf6ricas e me- tonimicas formando os tropos ideogramicos desta narragao {util e derrisoria onde desfilam fatos e espalhafatos prodi- yados, um dia no S, por certo pubescente, oco e retorto, decerto inconscio que, pelas linhas tortas da fortuna, meta- morfosear-se-ia ele no heréi que minha pluma anima, por meu labor ingente imortal . Almofadinha cujo pescogo desmesurado culmina em chapéu conspicuo e galonado, periquito birrento, irado, tu que fugiste a rinha e lesto foste depor teu medro fundo em lenho rijo — oprébrio enrubescendo tuas nédegas! —, hou- veras deveras intufdo o ret6rico fado a que prometias quan- «do, no férreo logradouro que assaltava peripatético publico, ouvias a orelhas desfraldadas tal conselho de costura que leu superior botdo adrede inspirava? 75 DESAJEITADO Nio costumo escrever. Quer dizer, nao sei. Eu bem que gostaria de escrever uma tragédia ou um soneto ou uma ode, mas tém regras. Elas me atrapalham. Nao é para amadores, nao. Tudo isto ai ja est bem ruinzinho. Enfim, Ainda hoje vi um caso que eu queria por no papel por escrito. Por no papel por escrito nao é 14 muito bom. Deve ser uma dessas express6es feitas que desagradam aos leitores que léem para os editores que estao procurando a originalidade que Ihes parece necessdria nos manuscritos que eles publicam depois que eles foram lidos e que eles acharam desagradaveis expresses do género “pér no papel por escrito”, mas nao deixa de ser o que eu quero fazer com este caso que vi ainda hoje, se bem que eu seja um simples amador atrapalhado pelas regras da tragédia, da parddia e da comédia porque nao costumo escrever, Merda, acabei voltando 14 para o comeg¢o, nem sei como. Nao vai dar certo nunca. Azar. Vamos botar o preto no branco. Mais um chavao. E depois © fulano nao tinha nada de preto, senio 0 chapéu maria- tosa-mole. Ah, essa af foi boa. Inesperada. Se eu escrevesse agora: pegaram o gostosio pela trancinha e fizeram uma ola de feltro com recheio de Pescocdo, € bem capaz que fosse original. Mas nao. £ legal, mas incorreto. Eu digo: 0 jovem rapaz tinha uma trancinha, viu 0 anjo, esqueceu tudo e ficou bem; acho que nao é bem original, mas é correto. Talvez eu ainda acabe tomando cha na Academia ou pelo menos sendo convidado para a feira de Frankfurt. O que me impede de melhorar, afinal? E escrevendo que se vira escre- 76 vedor. Essa af é do cacete. Mas sem perder a medida. oO fulano da plataforma entao ja devia estar por aqui, quer dizer, no comigo, agora, mas fora de si, é assim que * escreve, quer dizer, é meu personagem, e assim sem mal nem menos deu de esbravejar com o vizinho por causa que, cle dizia, 0 outro pisava nos pés dele sempre que tnham que fazer espago para o pessoal subir ou descer. Ainda mals que, depois de tanta onda, partiu a jato para sentar-se s ™ que viu um lugar livre 14 dentro, como se tivesse me lo levar uns sopapos. Ah, acabei conseguinto contar, de um jcito ou de outro, a metade da minha historia. Me pergunto como. Escrever € gostoso. Mas falta o mais dificil. A transi- ao. Ainda por cima, nao tem transigéo nenhuma. Chamo 0 anjo? E melhor ir parando por aqui. 77 DESENVOLTO Subo no Onibus. — Vai pro Campeto? — Nao sabe ler? Ele moi minhas passagens na maquininha que leva na barriga. —Tai. — Falé. Olho em volta. — Escute aqui, cavalheiro. O sujeito esta de chapéu com um fio trancado. ' — Osenhor nao pode prestar mais atencao? ! Risco de pescocaco. — Mas assim nao € possivel! La se vai aboletar num banco. — Que coisa — digo com meus botées. Subo no 6nibus. — Vai pra Contrescarpa? — Nao sabe ler? — Ta bem, nao precisa encrespar. 78 Seu realejo sempre moendo as passagens que ele me devolve moidas com um arzinho superior. — Tai. — Falo. Passando pela estacao Sdo Lazaro. , — Olhald o sujeito de agora ha pouquinho. Espicho a orelha. — Vocé devia por outro botao no sobretudo... Mostra onde. — ...decotado demais... E como. - — Poizé — digo com meus botées. 79 PARCIAL Depois de uma espera desmesurada sob um calor do cao, 0 6nibus apontou afinal na esquina e veio frear encos- tadinho a calcada. Algumas pessoas desceram, outras subi- ram: eu com elas, todo mundo de montio na plataforma. O trocador espremeu veementemente uma buzina eo veiculo retomou a marcha. Enquanto eu destacava do carné as passagens que 0 homem da maquineta ia moer na barriga, pus-me a inspecionar os vizinhos. S6 barbado. De mulher, nem sombra. Que saco, nada de lasquinha. Em volta come- gou uma fuzarca e logo descobri a causa: um moleque de uns vinte ou quarenta anos, usando uma cabecinha em cima de um pescocao, um chapelao em cima da cabecinha e uma trancinha das mais traquinas em torno do chapelao, fazia um berreiro monstro. Sujeitinho mais barato, disse comigo. O sujeitinho nao tinha a menor compostura. Resolveu enfezar’para cima de um pobre cidadao que acusou de esmigalhar seus pés a cada sobe-e-desce de Passageiros. O outro encarou feroz seu focinho, Procurando uma réplica a altura no repertério que ja vinha sem diivida carregando através de todas as circunstancias da vida, mas ficou mudo de raiva, perdido no proprio arquivo. O jovem, temendo uns tapas como resposta, aproveitou 0 assento que a chance Viera de deixar em liberdade e aboletou-se precipitadamen- te. Desci antes dele e nao pude continuar observando seu comportamento. Jé o apagara da memoria quando, duas 80 horas mais tarde, eu no 6nibus, ele na calcada, demos novamente de cara no Paco de Roma, lamentavel como vem Camninhava para cima e para baixo em companhia de um camarada que devia ser o professor de elegancia e que © aconselhava, com pedantismo dandesco, a diminuir a abertura do seu sobretudo com um bot&o adjunto. Sujeitinho mais barato, disse com meus botoes. Depois nés dois, eu e 0 meu Onibus, continuamos nosso caminho. 81 SONETO De glabro focinho e coco trancado, Um chato mocinho de melancélico Pescocago ia, meridiana célica, Tomar um 6nibus quase lotado. Veio o primeiro, esse ou talvez um S, Cuja plataforma, infimo espago, Portava em seu seio perverso ricaco Acoplado ao verso de quem pudesse. O jovem girdfico d’outra estrofe Apostrofa furioso o solerte satiro Que, exclama, quer causar-Ihe catastrofe. P’ra sair do aperto senta-se em vago Lugar. Passa o tempo. Em vasto dtrio Tal bruto botao diz: “Fecha teu saco!” 82 OLFATIVO No meridiano S havia, além do usual odor de povo, odores outros de ovo, de polvo, de corvo, de peido, de monge, de pobre diabo, de morto, de grego, de grogue, de flatus voci, de troiano, de aqui-jaz, de butique, de brega-chi- que, de boticdrio, de banheirinho, de otdrio, de sagradavel, além de um cheirinho juvenil de pescocgéo, uma boa pers- piragao de barbantinho trangado, uma dose bem 4cida de bronca e um fedor de covardia constipada tao forte que, duas horas depois, quando passei defronte a estagaéo Sao Lazaro, ele ainda estava no meu nariz, apesar do disfarce cosmético, grifado e na moda que emanava de um botao 14 por aquelas bandas, sem faro nem senso de colocacao. 83 GUSTATIVO Onibus tem gostinho. Esquisito mas incontestavel. Cada um, o seu, e quem provou, sabe: basta experimentar. Aquele 14, um S — um forno ao meio-dia, de ficar de lingua de fora —, para nao fugir da receita, tinha um qué de amendoim torradinho que dava agua na boca. Na forma de tras, j4 vinha tudo amassado feito pagoca. Uma comilona que desse as bocas por ld teria lambido um pirulito de uns metro e sessenta, salgado de meia-cura e com pescoco de balzaquiano, fino e grelhadinho. De cobertura, um fio de chocolate trangado de lamber os beicos. Sem entrar no bolo, degustamos 0 chiclé do banana, era massa mas deu no maior abacaxi, com castanhas de irritagao, vinhas da ira e bagos de impaciéncia coroando o puré. Duas horas depois, vimos a sobremesa: puro osso...¢ tao bom: creme e redondinho! 84 TATIL A Onibus s40 bons de pegar, maciinhos quando a gente poe no colo e acaricia com as duas mios, da cabega as rodas, do motor a traseira. Mas ali na plataforma, logo se percebe uma coisa mais dura, meio fria, é a barra de apoio, a menos que seja uma nédega, mais arrebitada e elastica. As vezes duas, dai a gente pde nos plurais. Também da para pegar num tubo que palpita com muita bobagem dentro, ou numa espiral mais transada que um tergo, mais doce que um chicote, mais aveludada que uma corda. £ toda uma arte cutucar, com a ponta dos dedos, a babaquice humana, sobretudo pegajosa de suor. Mas se a paciéncia agiienta duas horas e se enrosca numa estacdo mal-acabada, é mole botar uma mo boba na fres- cura espessa e subir 0 osso fora do lugar. 85 VISUAL Visio de conjunto: verde com teto branco, compridao e envidracado téo bem que nao sou eu quem vai atirar a primeira pedra s6 para estragar. A plataforma traseira sem cor nenhuma, cor-de-gato-pardo, para voces verem melhor Sobretudo cheio de curvas, um monte de ss como urd violao. Mas ao meio-dia, na famosa hora do olho gordo, é um pega-pra-capar. Olhando atentamente, é possivel recor! tar no magma formado um retangulo bege, acrescentar um oval ocre e colar por cima um cone feito a mo, cor-de-bur- 1o-fugido, com uma trancinha abobora para dar mais efeito. Depois, espalhar meio a olho, onde der, uma boa manchal vermelha para exprimir a discérdia e uma cuspida cor-de-ti- tica para a bile recolhida e o cagaco apavorado. So falta te desenhar um manté roxo bem chinfrae cravar na fenda um botio de arromba; bem redondinho. 86 AUDITIVO Pipocante e estalejante, o S veio arranhar 0 silencioso meio-fio. No alto, 0 sol a prumo dava a chave. Os pedestres tocavam a musica de sempre, zoando como gaitas em coros lancinantes. Os mais lestos na execugao conseguiram ser transportados rumo ao Campeto, de tao cantantes arcadas. Entre os eleitos arpejantes, figurava uma flauta azeda, arra- nhada pela partitura da vida, cuja coda era uma espécie de violino de cordas trancadas; as escalas aleatorias de um fazedor de cimbalos tinham enfatizado seu gongo com as tonalidades destoantes de um tubo de clarineta em clave humana. O 6nibus seguia seu moderado andante, e da sua fossa advinha em surdina a toada dos executantes executa- dos pelo calor gritante, em contraponto com os trinados que, a intervalos regulares, esgoelava 0 trocador atonal e repetitivo, quando alguém por ali deu canja de repente no trombone, e irrompeu uma dodecaf6nica cacofonia onde os agudos azedos da flauta interpelavam a raiva profunda e cavernosa do contrabaixo: magistral, de p6r a viola no saxo. Suspiro, silencio, pausa e sobrepausa: ataca a marcha triunfal de um botio em vias de passar a oitava superior. 87 TELEGRAFICO Owrsus LOTADO STOP CHAPEU DISCUSSAO SEM P| TORZEH PACO ROMA C/CAl CONCLUSAO: BOTAR BOTA RAPAZ PESCOCAO TRANCA E NEM CABECA STOP QUA. MARADA PAPO MODA STOP .O STOP ASS: MERCURIO | ODE Onibus meu vil, esse $ de tao conturbado trajeto hoje parece uma quermesse — gente saindo pelo teto E mais embarca a todo instante! Um parasita fura a fila E no chapéu mole, que displante! Leva um barbante em vez de fita. A plataforma entra em transe quando ecoa, sem mais aquela, do seu gog6, glabro e gigante, rispido ataque ao matusquela seu vizinho, nada bonzinho, pois aproveitava o amasso para pisar no seu pezinho que jd ia virando pagoca. Ja na hora da antiestrofe reencontrei o lambisgdéia perambulando em plena apéstrofe com seu mentor nessa tramdia e mal cri no papo entretido pelos dois em plena estacao, que conselho mais descabido sobretudo ali, concernindo um raio de botao! 89 PERMUTAGOES DE GRUPOS DE 5 A 9 LETRAS Porwo umdia meiod Itado lataf ianap rasei ormat mo- nib radeu muito usnao dopar longe ncéus quemo einum repar depes rapaz ongod cocol exibi emais chapé ndoum isito uesqu barba comum angad ntetr afit oesem. Ntele derepe elouse interp hoacha uvizin estepi ndoque sseusp savano opésit ésdepr equesu osempr descia biamou geiros mpassa. Ourapit abandon discuss amentea tsejoga doparai garvago remumlu. Orasma is algu mash revidefr tarde euo aco séol onte a est versando azar ocon ent econh a nima dam eiro quel num compa conselho hed avaum: “Sap6r mais vocép reci sobre- tudo umb otao no”. 90 PERMUTAGOES DE GRUPOS DE 4 A 8 PALAVRAS Dia ao um meio-dia, de traseira na plataforma, mao i jeste muito Onibus um do longe parque Moncéu, um ee e 7 is de longo, chapéu um que com pescogo demais ch Ao fie. Seu isi substituindo trancado + bante esquisito um com d Su repente, vizinho de interpelou, achando que pisava nose propésito cada pés vez de passageiros desciam ou su! : ™ Rapidamente discussao abandonovu tal ir para um em lug vago se jogar. : . . e lores esse revi tipo eu depois algumas a estas com conversando animadamente, Sao Lazaro defronte heum colega dava um conselhou: “Botéo um mais no precisa p sobretudo voce”. 91 HELENISMOS / Num hiperautomato repleto de petrolonautas, fui mar- tir de um microrama em cronia de metafluéncia: um hij tipo lcossapigio, que forizava no acme um ciasd periciclado de caloplegma, anatematizou com toda hibris de sua macrotraquéia eucilindrica um efémero e andnimo artr6pode, o qual, segundo pseudolegomenava, epivedav: . Ihe os bipodes durante a catabase dos metecos metafo za. dos. Tao logo euriscopada uma cenotopia ms para ali se catapultar, , ; Em uma cronia hi{stere, estesiei-o defronte ao siderodré. mico estatma hagiolazarico, peripatando com um compsan- tropo que lhe simbolava a metacinese de um -onfalo esfincter passivo de hipdstase. peristrofou-se 92 CONJUNTOS Tomemos, no 6énibus S, 0 conjunto A dos passageiros sentados e 0 conjunto D dos passageiros em pé. Numa parada aleatoria, encontra-se 0 conjunto P das pessoas espe- rando. Seja C 0 conjunto dos passageiros que sobem; trata-se de um subconjunto de P que é ao mesmo tempo a reunido de C’ — 0 conjunto dos passageiros que permanecem na plataforma traseira do 6nibus — eC" — 0 conjunto daqueles que vo sentar-se. Demonstrar que 0 conjunto C"é vazio. Sendo F o conjunto dos figurinhas e {f} a intersegao de Fede C’, composta de um tnico elemento; a partir de um fenédmeno de espezinhamento secante, pondo em contato os pés de f'sob os de v (elemento qualquer de C’ distinto de f), cria-se um conjunto M de palavras emitidas por f- O conjunto C" tendo-se tornado nao vazio, demonstrar que ele se compoe do elemento unico f Sejam agora P o conjunto dos pedestres presentes de- fronte a estacdo Sao Lazaro; {f, '} a interseccao de F e de P, Bo conjunto de botdes do sobretudo de f; B’ o conjunto das posigdes possiveis para os botoes segundo /. Demonstrar que a injecdo de B em B’ nao é uma bijecao. 93 REACIONARIO Oo Onibus chegou, é l6gico, com gente saindo pelo ladrao e o intoleravel “passinho a frente, por favor” do bilheteiro. Nao fossem a jornada de oito horas e os ignobeis Sindicatos, nao haveria tais desmandos. Além do mais, 0 povo € indisciplinado, ninguém respeita nada neste pais! A prova € que, para acabar com a pouca-vergonha, € preciso distribuir senhas obrigando esta gentalha a respeitar a fila, sendo em dois tempos isto aqui virava bagunca. Hoje mes- mo estévamos ali esperando, bem uns dez, com um sol de rachar e ainda por cima 0 6nibus ja chegou lotado, vi logo que nao tinha colher-de-ché, entao resolvi ir dando uns chega-pra-las e berrando “Oficial!” ao mesmo tempo, nao é a toa que ando sempre com uma carteirinha riscada com as. cores nacionais, para impor Tespeito — funciona sempre, cobrador € bicho burro — e acabei subindo: afinal, nao ia perder meu negocio por causa de um 2€-povinho que parece nao ter nada melhor para fazer que peruar na fila, Ja la dentro, tive que ficar na plataforma, apertado que nem sardinha em lata. Uma promiscuidade revoltante! O tinico consolo € quando aparece uma bundinha bem redonda de ninfeta. Ah, juventude, juventude!... Mas ali 6 tinha mar- manjo, a comecar por um pilantra de Pescocao que levava um chapéu mole com uma trancinha infame. Deviam botar toda esta corja num campo de concentracio a trabalhar um pouco, em vez de ficarem por ai se drogando! No meu tempo, a gente sabia o que € ser integro, nao tinha essa de rebolar com tanga de oncinha e ficar comendo suchi, sor- 94 vetinho de kivi, que merda 6 isso}... ainda por cima, pegam oy tubos, e de onde vem tanta grana, hein?! Voces po ie me dizer?! Ea gente aqui pagando imposto, s6 de pensall.- Bom, mas o tal moleque resolveu, assim de sopetio, letra tar um cidadao visivelmente de bem, pai de familia, re ee lavel, vai ver até que militar... e ndo ¢ que 0 tal escuta ca a ¢ leva o desaforo para casa? Nao é por menos que no ; politicos esto af enchendo os bolsos € ninguém diz me oe Quanto ao safado, assim que viu um lugar disponivel, rss aboletar sem nem pensar em oferecé-lo a.uma sen! . viu? Que época! : nome ‘cunger defittvamente 0 dia, acabei ‘pando de novo com o tal ranhento pretensioso no Pago “c Ro ne Sassaricava por ali em companhia de outro pilan fa ea mesma laia, que dizia potocas sobre 0 jeito como ia e are pelado — em vez de irem apedrejar um comité de sat © distas e queimar uns livros para botar os baderneir linha! Que pafs é este?! 95 determinado fim que nao se encontrava ocupado ou preen- chido. Um entre dois ou mais nimeros ou sinais que nos quadrantes de relégio servem de indicadores depois do tempo proprio, conveniente ou ajustado, tornei a examinar o individuo infame, desprezivel, biltre, canalha cuidadosa- mente em oposicao ao lugar onde para os trens nomeado, referido, conhecido por Sagrado-Irmao-de-Marta-e-Maria- ressuscitado-por-Jesus. Balangava 0 corpo, dangando ou andando com um que € ligado a outrem por lacos de amizade que 0 obsequiava com um senso do que convém: “faga mudar ou trocar mais uma pequena pe¢a, quase sem- pre arredondada, que se usa para fechar 0 vestudrio, fazen- do-a entrar numa casa ou presilha, e também como ornato, no seu casacao usado pelos homens sobre a roupa, como protecao contra o frio e a chuva; sobreveste, balandrau”. PAI-DOS-BURROS Nauzm intervaio de tempo correspondente a duas passa- gens consecutivas de um dado ponto da esfera celeste pelo meridiano superior ou inferior do lugar, por volta da hora ou momento que divide ao meio o dia alumiado, no estrado. da retaguarda de um veiculo automével para transporte publico de passageiros com itinerdrio preestabelecido cor- respondendo a décima-oitava letra do alfabeto, fixei a vista em um individuo infame, desprezivel, biltre, canalha, com a parte do corpo que liga a cabeca ao tronco excessivamente estendida em sentido longitudinal, e expondo uma peca de feltro que cedera 4 compressdo, munida de copa e abas e destinada a cobrir a cabega, onde um cordel delgado e entrelacado de trés ou mais madeixas, passando-se alterna- damente a madeixa da direita ou da esquerda sobre a(s) do meio, fazia as vezes do tecido reto e fino, de fio natural ou sintético, cuja largura nao ultrapassa, em geral, 40 cm, usado para atar, ornamentar, debruar etc. Num dito ou ato repen- tino, irrefletido, 0 individuo infame, desprezivel, biltre, canalha acima dirigiu a palavra a seu limitrofe ou confinan- te, demandando explicacGes, levando em consideracao 0 fato de que a pessoa proxima a quem se dirigia estava-lhe esmagando a parte inferior da perna, articulada com esta e assentando por completo no chao, com suas préprias partes, tudo isso intencionalmente e por querer ou acinte, adrede. Renunciou ligeiro, em muito pouco tempo, ao vozerio de briga € foi se dar boletos em um espaco proprio para 96 97 HAI KU Eesse 0 $ estribo pescocaéo rebordosa e retirada botao na moda estacgao. HAIKIKAT O Onibus chegou Um carinha enchapelado embarcou O pau quebrou Depois na estacao Rolou papo de botao 98 VERSOS LIVRES Onivus cheio coragao vazio pescocao trangado cordao transado pés chatos pés pés de chato pés pés pés achatados pés sobre pés e 0 escuro encontro no hall da estacao, mil olhos fardis apagados do coracao, do pescogo, do cordao, do pé frio e chato como um botao. 99 FEMININO Bando de palermas! Hoje, 14 pelo meio-dia (um calorao, ainda bem que tinha posto um pouco de odorono, sendo o vestidinho leve de estagéo — um tomara-que-caia em organdi, um sonho! ¢ 0 preco entao! quem fez foi ela, a costureira— uma amiga da Calu, se quiserem dou o enderego, ela trabalha direitinho, num instante e ainda dd o pano, quase de graca, que boba!), pertinho do parque Moncéu (é mais bem freqiientado do que o Luxemburgo, s6 deixo o menino ir brincar Id porque fica ao lado de casa, mas também que idéia ter pelada na sua idade!), 0 dnibus passou cheinho, mas fui fazendo charme para o trocador e me deixaram embarcar. Naturalmente o bando de grosseirdes comegou a brandir furiosamente as senhas, mas e eu com isto! O 6nibus ja ia longe... e eu dentro. Estava um horror! Fiquei ali superespremida e ne- nhum dos marmanjos refestelados na cabine pensou em se levantar para me oferecer o lugar. Uns cafajestes! Do meu lado, iaum mogoilo caindo de charme (é chiquésimo a tranga em volta, em vez de uma fitinha sem graca, e depois o feltro desestruturado e o pardecu verde-limdo-da-China, eu s6 tinha visto na revista Onda, tao primeiro mundo!), pena que o pescogo era um tantinho espichado pro meu gosto (a Calu bem que diz que, se um homem tem uma parte saliente — um narigao, por exemplo, ou o polegar —, éque o resto...eu por mim ndo acredito muito nessas invencionices... se bem que, as ve- Zes...). Aquela simpatia passava 0 tempo todo se remexendo, eu nao entendia porque ele nao tentava logo alguma coisa, um gracejo, uma casquinha, sei 14! £ timido, pensei, e nao 100 estava completamente errada, pois nao é que de repente se meteu a choramingar porque outro homem (um bagulho) estava esmigalhando seus pés de propdsito, ele dizia. Se fosse eu, quer dizer, se eu fosse o rapaz, metia-lhe a mao na cara, mas o paspalho preferiu sair correndo ¢ se aboletou assim que viu um lugar que, alids, ndéo pensou nem um minutinho em me oferecer. O que a gente nao é obrigada a aturar! Eno pafs do galanteio, ainda por cima! Um nadinha mais tarde, voltando das Casas Taprati (tinha um cola da Azedinha Laiald, roxinho com petipods cor-de-jaca e umas meinhas agat acompanhando, um luxo! La na aer6bica as peruas vGo se babar de inveja, perguntar em que shopping eu fui, mas nao digo nem morta!), 14 vinha eu passando pela frente da Sao Lazaro (ia sentada dessa vez) quando reparei... adivinha!... Nossa, que boca, menina E, 0 proprio, s6 que desta vez um amigo (um gato, nem te conto!) estava lhe dando (além de tudo, entendidissimo!) um conselho de deco- te (mas eu acho que pro verdio um capotinho assim mais cavado, além de vestir bem, é fresquinho). Eu bem que olhei, fingindo que era por causa do decote, mas vai ver que nem se lembrava de mim, o imbecil nao deu a minima! Alias, nenhum dos dois. Quando eu te digo... “101 TRANSLACAO Um diabasio, por voltaismo do meio-navio, no plata- naceo trasflor de um onicdlise B, perturbador do parrafar Mondubim, reparti num cafarnaum de pesga lonita demao, exigindo um chapéu-de-coiro com um barbarense em lu- gente do fiteiro. De repercussivo, interpolou seu voador-cas- cudo, achatando que o outubro piscamentava nos seus peadouros de propriaense, sem-sal que subjaziam ou descer- ravam passamanarias. Abanicou rapinantemente o disenté- rico para se jogralesar em um lugente veadeirense. Hordeinas mais tardivagas, na camisa-de-vénus para casacao, eu 0 reverbero defumado ao estacionamento Sao Lourengo do Ipixuna em animista converséo com um cole- giense que Ihe dardejava um consentimento: “porangueiro um botaréu no teu sobrevindo”. 102 LIPOGRAMAS Oo evento se deu com 0 sol no zénite, num 6nibus de signo S cheio de gente. Presente, entre outros, um meque- trefe de pescocgo compridérrimo, com um esquisito boné e um fio entretecido pendendo. De repente, 0 referido resol- veu discutir com o vizinho, suspeito de bulir-lhe os pés melindrosos nos sobes-e-desces do publico. Contudo, logo se esgueirou do diferendo, temendo uns pescogoes, e em- preendeu o preenchimento de um sitio disponivel. Uns bons momentos depois, dei com ele de novo em frente do receptivo edificio Bento Leproso, em conspicuo grémio com um tinhoso de seu proprio estofo, cujos des- propositos sobre sobretudos e botdes escutou embevecido. 2 Un dia, com o sol nos pincaros, subi num 6nibus da linha $ lotado. Ia 14 um rapaz com 0 gogé muito comprido, usando um tapa-miolos fofo cuja fita fora substituida por um fio trancado. Stibito, o tal dirigiu a palavra ao vizinho, cuja sanha a plantar os cascos nos sapatos do apostrofador arruinava 0 pouco humor do janota. Abandonou logo a 103 discussao para nao tomar uns tapas, indo ocupar um posto vago. Algumas horas transcorridas, vi-o uma nova ocasido ao longo do logradouro piiblico Sao Lazaro, caminhando para cima ou para baixo com um amigo a constatar: “ha muita abertura no casacao, bota ali outro botio”. Tudo come¢ou com o sol a pleno prumo, gracas aos céus logo chegou 0 frescdo S, pena que lotado. Dava nos olhos, 14 dentro, um tresloucado de pescocgo longo em excesso e touca mole decorada com um cordao trangado. De repente, 0 escandaloso esbravejou que o pobre senhor ao lado massacrava seus artelhos por querer, nos sobes-e- desces dos transeuntes. Contudo, furtou-se em poucos se- gundos a altercagdo, temendo um tostdo na cachola, e aboletou-se logo num lugar vago. , Algumas horas apés tal fato, l4 estava ele de novo perante meus olhos, defronte a estacao Sao Lazaro, batendo pernas com um semelhante que Ihe dava conselhos ultra- aberrantes: “bota outro botio no sobretudo arreganhado”, / Um dia, nas cercanias da faixa meridiana, uma jardi- neira da linha S$, extremamente cheia, viu-se investida pela expectante leva de variadas classes que insistia em esperd-la. Ali se inseriu, entre as demais pe¢as raras, um infame rapaz, 104 cuja garganta inenarrdvel alicercava cabega e chapéu sem estrutura, em que se exibia uma trancinha nada banal. De repente, semelhante craépula insurgiu-se em reprimendas dirigidas a um circunstante que, dizia tal impetrante, espe- zinhava adrede seus pés, sempre que subia e descia a ralé. Incapaz de levar adiante a rixa, j4 que temia a lidima furia de sua incauta vitima, escafedeu-se para derruir sua vasta nulidade em lugar virgem. Duas horas mais tarde, revi a tal triste figura em frente da gare Saint-Lazare, a caminhar para frente e para trads em presenca de um pilantra de sua espécie que Ihe dizia: “fecha mais tua casaca”. O acontecimento referido adiante foi presenciado por mim a bordo do transporte coletivo S, indo lotado certo dia sob 0 sol torrido. Entre os passageiros espremidos, destaca- va-se 0 singelo exibindo modiglianesco pesco¢o e tampa na moda, envolta com fio trangado em vez de fita. De repente, veio a tona o protesto irado desse elegante, vitima das insidiosas espezinhag6es do velho imbecil ao lado, aprovei- tando os movimentos constantes dos passageiros. Temendo corretivos ainda mais diretos, 0 jovem s6 péde partir em demanda do primeiro banco vazio. Dois giros mais tarde, reapercebi-o no Pago de Roma, frente a estacao Sao Lazaro, em peripatética disposi¢éo com tal conselheiro a dizer-Ihe em toda amizade: “o botao de cima deste lindo casacdo poderia ser ligeiramente desloca- do, para dar maximo valor ao caimento”. 105 GALICISMOS Stava puko kaz miDfa, y percevejy, na plateforme du otobus S, U jénomi cu gra ci, commu sié luy avesse tirado _&cima, et Uchap6ma é@tornado dj corddu tressado. Ece jénomi fiké suda folid et akiiz assi_t1 Respektabl’méssinho de luy marché nu zarpidu. Pois senva versti sitio livro Mais taRdj, r @cétro luy na cuir dj Romm, matchevandu dj longuém largo cit cépafiero qui luy dizéve: “Vossé devria fazeRRajunté &6tro butdu ao teu porcima”. 106 PROTESES Zum idia, apor svolta pdo emeio-adia, kna cplataforma utraseira ide pum cOnibus, vnao nmuito elonge zdo wpat- que Ymoncéu, treparei cem bum frapaz jde ppescoco qlongo sdemais pexibindo pum kchapéu ucom hgalao gtrancado {no elugar wda afita. Lde nrepente, pele minterpelou do yseu avizinho, lachando tque beste ipisava zos kseus opés vde bpropésito gcada uvez xque isubiam pou adesciam spassageiros. Xele nabandonou irapidamente ¢a ndiscussao spara jir zse tjogar tem rum olugar jvago. Calgumas hhoras nmais atarde, feu so Irevi ena gfrente cda bestacao Psao Glazaro, bem laminada uconversacao ucom xum kcolega wque olhe pdava dconselhos ya ppro- posito bde hum ¢botao Ide rseu ssssssssssssssssssssobretudo. 107 EPENTESES Uom dica, poar voluta dio mepio-dita, nua platafora- ma trasegira doe uam Oniobus, namo mufito lonage duo Paroque Monicéu, rexparei eum uam raspaz die pesuco¢o lonago dembais exhibindo uem charpéu coim uom gaplao tranucado neo lugrar dia ficta. Due respente, elle interape- lou seju virzinho, achanado qui esote pissava oas sexus péis dae prospésito cauda veoz quae subpiam onu desociam passangeiros. Ecle abanidou raspidamente tael disecussao parta iar soe josgar eam uom luggar valgo. Alegumas horpas maxis tarade, exu renvi taol tipco nua frenote dia esotacado Sudo Lérzaro, conuversando animba- damente coem uim corlega quie lhae davra conoselhos sombre uom bostio dio segu sobrrrrerrrrrrrerrerrermrrrrrrre- tudo. 108 PARAGOGES Umb diax, pora voltam doc meios-diap, naz platafor- maf traseirar deh umu Onibuss, naol muitok longet dor parqueu Moncéus, repareio numa rapazx dep pescogoh longou demaist. Exibindoy ump chapéug come umi galaox trancadol non lugarp day fitax. Deb repentec, interpelouu seul vizi- nhog, achandog quem estep pisavam-lhei ost pest deu pro- pésitoc cadal yeza quer subiamu ouf desciamu passageirosk. Abandonoux rapidamentem talo discussaor paras ira sem jogart emb ump lugare vagoy. ; Algumasp horasp maisp tardem euh revis tale tipok nac¢ frentex dac estacaow Saot Lazaroy, conversandob animadamentex coma ume colega quem Ihem davap conselhosa sobrer umo botaol doc seux sobretu- d0000000000000000000000. 109 METATESES Un dai, pro votla do meoi-dai, na plafortama traisera de um 6binus, noa mutio logne do praque Monecu, rerapei em um cagafeste de psecoco logno demias, ebixindo od cheapu essiquito de brabante tancardo subistitundo a tria. De repnete, intrepelou o Pagasseiro mias promixo, sbo 3 agrumento qeu etse noa pavara de psiar-Ihe os psé de porpesito dunarte a sibudo e a dedisca de Ppassareigos. ‘ fe Gipontvel tla dsicussao e fio se alobetar mnu Aglumas haors mias trade, vo-i nomavente derfonte a etsacdo Soa Larazo, conservando anamido cmo cogela qeu me vada insturgGes rosbe o garu de abretura do sue sorbel lo. GRAMATICA TRANSFORMATIVA 1 Estruturas frdasicas unitdrias 1) O 6nibus circula, um incidente se produz entre AeB, logo interrompido. 2) Novo encontro ocorre entre Ae C, A escuta uma proposicao transformacional. 2 Regra de expansdo O onibus $ / lotado / circula um meio-dia qualquer / perto do parque Moncéu / entre Contra-escarpa e Campe- to... ... 0 abomindvel bocé ouvia embevecido potocas que nao valiam um botio / 0 elegante jovem escutava atenta- mente consideragées estéticas concernindo seu botao supe- rior. a. Aspectos seqiienciais: O énibus transporta passageiros / circula com A +B b. Agenciamentos contexto-senstveis: Bpisaem A bate-boca, rebordosa, frege, escarcéu, aza- 10; A © tipinho de pescocao e chapéu esquisito, rapaz elegante; B © velho Matusquela, senhor distinto. b. Equivaleéncias, pardfrases, ambigiiidades: pescocao / bolacha / goela serpentina; botao / trogo de osso / buraco que fecha; altercagao / vivido comércio verbal / Papo entendido. 4 Formantes auto-significantes a. Classes de distribuigao: B,C,D,D~, com forte predominancia da ultima. b. Classes nomonominais: Onibus, rapaz, pesco¢ao, senhor / Tapaz, senhor, pesco- Gao. 112 c. Classes menores ou insignificantes: tipinho na moda, velho pamonha, bando de palermas bestalhoes. 5 Semantemas transicionais a. Unidades coesivas: - pé na rapadura, bolacha no quengo, botao no sobretu- do. b. Unidades coesivas isoladas instintivamente: 7 - mao boba, no que mame p6s talco ninguém pGe a mao. 6 Morfemas a. Contrito-constrangidos: passa, sassa, rico, li, geiro, sapa, pé, no, sapa, to. b. Criptoconstritores: pede, nada, pé de cima, pau, quebra, moleque, de nada, corogo na fenda. 113 TROCA-TROCA Um dia troca ao meio-dia troca na plataforma troca onde fica troca 0 trocador troca de um Onibus troca quase _ lotado troca, percebi troca um homem troca de pescogo troca comprido troca que levava troca um chapéu troca com um barbante troca em lugar troca da fita. De repente ele troca troca impropérios com o vizinho que troca, dizia ele troca, pisava-Ihe os pés troca a cada troca troca de passageiros. Depois foi troca aboletar-se troca num lugar troca vago troca. Um pouco mais tarde troca eu o revi troca frente a estagéo S40 Lazaro troca em plena troca-troca troca de _ impressGes vestimentares trocadas troca com um trocamigo elegante. 114 NOMES PROPRIOS Na Carolina traseira do Breda lotado, percebi Olivio palito com seu longo Modigliani e Cartola brega de Fio em vez de Fontenelle. Olivio estrilou de repente porque Pituca pisoteava Tonico e Tinoco sempre que subiam ou desciam Ubiratas. Pepino alias breve, porque Olivio deixou Chacri- mha de lado e se escafedeu feito Flexa. Dois bons Horacios mais tarde, vi Olivio de novo na frente de Lazaro com Cicero dando uma de Brummel. Belo conselho: que 0 outro fosse a José Silva para fechar Capotao. 115 LINGUA DO PE Upum dipia, popor vopoltapa dopo mepeio-dipia, napa plapatapafopormapa trapasepeirapa depe upum opo- nipibupus, napao mupuitopo lopongepe dopo paparquepe Moponcepéu, vipi upum gapajopo depe pepescopocopo copompripidapao copom upum chapapepéu depe capafa- pajepestepe quepe tipinhapa upum copordapao nopo lupu- gapar dapa fipitapa. Depe repepepentepe, epelepe chipiou copom opo vipizipinhopo, apachapandopo quepe opo tipi- nhoposopo pipisapavapa opos sepeus pepés depe propopo- posipitopo nopos sopobepes epe nopos depescepes dopos Papassapagepeiropos. Depeixopou prapa lapa apa dipiscu- Ppussapao epe fopoi sepe jopogapar nupum lupugapar lipi- vrepe. Dupuas hoporapas depepopois, depei copom epelepe nopo Papacopo depe Ropomapa bapatependopo apa ma- paior capaixapa copom upum apamipigopo quepe dipizipia paparapa bopotapar mapais upum bopotapao nopo sopo- brepetupudopo. 116 POUCAS-VERDADES Meia-noite. Chove. Os 6nibus passam quase vazios. No cap6 de um A, 14 para os lados da Bastilha, um velhote descoberto e com a cabega plantada nos ombros agradece a uma dama sentada muito longe dele por ter-lhe acariciado a mao. Depois vai se instalar ereto sobre os joelhos de um senhor bem no lugar. Duas horas mais cedo, atrés da estagéo de Liao, um velhote que sem dtivida era outro tampava as orelhas para nao ouvir um vagabundo se recusando a dizer que precisava descer um pouquinho mais 0 botio de baixo do cuecao. 117 MACARRONICO Soi stabat in regionem zeniti et calor atmospheri mag- nissimo. Senatus populusque parisiensis sudebant. Omnibi passabant lotati. In uno ex supradictis omnibibus que $ denominationem portabat, hominem quasi junum, cum collo multissimo elongato et cum chapito a cordicula tres- sata cerclato vidi, cujus insultavit alterum hominem qual proximus stabat: ficast pietinant, inquit, pedes meos post deliberationem anima tue. Tunc sedem libram vidente, cucurrit la. Sol duz hore in coelo habebat descido. Sancti Lazari stationem ferrocaminorum passante frentis, junum supra- dictum cum altero ejusdem farine qui arbiter elegantiarum erat et cujus consiliabulus ad propositum uno ex butonis cape junioris scultavit vidi. 118 DA (QUASE) NA MESMA Aaia para tudo. Ontem vinha nu frescdo esse tal cré Tino como raramente Jaci viu. Se eu pesco s6 himen sou esta vai-és-pau dando seu coco concha pele em volta 6! Enfio esse quesito transa do Endo atira. Subi total cipds arre clamar do vice nhoque eu estava sacana e ando. Disco séo mais breve, p6 se ele se isc fedeu para sessenta arnéis té bao! Colivre. Dé pois, na frente desta aco, vil tipo nova mente. Caminha v4 comum ame goda sua 14 ia, esse cu ‘tando a tento conselho-os de vez tido: “Bota um botao no teu, sobretudo”. 119 PARA OS FRANCESES PAROCH FRCESSEZICH (NE PARIZYEZICH NE PAOULICHTCH MACH PORTOUGO-CARYOKCH) E™ n& bé tehign chégadouy jana” fe déug meu ali- vyarce ou déuch djign’rouch. Ssi meuchmou dé™ pr kopraou gui BeRlitzy pr tomd oumag™a dj KdkO cOu pachtal you soukd dj jaboutikouba (sic) céu baba di méssa kitava xOkatchi. Deupoich soubimouch noudnibouchss SS, disserceou pr noich kikrydss na” pag m” passatej’, y fot sik’’é t-i-doich dolaR prou poté final, outaksy érou dobrou, té kifoi bratou. Lanoudnibouchss i Ou Rapaz cdu pichkéssou kdpridou you chpe™ euchkizitou ddeu oumch troesch soubstchitoui@ou atchir, Deu reupétchi éli kKomeussd aRReuklama komigouy é" pRégéutéy, deupoich dj dlydnou BeRlitz, “keu ker beu- ber?”, mach éli kOtchinoud aRReuklamdy é” diceu gi: “Oti- mou. E méu'tou mavél d sou parteu. Vir’ k6 mou'tou sdchtou [prazer]”. Fi gritav si pryé™, ssouchtadou, digeu: “Dichkoul- peu. Neou fal" bay pourtoughéch. N@ou képryéedou [etédo]. K"@tou &@ moult?” Nou komeuss6 aché kidli n&eou tchign €tédjidou, prouké Ali 0” ssiss@ta, mach logouésséguid Oudtrou, du neugRa”, midé”m jo’lyady ssimddd kORRédu koud mign b6"ss. £™ diceu, “i vossé, podeu madar ou protrou-soukérrou pr joudar meu?”, mach nygué étedé” nady € fiké’ 1a,-nou nou poto final, ou neugRa”™ djividjyou 120 a grana cOudtrouy flav lapréli bota Ou bord” noewou sé ddji achou kinouchpe, mach nou BeRlitz néeou té achRReupdcht, 1a ssd diyz ¢i: “vossé fiké [fiké] nou matou ¢é kaxdRRou’”. TROCADILHOS Dei 0 mia, prol a sumo. Na flataporma daquesse ele ia um Tapa rego de piscocgo de peru, dés mesurado, e uma fichinha no tapéu chequevava. imbito suterpelow 0 achi- nho, vizando quejocu o o proposinhava de espésito ao desbirem ou sucerem pastros ousageiros. Rabandonou api- damente o arr carrabo e foi se emboletar a um vagar tuzio / Um har de poras dé pois, o pitinho za zava pricamae pro baixa ta no esguado da sacagao Lazao Saro, cufichando como um quelega codiz ia: “P6 i : “Pde uais mm bonota tudo”, oe tu sorbe 122 BOTANICO Depois de ficar um tempao esperando ali plantado como um pé de couve na estufa, consegui me enxertar numa ab6bora que ia voltando para a horta, lotada as pencas. Ja tinha 1d criado raizes um aipim deste tamanho!, coma copa amarrada por um broto de cip6. O pepino comegou quando o banana em questio resolveu descascar umas abobrinhas contra 0 maracujé-esquecido-na-gaveta ao lado que, segun- do seu coco pouco adubado, fincava-lhe batatas nos cantei- ros apenas para deixé-los mais vermelhos que pitanga. Uma salada completa, mas antes que a vaca tussisse a sério o tal aspargo cortou 0 abacaxi pela raiz, com medo de levar uma castanha nos bagos, e langou os gallos em busca de nova chacrinha. Mais tarde, revi-o estacado defronte a Estufa dos Ca- piaus. Uma cana-caiana enterrava sua pretensao de vico com uma observacdo melosa e infrutffera: “para dar mais tronco, semeie outro grao-de-bico entre a corola € 0 pistilo”. © 123 MEDICINAL Deviao a uma sessao forgada de helioterapia, temi ser posto em quarentena, mas terminei sendo admitido numa ambulancia que apresentava uma assustadora taxa de entre- vados, onde diagnostiquei imediatamente um gastralgico com sintomas de gigantismo obsessivo, padecendo de dis- tensio traqueal e reumatismo deformante da tira do chapéu. Tal cretino teve um stibito acesso histérico, pois um caco- quimico estava espremendo seu tilo, ocasionando-lhe tur- gescéncia e irritacdo; apés ter dado vazio a sua bile, isolou-se para assentar suas convulsoes. Mais tarde, frente a um lazareto, revi-o em consulta com um charlatéo a propdsito de um furtinculo deslocado em seu plexus. 124 GASTRONOMICO Ja com os miolos cozidos sob um sol de esturricar, acabei num forno que fervilhava de bagrinhos, como ver- mes em queijo de muita cura. Naquele pirex, ia afundado em banho-maria um pescocao depenado e sem recheio com uma panqueca na moranga, amarrada com fio de manteiga. O vitelo desbocado causou grande destempero porque um tampinha azedo estava fazendo pagoca dos seus pés de moleque, sem a menor colher de cha. No meio do cuscuz, largou a bananosa, apimentada demais a seu gosto e, para nao tomar umas bolachas na receita, foi esfriar a massa numa férma dando sopa por ali. Eu vinha ruminando calmamente de volta quando, na cantina $4o Lazaro, dei com as costeletas no mesmo maria- mole, que se derretia na maior fervecdéo com um pastel amigo mas, para quem nado tem 0 coco ralado, a marmelada deste tiltimo era mais do que clara: fria e descozida. 125 . ZOOLOGICO Dentro da gaiola que, na hora da onca beber agua levava 0 rebanho ao Campeto, notei um cervo com pescoco de avestruz que levava nos cornos um tatu rodeado por uma centopéia. De repente, a vaca foi para o brejo. O girafideo virou bicho, soltando os cachorros para cima de um pau-de- arara que peruava por ali e Ihe dava nos cascos mas, antes que o bicudo sacudisse suas plumas, 0 galinho fechouo bico e fugiu da rinha, esvoacando feito barata tonta para um poleiro largado as moscas. Mais tarde, dei com os burros no Zool6égico e revi-o no maior Sassarico, soltando a franga com outro empavoado. Cacarejavam sobre penas na maior galinhagem. 126 INJURIOSO Depois de uma espera horrenda sob um sol ignobil, terminei subindo num 6nibus imundo onde se espremia um bando de babacas infectos. O mais babaca desses babacas era um espinhento de goela espichada exibindo um chapéu grotesco com uma cordinha fresca no lugar da fita. Esse descarado sem-vergonha cismou de esgoelar s6 porque um panaca pé-na-cova pisoteava-lhe as patas melindrosas com furor senil; mas, como um bom bola-murcha, 0 miseravel desclassificado nao tardou a escafeder-se rumo a um lugar ainda umido do rabo anterior. Duas horas depois, ctimulo do azar, dou com o mesmo indefectivel babaca perorando com outro babaca da mesma laia defronte ao cagalhao Sao Lazaro — nome muito apro- priado. Zoavam por ali a toa, é claro, arreliando outros despreparados, e ainda diziam potocas a respeito de uma inutilidade de botao. Pensei 14 comigo: “que este babaca encardido ponha seu furtinculo mais para cima ou mais para paixo nao vai mudar estritamente nada em sua feitira”. 127 IMPOTENTE Como explicar a impressao produzida pelo contato de duzias de corpos espremidos num 6nibus sob a canicula do meio-dia? Como exprimir a impressdo deixada por um personagem de inefavel pescogo, levando um chapéu cuja fita fora substitufda por sabe-se 14 0 qué, um pedaco de barbante talvez? Como transmitir sua impressionante ex- pressao durante uma rusga despropositada, durante a qual langava injarias sem nome a um viajante indefinido, alegan- do obscuros motivos? Como traduzir a fuga do inenarravel desordeiro, que tentava mascarar sua covardia indescritivel sob a esfarrapada desculpa de ir-se aboletar, sem razio aparente, num lugar qualquer? Como formular a surpresa muda que me causou a rea- paricao imprevista, incontaveis horas depois, do duvidoso personagem frente a local outro tanto, ouvindo uma con- versa mole sobre um assunto irreproduzivel e que talvez ocultasse obscuros designios? 128 POS-TUDO A bordo de certo paratodos, um dia no auge da zenital acfdia, espectei a pequena farsa a seguir. Um rapazote, afligido por infilmavel pescoco, seu tinico particular dote, levava, para compensar, um galao redondado pelo coco mole (estilo pés- visto que invade a midia malgrado minha critica radical). Postextando o excesso de entropia em seu torno, interpelou arrogante o vizinho, em tropo fisicamente justo mas retorica- mente falacil, penipulado para mascarar sua poltritude e con- sistindo em acusar o entornante de expossamente despozar a segunda lei da termodinamica, expozinhando com sistema € método seus lustrosos pisantes ao sabor das vagas sucessivas de transeuntes intertrocdveis. Tal pustula engomada, mal tendo e tendo mal expostulado, subtraiu-se ao troco verbal que fatalmente reciprocaria seu retrocessivo exérdio e procu- rou aesmo um nucleo aleatério onde atomizar seu assento em tarda e sisuda extudez pos-tudo. Discretas revolucGes transcorreram antes que minha falofalaz matriz, transportada em transverso senso da urbe, percebesse novo estimulo ficcionante, ao transver 0 inenar- ravel mutante narrativado ao longo deste texticulo. Ele transviava entao, frenético tal espinado elétron, em torno de uma acumulacio critica de relogios desviados de seus cronicos fins para, em agOnico repto, expor a inexordvel banalidade dos temporais construtos ao espanto agorico; Orbita afim seguia aleatoriamente outro divo de sua laia, e aproveitavam para expor paralelas manhas sobre como performar um botio em alta e, caso sobre, pOr tudo. 129 PROBABILISTA Contatos de primeiro grau sao de tal forma numerosos entre os habitantes da megalépole que nao devem causar surpresa as possiveis fricgdes oriundas, de carater em geral geral e sem gravidade. Um desses encontros desprovidos de amenidade, esta- tisticamente recorrentes no entorno dos veiculos destinados aos transportes em comum, e especialmente freqiientes nos coletivos da regiao parisiense trafegando intensamente nas faixas hordrias de trafego intensivo, foi recentemente dado a ptblico sob a forma de um evento discreto particularmen- te indiscreto, a bordo de um S e, mais precisamente, na sua plataforma traseira. Um relato que explicitasse a natureza {nfima do incidente em questao faria provavelmente injus- tiga ao pescoco improvavel envolvido, assim como ao as- pecto insignificativo da médica tranga que vinha amarrando seu espectro. Duas horas mais tarde, uma ocorréncia altamente im- probabilistica determinou a audicao de um conselho alea- torio, cujo sentido manifesto fazia apelo a um negligenciavel botao. As chances para um terceiro encontro eram, por assim. dizer, nulas, razao pela qual ponderou-se util fechar o relato desses eventos frictivos, cuja significdncia ultrapassa a ex- plicita razao, de maneira concorde as ponderadas leis da ponderabilidade socialmente transportada. 130 RETRATO O estil € um bipede afetado de longo pescogo, que circula pelos 6nibus da linha S em torno do meio-dia. Seu nicho preferido é a plataforma traseira, onde se instala, desconfiado e ranhento, com a cachola coberta por uma crista envolta por uma excrescéncia da espessura de um dedo, semelhante a um pedago de corda. Seu humor agres- sivo leva-o a atacar sem hesitacdo os mais fracos mas, se encontra resisténcia, pestaneja e foge para o interior da toca, onde finge de morto. Durante a muda, é visto esporadicamente na zona de estivacdo de Sao Lazaro, ainda carregando sua antiga pele de protecao hibernal, agora com fendas maiores para facili- tar a aeracdo do corpo; tais fendas podem ser remediadas por intermédio de préteses bem aplicadas, mas 0 estil nao consegue intui-las a partir de sua propria experiéncia, e deve ser guiado por outro bipede, de espécie aparentada, em seus exercicios praticos. A estilografia € um capitulo da zoologia teérica e dedu- tiva, e pode ser cultivada em todas as estagoes. 131 GEOMETRICO En um paralelepipedo reténgulo que postularemos transportante, deslocando-se num plano euclidiano segun- do a fungdo retilinea 84x + S = y, um homdide A, definido hn por um segmento cilindrico de secgio /) Si, onde li =0 indexa a média pescocinea da populacao homéide dada; e limitado superiormente por uma calota esférica, de forma ch + (in)f=fi. 0”, contida entre duas sendides de funcao irrelevante, de maneira que o raio r = tand esteja a uma distancia hiperbdlica Kd, quando 0 integra a fungao (1 - ch?y" deo i a izi )” de Oaté n, onden exprime o numero de vizinhos, . "ach ou seja: d= 9 T-cnz Sabendo-se ainda que todos os circulos definidos pela somatéria homéide transportada no paralelepipedo retan- gulo so ortogonais ao circulo dado, e que representam todos os planos perpendiculares ao plano w, projetivo do homéide A, e portanto as segdes w de todos os planos, definidas linearmente na interseccéo com o plano hiperbo- lico w, mostrar que o ultraparalelismo de w, definindo o campo do homéide A, e de a, definindo o campo do homéi- de vizinho B, em face da relacao geral de tangéncia invertida segundo a formula tan 1/2 (II) (2) = pe“9, onde 2 exprime a distancia entre A e B, imposta pela calota esférica, gera contraditoriamente uma cossecdncia radical, trigonometri- 132 camente deduzida no plano euclidiano, de maneira que 0 modelo criado nao é nem eliptico, nem hiperbélico, mas conflituoso ou catastroficamente complacente. Determinar em seguida a importancia da catdstrofe produzida pela hipérbole irrelevante de A na equacao elfptica de Be a topologia do impacto secante produzido sobre a funcgao de apoio de A na intersecco linear do plano w. Consideremos, agora, 0 encontro aleatério do homéide A com um homéide homélogo C, gerando o seguinte pos- tulado de C sobre A, a propésito de sua equacao tautologica de abrigo A: “Em particular, sendo um plano paralelo a A, no sentido euclidiano, uma esfera cujo ponto de contato com 1 € 0 limite superior da fenda, estamos em presenga de uma horosfera. Além do mais, esta representacao da horos- fera integral, contribuindo para a integridade global do plano, € isométrica ou fidvel, no sentido em que raios semelhantes da horosfera, medidos segundo os horociclos, demandam segmentos iguais de linha euclidiana para serem cosidos no plano A. Ou seja, na linguagem da geometria diferencial, a horosfera é uma superficie transportavel — isto é, desde que a superficie da curva de Brummel-Gauss, tendendo a zero, valha significativamente um botao”. De- terminar, agora, a nova topologia da fenda alterada segundo © postulado de C agindo sobre A, em fungao da minima razao conjunta r(A + C) > 0. SERTANEJO Nonaaa. Onibus que o senhor viu foi a gosto nao, Deus esteja. Povo prascévio. Tém de morar longe daqui, na Con- trescarpa, Campo Retado, custante viagem e ainda vao fu- zuando nas piores esfregas e com Ansias de se travarem com os viventes — em endemoninhamento ou com encosto. De primeiro, ali na plataforma, eu fazia e mexia, e pensar nao pensava. Mas o diabo vige dentro do homem, e logo a cachorrada em volta pegou a latir. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; com vastidao de pescoco e chapéu de cordao. Agora, 0 senhor ja viu uma estranhez? Enfim, cada um o que quer aprova, 0 senhor sabe: cordao ou cordaes, € questdo de opiniaes... Do demo? Nao gloso. Pois nao é ditado: — 6nibus — “trem do diabo”? Mal haja-me! Sofro pena de contar nao. O senhor entenda: 0 tal mo¢go quis mangar. A gente escutou um chorinho, atras, e uma vozinha avisando azangada: “O senhor arrepare! Pés meus nao sao encosto de sua botina!”, que ele dizia ao compadre Quelemém. Eh, 0 senhor ja viu, por ver, a feitira de é6dio franzido, carantonho, nas faces duma cobra cascavel? Mas compadre meu Quelemém repro- vou tanta reprimenda. E, ora veja: a mandioca-brava tam- bém € que as vezes pode ficar mansa, a esmo. Ralho do compadre, também, abranda. Se sabe? O tal moco arrepiou caminho, e foi se estar jazendo em fundo de um banco, o diabo dentro dele dormindo, Na volta, fiquei pensando. Gosto. Melhor, para a idéia se bem abrir, é viajando em 6nibus. Hem? Hem? Mire veja: 134 ali, na frente da estacao, tem um sujeito que €o mesmo de toda-hora. Nao me assente o senhor por beocio. O que mais vejo, testo e explico: todo mundo € louco. Pois essezinho esté com um compadre que alumia 0 entendimento dele, feito mostrando o que é: capote sem préstimo por caréncia de botio. Como € de sao efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. Sou s6 um sertanejo, nessas altas idéias navego mal... Eh pois, emp6s, 0 Testo 0 senhor prove: vem 0 sao, vem a mao, vem 0 Cao, vem 0 botao. / Nonada. O diabo nio ha! £ 0 que eu digo, se for... Existe é 6nibus. E botao. Travessia. 135 INTERJEIGOES Priu! ha! di! 6! oba! ei! Oh! Hum! ai! ah! ufa! olha! puxa! vixe! hum! po! ba! ui! ugh! p4! bua! hein! tcha! tché! ha! xi! pif! paf! pof! po! / Toma! ufa! oh! hum! bem! ai! ah! af! bom! 136 PRECIOSO Adordavamos estival meio-dia. O sol reinava em todo seu esplendor sobre o horizonte de multiplas tetas. Oasfalto palpitava suave, exalando o tenro olor de pixe que sugere aos terminosos doentes talmente idéias, pueris e corrosivas, sobre a origem do mal. Um 6nibus, cujo signo distintivo ocorria ser um herdldico S$, pleno de enigmas, e coberto por alviverde brasao, viera recolher, nos arredores do parque Moncéu, um pequeno lote de candidatos seletos ao trans- porte, resgatando-os do mérbido solo aos timidos confins da deliqitescéncia sudoripara. Na plataforma traseira de tal obra-prima infantada por nossa hodierna indtstria automo- bilistica, comprimiram-se os baldeados como enlatados arenques; la se ia, em seu seio, conspicuo biltre de 6rgao fonador serpentino, cuja trintena aproximava-se a sorrelfa e, nao obstante, manifestava sua cronica anacronia por meio de um chapéu cernido de artesanal cordeleta, inconvencio- nal cobertura a sua cabeca, decerto mais vaga que os bugres- cos confins, e gracil tal ctibica tela tinta por génio desconstrutivo, que stibito inflou-se em verbal excurso, onde soavam notas amargas como efltivio de boldo e dcidas como a injiria de um ptbico senescente cujo traseiro € beliscado em mijad’oiro publico e, por extraordindrio des- yezo, desaprova tal politica e nao come da mesma farinha, acusando um fenémeno de repetidas colisdes, ao qual im- putava como origem o vetusto cotransportado que se lhe avizinhava, de mui honordvel viso e marcante presen¢a mas que, cria, de tal sorte agia impelido por inconfessos desig- 137, alow. O nefando pubere, lestamente percebendo que alcava- se de consoante maneira 0 desacatado animo em inefavel antipatia, e temendo 0 previsivel desenlace fisico que teria | como palco seu serpentino 6rgio, para prejuizo certo deste itm, logrou agilima e solerte retirada com inegavel talen- wre acomodou suas ameacadas partes em lenho providen- Em ultero momento, tendo ja 0 sol descido vario degrau na majestosa escadaria do seu pouso certileo e sendo eu, dltera vez, circulado em contrario sentido a bordo de outro coletivo de idéntico jaez e percurso, retive a vista 0 perso nagem dantes descrito, movendo-se de peripatético ‘nod 5 pelas indéspitas paragens do Paco de Roma, acompanhado em sua errancia por outro individuo ejusdem farince que lhe administrava, ignorante ao sitio e a industriosa circulacao, destoante conselho de uma elegancia a somenos altura de um botao. 138 INESPERADO nheiros estavam sentados 4 mesa do café de ua eles. René, Robert, Adolphe, tinham cordialmente. ? — perguntou Robert, O; compa! Flore quando Albert se reunil Georges e Théodore se entre — E entdo, como vao as coisas saudando 0 recém-chegado. — Vao indo — respondeu Albert. Chamou o garcao. — Para mim, um picon — disse, para espanto de René, que nao suportava o amargor do aperitivo pedido. — De amargo, basta a vida — refletiu René em voz alta. Adolphe interveio na conversagao: — Entio, Albert, o que ha de novo? — Nada de mais. — O dia esta espléndido — observou Robert. — Um pouco frio — replicou Adolphe. — Ah, estou me lembrando de uma coisa engracada que vi hoje — exclamou Albert. — Jé eu acho que esta quente — — O qué? — perguntou René. — No 6nibus, indo almogat — respondeu Albert. — Que Onibus? — perguntou René. — OEsse. — O que foi que vocé viu? — indagou Robert. — Passaram pelo menos trés antes que eu conseguisse meter 14 dentro meus pés. — Aessa hora, nao € nada extr: Adolphe. foi a tréplica de Robert. aordinario — comentou 139 “ Entéo, 0 que foi que vocé viu? — René voltou a perguntar. Estavamos apertados — disse Albert. Bela ocasiao para beliscar uns traseiros. Ba! — exclamou Albert. — Nao se trata disso. Entao conte. Jaa meu lado um tipo esquisito. Como assim? — perguntou René. Grande, magro, com um pescoco esquisito. Como assim? — perguntou René. Como se tivesse sido esticado. — Uma elonga¢ao — observou Georges, sempre preciso. E o chapéu, entao: muito esquisito. Como assim? — perguntou René. Sem fita, com um fio trangado em volta. Curioso — disse Robert. — Além disso — continuou Albert —, rabugento. Quem? — perguntou René. O tal sujeito, 6 claro! Quem vocé queria que fosse? O chapéu?!...— retrucou Albert, truculento. René nao deu por isso. .. E logo se pds a esbravejar com 0 vizinho — Albert retomara 0 relato. Por qué? — perguntou René. Achava que 0 outro estava pisando nos seus pés. De proposito? — surpreendeu-se Robert. Depropésito — constatou Albert. E dai? Dai? Foi simplesmente sentar-se. E dai? — perguntou René. O mais curioso foi duas horas depois. Por qué? — perguntou René. 140 — Dei com o cara de novo. — Onde? — perguntou René. — Defronte a estacdo Sao Lazaro. — Como foi dar com os costados por ali? — Sei la — disse Albert. $6 sei que estava caminhando para cima e para baixo comum companheiro que salientava em sua intencao 0 fato de que o botao de seu sobretudo se encontrava um pouco abaixo do devido lugar. / — Trata-se com efeito do conselho que Ihe dava — disse Théodore. AGORA QUE VOCES JA LERAM Luiz Rezende Nao 60 caso de proclamd-lo desde jd um cldssico, desses que a gente mostra aos netinhos, jd que, dizer, ele toma 6nibus. Jean Queval Para a redacao dos Exercicios, Queneau recorreu a todos os dominios por onde vagabundeava sua curiosidade. De modo geral, a leitura nao demanda maiores explicages. £ facil, por exemplo, captar os efeitos que busca 0 autor quando pée em cena tipos sociais; significativamente, entre a primeira redagio e as posteriores cerzidas de texto, alguns destes cafram fora, como 0 “Reacionario” e o “Feminino”, 0s tinicos a mencionar as senhas nas filas de espera € outras indicagdes sobre a prdtica arte de pegar énibus. Foram substituidos por artiffcios logico-matematicos que corres- pondiam melhor ao estilo do autor. Decifra-los, dizem, ¢ brincadeira de crianga, mas como nés, adultos, muitas vezes ja perdemos a paciéncia necessaria, dou aqui algumas dicas de leitura. Vejamos as “Permutagoes de grupos crescentes de letras ou palavras”: “Um dia, por volta do meio-dia, na plataforma traseira de um Onibus...” Vamos dividir 0 texto em grupos de cinco letras: 1)umdia, 2)porvo, 3)ltado, 4)meiod, 5)ia- nap, 6)lataf, 7)ormat, 8)rasei, etc. Agora invertemos: 2143 6587... A ordem de grandeza dos grupos aumenta a cada frase. O “Lipograma’”: antes de ser incorporado pelos oulipia- nos (membros do Ouvroir de Littérature Potentielle, ou “Atelié de Literatura Potencial”, grupo fundado por Queneau em 1960, e que incluia, entre outros, Italo Calvino e Georges Perec) 0 lipograma ja fizera as delicias dos retores alexandri- nos. Quem sabe grego talvez perceba de cara que trata-se de deixar cair uma letra, sem nada a ver com uma nova formula milagrosa de emagrecimento. .. senao texticular: fica artificil escrever com uma vogal a menos mas, j4 que é assim, escrevamos logo cinco versdes, cada uma enxuta de uma vogal — foi o que fez Eco, tradutor dos Exercicios para o italiano, e resolvi ir na sua cola, achando valido o argumen- to de base: radicalizar seus efeitos é a melhor, e talvez tinica fidelidade a tal sucessao de jogos de linguagem. ‘ Queneau também adorava metaplasmas, conjunto de operagGes que afetam fonemas e grafemas de uma palavra, no caso das “Apdcopes” e “Aféreses” por supressdo, Um leitor atento talvez perceba que basta somar os pedacos de umas e outras para restituir o texto. Eu tomei um 6nibus lotado... A ordem de leitura facilita o deslinde comum; sem a referéncia das ap6copes, seria virtualmente impossivel decifrar as aféreses. E interessante notar que ap6copes e aféreses séo recursos espontaneos na Passagem do latim as linguas neo-latinas. As vezes trata-se de adicionar uma silaba ou letra, em Principio sem alterar o sentido da palavra, em posicdo inicial — prétese, como o conhecido Rrose Sélavy (Avidae Rrosa), de Robert Desnos; intercalar — epéntese; ou final — Paragoge. A datilografia é a grande amiga de outra figura, a metdtese, que consiste na inversao de silabas ou letras no 144 interior da palavra. Trata-se de um fendmeno usual, seja na evolucio histérica das palavras, seja na linguagem popular, como no caso de pobrema e estrupo. Mais semanticamente marcado do que a metdtese, 0 anagrama consiste num rearranjo fonémico muito empregado para salientar “as palavras (dormindo) nas palavras”, segundo a formula saus- suriana, ou o parentesco de significantes distintos. As “Sincopes”, correspondendo a eliséo de uma vogal Atona, como no caso do e caduco na prosdodia francesa ou lusitana, pode ser exemplificada com dois alexandrinos do proprio Queneau: “Mais je crains pas tellment ce lugubre imbécile / qui viendra me cueillir au bout de son curdent” (Nao tenho medo nao do ligubre imbecil / que viré me picar na ponta do palito). Nosso malemolente sotaque tupiniquim emprega sistematicamente as sincopes pra, pruma, cum, dum, duma ou 0 r final dos verbos mas, a parte esses casos, palatalizagdes como em d(j)ia e t(x)ia, ou ainda os ie u finais bem arrastados, indicam antes uma pros6dia do excesso que um principio de sincope, de maneira que, traduzidas, nossas “Sincopes” tenham ganho um ar meia-tinta, mistura de capiau e portugués de botequim, dificil de evitar... Atingi- mos aqui um certo indice de intradutibilidade que reapare- cera com mais forca em varios outros exercicios. As supress6es assinaladas, talvez valha a pena insistir, sao for- mas privilegiadas de inflexdo dialetal. Para maiores detalhes sobre essas figuras, recomendo vivamente 0 Diciondrio de Poética de Michéle Aquien. A regularidade prosédica do francés, sistematicamente acentuado no final de cada grupo sintdtico e com suas sflabas finais 4tonas nao pronunciadas, eliminando quase todo traco oral de género e nimero, permite jogos de linguagem praticamente impossiveis em outros idiomas. 145 Dois enunciados distintos e relativamente complexos po- dem possuir rigorosamente o mesmo encadeamento fénico, e esta propriedade permite o mais tipico género francés, conhecido na Renascenga como equivoco e rebatizado de calembour pelo marqués de Biévre, um grande compilador do hidico periodo das Luzes, em homenagem ao abade de Calemberg, heréi popular da tradigéo medieval germanica. Todos os dicionérios citam “un effet de l'art” e “un nez fait de lard”, respectivamente um efeito da arte e um nariz de toucinho mas, sem a calembtirica homofonia, nao tem graca nenhuma. Queneau exerce moderadamente seu talento ca- lembtrico em um exercicio “Homof6nico”, inicialmente chamado em francés “E quase isso”, e aqui “Da (quase) na mesma”, A parte a modesta parafonia que veio substituir a homofonia do exercicio original, este ignora uma regra de ouro do calembour: um texto em aparéncia anédino reme- tendo a um duplo sentido. Um género mais classico é 0 dos Bouts Rimés — “Finais Rimados” — que o poeta Dulot inventou em meados do século XVI como uma matriz de futuros sonetos. Trata-se de construir versos a partir de rimas impostas numa ordem fixa pela audiéncia. Os termos escolhidos devem possuir a me- nor conex4o légica possivel para aumentar o efeito de surpresa do poema final. Como véem, algo semelhante aos desafios de nossos repentistas — La Fontaine e Furetiére brigaram usando finais rimados. Queneau fornece uma versao prosaica do exercicio com suas “Homoteleutas”, palavras terminando da mesma maneira. Tonica varidvel, género e numero marcados impuseram uma forma portu- guesa de “Parateleutas”. As “Parequeses” metem igualmente sob tensdo a maleabilidade da palavra, mas trata-se de uma figura rara, que consiste na repeti¢ao ritmica de um fonema 146 chegando a criar, como aqui, uma sensacdo obsedante de ladainha; a notar que o fonema retido por Queneau, “bu” [by], organiza o efeito em torno do sintagma central “bus” — suficiente, em francés corrente, para designar o parato- dos; em portugués, mais uma vez, a variacéo acentual im- pediu o mesmo procedimento. O Panurgio de Rabelais j4 mostrava que uma simples anti-estrofe separa femme folle a la messe e femme molle a la fesse. A traducao mulher maluca na missa e mulher de traseiro mole é literalmente enganosa, pois nao da conta da inversao entre fe m que produz o duplo sentido. Considera-se em geral que o personagem de Rabelais estava criando entao um género que se tornaria popularissimo sob a denomina- cdo, cunhada no século xvill por Etienne Tabourot num tratado sobre os jogos verbais, de contrepeterie, literalmente a contrapeidacao, nome meio vulgar, mas que deixa claro 0 espirito geral da coisa. Victor Hugo, que considerava 0 calembour “a titica do alado espirito”, ficaria ainda mais horrorizado com a contrepéterie. O contrapeido parece nosso popular trocadilho, mas nao é: trata-se de uma arte que na Franga se cultiva em familia, de pai a filho. O chique do contrapeido é seu ar de nada, mascarando a sem-vergonhice sob a mais anédina aparéncia. Abusar do contrapeido acaba virando vicio. O contrapeidador inveterado descodifica e recodifica todo e qualquer discurso. Queneau, sem dtivida handicapado por suas origens pequeno-burguesas, ndo o tinha no sangue, de maneira que seu exercfcio se contenta em troca-trocar as primeiras silabas de palavras contiguas. Meu “Trocadilho” traduzido também nao é dos mais felizes. “Meio-dia, sol a prumo. Na plataforma daquele S$ ia um raparigo de pescoco de peru, desmesurado...” Assim 0 texto fica anddino como um bom contrapeido, mas falta o talen- 147 ~ to... Como diz Queneau em seu diario, “nado se deve despre- zar os calembours. Desassossegam farisaismo e pretensao”. As figuras de discurso também estao representadas nos Exercicios. Além das formas poéticas fixas que podemos encontrar aqui e ali, ha outras, ret6ricas, menos conhecidas, como os “Poliptotos”, consistindo no emprego, em grupos frasicos discretos, de varias formas gramaticais da mesma palavra; trata-se portanto de um caso particular da “Repeti- cdo”, outra figura retérica. A “Sinquise”, como da para desconfiar, embaralha os termos do discurso. Ao lado das “odorantes flores retéricas”, Queneau pra- tica exercicios como a “Translacgaéo”, que no inicio imaginei ser uma traducdo macarr6nica, mas consiste em substituir cada palavra de um texto dado pela sétima seguinte no diciondrio — usei 0 Aurélio. O “Pai-dos-burros”, cujo nome em francés — “Definicional” — é mais neutro e menos evidente, consiste em substituir cada palavra por sua defi- nico dicionarizada. Se no caso da “Translagao” € claro que nem todas as palavras serao substituidas — € preciso guardar pronomes € conectivos para dar cara de escrita —, 0 “Pai- dos-burros” apresenta por seu lado um limite “definicio- nal”, caso contrario 0 jogo substitutivo se torna infinito. Em outros exercicios menos marcadamente oulipianos, como “Em Duplicata”, germina a mesma tendéncia. Em Saint-Germain-des-Prés, a filosofia da moda nos anos quarenta era o existencialismo. Ficaré evidente para todos que exercicios como “Filos6fico” ou “P6s-tudo” se aproximam de nés, histérica e geograficamente. O mesmo poderia ser dito de “Graméatica transformativa” ou de “Geo- métrico”, igualmente atualizados. O espirito adaptativo pre- valece ainda em “Para os franceses”, inspirado por um exercicio de sotaque inglés; 0 método utilizado foi uma 148 transcricéo fonética em alfabeto da Berlitz, e o resultado deverd surpreender os que imaginam que em portugués se escreve como se fala. “Para os franceses (nem parisienses nem paulistas, mas portugo-cariocas)”: Eu nem bem tinha chegado e jd na alfandega me aliviaram duns dinheitos. Assim mesmo deu pré compra um guia Berlitz © prd toma um’dgua di coco cum pastel e um suco de jabuticuba (sic) cum baba de moca qui tava chocante. Depois subimos nudnibus S, disseram pra n6is que crianca nao paga meia passagem, e foi cingiienta e dois dolar pru ponto final, 0 taxi era o dobro, até qui foi barato. Ld no dnibus Sia um rapaz cum piscoco comprido ium chapéu esquisito onde umas trancas substitutam a tira, De repente, ele comecou a reclamd comigo ieu preguntei, depois de olhd nu Berlitz, “que quer beber?”, mas ele continuou a reclamd iew disse assim: “Otimo. é muito amével de sua parte, Virei com muito gosto [prazer]". Ele gritava sempre ieu, assustado, disse: “Disculpe. nao falo muito bem portugués. Nao compreendo [entendo]. Quanto é a multa?” Bom, agora que voces jé estao treinados, podem (re)ler o resto da histéria sozinhos. Ao lado dos jogos retéricos e formais, os Exercicios em- pregam também doses céngruas de parddia e pastiche lite- rério, que tentei restituir com as armas de nossos plumitivos; no “Sertanejo”, por exemplo, lembrei-me de tantos resultados desastrosos nas tentativas caipirizantes, de Balzac a Oswald, e fiz uma colagem “nonadizante” para evitar 0 ridiculo. Desvios e empréstimos abusivos, pelo menos quanto ao espirito brincalhao que os anima, séo uma natureza primei- ra de Queneau. Victor Hugo, por exemplo, “c’était l'heure tranquille ow les lions vont boire”, talqualmente usada no exercicio “Zoolégico”, parodiada por Zazi, que vai molecar 149

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