Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
10
15
20
25
30
Havia um sapateiro, que trabalhava porta de casa, e todo o santssimo dia cantava;
tinha muitos filhos, que andavam rotinhos pela rua, pela muita pobreza, e noite enquanto
a mulher fazia a ceia, o homem puxava da viola e tocava os seus batuques muito
contente. Defronte dele morava um ricao, que reparou naquele viver, e teve pelo
sapateiro tal compaixo, que lhe mandou dar um saco de dinheiro, porque o queria fazer
feliz.
O sapateiro l ficou admirado; pegou no dinheiro e noite fechou-se com a mulher
para o contarem. Naquela noite o sapateiro j no tocou viola; as crianas andavam a
brincar pela casa e faziam barulho, fizeram-no errar a conta e ele teve de lhes bater, e
ouviu-se uma choradeira, como nunca tinham feito quando tinham mais fome. Dizia a
mulher:
E agora, o que havemos ns de fazer a tanto dinheiro?
Enterra-se.
Perdemo-lhe o tino; melhor met-lo na arca.
Mas podem roub-lo, o melhor p-lo a render.
Ora isso ser onzeneiro.
Ento levantam-se as casas, e fazem-se de sobrado, e depois arranjo a oficina toda
pintadinha.
Isso no tem nada com a obra; o melhor era comprarmos uns campinhos; eu sou
filha de lavrador e puxa-me o corpo para o campo.
Nessa no caio eu.
Pois o que me faz conta ter terra; tudo o mais vento.
As coisas foram-se azedando, palavra puxa palavra, o homem zanga-se, atia duas
solhas na mulher, berreiro de uma banda, berreiro de outra, naquela noite no pregaram
olho. O vizinho ricao reparava em tudo, e no sabia explicar aquela mudana. Por fim o
sapateiro disse mulher:
Sabes que mais, o dinheiro tirou-nos a nossa antiga alegria! O melhor era ir lev-lo
outra vez ao vizinho dali defronte, e que nos deixe c com aquela pobreza que nos fazia
amigos um do outro.
A mulher abraou aquilo com ambas as mos e o sapateiro com vontade de recobrar
a sua alegria e a da mulher e dos filhos, foi entregar o dinheiro e voltou para a sua tripea
a cantar e trabalhar como o costume.