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AUGUSTO BOAL > Ne €X€rciciOs € jOgOS ‘para O ator Ren Cote) Me o)enlasce)s1b-\e(o. elcome abyaaae lc er nae _ ee | 44 EDICAO CIVILIZAGAO ae lie th TEATRO PARA TODOS © brasileiro Augusto Boal é hoje um notavel cidadéo do mundo. Sua concepgéo do Teatro como instru- mento de progresso social foi sem- pre to profunda, t&o liberta de li- mitagdes nacionais, que muitos pai- ses além do Brasil — notadamente o Peru, o Chile, a Argentina e Por- tugal — o estimam e respeitam seu trabalho, que é inovador e conse- qiiente. Se um Barrault, por exemplo, tor- nou-se grande no mundo teatral pela consolidagdo das formas tradi- cionais, ou por invencées destinadas a se transformarem em tradigéo no momento mesmo de serem postas em pratica, Boal fez-se grande por quebrar com essas tradig6es e trans- formar 0 espago cénico num campo aberto para a criacéo de um teatro novo, de contexto basicamente poli- tico, no que se mostra ilustre conti- nuador do trabalho pioneiro de Brecht e Piscator. Suas realizagdes no Teatro de Arena de Sio Paulo se contam entre as mais sérias ten- tativas de renovacéo do teatro bra- sileiro. O sistema “Coringa”, por ele cria- do, foi basico na formacfo dos es- quemas que tornaram vidveis as mais frutiferas experiéncias dos grupos teatrais que agitaram a ce- na brasileira, principalmente o Tea- tro Oficina. No centro das preocupa- gOes de Boal estava a de desbravar Os caminhos que trouxessem o tea- tro ao encontro do povo, pelo qual © para o qual ele era feito, Para Colegio TEATRO HOJE Volume 30 Augusto Boal 200 exercicios e€ jogos para o ator e o nao-ator com vontade de dizer algo através do teatro 4,2 EDICAO civilizagaéo brasileira Diagramagio: Léa CauLuiraux Direitos desta edico reservados, com exclusividade para o Brasil, a EDITORA CIVILIZACAO BRASILEIRA S.A. Rua Muniz Barreto, 715-721 RIO DE JANEIRO — RJ 1982 Impresso no Brasil Printed in Brazil Sumario Apresentagéo 9 Introdugéo 13 I — Entrevistas 13 {1 — Histéria do Teatro Arena de Sao Paulo 28 Jogos e exercicios 58 1 — Aquecimento fisico 58 * II — Aquecimento ideolégico 91 III — Aquecimento yocal 92 IV — Aquecimento emocional 93 V — Jogos de integracéo do elenco 95 VI — Exercicios de mascaras e rituais 97 VII — Quepra da repressio 106 VIII — Exercicios gerais sem texto 108 IX — Ensaios de motivagao com texto 112 X — Seqiiéncia e ensaios “pique-pique” 121 Apresentagao Esre Livro é 0 terceiro de uma série que comega com TEATRO DO OPRIMIDO, onde apresento a teoria de um teatro que seja realmente libertador e que comece por libertar o espectador da sua passividade, da sua condigéo de testemunha, e que o converta em ser ativo, em protagonista do fendémeno teatral. Segue-se Técnicas LATINO-AMERICANAS DE TEATRO POPULAR, onde sistematizo todas as principais formas latino-americanas de teatro do povo: teatro de agitacdo, teatro-debate, teatro in- visivel, teatro-Biblia, etc. Formas em que 0 povo passa a uti- lizar o teatro em proveito préprio. Finalmente, 200 Exercictos E JoGOs PARA O ATOR E PARA O NAO-ATOR COM VONTADE DE Dizer ALGO ATRAVEs DO TEATRO completa o ciclo, oferecendo exercicios e jogos que ajudem o nao-ator (operario, camponés, estudante, paroquiano, empregado publico, todos) a desentor- pecer o corpo, alienado, mecanizado, ritualizado pelas tarefas quotidianas da sociedade capitalista. Os trés livros, em conjunto, visam ajudar a restituir ao povo aquilo que lhe foi roubado: no comego, sempre, em toda a parte, o teatro era uma festa popular, cantada e dangada a céu aberto. Na Grécia, no Yucatan, ou nas selvas de Mato io Grosso, sempre assim foi. Vieram depois as classes dominantes e erigiram muros de pedra (para que o teatro fosse feito apenas dentro dos teatros — um absurdo!) e muros estéticos que se- parassem os atores (ativos) dos espectadores (receptivos). Uns produzindo, outros consumindo, O que? A ideologia dominante. Agora, por toda a parte, vé-se que os muros esto ruindo. Por toda a parte faz-se teatro e todo o mundo o faz. Porque na luta contra a opressdo devem-se usar todas as armas. O teatro € todas as demais artes também sao armas. E preciso usé-las! E preciso que o povo as use! O propésito deste livro é sistematizar todos os exercicios utilizados pelo Teatro Arena de Sao Paulo (Brasil) entre 1956 e 1971, periodo durante o qual fui o seu diretor artistico. Os exercicios pertencem as diversas fases por que passou esse teatro: realismo naturalista, nacionalizagao dos classicos, sistema “coringa”, teatro-jornal. A maior parte destes exerci- cios foi inventada no préprio Teatro de Arena (especialmente os de rituais e mascaras); alguns serviam para solucionar pro- blemas especificos do momento ou de determinada obra, en- quanto outros tinham uma aplicagao mais duradoura. Também se incluem exercicios inventados por Stanislawsky e Brecht (as nossas principais fontes em todas as nossas etapas) € por outros diretores e grupos, especialmente latino-ameri- canos, Nestes casos, explicamos os exercicios tal como eram praticados no nosso teatro, e nao nas suas verses originais. Nesta selegdo incluem-se, principalmente, os exercicios que podem ser praticados por atores e nao-atores (estudantes, ope- rarios, etc.) quando estes desejem utilizar 6 teatro como forma valida de comunicagao ou diretamente como manifestacio po- litica. Certos exercicios, como por exemplo os de “integracio de elenco”, sao indicados para atrair e estimular um “elenco” de nao-atores a representar. Sido exercicios que mais parecem jogos de saldéo do que um laboratério artistico: situam-se pre- cisamente nos limites entre o jogo e a arte. O nao-ator intervém no jogo: mas jogaré melhor na medida em que se disponha a tepresentar, ainda que sem se aperceber disso. Estes apontamentos séo uma descrigdo “a frio” de exer- cicios inventados e praticados “a quente”, durante os ensaios em que se lutava pela criagéo de uma arte nacional e popular, 10 uma arte combativa. Pensamos que se facilitaria a compreensio das condigées em que os exercicios foram concebidos e prati- cados, se pudéssemos juntar uma introdugdo que oferecesse, embora sumariamente, um panorama geral de certas idéias, conceitos, experimentagGes e opgGes politicas que presidiram a todas as experiéncias do Teatro Arena de Sao Paulo. Esta introdugao consiste em entrevistas publicadas por La Pétria, de Manizales, Colémbia, L’Est Republicain, de Nancy, Franga; e Le Monde, de Paris. Existem algumas repetig6es, que re- fletem o préprio processo reiterativo da investigacéo, Juntamos também uma resenha histérica e outras informacdes. Esta edigdo brasileira é a mais completa de todas as que este livro j4 teve. Acrescentei novos exercicios que comecei a utilizar em Portugal, com os meus alunos do Conservatério de Lisboa e com atores profissionais. Procurei também explicar melhor alguns exercicios que talvez nao estivessem muito claros nas edig6es anteriores. Este livro comegou a ser escrito no Brasil, em bom bra- sileiro. Foi editado pela primeira vez em Buenos Aires, em es- panhol, isto é, em portenho. Aportuguesou-se para a edigao lusitana e aparece agora, outra vez, na nossa lingua. Isso ex- plica possiveis desunidades estilisticas. Lisboa, abril de 1977 AUGUSTO BOAL 11 Introducao 1 — Entrevistas Numa comédia de Moligre um personagem declara que os doentes foram feitos para a medicina e nao a medicina para os doentes. Quem dizia isto era um médico. Também ha gente que pensa que os espectadores foram feitos para 0 teatro e nao o teatro para os espectadores. Quem diz isto é cretino. O teatro é uma forma de comunicacao entre os homens; as formas teatrais nao se desenvolvem de maneira auténoma, antes respondem sempre a necessidades sociais bem determi- nadas e a momentos precisos. O espetdculo faz-se para 0 es- pectador e nao o espectador para o espetaculo; 0 espectador muda, logo o espetaculo também tera de mudar. O imperialismo pretende universalizar as formas de arte, da mesma maneira que universaliza a moda e a coca-cola, fa- zendo no entanto com que a origem da moda esteja nos proprios paises imperialistas. O reaciondrio Marshall Mcluhan afirma que, nesta época de tecnologia tao desenvolvida, 0 mundo se transformou numa aldeia global. Através do satélite, as noticias correm 0 mundo no mesmo instante em que se produzem. Sa- télite em mfo tnica: de 14 para ca tudo; de cd para 14, nada. 13 Num ntmero da revista The Drama Review dedicada ao teatro Jatino-americano, afirma-se que por aqui o teatro anda muito atrasado, porque ainda se utiliza o “palco A italiana”. En Primeiro lugar, isso nfo € verdade, porque em alguns dos nossos paises, especialmente o Brasil e a Colémbia, o teatro popular hé muito que encontrou o caminho das Tuas, dos es- tadios, dos circos, e quaisquer outros locais onde o povo se Possa reunir. Em segundo lugar, o teatro niilista norte-ameri- cano, cadtico e anarquista, pode ter grande valor para esse pais como arma de Iuta eficaz, mas nao tem o menor interesse para nés. O teatro ianque realiza espetdculos niilistas, portanto todos os paises devem segui-lo: este: pensamento est4 cheio de imperialismo cultural. Em terceiro lugar, T.D.R. confundiu as diversas broadways latino-americanas (tio reacionérias como a original) com o verdadeiro teatro latino-americano, politico € atuante, que encontra as suas préprias formas sem tutela es- trangeira, de acordo com as suas préprias necessidades, apre- sentando-se em locais publicos quando é possivel ou trabalhando na clandestinidade quando necessario. Convém repetir: quando os operdrios estiverem no poder na Argentina, ndo vejo porque nao deverao fazer espetaculos no palco “a italiana” do Teatro Colon. Quando Perén abrin esse teatro ao povo desengravatado, o Colén foi popular apesar dos seus veludos. Quando a Revolucéo Cubana Tesgatou as bones burguesas, 0 povo comecou a dancar A meia-luz. Por que nao? Sempre gostei de fazer teatro nas ruas e nos cam‘nhées, mas parece-me ingenuidade pensar que nao se pode fazS-lo em teatros convencionais, © teatro popular pode ser feito em qualquer lugar: até nos proprios teatros da burguesia; e por qualquer pessoa; até por atores. Pergunta — Alguém ja lhe Pperguntou: “se vocé gosta tanto de teatro politico, porque nao abandona o teatro e nao vai diretamente para a rua fazer politica?” Boal — E eu ja respondi a isso: “se algué: i teatro de boulevard rane porque nao Rbatigona’ onan é nao vai diretamente para a cama fazer amor?”. Que diabo! que tem a ver uma coisa com a outra? O teatro nao é uma 14 atividade isolada do resto. Uma pessoa pode fazer amor e es- crever uma peca sobre o amor; uma coisa nao invalida a outra. De igual modo, uma pessoa pode fazer politica e escrever uma peca sobre politica. Quem o impede? Por que excluir um tema tao importante e amplo como a politica e nao excluir temas menores? Todo o teatro é politico, ainda que nao trate de temas especificamente politicos. Dizer “teatro politico” € um pleonasmo, como seria dizet “homem humano”, Todo o teatro é politico, como todos os homens sao humanos, ainda que al- guns se esquegam disso. Pergunta — Ha quem afirme que um teatro verdadeira- mente revolucionario deve apresentar-se sob uma forma igual- mente revolucionaria. Sera assim? Boal — Essa afitmagao é prépria dos que estdéo acostu- mados a trabalhar para o establishment. Afirmam que é pre- ciso criar novas formas porque as velhas estao viciadas pelos contetidos que habitualmente transmitem. Isso pode ser verdade sob certo ponto de vista e pode ser valido para alguns paises. Mas fazer teatro popular na América Latina ja im- plica praticar um ato revolucionario, quando se faz tal teatro _ para o povo. Neste caso, qualquer forma € revoluciondria, ja que, de um modo geral, o publico a que se destina nunca viu nenhuma espécie de teatro: a presenga do ator (a presenca fisica) é um fato absolutamente novo, por contraposigao as formas que esse piiblico possivelmente ja conhece: cinema e televisio (quando a vé nas vitrinas das lojas). O contetido ey o que realmente importa: Tenessee Williams € igualmente mau num teatro burgués ou num caminhao. Ha que procurar sempre formas novas? Claro que sim: a tealidade € sempre nova. Mas nao devemos correr como bobos em busca da tltima moda. Devemos responder com formas novas aos novos desafios da realidade. Pergunta — Ento V. € contra o aproveitamento das técni- cas desenvolvidas noutros paises? Boal — De modo nenhum. Sou contra a utilizagado “res- peitosa” dessas técnicas. Olhe, no recente Festival de Mani- zales (1972), o Equador apresentou-se com dois espetdculos muito “bons”: uma obra de Jorge Diaz, representada num es- Mei tilo “Marcel Marceau”, com excelentes atores fazendo uma mi- mica invejavel, e “As Tentacdes de Santo Antonio”. Este grupo apresentou-se num teatro muito grande, mas ignorou a platéia € armou um pequeno teatro de 80 lugares, ou 90 (j4 nao me lembro), para fazer uma experiéncia de “elite” teatral, segundo técnicas que o diretor aprendera com .© polonés Grotowsky. Por essa altura, existia no Equador uma ditadura de direita, havia e ainda ha exploracio norte-americana e um povo fa- minto, mas esse elenco Preocupava-se com os mitos subcons- cientes de Santo Anténio; quer dizer, apresentava-se como uma vitima passiva do colonianismo cultural; diz-se que o mais avan- gado é trabalhar com os mitos subconscientes, e assim o elenco abandona as realidades conscientes e visiveis, esquecendo-se de lutar pela sua transformacao. E Grotowsky que tem culpa? Claro que nao. Ele pré- prio diz que nao quer que o imitem. E acrescenta: quem quiser que procure os mitos inconscientes do seu pais ou sociedade. Mas isso também ndo interessa, porque o importante nos pat- ses latino-americanos nao é procurar mitos para uma purifi- cacao espiritual, mas sim oferecer ferramentas muito concretas © conscientes para que o espectador popular se “purifique” das classes que o oprimem. A presenga do imperialismo.nozte-ame- ticano nao € mitica, é algo muito concreto, muito presente e visivel nas fabricas que so propriedade sua, nos policiais que sao por eles treinados, nas formas de comunicagao de massas, nas séries que nos trazem A televisdo o pensamento dos ban- queiros ianques, nos jornais e nas agincias noticiosas, nas uni- versidades controladas por eles, etc. Tudo isto é muito con- creto, objetivo e nada subconsciente. E tem que ser combatido e destruido. Pergunta — Mas no Teatro Arena de Sao Paulo, sob a sua direcao artistica, utilizou-se durante anos o método de Stanislawsky. . . Boal — Repito: 0 espectador é o elemento fundamental da comunicacao através do teatro. Podemos utilizar técnicas, métodos e sugestées de qualquer pessoa: Stanislawsky, Brecht, velhos atores de circo, etc... Se para melhorar a comuni¢agao com determinado publico € preciso utilizar Artaud, que se utilize Aitaud. Nao me oponho. Mas sou contra toda 16 e qualquer forma de colonialismo cultural: “isto esté na moda, entao fagamo-lo para habituar o nosso publico A ultima moda da Europa ou dos Estados Unidos”. Isso é que nao! O povo nao pode ser “domesticado” ou “amestrado” para aprender a gostar de formas ou espetdéculos que nao tém nada a ver com ele. Por isso temos que dizer NAo, terminantemente N&o! a varias modas muito em voga atualmente. Quantas ve- zes se ouviu dizer que 0 povo de determinadas cidades “nao est preparado” para certa peca ou espetaculo? Isso é mentira; © que sucede € que esse espetaculo ou essa peca nao lhe agra- da, nao Ihe interessa, Primeiro NAO: nao aos “atores sagrados”, preparados desde criangas para o seu sacerdécio; mas sim as técnicas que ajudam qualquer pessoa a utilizar o teatro como meio valido de comunicagao. Na América Latina, o ator que se especializa € utilizado pela burguesia; profissionalmente, vive do que a burguesia lhe paga no teatro, no cinema ou na tele- viséo. NAO ao ator profissional, especializado, e sim A arte de representar como manifestagao possivel para todos os homens (nao existem “atletas”: todos os homens sio atléticos e ha que desenvolver as potencialidades de todos, e nao sé de alguns eleitos que se especializam, enquanto os outros ficam relegados a simples espectadores). Podemos assistir a um bom jogo de futebol, mas devemos sobretudo aprender a jogar futebol. Nao € necessrio que o ator comece a sua educagéo aos 8 ou 12 anos; qualquer pessoa pode comecar a fazer teatro quando sentir necessidade disso. O adulto que nao teve oportunidade de aprender a ler em crianca (inais de 50% da populagao da América Latina), tera por isso perdido o direito de aifabetizar-se na idade madura? A alfabetizagao teatral é necessdria porque € uma forma de comunicacao muito poderosa e til nas trans- formagGes sociais. HA que aprender a ler. Hé que lutar pelos nossos direitos, ha que utilizar todas as formas possiveis para promover a libertag4o; por isso devemos dizer NAO aos “atores sagrados”. Nao estou contra os profissionais. Mas estou contra © fato de as representagGes se limitarem a profissionais! To- dos devem representar! N&o aos mitos subconscientes; temos que falar direta- mente a consciéncia do povo, mostrar-lhe os rituais que as 17 classes dominantes utilizam para continuar a exploracéo. A sobrevivéncia anacrénica e desumana da propriedade privada dos meios de produgao determina rituais de posse, obedién- cia, caridade, resignagao, etc., que devem ser desmistificados e destruidos. Nao devemos “ritualizar” as relagdes humanas, mas sim mostrat que j4 estdo ritualizadas e indicar como po- deremos destruir esses rituais para que se destrua o sistema injusto e se possa criar um novo, N&o as “méascaras psicoldgicas”, que determinam que OS nossos rostos sejam “ferozes” ou “fleumaticos”, “bons” ou “maus”, ou seja 14 o que for. Pelo contrario, devemos pro- curar as ‘“‘méascaras sociais de comportamento referido”, que mostram como os rituais de uma dada sociedade, ao exigir certas respostas predeterminadas, acabam por impor a cada um a sua “méascara social”. Somos 0 que somos porque perten- cemos a uma determinada classe social, cumprimos determi- nadas fungdes sociais e por isso “temos” que desempenhar certos rituais, tantas e tantas vezes que por fim a nossa caza, a nossa maneira de andar, a nossa forma de pensar, de rir, de chorar ou de fazer amor, acabam por adquirir uma forma rigida, preestabelecida, uma “méscara social”. E horrivel, mas € verdade: se nao nos precavemos, até mesmo na cama aca- bamos por nos mecanizar; até o carinho acaba perdendo a graga; até o amor se ritualiza. Pergunta — Qual é a diferenga entre a “mascara social” e o cliché? Boal — O cliché, utilizado em certos tipos de teatro (mao no cora¢ao, para significar amor, rostos dulcissimos para Jesus e Maria. ..), é sempre adotado idealmente, sem nenhuma ve- tificagao de rituais sociais. Quer dizer, convenciona-se que tais Sestos significam tais idéias ou emogoes, que tais expressdes fisionémicas significam isto ou aquilo; trata-se de convencdes. Uma convengao, um cliché, em si mesmo, nado é nem bom nem mau, nem branco nem preto; depende do uso que dele se faz. Um nariz postigo, uma barriga grande, dculos enormes, ma- quilagem exagerada, nenhum destes elementos é bom ou mau. E puritanismo pensar-se 9 contrario; julgar que tais recursos nao prestam significa pensar que a arte é auténoma, quando na verdade deve responder a desafios da realidade. Se a reali- 18 dade do espectador exige um nariz postigo, fagamos também postiga a barriga. Por que nao? Mas a miscara social nao é um cliché, nao é arbitraria, nem € uma convencao. E o resultado de uma profunda in- vestigacdo dos rituais, que a personagem desempenha; a mas- cara social forma-se a partir desses rituais. As ordens que um general distribui e todos os rituais de hierarquia e obediéncia determinam a sua maneira de andar, de_falar.e de pensar, e também a forma especial das suas relagdes com a mulher, os filhos e os vizinhos. Os contra- almirantes tém todos cara de contra-almirantes. Porque, como dizia Simone de Beauvoir, quando os Viscondes se encontram conversam assuntos de Viscondes, comportam-se como verda- deiros Viscondes, e acabam-se transformando em Viscondes verdadeiros. Todos os operarios que realizam o mesmo trabalho ter- minam por parecer-se até mesmo muscularmente. Todos os datilégrafos acabam por ter alguma semelhanca na maneira de sentar. Todos os latifundidrios acabam por montar nas cadeiras em que se sentam, como se montassem em seus ca- valos. E natural. Todos os artistas de teatro acabam por ter alguma coisa (sutil ou grosseira) de exibicionista, pois que sao forcados a se exibirem nos palcos todas as noites. E na- tural. O contrario sim, nao seria possivel. N&o € possivel que um contra-almirante faca amor da mesma maneira que um operdrio ou um ex-padre... A acio concreta é a mesma, mas a forma particular que assume em cada caso é determinada pelos rituais sociais que impdem uma méscara a cada ser humano, quer dizer, “matam” 90% das suas possibilidades de resposta e mecanizam-no; uma pessoa sempre fara as mesmas coisas, da mesma maneira (0 ser social condiciona o pensamento social), andaré do mesmo modo, sen- tar-se-4, amard, jogaré futebol, tudo da mesma maneira. As Pessoas que pertencem 4 mesma classe social possuem caracte- risticas comuns que fazem parte da mascara. Todas estas pessoas agem, nao em fungao das suas caracteristicas “psicoldgicas”, mas em fungao das suas “necessidades sociais”; estas necessi- dades so 0 “micleo” da mascara. O niicleo fara com que os espectadores compreendam que todos os burgueses agirao sem- 19 pre como tais, seja qual for a diferenga individual entre eles. A agao dramatica deve mostrar-se nao como um “conflito de vontades livres”, como pretendia Hegel, mas sim como uma “contradicao de necessidades sociais”, tal como € explicado pelo materialismo histérico. Talvez eu possa explicar isto de outra maneira. Um per- sonagem pode ser revelado a nivel “universal”, como os anjos da Idade Média, os deménios, os vicios, as virtudes, etc. Sio também de nivel “universal” 0 “patrao” e o “operdrio” de certo teatro didatico contempor4neo. Pelo contrario, podem ser apresentados a nivel “singular” em certo teatro psicologista. realista, que se dedica 4 apresentagéo de casos especiais. Po- dem finalmente ser apresentados a nivel do “particular tipico”, quer dizer, da forma que inclui o individuo singular e ao mesmo tempo todas as caracteristicas do universal dessa espécie. Este “particular tipico” pode dar-se a dois niveis: o do realismo empatico, do tipo de Arthur Miller (por exemplo, A Morte de um Caixeiro Viajante) em que o personagem é simultaneamente ele préprio e um representante da sua classe, mas no qual a necessidade social se apresenta na sua con- erecao psicoldgica e individual, ou ao nivel ndo-empatico, como costuma acontecer nas obras de Bertolt Brecht, onde se mostra claramente o carater “sujeito” da necessidade social e o cardte “objeto” da vontade individual. Este é um problema muito delicado, porque € simultaneamente um problema de drami- turgia e um problema de interpretagéo: uma obra de Brecht pode ser interpretada a nivel empatico e uma obra de Miller a nivel nao-empatico, Por isso interessa (como se faz no sis- tema “Coringa’’) eliminar a identificacao ator-personagem, que € responsavel pelo fato de ser muitas vezes dificil para o es- pectador distinguir entre a necessidade social e a vontade indi- vidual, uma vez que a mascara social tende a diluir-se no corpo do ator, na sua personalidade. O espectador vé um homem que fala e portanto é levado a atribuir-Ihe tal psicologia, que pode ser o cardter de uma classe, de uma funcio social, e nao apenas desse homem. No sistema “‘coringa”, este dbice é eliminado, Porque a mascara social da personagem ¢ interpretada em cadu cena por um ator diferente, o que faz com que o espectador 20 nao a “encarne” em nenhum ator: a necessidade social aparece assim com mais clareza, E preciso que isto fique claro: ha uma diferenca pro- funda entre o “cliché” e o “particular tipico”, que € a mascara social. O primeiro pode conter, por convencao, a rt do universal, e nada mais: Tio Sam, o Burguesdide, etc... A méascara contém nao sé a esséncia do universal (que funciona como seu ntcleo), mas também outras caracteristicas mao- essenciais e mais circunstanciais, existenciais. Trata-se de um “determinado” burguesdide, um Tio Sam, um latifundidrio, e nao outro. A necessidade social pode, in- clusive, entrar em conflito aberto com a vontade individual; © que se deve mostrar é que a necessidade é sempre a forga do- minante, e a acdo dramatica (como a Histéria) move-se de- vido a uma contradigao de necessidades e nao a um conflito de vontades. Por outro lado, no que diz respeito aos clichés, ideo- gramas e narizes postigos, tudo depende do uso que deles se fizer. Nao sao categorias malditas. O que importa é saber o que se vai dizer, a quem e para qué, e entao utilizar a linguagem mais conyeniente. Pergunta — Como se poderia definir um “ritual”? Boal — Um ritual é todo um sistema de agGes e reagées predeterminadas. Para atravessar a rua ha que aguardar a luz verde. Ao entrar na igreja, fala-se em voz baixa. As relag6es entre os seres humanos processam-se segundo agdes e reacdes mais ou menos preestabelecidas pelas leis, tradigGes. /4b.tos, costumes, etc... Estas relagdes predeterminadas :azem com que os fenémenos sigam caminhos mais ou menos previsiveis. Quando dois militares se encontram, pode-se prever que farao a continéncia; quando dois carros se cruzam, passarao pela direita; quando o capitalista trata dos seus negécios, procuraré obter o maximo lucro; quando o crente se confessa, o padre absolvé-lo-4. Estes rituais sao absolutamente necessdrios para que os homens se possam relacionar uns com os outros, ainda que eliminem numa proporcao assustadora a possibilidade de “respostas originais”: o militar que faz uma careta, 0 padre que repreende o fiel aos gritos, o capitalista que distribui os lucros pelos operdrios, o carro. que prefere subir pela. calgada. 21 Por isso estes rituais sdo absolutamente necessdrios e ao mesmo tempo devem ser constantemente destruidos e substituidos por outros, a fim de que a relagao entre os homens possa evoluir. A atitude conservadora consiste em nao desejar nenhuma mu- danca de rituais; a atitude anarquista consiste em nao desejar nenhum ritual. O comportamento ritualizado € o comportamento morto: o homem nao cria, apenas desempenha um papel sem criati- vidade. O conjunto de papéis desempenhado por cada in viduo na sociedade cria nele uma “mascara”. Muitos rituais sao abstratos. A hierarquia militar, por exem- plo, é um conjunto de rituais determinados por leis abstratas. Porém, a arte 6 o cdnhecimento que se transmite através dos sentidos; por isso é necessdrio “coisificar” a hierarquia paca a tevelar através dos sentidos. O ritual apresentado teatralmente é7a “coisificagio” das leis, dos costumes, etc. . . Dentro do sistema “Coringa”, o espetaculo deve apre- sentar rituais realizados por um conjunto de mascaras que pas- sam de ator para ator, de modo a que o espectador possa ve- rificar que todos os rituais (mesmo os absolutamente neces- sdrios) devem ser constantemente destruidos, para que outros sejam criados e destruidos, para dar lugar a outros, que sérao igualmente destruidos, a fim de que o tempo e a vida nao sejam detidos. O teatro deve modificar o espectador, dando-lhe consci- éncia do mundo em que vive e do movimento desse mundo. O teatro da ao espectador a consciéncia da realidade; é ao es- pectador que cabe modificd-la. Pergunta — Acredita na funcdo politica do teatro? Boal — Toda a acéo humana modifica a sociedade e a natureza. A arte e a ciéncia modificam a natureza de uma forma organizada, nao-episédica, segundo as suas préprias leis. Mas ha uma diferenca fundamental entre a ciéncia e a arte. Quando Fleming descobriu a penicilina, nao precisou da consciéncia do doente para curd-lo. A ciéncia atua direta- mente sobre a realidade, modificando-a. Pelo contrério, a arte modifica os modificadores da sociedade, transforma os trans- formadores. A sua acdo é indireta, exerce-se sobre a consci- éncia dos que vao atuar na vida real. 22 Para que os transformadores da realidade possam trans- formé-la, precisam conhecé-la através do estudo, da partici- pacao politica e também através do teatro. A arte pode re- velar a realidade a dois niveis: o dos fenémenos e o das leis que regem os fenémenos. O realismo — e ainda mais, o natu- ralismo — tende a apresentar os fenémenos, ocultando as leis; certo teatro de “idéias” tende a discutir as leis sem a produgao de fenémenos (idéias abstratas). O problema basico do sis- tema “Coringa” consiste em “coisificar” as leis que regem os fenémenos. O operdrio pode informar-se da situagdo politica do seu pais através dos jornais (se souber interpretar os jornais das classes dominantes), e pode igualmente conhec$-la através da representacdo teatral, ritualizada, que Ihe mostra cada fase da luta de classes no seu desenvolvimento, Isso é importante: toda peca deve mostrar os dois niveis. O nivel concreto dos fenémenos particulares, porque essa é a matéria da arte, que trata de coisas reais, e o teatro trata de gente de carne e osso, trata de seres humanos, trata da vida social — é preciso mos- tré-la. Mas deve mover-se também ao nivel das leis que regem @sses fendmenos, porque a arte deve mostrar a organizacéo interna da realidade. Deve mostrar as coisas como sao, sim, mas deve mostrar também porque sao como sao. Pergunta — Pelo que diz, uma “m4scara” tem algo que ver com a mecanizacio, com o “ato reflexo” de Pavlov, ou coisa do género. Sera assim? Boal — Nao. O animal nao tem “mascara”, ainda que possa obedecer a certos estimulos sempre da mesma maneira; o animal nao se aliena. As suas agGes e reagdes podem ter razGes biolégicas, climaticas, etc., mas nunca sociolégicas. Pode me- canizar certas reacdes, mas estas mecanizacdes nao séo més- caras, nado obstante todas as mdascaras serem mecanizagées. O homem é o tnico animal aliendvel. Isto pode ver-se com cla- reza numa corrida de touros. Neste ritual, o toureiro move-se segundo regras preestabelecidas, ao passo que o touro reage sem nenhum condicionamento ritualizado. O toureiro repre- senta rituais (quer dizer, a sua vida e o seu estilo sao deter- minados e limitados por regras, costumes e tradigées, perfei- tamente integrados j4 no seu cardter, na sua personalidade, Na sua mascara), ao passo que o touro atua limitado apenas 23 por motivos e estimulos fisicos: cor, movimento. Neste sentido, poderiamos dizer que o toureiro é alienado, enquanto 0 touro € auténtico (acrescento que nao hd aqui vantagem em ser auténtico). Possc-lhe contar um caso explicativo e tragico: Mano- lete morreu porque tinha fama de nunca recuar um passo para fugir do touro, Esta fama fez a sua fortuna. Manolete alienou-se a essa fama. Ao ritual das corridas juntou mais um: nunca recuar um passo. Quando 4s cinco da tarde do dia da sua morte viu que o touro Ihe ia cair em cima e que a sua unica possibilidade de escapar era recuar uns passos, a més- cara de ‘oureiro que nunca recua impediu que se salvasse. Manolete teria podido escapar, mas 0 ritual do toureiro ousado cumpriu-se. Manolete morreu. Pergunta — Mas se V. € antiimperialista e repudia for- mas e técnicas estrangeiras, como pode querer exportar as suas préprias técnicas e as suas préprias formas? Por que é que sistematicamente se apresentam tantos agrupamentos la- tino-americanos em festivais de teatro na Europa (especial- mente em Nancy) e nos Estados Unidos? Boal — Nao, nao desejamos fazer uma forma de “impe- tialismo as avessas”. Nao. Ha dois tipos de agrupamentos que se deslocam a esses festivais. Um apresenta-se como produto de consumo. Os europeus e norte-americanos gostam muito de reduzir a arte dos paises do terceiro mundo a manifestagdes “folcléricas”. Muitos grupos se prestam a desempenhar esse papel. Mas outros nao! Existem também os grupos que compreendem que as na- goes imperialistas nado resolveram os seus problemas de classe. O imperialismo nao elimina a luta de classes dentro dos seus paises: apenas a anestesia, A burguesia dos paises imperialistas pretente fazer crer aos seus proletdrios que o pais esta esta- bilizado, equilibrado, que as reivindicacdes operdrias devem ser do género da aposentadoria aos 30 anos de trabilho, ou coisas assim de menor monta, enquanto nos paises subdesen- volvidos ha conflitos precisamente porque sao paises “em vias de desenvolvimento”, como dizem eufemisticamente. Bem, todos os paises estéo em vias de qualquer coisa, alguns em vias de subdesenvolvimento, como se diz da Fran- 24 ga... Na Franga também existem proletdrios e a estes (ainda que de forma diferente) pode servir o teatro dos nossos paises: também eles sao explorados, ainda que mais suavemente, com menos brutalidade, mas com mais malicia. Ha que compreender 0 ponto de vista do terceiro mundo, totalmente oposto ao ponto de vista das sociedades de con- sumo. Os Estados Unidos, a Alemanha, o Japao, sao paises extremamente desenvolvidos, mas sob o ponto de vista da Revolugao, que € 0 que nos interessa, estao infinitamente atra sados; Angola, Mocambique, esto em movimento muito mais acelerado em relacao a meta suprema do nosso século: a li- quidagao do sistema pré-histérico que é a propriedade privada dos meios de produgao, As pessoas tm de compreender que a Revolucéo nao e um éden cheio de mercadorias (geladeiras e carros que caem do céu) e sim um movimento continuo em diregéo a uma sociedade humana e justa; nesse sentido, os paises da Amé- rica Latina sao muito mais desenvolvidos, ainda que aos impe- rialistas custe abdicar da sua visio do Paraiso como um super- mercado. A populagao dos paises imperialistas nao é “homo- geneamente” imperialista. Os paises superdesenvolvidos tam- bém possuem as suas classes subdesenvolvidas e os paises subdesenvolvidos também possuem as suas classes superdesen- volvidas. Os paises sao economicamente dominados por outros paises, precisamente porque para as suas burguesias nacionais © conceito de dinheiro é muito mais importante que © conceito de patria ou de nagao. A burguesia de um pais economicamente forte une-se A burguesia de um pais economicamente débil para explorar especialmente 0 povo deste ultimo. E assim acontece. na realidade, que também lucram os explorados do pais forte. Por isso muitos operdrios de paises imperialisiag manifestam tendéncias reacionarias, tao reaciondrias como as suas burgue- sias. Sao explorados, mas ganham mais alguns ddlares, um automovel, bilhetes para o cinema, ou para o beisebol, etc. A isso se vendem. Nos Estados Unidos, recentemente, os estivadores dos por- tos do Pacifico recusaram-se a descarregar os barcos peruanos, porque o Peru aprisionou navios-piratas norte-americanos nas Suas 4guas territoriais. Esses navios-piratas davam trabalho ¢ 25 lucros a uma parte das populagGes desses portos. Os estivadores adotaram uma atitude nitidamente imperialista, carente de con- tetido ideolégico da sua prépria classe, defendendo o seu direito a pirataria maritima. Também George Meany, presidente da AFLCIO, a maior organizagao operdria dos Estados Unidos, proclamou repetidas vezes o seu apoio a politica assassina de Nixon no Vietname. Por isso nao se pode falar de conceitos muito gerais e amplos que excluam a luta de classes. E quando se fala de uma arte iniperialista, temos que ter conscigncia de que ela € dirigida nao s6 contra os povos oprimidos, mas também contra © seu préprio povo, ao qual aliena. As idéias dominantes numa sociedade sao as idéias da classe dominante, disse Marx. O teatro, que na América Latina procura explicitar os mecanismos da luta de classes e pretende mostrar a necessidade e os ca- minhos possiveis para a mudanga social, pode igualmente ser eficaz dentro dos paises imperialistas, que tém a sua luta de classes anestesiada, mas nao eliminada. O tinico risco da nossa atividade nesses paises € 0 folclorismo. Ai o nosso teatro sera valido, néo na medida em que for “‘aceito”, mas na medida em que possa ser “utilizado” pelos explorados contra os explo- radores. Pergunta — O seu teatro é caracteristicamente latino-ame- ticano? Boal — Nés, os membros do jiiri do IV Festival de Ma- nizales (1971), José Monléon, Emilio Carballido e eu, fizemos todo o possivel para desmistificar os conceitos folcléricos de latino-americanismo. Declaramos: ‘de que arte latino-ameri- cana se fala? No nosso continente convivem o latiftindio e a miséria, os torturadores e os torturados”. Convivem também o teatro venenoso da burguesia e as formas populares. Nao temos nada a ver com o teatro burgués da América Latina, e temos muito em comum com os “chicanos”, porto-riquenhos e neg:os dos Estados Unidos. As nossas obras e as nossas técnicas nao servem para os teatros oficiais da América Latina, ou da Euro- pa, mas com certeza servem para os grupos marginais, operé- tios, minorias étnicas oprimidas, estudantes revolucionarios lumpen-proletariado sejam eles de c4 ou de 14. O nosso teatro € as nossas técnicas ou sao do povo ou nfo sao nada. 26 Pergunta — Segundo Luca Ronconi, o diretor italiano, © aut€ntico teatro popular, o unico, € o que se faz na praga publica, que € o verdadeiro lugar do povo. Compartilha esta opiniao? Boal — Ha um poema brasileiro que diz: “A praca é do povo como o céu é do condor”, Entretanto, neste momento. as pragas do Brasil nao esto ocupadas pelo povo. Hoje em dia, fazer teatro popular nas pracas publicas brasileiras seria um suicidio, As condig6es politicas vigentes expulsaram 0 poyo das ruas, mas nao o eliminaram. E como nao se pode eliminar © povo, também nao é possivel destruir as suas manifestagées, a sua arte, 0 seu teatro. O mais importante é fazer um teatro que tenha a perspectiva do Povo, a perspectiva da mudanga. Se se puder fazer esse teatro nas pracas publicas, muito bem: se sO se puder fazé-lo na casa humilde de um operario, ou Para poucos operarios de cada vez, igualmente muito bem; se se puder, com um espetaculo apenas, chegar a 5 OCO operarios, 6timo. Se houver necessidade de se fazerem 500 reunides teatrais, em pequenos locais para se chegar aos mesmos 5 co, também esta bem. O teatro, para ser “popular”, tem de ser “revolucionario”, nao importando onde se realiza o ato teatral, & © teatro chega ao seu maior grau revoluciondrio quando o Proprio povo o pratica, quando o povo deixa de ser apenas o inspirador e o consumidor para passar a ser 0 produtor. Quando se comunica através do teatro. Por acreditar nisso, o Teatro Arena de Sao Paulo desenvolveu uma série de técnicas, Jogos e exercicios para 0 ator e para o nao-ator com vontade de dizer alguma coisa através do teatro. ae Il — Histéria do Teatro Arena de Sao Paulo No Teatro Arena de Sao Paulo, Brasil, funcionava 0 La- boratério de Interpretagao, que deu origem a maior parte destes jogos e exercicios. E necessdrio conhecer os gineros de inter- pretagdo que se praticavam em Sao Paulo por volta de 1956, quando o Arena iniciou as suas atividades, numa nova fase como teatro de equipe. De um lado estavam. os “monstros sagrados” populares e do outro os novos “monstros sagrados” burgueses: os primeiros destinados a adormecer 0 povo, os se- gundos ao deleite da burguesia. MONSTROS SAGRADOS “POPULARES” Havia nessa altura no Brasil uma certa quantidade de vedetas que reuniam a sua volta uns tantos atores e atrizes e obtinham grande éxito popular gracas ao seu histrionismo pessoal. Ao publico nao interessavam os personagens e as obras, mas apenas olhar e ouvir os seus atores preferidos. Os espetaculos consistiam num puro exibicionismo individual das estrelas, geralmente proprietdrias das respectivas compa- nhias teatrais. Nao havia preocupagio estética e politicamente esses espetaculos refletiam uma mentalidade reformista:e em nenhum caso rebelde ou remotamente revolucionéria. Posso contar alguns casos reais que ilustrarao bem esse tipo de ator nessa época particular. Uma das maiores vedetas de eatao, estava em excursao pelo interior de Sao Paulo com uma pequena companhia. Sabia o texto de cor, mas gostava de in- troduzir novas frases todos os dias, dependendo da platéia ¢ de como decorria o espetaculo. O publico deliciava-se. Os outros atores, ao contrario, perdiam a sua seguranca e alguns riam €m cena, pelo que eram imediatamente censurados. No elenco havia um jovem ator que estava a dar os printeiros passos e que se entusiasmava com as novas piadas que a vedeta intro- duzia no espetdculo. Certa noite, muito estimulado pelo patrao, 28 o jovem ator decidiu imitd-lo e depois de algumas hesitagdes largou também. a sua improvisagao, por certo uma piada muito grosseira. O resultado foi sensacional e todo o publico € os seus colegas comegaram a rir; s6 a vedeta ficou muito séria e compenetrada. No fim do espetaculo, os atores espera- vam a mais feroz censura para o jovem estreante, mas a vedeta fechou-se no seu camarim e nao disse nada, absolutamente nada. No outro dia, quando todos se preparavam ja para entrar em cena, a vedeta mandou ir ao seu camarim o jovem ator, morto de medo pela sua ousadia da véspera. Foi recebido com grande amabilidade. A vedeta falou-lhe da sua arte, dos anos que ja tinha de palco, etc., etc. Apéds um longo discurso perguntou-lhe: — Lembras-te da improvisagio de ontem? — Sim, sim — respondeu o jovem. — Nao gostou? — Gostei muitissimo, parece-me uma piada muito boa. — Obrigado — suspirou, aliviado, o jovem. — Muito obri- gado. Parece-me que o puiblico também gostou. Riram-se muito. Os meus colegas felicitaram-me. Foi um éxito. — Sim, sim — disse a vedeta. — O publico riu-se muito porque é realmente uma étima piada. Mas hoje quem a diz sou eu, e nao tu, porque sou eu o dono da companhia. Com- preendido? Muito antes deste, houve outro monstro sagrado, Leopol- do Frées, hoje arduamente estudado pelos alunos de teatro, que na sua época se sentia demasiado importante para par- ticipar dos ensaios, Nunca ensaiava. O assistente (nessa altura, no Brasil, nado se usava o encenador...) fazia a marcacao. Os atores, depois de terem estudado e decorado o texto, faziam alguns ensaios de marcagao e o assistente dizia-lhes: — A senhora fica neste lugar, porque o Doutor (o Dou- tor era Leopoldo Frées) ficar4 aqui, nesta cena. O senhor nao se aproxime tarto da janela porque ai esté o Senhor Doutor. Vocé, jovem, nao se ponha tao perto da mesa, porque ninguém pode estar a menos de dois metros do Senhor Doutor... E eram assim os ensaios. Um dia antes da estréia fazia-se um ensaio-geral com a presenga do Senhor Doutor. Enquanto 29 os atores diziam os seus papéis o melhor que podiam, Leopoldo Frées murmurava 0 seu texto criticando a marcagao feita pelo assistente. Por certo que a modificava totalmente: os que esta- vam. sentados tinham de se levantar, e os que estavam de pé tinham que se sentar. Os da direita iam Para a esquerda e vi- ce-versa. Claro que se gerava uma enorme confusao e era muito dificil 0 elenco poder decorar os novos movimentos e as novas posig6es. Por isso, no dia da estréia, era cada um por si e Deus por todos: uma correria pelo palco, todos procurando nao ser atropelados pelo implacavel Senhor Doutor, que im- Provisaya sempre novos movimentos. Os atores encostavam-se © mais possivel as paredes do cenirio, procurando sempre guar- dar a obrigatoria distancia de dois metros da vedeta, a qual por sua vez, improvisava extensos monélogos, usando o texto como simples roteiro ou sugestao. Por mais que andasse, Leopoldo Frées ficava sempre per- to do centro da cena. Todas as vedetas fazem o mesmo. E Os seus interlocutores tém de estar sempre mais perto do pu- blico: quando dialogam, o interlocutor é obrigado a olhar para tras voltando as costas ao publico, enquanto a vedeta fica sempre de frente. ___Lembro-me de uma histéria que ilustra bem esta tendén- cia que alguns tém de se apropriarem do que julgam ser as areas “quentes” do cendrio. Um dia em Sao Paulo, um empre- sario conseguiu reunir num mesmo elenco as duas vedetas mais em voga na época. Custou-Ihe muito trabalho, porque teve de enfrentar arduas reuniées sobre remuneracoes, cartazes, publi- cidade, etc.,: as duas queriam tirar o melhor partido possivel da publicidade. Durante todo o espetéculo havia uma tinica cena em que as duas atrizes, sozinhas no palco, se enfrentavam, Por isso nao havia grande problema: quando uma estava em cena, os outros atores retiravam-se prudentemente para a peri- feria e as damas ficayam no centro do palco e na sua parte alta, mais distante do publico. No dia da estréia, a disputa pelos favores do ptiblico foi dura e intensa. O espetdculo progredia prevendo-se um honroso empate para ambas, quando comecou a famosa cena, um longo didlogo entre as vedetas. Tudo: era muito bonito no cenério, que representava um enorme salao de baile, tendo ao fundo uma grande janela aberta sobre uma 30 maravilhosa noite cheia de estrelds. A cena comegou e o pu- blico conteve a respiragdo: pela primeira vez na histéria do teatro paulista as duas maiores damas, as mais ilustres, tra- jadas com vestidos mais dernier cri europeu e com as jéias mais sul-africanas, pisavam 0 mesmo palco. Ao principio, tal como nas lutas de boxe, as duas contendoras analisaram-se du- rante as primeiras trocas de palavras. Depois comegou uma 4rdua luta pelo centro da cena, as duas aproximando-se peri- gosamente uma da outra (até sentirem reciprocamente as res- pectivas respiragdes), cada uma procurando forcar a outra a abandonar a 4rea “‘teatral” do palco. Depois, quando uma delas conseguiu afirmar-se no centro, a outra, muito esperta, come- gou a recuar, colocando-se quase de costas para a primeira; esta viu-se entao forgada a torcer o seu delicado e sensivel pes- cogo para poder dialogar. Ambas se agarraram A mesma tatica. Em cada troca de palavras, a vedeta que falava recuava alguns passos, colocando-se mais atras e submetendo a adversdnia a uma posigao incémoda. O didlogo progredia, progredindo a Juta: uma troca de palavras dois passos atrds, outra frase e era a outra que recuava, novo didlogo e novos passos, mais poesia e mais passos atras, tudo isto no cendrio belamente iluminado, com a sua formosa janela que mostrava uma linda noite cheia de estrelas mas que tinha o parapeito baixo demais: na sua ansia de recuar e conquistar 0 centro do palco, as duas damas cairam de costas, precipitando-se na bela noite... Esta historia verdadeira € muito conhecida dos atores da velha guarda do teatro paulista. As duas damas lutavam pela parte “quente” da cena, e isso nem sequer é uma verdade: o centro nao & necessariamente a parte mais “quente”, a que atrai a atengao do espectador, a mais densamente teatral. Tudo depende da cenografia que pode valorizar diversamente cada pormenor, da luz que pode conduzir a atengdo do espectador e a relaco entre os corpos dos atores em cena. Mas ainda que consideremos um palco uniformemente iluminado e vazio, ainda assim nao é o centro a zona mais densa, mas sim a parte esquerda do palco, vista da platéia. Por alguma razao, a parte direita do nosso corpo é mais desenyolvida que a esquerda: a nossa perna direita da passos mais compridos que a esquerda, 0 nosso olho direito vé melhor que o esquerdo, etc. Uma pessoa 31 no deserto, julgando que anda em frente, andara em circulos em direcao 4 esquerda. A parte direita, mais forte, emputra-nos Para a esquerda. Mas as duas damas lutavam pelo centro, e por causa do centro cairam. Era a época em que, para além das velhas vedetas, os atores estavam divididos em categorias fisicas que se especiali- zavam em determinados papéis: o gala, o centro, o centro- cémico, a dama-gala, a dama-caricata, a senhora nobre, etc. Representantes de todas estas categorias reuniam-se num bar central de Séo Paulo a espera dos empresarios teatrais ou de Circo. Em muitos circos representava-se uma pega por dia, de maneira que um bom ator tinha mais ou menos decorado o texto e a hist6ria de umas cingiienta obras. Claro que a me- méria nao era demasiado rigorosa, havendo lugar para a im- provisagdo. Nao era raro que um ator, selecionado no bar du- Tante a tarde, se enganasse no seu papel, e a noite entrasse em cena representando © personagem de outra peca que nada tinha a ver com esta. Mas estas coisas sempre se remediavam, para Satisfagao do publico fiel. MONSTROS SAGRADOS BURGUESES De um lado estavam esses monstros sagrados “popula- tes” e do outro os monstros burgueses que atingiram a sua plenitude quando se desenvolveu mais rapidamente uma bur- guesia “nacional” (na realidade, testa-de-ferro dos grandes in- teresses internacionais, quando os consorcios norte-americanos © as grandes empresas multinacionais comecaram a apertar 0 seu dominio sobre a industria brasileira). Essa burguesia ten- tou reproduzir no Brasil o “bom” teatro que tinha visto na Europa e nos Estados Unidos. Estabeleceu-se o conceito de “bom teatro” em geral, e a Preocupagaéo maxima de entdo era igualar Barrault, Olivier e Vilar, sem nenhuma preocupagao prioritaria com o piblico ao qual esse teatro se destinava. Nao tinham aprendido, porém, a verdade elementar de que nada é “estético” em si mesmo: o que existe é a comunicacio estética. E a comunicacdo exige a existéncia de uma relagao dialética artista-ptiblico, Aqui, pelo contrario, a obra de arte era impos- 32 ta de cima, do Olimpo artistico. Procurava-se o “belo em si”. Isto chegava a produzir resultados absolutamente fantasticos. Lembro-me da montagem simultanea de duas Antigonas: a de Sdfocles e a de Anouilh, obras tao extremamente diferentes uma da outra, com propésitos tao opostos, escritas em épocas tao distintas, mas que, nesse teatro burgués, se transformavam ambas simplesmente em “bom teatro”, e o bom teatro tinha uma maneira “bela” de ser iluminado, uma “bela” coreogra- fia, “belas” roupas, “belas” interpretagdes — tudo muito belo e muito falso. Esta visio do teatro como algo acabado e conhecido, transformava os artistas em artesdos: no podiam criar verda- deiramente, mas sim reproduzir segundo um modelo, preesta- belecido. E esse modelo era o “estilo”. O artista criador con- sulta o seu povo, dialoga com o seu povo, inter-relaciona-se com ele e descobre as formas estéticas para 0 didlogo artistico. Aqui nao acontecia isso. O artista, transformado em artesdo, nao se preocupa com o seu povo e sé dava atencio aos trajes da época. Se a obra era de Shakespeare, mostravam toda a sua fidelidade a Lawrence Olivier e a John Gielgud. Quando a semelhanga se aproximava da identidade, a interpretagao es- tava pronta para a estréia, Na Escola de Arte Dramética aprendia-se a recitar Sha- kespeare, Goldoni e os classicos portugueses: aprendia-se a andar no “estilo”, a estar de pé com o corpo a 3/4 para o ptblico, etc., etc., etc. Numa palavra: impunha-se uma “forma” e, dentro desta forma e dos seus estreitos limites, o ator tinha que criar a sua personagem sem prejudicar a forma preesta- belecida nos livros de histéria do teatro. Dai a importancia que tinha entao a chamada “técnica”. Todos os atores procuravam afanosamente adquirir “técnica”. Mas que técnica era essa? Do mesmo modo que os objetos fisicos se parecem com formas geométricas bem definidas (tridngulos, quadrildteros, esferas, cubos, etc.), também a voz e os movimentos dos atores tinham que se parecer com formas bem definidas. Tratava-se de um conjunto de técnicas geomé- trico-temporais. Quero exemplificar para que isto fique mais claro, des- crevenco algimas das “‘técnicas” mais em voga nessa época: Je 1 — Pausa de tensao: consiste em reter durante alguns segundos a Ultima ou as iltimas palavras que vao dar sentido a toda a frase. Tornou-se célebre uma pausa de tenséo do ator que interpretava o protagonista da obra de Arthur Miller Panorama Visto da Ponte, na cena em que descobre o amor da sobrinha pelo héspede. Apés um iongo monélogo em que falava dos seus cuidados com a sobrinha e do seu ddio ao tapaz, o ator suspendia a respiragdo e dizia: “E vem-ma roubar, esse... filho da puta!” Quase todas as noites o publico en- tusiasmado aplaudia freneticamente. Creio que tera sido o pri- meiro palayrao aplaudido em teatro, e com delirio, em cena aberta. 2 — Quebra de ritmo: consiste em dizer com rapidez a primeira parte de uma frase e a seguir diminuir a yelocidade ao proceder inversamente. Pode também utilizar-se a quebra de tom, mudando bruscamente 0 tom duma parte da frase. com o que se obtém mecanicamente o mesmo efcito, 3 — Automatismo: usado com muita freqiiéncia nas obras cémicas. Bergson tinha notado que o riso é a reacdo natural a todo © acontecimento que revele o automatismo de uma acao humana. Nunca nos rimos de algo que no seja humano; quan- do nos rimos de um macaco no Jardim Zooldgico é porque o macaco se assemelha a um ser humano: rimos dos seres hu- manos cujas mecanizagdes e automatismos surgem por com- Pparagao com o macaco na jaula. As formas porque se revela © automatismo s&o variadas, desde as mais simples das co- médias dos Trés Patetas (uma mulher elegantemente vestida, carregando muitos embrulhos de compras, que escorrega numa casca de banana e quebra o automatismo do seu andar on- dulante, a torta que se esmigalha na cara de um senhor vestido de fraque, automaticamente elegante, etc.) até formas supe- tiores, como 0 pensamento automatizado dos médicos de Mo- ligre, para quem os doentes existem porque existe a medicina, € nao o contrario. Qualquer forma de quebrar ou revelar o automatismo provoca o riso. Cinco ladrées fogem da policia, saltam um muro todos ao mesmo tempo e momentos depois, titmicamente, comegam a aparecer as cabecas dos ladrdes por cima do muro: o primeiro, o segundo, o terceiro, o quinto e, 34 apés alguns segundos, o quarto atrasado. O publico ri-se. Buster Keaton foge da policia, corre assustado ‘por varias) TEs e en- cruzilhadas e, quando por fim se distancia do “tira”, fica rode contente, limpa a roupa, compée a gravata, ¢ levanta a perna para atravessar a rua: nesse preciso momento, a camara foca a mao do policial no ombro de Buster Keaton. oO publico ri-se. Em Tempos Modernos, o operario Carlitos passa oito horas por dia a apertar porcas metdlicas numa linha de montagens ads uma fabrica; quando sai para a rua, quer apertar os botoes de todas as senhoras e policiais que se cruzam no seu caminho. O piblico ri. 4 Timbre de voz predeterminado: esta era uma das “técnicas” mais comuns, que quase se transformou numa es- pécie de marca registrada: cada vedeta tinha © seu timbre de yoz particular, mas que nao devia coincidir com a sua verda- deira voz para uso caseiro, Uma conhecida atriz falava com timbre arquejante, revelando sempre angtstia e ansiedade em tudo o que dizia. Outro conhecido ator falava sempre, em todas as obras, fossem de que estilo fossem, com um trémulo vocal que o caracterizava. A obra tanto podia ser um Arlequim de Goldoni como um Soldado Tanaka de Kaizer. 5 — Movimentos répidos em cenas climéaticas, até a0 fun- do da cena e depois um rapido regresso ao publico, movimen- tos triangulares, com o ator que desenvolve a ago principal colocado no vértice mais distante da platéia, etc. Nao se trata de dizer que nos faltayam grandes atores nessa época; pelo contrario, havia uma grande quantidade de atores muito béns, até mesmo excepcionais. Porém a apre- dizagem era deformada por uma visdo_ artesanal, puramente formal, quase sempre servil, que a maioria dos encenadores tinham do teatro. Nada fez tanto mal ao teatro brasileiro como © conceito abstrato do “bom teatro”. Nao se compreendia que o Brasil, a Argentina, a Europa, a Indonésia, 0 Japao, a China, a Coréia, cada continente, cada pais e as vezes cada regio con- creta de um pais, devia encontrar o seu “bom teatro”, que € Util em determinadas circunstancias especificas e nao neces- sariamente noutras. O colonianismo cultural consiste precisa- mente nisso: em aceitar como “universais” os valores da cultura 35 do colonizador. Entéo o bom teatro europeu e o bom teatro norte-americano deveriam ser o bom teatro de todos os paises colonizados mas nunca o inverso, Se o teatro burgués no Brasil dava absoluta prioridade forma, o Teatro Arena de Sao Paulo, de origem popular, dava absoluta prioridade 4 emocao. Com o tempo chegamos a compreender a idgntidade do trinémio IDEIA-EMOCAO-FORMA. Mas quando comegavamos a trabalhar, partiamos da emogao da personagem e permitiamos que esta se expressasse livremente no ator, determinando a sua propria forma. Esta forma a que se chegava a partir da emocao nao era “geometrizavel”; pelo contrério, era uma emocio real, profundamente dialética, rica, contraditéria, humana, tnica. A EMOCAO PRIORITARIA Em 1956 comecei a trabalhar no Teatro Arena, do qual fui diretor artistico até a data em que tive que sair do Brasil, em 1971. Os atores e tu fizemos um Laboratério de Inter- Pretagao no qual comecamos a estudar metodicamente os tra- balhos de Stanislawsky. A nossa primeira proposta foi esta: que a emocao seja prioritaria, que ela possa determinar, livre- mente, a forma final. Mas como poderiamos esperar que as emogGes se mani- festassem “livremente” através do corpo do ator, se precisa- mente tal instrumento (0 corpo) esté mecanizado, muscula: mente automatizado e insensivel em 90% das suas possibili- dades? Uma nova emogao descoberta corria o risco de ser ca- nalizada pelo comportamento mecanizado do ator. Por que € que 0 corpo do ator est4 mecanizado? Pela enor- me capacidade que tém os sentidos para registrar sensacées, aliada a uma igual capacidade para selecionar e hierarquizar essas sensagdes. Por exemplo: 0 olho pode captar uma infinita variedade de cores, qualquer que seja o objeto da sua atencao: uma rua, uma sala, um quadro, um animal. HA muitos milha- tes de cores verdes, de tonalidades de verde, perfeitamente per- ceptiveis pelo olho humano. O mesmo se passa com o ouvido € OS sons, e com os restantes sentidos e suas SensagGes espect- ficas. Uma pessoa que conduz um carro tem a sua frente um 36 desfilar infinito de sensagoes. Andar de bicicleta ee ve complicadissima estrutura de moyimentos musculares “ ae sagdes tateis, mas os sentidos selecionam os ae los wee importantes para essa atividade. Cada atividade : umenay i a mais comum, como por exemplo andar, € uma operag Hae tremamente complicada que so ¢ possivel porque sen ie sdo capazes de selecionar; ainda que captem ie e ae cOes, apresentam-nas a consciéncia segundo uma determi hierarquia. 1 fe torna-se mais claro quando uma pessoa sai Se ambiente habitual, quando visita uma cidade desconhecida, nomeadamente de um pais desconhecido: as pessoas ee de maneira diferente, falam com um ritmo diferente, os ae nao sd0 OS Mesmos, as cores sdo outras, as cae He ou Jiferentes. Tudo parece maravilhoso, inesperado, fantas a a-se excitadissimo ao absorver tantas sensagoes foes fim de alguns dias, os sentimentos aprendem novamente a oe cionar e volta-se 4 rotina anterior. Imaginemos o que See quando um indio vem a cidade ou quando um habitante ae grande centro urbano se perde na selva. Para 0 indio, os Tui H da selva sao perfeitamente naturais € os sentidos cane ram-se a selecioné-los: consegue orientar-se pelo it ‘do oe nas arvores e pela luminosidade do sol entre a eae mn contrapartida, 0 que para nds é natural e oe pode Gn louquecer o indio, incapaz de selecionar as sensacoes pro vs zidas por uma grande cidade. O mesmo nos aconteceria se ni perdéssemos na selva. ; ‘ ; Esta selecao produzida pelos sentidos, leva Bema cao, porque os sentidos selecionam sempre da mesma maneira, Quando comegamos com os Laboratérios de Interpreta- cao no Teatro Arena ainda nao pensdvamos nas mascaras sociais; naquela época, a mecanizacio era entendida sob ume forma puramente fisica: ao desenvolver sempre ce aa : movimentos, cada pessoa mecaniza o seu corpo para mee os efetuar, privando-se entao de uma atuaco original em ca . oportunidade. Podemos rir de mil maneiras diferentes, Ae quando nos contam uma piada nao nos pomos a pensar nu a modo original de rir, portanto fazémo-lo sempre da mesma maneira 37 As rugas aparecem Porque os nossos rostos nao yariam as suas expressdes fisiondmicas habituais; a tepeti¢ao de de- terminadas estruturas musculares acaba pi sobre os nossos rostos, Que € 0 sectério sendo uma pessoa (de direita ou de esquerda) que mecanizou todos os seus Pensamentos e todas as suas respostas? O ator, como todo ser humano, tem as suas agdes ¢ Teagdes mecanizadas, por isso € necessério comecar pela sua “desmecanizagdo”, pelo seu amaciamento, para tornd-lo capaz de assumir as mecanizagoes da personagem que vai interpretar. E necessdrio que o ator volte a sentir certas emog6es e sen- sages das quais j4 se desabituou. Numa Primeira fase, fa- Ziamos exercicios sensoriais, seguindo em linhas gerais as in- jor deixar a sua marca dicagdes de Stanislawsky. Dou aqui alguns exemplos: 1 — Exercicios musculares: 0 ator, depois de relaxar todos os miisculos do seu corpo e de tomar consciéncia de cada mtsculo, andava uns Passos, curvava-se, apanhava no chao um objeto qualquer e, movendo-se muito lentamente, tentava memorizar todas as estruturas musculares que inter- vinham na realizacéo desses movimentos. Em Seguida, repe- tia exatamente a mesma acéo, mas agora devia Tecorrer 4 me- méria, pois fingia apanhar um objeto do chao, ativando ¢ desativando os musculos ao lembrar-se da Opera¢gao anterior. Faziam-se muitos exercicios deste gnero, variando o obje- to (uma chave, uma cadeira, um Sapato) ou tornando-o mais complexo: vestir-se ou despir-se, primeiro com roupa e depois sem ela. Ou andar de bicicleta sem bicicleta, deitado de costas sobre o solo para libertar os bracos e as pernas. Em todos os exercicios, 0 importante era que o ator to- masse consciéncia dos seus misculos, da enorme variedade de movimentos que poderia realizar, Outros exercicios: andar como fulano, rir como beltrano, etc. Nao se visava a exata imitag4o exterior, mas sobretudo a compreensdo interior dos mecanismos de cada movimento, Que é que leva fulano a andar desta maneira? Que é que faz com que beltrano ria deste modo? 2 — Exercicios sensoriais: 0 ator ingere uma colher de mel; a seguir um Pouco de sal; depois acucar. Seguidamente 38 4 que recordar os gostos e manifestar Ha ooo a ic ingestéo de acticar, sal, mel, etc. ra a ham a ingestao de ag f 5 des que acompanham a _ agtica , vy Nao se an de fazer mimica: cara feia para 0. sal cn angélico para o acdcar ¢ 0 mel, mas sim de sentir novamente amen sensacdes, “de memoria”. O mesmo se pt com cheiros. ; tee Um exemplo: ptinhamos misica a tocar, € varios eee scutavam-na, prestando muita atengaéo a melodia, Suamese Ga nino vig) Comemecae Wencrebiode sien cone feaaVaes 5 sica, dentro do mcsm« ir? d a mesma misica, den’ “ouvir” mentalmente a m¢ ne. dent ae a u sinal, os atores tin! que: comecar e compasso. Ao meu f ae ifeaaaniene a canta-la na parte que estava ei soe cages mentalmente: se havia coincidéncia era Porque toc : an concentrados e haviam reproduzido com perfeigéo a (melodi itmo e compasso). 3 — Exercicios de meméria: faziamo-los muito pees quotidianamente. Antes de dormir, cada a Pee as ica le tu inuciosa ite e cronologicamente brar-se_minuciosamen ogi Sane eae ia maximo de detalhes: . assara durante o dia, com o ‘ oe pee fisionomias e tempo, repensando quase tee a ne tudo © que sc vira, re-ouvindo tudo 0 au Snes : i ambé ao chegar ao, teatro freqiiente, também, que t ic assara desde a noite anterior, ator 0 que se passara “One ae finha de reli com todos os pormenores. Era a a ile interessante fazer esse exercicio quando ae oes ag i articipe esmo acontecimento: uma festa, tinham participado do m ¢ Cee éi zt atral ou um jogo de futebol. assembléia, um espetaculo te: a eas s dua 0 fazia-se um esforgo par arava-se as duas versOes © s c a Se Z4 : uma conclusdo objetiva quando havia Cae lee exercicios de mem6ria podiam igualmente es He a i ada ator fazi assada a s anos. Por exemplo, cat passadas ha muitos x >, siete 'S como tinha sido o set + relato pormenorizado de cot ee assisti lsica tocou, que se comeu, : juem assistiu, que musica se L fr 5 casa, etc. Ou como tinha sido o enterro de um ente eee Qu como foi no dia em que o Brasil, jogando contr 0 Urugu perdeu o campeonato Mundial de Futebol, em. 195 a ie dio Maracana: em que rédio ouviu 0 jogo? Assistiu ee pessoas choravam? Que pessoas? Como dormiu naqui 39 iu? ae ete sonhos? Que sonhos? etc., etc, Nos exercicios , © mais importante é haver uma i te grande riqueza de Pormenores concretos, E igualmente necessdrio aie este ae Serve para desenvolver a memoria, mas também ntar a atengéo: cada qual sab : pe a0: qual sabe que tera de lem- rar-se de tudo o que ve, ouve e sente, e assim aumentard ex- traordinariamente a sua capacidade de atengao, concentracao ida lke my ee &e imaginagao: faziam-se muitos, seme- Sao descritos mais adiai i a contar uma histéria, etc.) ne eae ae Tas i BS ane aquela que, segundo cré, seria a de Hamlet; ee aa Maneiras de, se enfurecer, a que, segundo ele, a ine aut. Para tanto ha que comegar por destruir ° aGO€s, a “mascara” do Opri z m Xt Proprio ator. O : err Se Paulo, pelo contrario, procurava fort » €ndurecer ainda mais essas izacoi Ie a ad mecanizagdes, as marcas registradas” de cada ator ou atriz, tentando ene as Oe ; nao era Eee a Portanto, que as duas Antigonas, tao diferentes ‘©, fossem to iguais no palco; que a peca ae 2 oe ponto de vista era diferente: queriamos que o t Pudesse anular de safda todas as suas caracteristicas pes- ae, oan Para anular a chamada “personalidade” do la forma e o seu molde) e para iti c y ermitir que nasi a “personalidade” da Ppersoi : Tone: nagem, a sua forma. Mas como ch . e- Sar a essa forma? Nessa altura respondiamos: h4 que sentir 40 primeiro as emogoes da personagem e essas emogdes encontra- rao, no corpo descontrafdo do ator, a forma adequada e mais eficaz de ser transmitida ao espectador, com vista a despertar nele emogdes iguais. Os exercicios de emogao passaram a ser rotineiros no Teatro Arena; os atores praticavam-nos no palco ou em qual- quer lugar, no escritério, na rua, nos restaurantes. Todos os dias cada ator fazia pelo menos dois ou trés exercicios de laboratério. Nessa época, a grande maioria dos nossos atores era muito jovem, sem grandes problemas financeiros, podendo, portanto, dedicar todas as horas do dia aos exercicios e aos espetaculos. Tiyeram assim a possibilidade de praticar em con- junto, com Os seus corpos e as suas emogdes, sem terem que abandonar os estudos teéricos. Freqiientemente alguns atores fazem como a maioria dos profissionais liberais: estudam en- quanto freqtientam as escolas e as faculdades, depois profis- sionalizam-se e passam a sua vida profissional sem fazer ne- nhuma investigacdo, estudando apenas os diélogos das suas personagens. No Teatro Arena, pelo menos durante alguns anos, isso nao aconteceu. E ao longo desses anos podemos com- provar como é falso e antiartistico o sistema de producgdes iso- ladas, em que o ator trabalha numa producdo e a seguir noutra, e noutra ainda, sem a possibilidade de aprofundar o seu es- tudo conjuntamente com outros atores empenhados na mesma pesquisa, Pelo contrario, é extraordinariamente importante para 9s atores o trabalho coletivo, orientado para uma_ pesquisa comum. A produgao isolada serve aos interesses empresari OS grupos mais ou menos permanentes servem A arte teatral, aos atores e a fungao social e politica do teatro. Os exercicios de emogao, além disso, sao fascinantes de ver e de praticar. Em dado momento do nosso desenvolvimento, chegamos a atribuir uma importancia desmedida A emocao (to~ davia, nao era muito clara para nés a importancia da “idéia”), A partir de 1960, Stanislawsky passou a ser largamente: utilizado também em varios outros elencos teatrais brasileiros. Por vezes sucediam casos curiosos e aplicagdes discutiveis dos ensinamentos stanislawskianos sobre a “memoria emotiva”. Lembro-me do que aconteceu num teatro universitério da ci- dade de Salyador, Bahia. Um encenador norte-americano foi 41 convidado a ensinar Stanislawsky e a montar uma obra; esco- Theu entao Um Bonde Chamado Desejo de Tennessee Williams. Os ensaios iam bastante adiantados, quando o encenador de- cidiu trabalhar “em laboratério” a cena de Stella e Blanche du Bois no dia seguinte 4 tremenda luta entre as duas ¢ Stanley Kowalsky. Nao havia maneira de conseguir fazer a cena; en- Saiavam e tornavam a ensaiar, mudavam tudo, improvisavam, mas nao havia maneira: a cena saia Sempre sem a menor con- vicgao. Até que o encenador decidiu Tecorrer a improvisacées de meméria emotiva. Ainda desta vez a cena no resultou. O encenador explicou entao a atriz que fazia o papel de Stella: — “Vés? O problema é este: Stella lutou mortalmente com o marido, defendendo sua irma. Mas ele pds-se a chorar, ela comoveu-se muito ao vé-lo tao frdgil, ele tomou-a nos bra- gos, levou-a para o quarto, fizeram amor durante toda a Noite, foi uma noite de loucura, e depois ela pés-se a dormir... Ora bem: a cena comeca na manha seguinte, Ela acorda depois de uma noite maravilhosa com muito sexo, esta ainda um pouco cansadinha mas contente, sorri todo 0 tempo, esta feliz. E uma mulher feliz. E isso é precisamente o que eu nao sinto na tua interpretagéo. Fagamos assim: um exercicio de memé.ia emo- tiva. Procura recordar a noite mais bela da tua vida, a noite mais plenamente sexual, Porque € isso que falta a cena...” A pobre moga fitou-o por instantes e confessou: — “Eu sou virgem, mister”. Houve um momento em que ninguém soube o que dizer. Parecia que em tal caso a memoria emotiva stanislawskiana nao se poderia utilizar. Entao, certo ator deu uma sugestao: — “Nao importa. Ela pode tentar lembrar-se de algo que The proporcionou a maior felicidade... € pronto... depois faz-se a transferéncia... sei 14, , -”. O encenador aceitou a pro- Posta, fizeram o exercicio e em Seguida a cena, que saiu mara- vilhosa, Todos ficaram contentes, felizes, excitados e pergunta- Tam 4 jovem como havia conseguido, o que fizera para adquirir aquele rosto tao sensual, tao feliz, to atraente. Ela disse a ver- dade: 42 — “Olhem, enquanto falavamos de sexo e de como Stanley era maravilhoso na cama, lembrei-me de uma tarde cheia de sol, quando comi trés sorvetes seguidos debaixo de um co- queiro na praia de Itapoa...” Estes casos de “transferéncia” extrema nao Sao faros. Na verdade, é absolutamente inevitdvel um grau maior ou me- nor de “transferéncia”: uma pessoa recorda a emogio que sen- tiu em determinadas circunstancias, que Ihe aconteceram a ela e sd a ela e que sao circunstAncias absolutamente singulares que, ao serem transferidas mudam um pouco. Eu nunca matei ninguém, mas tive vontade disso: procuro lembrar-me da von- tade que tive e fago a transferéncia para Hamlet quando mata tio. A transferéncia é inevitavel, mas nao creio que se deva ir tao longe como no caso que conta Robert Lewis, relativa- mente a um ator famoso, que fazia o piiblico chorar quando puxava do rev6lver durante uma cena patética € 0 apontava & cabega, preparando o dedo enquanto falava da inutilidade da sua vida, quase disparando o balago final. O ator emocionava e emocionava-se a si préprio; os espectadores choravam quando o viam chorar, solugavam quando ouviam a sua voz solucante. Quando Lewis lhe perguntou como conseguira tal im- pacto, tal transbordo de emogao, tal tremendo choque no pi- blico e nele préprio, o ator respondeu: — “Meméria emotiva, meu velho. Nao lestes Stanis- lawsky? Pois ai esta”. — “Ah, sim...” — disse Lewis — “outrora tivesse von- tade de matar-te, usaste a meméria emotiva e pronto... Foi assim?” — “Vontade de me matar? Eu amo a vida, meu velho. Nada disso.” — “Entao?” 2 — “A coisa passa-se assim: quando levo o revélver 4 cabega, tenho que pensar em algo triste, ameacador, terrivel. Bom. E é isso que fago. Lembras-te que quando aponto o tevélver olho para cima? Ai est4. Lembro-me de quando era Pobre ¢ vivia numa casa sem aquecimento ou luz elétrica, e Sempre que tomava banho era de 4gua fria. Aponto o revél- 43 ver A cabeca, olho para cima, para a ducha, Penso na 4gua fria a cair-me sobre o corpo... Ah, meu velho, como sofro, como me vém as lagrimas aos olhos!. . .” Apesar dos excessos, os exercicios de meméria emotiva so bons € titeis. Praticdvamo-los sempre, especialmente nas versOes que adiante se explicam da “Quebra da Repressao” e em todas as suas variantes, RACIONALIZAR A EMOCAO Mas um exercicio intenso de mem6ria emotiva, ou qual- quer exercicio de emogio em geral, € muito perigoso se nao se fizer, posteriormente uma “racionalizacao” do que se passou, O ator descobre coisas quando se aventura a sentir emogoes em determinadas circunstancias. HA casos extremos, Vivien Leigh deixava-se levar de tal modo pela emocao no papel de Blanche Dubois que acabou por ser internada num hospital para doentes mentais. Isso nao quer dizer que devemos rejeitar Os exercicios de emogio; pelo contrério: ha que faz3-los, mas com 0 objetivo de “compreender a experiéncia, e nfo s6 com © de senti-la. Ha que saber Porque é que uma pessoa se emo- ciona, qual a natureza dessa emogao, quais as suas causas, e nao apenas saber como ela se emociona. O “porque” é fundamental, pois para nés a experiéncia é importante; mas 0 “significado” da experiéncia € ainda mais importante. Queremos conhecer os fe- némenos, mas sobretudo queremos conhecer as leis que regem os fenémenos. Para isso serve a arte: nao s6 para mostrar como € o mundo, mas também para mostrar porque € assim e como se pode transforma-lo. Espero que ninguém esteja satisfeito com © mundo tal qual €: por isso h4 de transformé-lo, A racionalizaco da emogao nao se processa apenas de- pois da emocio desaparecer, ela é imanente a Prépria emogdo: também ocorre enquanto ela dura. Existe uma simultaneidade entre o sentir e o pensar. Dou um exemplo que se passou comigo. Senti uma das mais fortes emogdes da minha vida quando morreu o meu pai. Durante o velério, o enterro e a missa do sétimo dia, embora estivesse verdadeira € profundamente emocionado, 44 nunca deixei de ver e analisar as coisas estranhas ae An tecem em rituais como a missa, 0 enterro e 0 vel6rio. emt me de como mudavam as flores no caixao e da pee nate objetiva com que o homem explicava a necessidade ee as flores para o caixao ficar mais bonito, Lembro-me da c ey de cada uma das pessoas que nos dayam os pésames, cat qual refletindo a sua maior ou menor amizade para ons para com a nossa familia; lembro-me da expresso do ay io cansado do padre, talvez fosse o quarto ou quinto ener 2 dia a que assistia. Lembro-me de tudo porque analisei ae no momento em que acontecia, sem que por isso me emoci nasse menos. } Dou este exemplo que se passou comigo, mas isso acon- tece, ou pode acontecer, a toda a gente. Talvez ee rae freqiientemente aos escritores, uma vez que sao anal ie as Be yocagao. O exemplo de Dostoievsky_ ie extraordin; rio, ‘ O Idiota o autor descreve com perfeic¢ao ¢ riqueza de ro nores os ataques de epilepsia do protagonista, Dostoievsky He epilético e conseguia manter, durante os seus ataques, uma lu- cidez_e uma objetividade suficientes para recordar as suas emogées e sensagdes e para ser capaz de descrevé-las. Neste caso, 0 autor descreve as suas emogées depois de as ter sentido; mas o caso de Proust é ainda mais extraordi- nario, mais fantastico e nao obstante real: enquanto estava morrendo, ditava 4 sua secretaria um longo capitulo ‘sobre a morte de um escritor — ele proprio! E tinha objetividade para dizer a secretaria em que paginas devia entrar a te pitulo, em que novela, e as alteragdes que ela eee 'azel nas novas edigdes: agora que realmente estava morrendo, cor- tigia a morte ficticia que tinha descrito anteriormente. E quan- do acabou de descrever a agonia do escritor, morreu. Nao nos interessa se ha aqui verdadeira simultaneidade, ou uma rapidissima intermiténcia razéo-emocgéo. O importan- te é assinalar o erro e corrigir os atores para quem tudo con- siste em “emocionar-se”. Quando um ator se mostra _incapaz de sentir, durante os ensaios, uma verdadeira emogdo, esta Seguramente a laborar em erro. Mas 0 ator que se descontrola nao comete erro menor. Muitas vezes o descontrole é falso, tratando-se de puro exibicionismo. Certo ator tornou-se fa- 45 moso pela violéncia com que representava o papel de Otelo. de uma forma terrivelmente emocionante... e perigosa. Qu: é do se sentia possuido pela personagem, por varias vezes roe cuaye estrarigular Desdémona a sério. Mais de uma ae i‘ aa gue baixar o pano. As Pessoas impressionavam-se com mdo poder de emogao desse ator. Na minha opiniao, Pelo contrario, acho que se deve deni -10 ao Sindicato do: » uncia-lo ao Sindicato dos eee Re SE ciate a emogao “em si”, desordenada e , na . O importante na emogdo é o seu sipni- ficado. Nao podemos falar de emo¢ao sem razio ou, ‘ae Samente, de razdo sem emociio: a € © caos e a outra ma- 5 ao: um: ‘a mi A PROCURA DO TEMPO PERDIDO Falei de Proust e convé ‘ onvém desenvoly Proustiano que muito Util nos foi Yer com o teatro empatico stani “procura de tempo perdido”, P: ‘ 5 - Para Proust, nés sé reconquis- tamos o tempo perdido (na vida) através da memoria. Dis a T Outro conceito menos essenciais: um énibus que se atrasa, um encontro dificultoso, falta de dinheiro, in- co: 5 e ao ete. Mas quando Teconquistamos, através da » © episddio vivido, podemos Ppurificar esse amor de tudo o que nao Ihe ii ) en €ra essencial, e assim ri i perdido, vivé-lo... na Mmeméria. ee cea Isto, segundo Proust, a , » Sucede nao s6 relati amor passado, mas a toda a e: oes a xperiéncia vivida. Um dos ser Personagens, Swan, pensa estar completa e loucamente ape 46 xonado pela sua amada, sofre todos os horrores da incompre- ensdo amorosa, até que passado muito tempo se separam. Anos depois quando se encontra com a sua ex-amada, sofre um choque. Procura recordar tudo o que thes acontecera, “ordena” a experiéncia vivida, revé subjetivamente todos os fatos suce- didos e conclui: “Como pude eu suporta-la durante tantos anos? Nem sequer era o meu tipo...”. Proust propée inteira liberdade subjetiva para ordenar os fatos passados, as experiéncias vividas, despojadas precisamen- te daquilo a que poderiamos chamar vida. Neste sentido, Proust tem muito a ver com o teatro stanislawskiano que, de certo modo, também é “meméria”. H4 muito de proustiano em Stanislawsky, e vice-versa. O ator deve ter, durante os ensaios, todo o tempo necessdrio para, fazendo exercicios (especialmente os de memoria emo- tiva), reconquistar o “tempo perdido”, ordenar subjetivamente a experiéncia da personagem. Mas isso faz-Ihe correr o risco de se afastar da experiéncia viva, quer dizer, da cena e dos outros personagens e seus conflitos, que no teatro devem ser mostrados como atuais e nao como recordagdes do passado. Trabalhei com um ator de imaginacao tao rica que inclusive jmaginava como deviam ser as outras personagens e relacio- naya-se com as personagens tal como as via, sem se relacionar com os atores tal como ali se apresentavam... Essa hiper- trofia da subjetividade era visivel e notdvel nos atores saidos do Acto’rs Studio. Todos pensavam. tanto, imaginavam tantas coisas para cada frase, para cada palavra que diziam, que a sua interpretagao era extraordinariamente lenta e cheia de agdes e atividades laterais e secundarias. Ninguém respondia a uma pergunta sem antes acariciar 0 copo, cogar a cabeca, respirar fundo, assoviar, torcer 0 pescogo, olhar de soslaio, franzir o sobrolho e entao, finalmente, responder que sim ou que nao. Esse tipo de interpretagao sobrecarregada de intengdes chegava mesmo ao extremo de mudar o estilo da pega que de realista tornava-se expressionista: 0 tempo real era o tempo subjetivo do personagem e ndo o tempo objetivo da inter-relagdo de per- sonagens. Ao compreender isto, compreendemos igualmente que a criagiio do ator deve ser, fundamentalmente, a criagio de in- 47 ter-relaco com os outros. Antes cridvamos lagoas de emogao, profundas lagoas emocionais, mas a empatia, a ligagdo emo- cional Personagem-espectador, é necessariamente dinamica. Um excesso de proustianismo e de subjetividade pode levar a Tuptu- ta das relacées entre as Personagens e a criagdo de lagoas de emocao isoladas. Mas nés precisamos criar rios em movimento. dinamico, e nao a mera exibigao da emogdo, Teatro é conflito, luta, movimento, transformagao, e nao simples exibicio de es- tados de alma. E verbo, e nao simples adjetivo. Comegamos entdo a dar mais valor ao conflito como fonte de teatralidade: a emocao dialética, B verificamos que a emo- gao dialética € a forma de “emitir” 0 que se poderia chamar “sub-onda”, Eu explico: os seres humanos $40 capazes de “emitir? muito mais mensagens do que as que tém consciéncia de estar emitindo. E sao capazes de receber muito Mais mensagens do que as que supdem que estao recebendo. Por isso, a comuni- cagéo entre dois seres humanos pode dar-se a dois nivei consciente ou insconscientemente, quer dizer, em onda ou em “sub-onda”, que é toda a comunicagao que se processa sem passar pela consciéncia, Freqiientemente, um ator Tepresenta 0 mesmo papel da mesma maneira em dois espetdculos consecutivos e pode acon- tecer que, num deles, os espectadores sejam totalmente apa- nhados pela empatia, e no outro nao, Por que sucede isso? Porque no segundo caso, a “sub-onda” do ator transmutia men- sagens que nada tinham a ver com as que ele transmitia em onda, isto 6, conscientemente. O que faz com que as mensagens em onda e em sub-onda sejam absolutamente idénticas é a concentracdo do ator. Este nunca deve permitir uma mecanizacao que o leve a fazer co.sas sempre iguais enquanto pensa noutra coisa, A experiéncia teatral deve ser de total e completa entrega do ator A sua tarefa. ESTRUTURA DIALETICA DA INTERPRETACAO Tenho que explicar agora cada um dos elementos de uma interpretacao dialética tal como a praticdvamos. 48 Vontade — O conceito fundamental para © ator néo e Qa “ser” da personagem mas o “querer”. Nao se a Poe quem é, mas o que quer. A primeira pergunta p pun a formacao de lagoas de emogao, enquanto a segunda é vontade = tese x contra - yontade vontade = tese a nti = anfltese » yx _contra-vontade Protagonista DOMINANTE x = " 4 Antagonista [{DOM. 9 8 DOMINANTE 8 & x a s < = 2 8 ¢ Sereda ts Po seein crs ee ee = Seas s es 3 See enitete i vontade G = tese e t : a = cialmente dindmica, dialética, conflitual e portanto teatral. Mas @ vontade escolhida pelo ator nao pode ser_arbitréria, antes Sera necessariamente a concretizagio de uma idéia, a traducao em termos volitivos dessa idéia ou tese. A vontade ee idéia: € a concretizagio da idéia. Nao basta querer ser ee em abstrato: é preciso querer algo que nos faca feliz. Nao 49 basta querer “poder e gloria” em geral: ha que, concreta- mente querer matar o Rei Duncan, em circunstancias muito concretas e objetivas. Portanto: IDEIA = VONTADE CONCRETA (em circunstancias determinadas). Exercer uma vontade significa desejar alguma coisa, a qual devera necessariamente ser concreta. Se o ator entra em cena com desejos abstratos de felicidade, amor, poder, etc., isso de nada lhe servira. Pelo contrério, tera que objetivamente querer deitar-se com fulana em circunstAncias concretas para entao ser feliz e amar. E a concregao, a objetividade da meta que faz com que a vontade seja teatral. Todavia, essa meta e essa vontade, devendo ser concretas, devem ao mesmo tempo possuir um significado transcendente, Nao basta que Macbeth deseje matar Duncan e herdar a sua posigéo. A luta entre Macbeth e todos os seus adversdrios nfo se reduz a lutas psicolégicas entre gente que quer disputar o poder. HA uma idéia superior que esté em discussio em toda a obra © que as personagens concretizam nas suas vontades: Duncan significa a legalidade feudal, Macbeth o advento da burguesia nascente. Um tem o direito pelo nascimento, 0 outro tem o maquiavé- lico direito pelo seu préprio valor. A idéia central desta obra é a luta entre a burguesia e o feudalismo, e as vontades das personagens concretizam esta idéia central. Da idéia central da obra deduzem-se as idéias centrais de cada personagem. Neste caso, a idéia central da personagem, Lady Macbeth, por exemplo, é a afirmacao da “virti”* in- dividual (burguesia) contra os direitos de linhagem. A idéia centcal da personagem deve corresponder ao “objetivo prin- cipal” stanislawskiano: idéia e vontade sio uma e a mesma coisa, a primeira sob a forma abstrata e a segunda sob uma aparéncia concreta, Uma vez escolhida a idéia central da obra, deve a mesma ser absolutamente respeitada, para que todas as vontades cres- sam dentro de uma estrutura rigida de idéias. Esta estrutura de * VirtG — Termo utilizado por Maquiavel para designar a carac- teristica que possuem certcs individuos superdotados (referia-se aos bur Bueses) de conquistarem o préprio destino. Espécie de self-made-man da época... (N. do T.) 50 idéias é o esqueleto. Por isso ha que estabelecer qual é a idéia central da pega (ou do espetaculo) e a partir dai deduzir as idéias centrais de cada personagem, de modo que essas idéias centrais se confrontem num todo harménica e conflitual. (IDEIA CENTRAL = TESE X ANT{TESE.) Ao observar a identidade idéia igual a vontade camo cria- dora da emogao, devemos ter em conta que nem todas as idéias sao teatrais. Ou melhor: sao teatrais todas as idéias “em si- tuagdo” e nag na sua expressao abstrata. A idéia de que 2 vezes 2 sfo 4, por exemplo, pode nao ser emocionante. Mas se to- marmos essa mesma idéia em situacgao, quer dizer, na sua con- cregdo dentro de circunstancias especificas, se a traduzirmos em termos de vontade, poderemos chegar a emocao. Se se tratar de uma crianga que procura desesperadamente aprender as primeiras nogGes de aritmética, a idcia de que 2 vezes 2 sio 4 pode ser emocionante como quando Einstein, com intensa von- tade e em circunstancias especificas, descobce maravilhado que E = me? é a férmula da transformagao da matéria em energia, coroando ‘“concretamente” toda uma investigacao cientifica “abstrata”. Em resumo: toda idéia, por mais abstrata que seja, po- de ser teatral, sempre que se apresente na sua forma conere- ta, em circunstancias especificas, em termos de vontade. En- tao se estabeleceré a relagéo EIA > VONTADE -> EMOGAO > FORMA TEATRAL; quer dizer, a idéia abstrata, transfor- mada em vontade concreta em determinadas circunstincias, Provocaré no ator a emogao que por si prépria ira descobrir a forma teatral adequada, valida e eficaz para o espectador. © problema do estilo e outras questdes surgem depois. Isto deve ficar bem claro: a esséncia da teatralidade é 0 conflito de vontades. Estas vontades devem ser subjetivas e objetivas ao mesmo tempo. Estas vontades devem perseguir metas que sejam também subjetivas e objetivas, simultaneamente. Veja- mos dois exemplos: uma luta de boxe é um conflito de vonta- des: os dois antagonistas sabem perfeitamente o que querem, sabem como consegui-lo ¢ lutam por isso. No entanto, uma luta de boxe nao € necessariamente teatral. Também um Didlogo de Platao apresenta personagens que exercem com intensidade as suas vontades: pretendem uns convencer os outros das suas 5] proprias opinides. Existe aqui também um conflito de vontades. Mas também aqui nao se trata de teatro. Nem a luta de boxe nem o Didlogo de Platao s4o teatro. Por qué? Porque o con- flito no primeiro caso é exclusivamente objetivo e no segundo exclusivamente subjetivo, Porém, tanto um como 0 outro podem ser tornados teatrais, Por exemplo: o lutador quer vencer para Provar alguma coisa a alguém — neste caso 0 que importa nao so os golpes objetivos mas o significado desses golpes. O que importa € o que transcende A Iuta Propriamente dita. No se- gundo caso, quero lembrar aquele Didlogo em que os disci pulos tentam convencer Sécrates a fugir e nao aceitar o castigo, a morte. Se vencem os argumentos dos discfpulos, Sécra‘es nao morrera. Se se impdem as razdes de Sécrates, este deverd tomar 0 veneno e aceitar a morte. Neste ‘Didlogo, tao filoséfico, tao subjetivo, reside no entanto um fato objetivo importante e central: a vida de Sécrates, Assim, tanto a luta de boxe como uma discuss&o filoséfi¢a podem ser tornados “teatrais”, Contravontade — Nenhuma emogéo é pura, permanen- temente idéntica a si mesmh. O que se observa na realidade é precisamente o contrario: queremos e nao queremos, amamos. € nado amamos, temos coragem e nao temos. Para que o ator viva verdadeiramente em cena, € necessdrio que descubra a contravontade de cada uma das suas vontades. Em alguns casos, isto é ébvio: Hamlet esta permanentemente a querer vingar a morte do pai e ao mesmo tempo nao quer matar o tio, quer ser e quer nao ser, a vontade € a contravontade re- velam-se concreta e visivelmente ao espectador. O mesmo se passa com Brutus, que quer matar Jiilio César mas luta inte- tiormente com a sua Contravontade, o amor que sente por Jilio César. Macbeth quer ser rei, mas hesita em assassinar o seu héspede, Noutros casos, a contravontade nio é tao aparente: Lady Macbeth parece monomotivada e sem conflito interior; o mesmo sucede com Cassio Procurando convencer Brutus, ou com Iago em relacdo a Otelo. Seja, porém, qual for o grau de evidéncia da contravontade, ela deve existir sempre, deve ser analisada pelo ator em ensaios especiais, para que este possa efetivamente viver a Personagem, aprofunda-la e realj- 52) z4-la, e nao apenas ilustra-la. Isso é importante para ae personagem, até para se poder interpretar um Anjo. medieval: ha que observar a sua contravontade, a sua hostilidade para com Deus. Quanto mais um ardor puder desenvolver a contra- vontade mais energicamente aparecera a vontade. Reparem por exemplo em “Romeu e Julieta”: nao é possivel encontrar dois personagens que mais se amem, que mais se queiram, que me- nos contravontade tenham: sao pura vontade, sao puro amor. Mesmo assim, analisem a fonte da teatralidade de suas cenas e ver&o que existe sempre conflito; conflito deles com 0s outros, deles com eles mesmos, de um com 0 outro. Vejam por exemplo a cena do rouxinol e da cotovia: ela quer que ele fique, a se amem uma vez mais; ele teme ‘por sua vida, quer ir embora; ela vence; ele quer ficar; agora ela j4 nao quer. Insisto: se um ator vai representar o papel de Romeu deve amar a sua Julieta, mas deve igualmente procurar a sua contra- vontade: Julieta, por mais amorosa que seja, por mais bela, nao deixa de ser, as vezes, uma chatinha, uma menina irritante e boba. O mesmo deve pensar Julieta do seu Romeu. E, porque tém também tais contravontades, devem as vontades ser ainda mais fortes e deve o amor explodir com maior violéncia entre esses dois seres humanos de carne e¢ osso, de vontades e con- travontades. O ator que usa s6 a vontade acaba ficando com a de parvo em cena. Fica igual a si mesmo o tempo todo. Ama, ama, ama, ama, ama... A gente olha e 1a esta aquela cara amorosa; cinco minutos depois, a mesma cara; segundo oe segue igual. Quem se interessa em olha-lo? oO conflito nee de vontade e contravontade cria a dinamica, cria a teatra lidade da interpretacdo e o ator nunca estara igual asi meee porque estaraé em permanente movimento para mais ou p; menos. Nao se trata de procurar uma vontade contraditéria ae tro da personagem. E muito mais do que isso. Por exemplo: nao se trata de contrapor a vontade que Iago tem de per- suadir Otelo a matar Desdémona, ao medo que ele sente que ae descubra o seu plano. Nao, nao é isso, Ha que prea 2 © amor por Otelo que existe em Iago: o seu édio também oe} amor. A mesma emogao é dialética, nao se trata de duas emo- goes que se contrapoem. O que nao impede que, além da emoga4o-6dio (édio contra amor), coexistam outras: medo, ete. Mas se também existe o medo, essa mesma emogao — medo —, essa vontade de nao fazer, deve ser dialética: assim, exis- tird tamibém a coragem, a vontade de fazer como contranvon- tade Em termos grdficos vetoriais teriamos algo parecido com © seguinte grafico: Aéo medo ETS DOMINANTE & oe —% odio E importante que os atores trabalhem sempre as suas per- sonagens em termos de vontade e contravontade: este con- flito fara com que o ator esteja sempre vivo, dinamico em cena, sempre em movimento interior; se nado houver contravontade, © ator permanecera sempre idéntico a si mesmo, sempre est4- tico, nao teatral. 54 Dominante — Do conflito interior entre a vontade e a contravontade resulta sempre, externamente, uma dominante, que € a vontade que se manifesta em conflito com as outras personagens. Por mais que os atores devam procurar todas as yontades e contravontades nas suas personagens, deverao sem- pre regressar 4 vontade dominante que é formada pelo conflito de todas essas vontades. Quando um ator desenvolve, em grau extremo, as yontades interiores e nao as exterioriza objetiva- mente, corre o risco de subjetivar demasiado a sua personagem, tornando-a irreal. Quando um ator se compraz em mostrar a vida interior da sua personagem, esquecendo-se da realidade objetiva, quando o conflito entre a vontade e a contravontade passa a ser para ele mais importante que o conflito personagem- personagem (quer dizer dominante-dominante) acaba por apresentar uma autdpsia da personagem e nado uma persona- gem viva, real, presente. O que me parece realmente importante é que o ator tenha tempo para ensaiar cada uma das suas vontades e con- travontades isoladamente, a fim de melhor as compreender e sentir, como um pintor que primeiro escolhe as cores isoladas e depois as mistura na tela. As vontades (e as idéias a que respondem, bem como as emogées que ocasionam) sao as cores do ator; ele deve poder conhecé-las, gozd-las, para depois as usar. Por isso faziamos tantos exercicios de “motivagao isola- da”, “contravontade”, “pausa artificial” “pensamento contra- tio”, “circunstancias opostas”, etc., todos tinham por objetivo proceder a essa andlise. Mas devemos ter sempre presente que em cada momento ha uma dominante que se imp6e, mesmo que se trate de uma personagem tchekoviana, impressionista, feita de mil pequenas vontades e contravontades. Sem se fortalecer a dominante, torna-se impossivel estruturar 0 espetaculo. Por mais que se voltem para dentro, as personagens vivem pata fora. Por isso, a “inter-relagio” é fundamental. A dominante de cada personagem nas diferentes versOes de uma mesma peca dependerd naturalmente da idéia cen- tral que se estabelecer para cada versio; mas todas as outras idéias possiveis poderao igualmente estar contidas, como von- tades complementares, dentro da personagem. 55 Um exemplo esclareceré o assunto. De que trata a peca Hamlet? De um problema psicolégico familiar ou de um golpe q de estado? Qual € a idéia central? Ernest Jones escreveu um livro sobre Hamlet em que analisa a incapacidade deste de se decidir a matar o rei Claudio, Segundo ele, ha uma identidade entre Hamlet e Edipo. Hamlet, jo seu subconsciente, queria matar o pai e casar com a mae, Mas € outro homem que precisamente faz essas duas coisas que ele queria fazer. Hamlet identifica-se imediatamente com esse homem, o rei Claudio. Quando descobre que Claudio é © assassino de seu pai, quer vingar-se, quer maté-lo, Mas como fazé-lo? Isso equivaleria a um suicidio. O dever filial de vingat a morte do pai luta contra o medo de matar um homem com quem se identificou subconscientemente. E Hamlet: adia a execugdo todas as vezes que tem oportunidade de jus- tigd-lo. Entretanto, ja no final da tragédia, quando Hamlet des- cobre que a espada com que Laertes o feriu estava envenenada € que morrerd fatalmente, entéo decide-se a matar Cldudio e fa-lo sem qualquer hesitagdo, nesse mesmo instante, como se pensasse: “j4 estou morto, de modo que vou destruir com- pletamente, nesse homem, o meu outro eu”. Mas Hamlet também pode ser analisado sob 0 ponto de vista do pais e nao da familia, podendo-se escolher para idéia central o golpe de estado planejado por Fortimbrés. As duas idéias centrais (e ha uma infinidade de outras possiveis) so completamente diferentes. A que for escolhida determinara as idéias centrais de cada personagem e determi- ara quais serao as dominantes, as vontades, fazendo por sua vez com que todas as outras idéias e vontades possiveis apa- Tegam como contravontades. O amor de Hamlet por sua mae pode perfeitamente aparecer numa verso “golpe de estado” da obra, assim como 0 édio do povo aos seus opressores (entre os quais Claudio) pode aparecer numa versao psicanalitica. E importante determinar, a partir da idéia central escolhida, quais sdo as dominantes, reduzindo para segundo plano todas’ as outras possibilidades, e nao fazer uma salada de idéias, von- tades e emogoes. 56 Variagao quantitativa e variagdo qualitativa — & a pré- pria aco dramatica, o movimento dos conflitos interiores e exteriores. Um conflito € teatral se esté em movimento: por isso o ator deve distanciar-se voluntaria e emocionalmente o mais possivel do ponto de chegada; deve fazer a contrapre- paragao do que lhe vai suceder, para que a distancia a per- correr seja maxima, e 0 movimento também maximo. Para que Jago tenha por fim coragem de mentir a Otelo, 6 necessdrio que a principio a dominante seja 0 medo, pois do medo nas- cera a coragem, que se fortalecer4: a contravontade (coragem) tornar-se-4 dominante. Esta mudanga, esta variagdo quanti- tativa, torna-se qualitativa. Este era, sumariamente, o esquema utilizado pelos nos- sos atores do Teatro Arena, e estes os seus elementos bdsicos: Idéia Central da pega determinando a Idéia Central da per- sonagem, traduzida esta em termos de vontade que se dialeti- zava (vontade e contravontade); do conflito de vontades nas- cia a acéo (variagdo quantitativa e qualitativa). Este era, di- gamos, o Nticleo da personagem, o seu “motor”. A explica- go dos exercicios, especialmente os de “aquecimento emocio- nal”, e os ensaios come sem texto, yao completar a compre- enséo do método que utilizavamos. Por outro lado, o nosso método “coringa”, que passou a ser utilizado a partir da mon- tagem de Arena Conta Zumbi e que se caracteriza principal- mente pela socializagaéo das personagens (todos os atores in terpretam todas as personagens, abolindo-se a propriedade pri- vada das personagens por parte dos atores), est explicado nos exercicios de “Mascaras e Rituais” e na seqiiéncia dos “Pique- Pique”. Os restantes capitulos, nomeadamente o dos “Aqueci- mentos”, servem indiferentemente para qualquer método au es- tilo de interpretagao. Buenos Aires, maio de 1974 57 Jogos e Exercicios I — AQUECIMENTO FISICO A morte endurece todo o corpo, comegando pelas arti- | culagées. Chaplin, 0 maior mimico, o bailarino, j4 nao pode dobrar os joelhos. Assim, séo bons todos os exercicios que” dividem 0 corpo nas suas partes, nos. seus miisculos, e aqueles — em que se ganha controle cerebral sobre cada misculo e cada parte, tarso, metatarso e dedos, cabega, térax, pelve, pernas, bragos, face esquerda e direita, etc. A. Seqiiéncia de massagem e descontragao 1. Um ator, de pé, tenta descontrair-se e deixa-se cair sobre oito ou mais atores que o atiram ao ar. O ator deixa-se sus- pender sem nenhuma reacio, e os que o levantam no ar simulam ~ com as duas m&os 0 movimento das ondas do mar, movendo constantemente as duas mos para cima e para baixo, E im-— portante que as méos dos atores de baixo toquem a maior parte possivel do corpo do ator que se descontrai e que este 58 pense nas ondas do mar. Devem fazer um som monétono com a boca durante a massagem. 2, Desce-se o ator, que fica deitado, primeiro de costas e depois de barriga para baixo, Os restantes atores massa- geiam-no durante alguns segundos com movimentos ritmicos das maos, com forga igual, monotonamente, sem improvisacdo. & importante que o ator massageado sinta a mesma presséo sobre todo o corpo. 3. Rotagéo: com as maos, o ator faz movimentos circulares na pele do rosto, dos bragos, das pernas, de todo o corpo. 4. O ator faz movimentos com os bragos e com cada perna alternadamente, semelhantes aos movimentos que se fazem quando se quer sacudir a 4gua de cima ou espantar um de- ménio, eriquanto salta sobre a outra perna, 5. Os atores poem-se em duas filas cada um frente a um com- panheiro, que Ihe massageia o rosto: primeiro com movimentos em cruz, enérgicos, sobre cada sobrancelha, de cada lado do nariz, no queixo, no pescogo e sobre os ombros. Depois, suave- mente, com movimentos circulares, nos mesmos locais. 6. Quatro atores ficam diante de outros quatro. Um ator vem correndo e joga-se no meio das duas filas. Os atores agar- ram rapidamente as maos dos que estéo em sua frente fa- zendo assim uma cama para © ator que se atirou ao ar. De- pois, levantam-no acima das suas cabecas e fazem com que o corpo do ator dé voltas; este deve deixar-se manipular com total confianga. Depois de algumas voltas, os oito atores jo- gam 0 corpo do companheiro para cima e recebem-no embaixo, ao cair, Os atores devem todos se revezar neste exercicio. 7. Um ator fica no centro de um circulo de companheiros. Fecha os olhos e deixa-se cair para qualquer lado, mantendo © corpo duro. Os companheiros seguram-no e devolvem-no a Posigao central. Ele continua a se deixar cair, para a frente e . 59 para tras, para a direita e para a esquerda e os companheiros continuam a devolvé-lo a posigéo central. Os pés do ator nao devem sair do centro do circulo, nem o seu corpo deve-se dobrar. 8. Um ator deita-se de costas sobre as costas de um compa- mheiro que se inclina. O ator deita-se com suas nadegas acima das do companheiro que o sustém. O de baixo comega a subir e baixar o corpo, de modo a balangar leve e suayemente o que esta deitado, que deve sentir-se como boiando nas ondas do | mar. Nota: a massagem deve ser sempre feita por um companheiro, j4 que significa um sinal de aceitagao. “Se alguém me cuida é porque me aceita.” REspPiRACAO (sdo exercicios vulgarmente utilizados no yoga) 18 DEITADO DE CosTas — completamente descontraido: a) O ator poe as maos sobre o abdémen, expele todo 0 — ar dos pulmGes e lentamente inspira, enchendo o abdémen até nao poder mais; expira em seguida; repete lentamente esses movimentos diversas vezes; b) Faz o mesmo com as maos sobre as costelas, enchendo © peito, especialmente a parte de baixo; pratica o exercicio di- versas vezes. c) idem, com as maos sobre os ombros ou para cima, ~ tentando encher a parte superior dos pulmdées; d) faz as trés respiragdes conjugadamente, sempre pela ordem anterior. 2. INCLINADO PARA UMA PAREDE A PEQUENA DIsTANcCIA — apoiando-se com as maos, faz os mesmds movimentos; depois repete tudo, apoiando-se nos cotovelos. 3. Parapo EM PosI¢ko VERTICAL — © ator faz os mesmos movimentos respiratérios. 60 Nota: E importante que o ator ao inspirar retese todos os musculos e ao expirar os relaxe. A respiracdo deve ser um ato de todo o corpo. Todos os misculos devem reagir 4 en- trada de ar no corpo e 4 sua expulsdo; como se o ator pudesse sentir 0 oxigénio circulando por todo o corpo, através das ar- térias, e o anidrido carbénico sendo expulso através das veias. 4. INSPIRAR — lenta e totalmente pela narina direita e expe- rar pela esquerda; depois inverter. 5. CoM VIOLENcIA — depois de ter inspirado lentamente todo o volume de ar possivel, expulsar todo o ar de jorro pela boca. O ar produz um som semelhante a um grito agressivo. Fazer o mesmo expelindo energicamente o ar pelo nariz, depois de ter inspirado o m4ximo possivel. 6. INSPIRAR LENTAMENTE — a0 mesmo tempo que se le- vantam os dois bragos o mais alto possivel e se apdia o corpo na ponta dos pés; depois, também lentamente, expirar enquan- to se retoma a posicdo estatica normal e se encolhe o corpo até ocupar @ menor espaco possivel. 7. DecIDIDA E ENERGICAMENTE — inspirar e expirar segundo um ritmo predeterminado, que pode ser 0 do coracdo, o de uma musica (com percussio bem audivel) ou um ritmo di- tado por um companheiro. 8. Com Granpe RAPIDEZ — o ator procura inspirar o maximo de ar possivel e em seguida procura expeli-lo também com a maxima rapidez. Todo o elenco pode praticar este exercicio com o en- cenador dando o tempo para expirar e inspirar como se fosse uma competic¢ao para ver quem consegue “movimentar” maior volume de ar nos mesmos segundos. 9. Com GraNnDE LENTIDAo — 0 ator inspira e depois, emi do um som, expira de maneira que esse som se ouga durante o maximo de tempo possivel. 10. ResprraR PELA Boca — com os dentes cerrados, profun- damente, expirando pelo nariz. 61 Il. PANELA DE PRESSAo — com as narinas e a boca tapadas — fazer 0 maximo esforco para expelir o ar. Quando j4 nao se agiiente mais, destapar o nariz e a boca. 12. Dois grupos de atores: o primeiro grupo canta uma mi- sica e © segundo grupo acompanha com a respiragao, mar- cando o ritmo com a respiragdo, inspirando ou expirando. No comego, as mtisicas devem ter um andamento mais ou menos lento, para maior facilidade. Depois, o andamento pode ser mais rapido. Pode chegar mesmo a ser o Tico-Tico no Fubd, que € extremamente dificil de acompanhar na respiracao ritmi- ca. Mas, repito, deve sempre comegar com miisicas féceis: Danibio Azul por exemplo. 13. Um circulo de atores expira fazendo um ruido (Ah!) e deixa-se cair como se estivesse se desinflando, e relaxa-se com- pletamente sobre o solo. 14. Um ator como que “destapa” o corpo de um companheiro’ como se este fosse um boneco inflado de ar. A parte desta- pada pode ser o dedo, o joelho, a orelha, etc. O ator “desta- pado” procede como se estivesse sendo “esvaziado” de ar, ex- pira todo o ar e se desinfla simultaneamente, caindo no chao, como um boneco de borracha vazio. Depois, 0 companheiro faz movimentos e rufdos de quem est4 enchendo o seu corpo com uma bomba de ar e o ator vai inspirando a cada golpe e reinflando-se. B. Seqiiéncia de horizontais e verticais Horizontais 1. O ator, sem mexer 0 resto do corpo (que deve perma- necer rigido) move apenas 0 pescogo e a cabeca para a frente; um companheiro pode ajudé-lo tocando no seu nariz e logo afastando o dedo: o nariz deve tentar seguir o dedo até onde puder, o mais afastado possivel do corpo. O movimento dd-se no mesmo nivel horizontal. 62 4 2. Sem mexer o resto do corpo, 0 ator move o pescoco e a cabeca para tras, o mais que puder; é sempre conveniente a aju- da de um companheiro que, com o seu dedo, indique o movi- mento, que deve ser sempre reto e horizontal. 3. O ator move o pescogo para a esquerda, pondo a cabeca sobre 0 ombro esquerdo, como se fosse um chapéu. O com- panheiro pode ajudé-lo tocando-Ihe na orelha com 0 dedo. Para facilitar, 0 ator pode apertar as maos em cima da sua cabega e tentar tocar o cotovelo com a orelha. 4. Idem para a direita. 5. Todos os movimentos anteriores devem ser retos e hori- Zontais, isto é, o nariz move-se paralelamente ao solo, sem curvas. Agora o ator move o pescogo circularmente, tentando tocar novamente os pontos extremos que tenha alcangado para a frente e para tras, para a esquerda e para a direita, em mo- 63 vimentos circulares, néo retos. E importante que os olhos quem olhando fixamente para um ponto, que todo o movimento - seja feito pelo pescogo e que a cabeca se mantenha sempre a mesma distancia do cho, sem inclinar para baixo ou para 6, 7, 8, 9, 10. Exatamente 0 mesmo para o térax. E im- portante que o t6rax se mova integralmente para a frente e Para tras, para a direita e para a esquerda, e que se encha durante a respitacdo. Por isso se aconselha a inspirar quando | © térax vai para tras, e expirar quando o térax vai para a frente; isto 6, 0 contrario do habitual. 11, 12, 13, 14, 15. Exatamente o-mesmo para a pelve. 16. Marionete — Um ator pega num companheiro pelo co- larinho da camisa e este deixa cair livremente a cabeca como uma marionete. O companheiro toca-lhe na cabega, que se deve mover exclusivamente pela forga da gravidade. 17. MarioNeTe — Idem, cabega e brago direito. As restan- tes partes do corpo permanecem rigidas. O braco direito e a cabeca devem estar completamente soltos, obedecendo ape- nas aos impulsos do companheiro e a forcga da gravidade. 18. MarioneTe — Idem, mais o braco esquerdo. 19. MaRIoNETre — O companheiro pega-lhe pela cintura e: toda a parte superior do corpo do ator se afrouxa, deixan- do-se cair. 20. O ator improvisa com estes movimentos basicos. Por exem- plo — uma maquina de escrever: as maos tocam nas teclas ¢ 64 a cabega move-se “um espago” para a esquerda ou recua todos os espagos (0 retrocesso do rolo), retrocesso (um espago para a direita), maitiscula (a cabega sobe), tecla vermelha (a ca- beca corre para a esquerda). 21. MARIONETE — Os atores ficam de frente uns para os outros em duplas. O que lidera “esculpe” a imagem que deseja com o corpo do liderado. Quer dizer, ele faz de longe os movi- mentos necessdrios para que o corpo do liderado assuma as posigdes que ele deseja. Procede exatamente como um escul- tor, com a tinica diferenca de que nao toca o corpo do com- panheiro — este, no entanto, deve reagir como se estivesse sendo tocado. 22. MaRIONETE — Exatamente o mesmo, com a diferenga de que o lider esculpe simultaneamente dois, trés ou mais com- panheiros, fazendo uma série de esculturas, ou uma escul- tura complexa. 23. MaARIONETE — O mesmo anterior, com a diferenga de que © lider procede nao como um escultor mas como uma pessoa que manobra uma marionete, utilizando os fios. As respostas do liderado devem igualmente ser as de uma marionete e nao as de uma estdtua. VERTICAIS 1. O ator, sentado no chao com as pernas e os bracgos em 4n- gulo reto em relago ao resto do corpo, divide-o “vertical- mente” em duas partes, cada uma com um brago, uma perna, um ombro, metade da cabega, da pelve e do térax. Assim, “caminha” sobre o traseiro, inclinando primeiro a parte di- Teita do corpo para a frente e depois a parte esquerda, se- Parando o mais possivel as duas partes. Depois de ter dado alguns “passos” para a frente, sempre com os bragos e as pernas esticados, o ator recua. 65 2. Exatamente o mesmo com o ator deitado no cho, com os bragos e as pernas esticados em linha reta, paralelos ao corpo. “Corre” para a frente e para tras. 3. Deitado no chao, o ator move-se para a direita e para a esquerda. C. Seqiiéncia de movimentos retilineos e redondos 1. O ator caminha com movimentos exclusivamente retilineos de pernas, bragos e cabega, como se fosse um robot. Os mo- vimentos devem ser bruscos sem ritmos definidos, inespera- dos, surpreendentes. O movimento pendular dos bragos nao serve porque € circular. Todas as partes do corpo devem mo-: ver-se. Neste caso os atores séo quase sempre levados a fazer os movimentos bruscamente e isso deve ser evitado. Apesar de retos os movimentos podem ser suaves, delicados, Devem ser. Os movimentos retos sfo melhor executados se o ator tiver a consciéncia de que devem ser paralelos as paredes, ou ao cho, ou ao teto ou a qualquer diagonal da sala. 2. O ator caminha com movimentos redondos (circulares, ovais, helicoidais, elipticos, etc.) Os bragos rodam enquanto se movem para a frente e para tras, enquanto sobem e des- cem; a cabeca deve descrever curvas em relacio ao chao, su- bindo e descendo, sem se manter nunca ao mesmo nivel. As pernas e todo o corpo sobem e descem. O movimento deve ser continuo, suave, ritmico e lento. Os atores devem repetir di- versas vezes Os mesmos movimentos, procurando estudar (sen- tir) todos os miisculos que sao ativados e desativados na reali- zacao desses movimentos. $6 depois de terem bem estudado (sentido) um movimento é que se deve passar a outro, igual- mente redondo. 2 importante que todo o corpo se ponha em movimento: cabega, bracos, dedos (que nao devem nunca ser mantidos cerrados), t6rax, quadris, pernas, pés. O exercicio deve ser feito suavemente, sem violéncia, com prazer, quase sensualmente. Nao deve doer nunca; deve aquecer. 66 3. Alternar movimentos redondos e movimentos retilineos. 4. A parte direita do corpo faz movimentos redondos e a parte esquerda retilineos. Apdés alguns minutos, trocam. 5. A parte superior do corpo descreve movimento © a parte inferior, da cintura para baixo, retilineos. Apés alguns minutos, trocam. 67 6. Todas as variagGes possiveis, com todas as partes do corpo que o ator tenha conseguido dominar e separar. 7. O ator caminha separando o mais possivel todas as partes do corpo, esticando até ao limite extremo a cabeca, os bracos © as pernas, tentanto sentir a divisao vertical de todo o corpo. Caminha sobre a ponta dos pés com movimentos sempre retos. A seguir comega a fazer movimentos circulares, lenta- mente, e a encolher 0 corpo, aproximando todas as suas partes, 68 até que 0 movimento cessa, quando o formato do corpo se parece com o de uma bola. Faz-se depois 0 mesmo movimento, mas ao contrario. Vy. ‘ 8. Os atores realizam todos os exercicios anteriores em “marcha atras”. D. Jogos e exercicios de aquecimento fisico sem seqiiéncia 1. MUstca E DaNca — Alguns ritmos, especialmente brasi- leiros de origem africana, como o samba, a batucada, a ca- poeira (s6 com movimentos circulares e quase sempre em marcha atrés) sao excelentes para estimular todos os musculos do corpo, Também se pode pér a fita de um gravador numa velocidade superior aquela em que foi gravada. E importante que em todos estes exercicios de aquecimento sempre se co- mece lentamente. Pouco a pouco os exercicios poderdo ser feitos com maior intensidade. E importante que praticar estes exercicios seja gostoso, € importante sentir prazer e nao dor. 69 2, Roba pe RITMo E MovIMENTO — Os atores formam um circulo; um deles vai ao centro e executa um movimento qual- quer, por mais insdlito que seja, acompanhado de um som e dentro de um ritmo que ele préprio inventa. Todos os atores © seguem, tentando reproduzir exatamente os seus movimentos e sons, dentro do ritmo. O ator desafia outro, que vai ao cen- tro do circulo e lentamente muda de movimentos, de ritmo e de som. Todos seguem este segundo ator, que desafia um terceiro e assim sucessivamente. 3. Roba DE ANIMAIs — Os atores andam em circulo e len- tamente comecam a transformar-se em animais, segundo uma seqiiincia preestabelecida: macaco, cegonha, canguru, g-rafa, cobra, gato, ledo, tigre, etc. A transformagao comeca pelas pernas, depois o tronco, as maos, a cabeca. a cara e a voz. 4. QUEIMADA — VDivide-se 0 elenco em dois grupos, e com uma bola cada grupo tenta, um de cada vez, tocar em qual- quer elemento do grupo contrario. O que for tocado, perde & tetira-se (ou troca de grupo). Costuma-se fazer este exer- 70 cicio enquanto se recita o texto, combinando-o com exercicios de aquecimento emocional. 5. Joco pe Ritmo £ MovIMENTo — Formam-se duas equipes. A primeira, a um sinal, comega a fazer individualmente todos os tipos de sons e movimentos ritmicos que Ihe ocorrem. Todos os componentes desse grupo tém 30 segundos para unificar os seus movimentos, ritmos e sons. Se ao fim desses 30 se- gundos © grupo adversdrio considerar que estdo todos fazendo, uniformemente, a mesma coisa, comega a fazer 0 mesmo que © primeiro grupo fez. Se considerar que nao, denuncia ao juz 0s que nao estao conformes. Se 0 juiz estiver de acordo, perdem e saem os que faziam movimentos irregulares. Mas se o juiz nao esta de acordo, o primeiro grupo tem o direito de elim.nar um ator do segundo, a escolha. Uma vez interrompido o jogo. recomega-se da mesma maneira. Se nao se interrompeu (se nao houve dentincia ao juiz), o segundo grupo comeca a imi- tar o primeiro, tendo também 30 segundos para unificar mo- vimentos, sons e ritmo. 6. Ritmo — Todos os atores iniciam juntos um ritmo, com @ voz, aS mos e as pernas; apds alguns minutos mudam len- tamente, até que um ritmo novo se imp6e e assim sucessiva- mente durante varios minutos. VARIANTE: cada ator faz um titmo isoladamente até que todos se unifiquem num tnico ritmo. OUTRA VARIANTE: — Todos os atores comecam, a um Si- nal dado, a fazer um ritmo préprio, e também um movimento que acompanha esse ritmo. Depois de alguns minutos tentam aproximar-se uns dos outros segundo as afinidades ritmicas. Os atores com maiores afinidades vao homogeneizando os seus titmos até que todo o elenco esteja praticando o mesmo ritmo € 0 mesmo movimento. Pode acontecer que isso nao suceda. Nesse caso, nao € importante, desde que os grupos formados tenham seus ritmos e movimentos bem definidos. 7, SoM E MovIMENTo — Um grupo de atores emite com a voz um determinado som (que pode ser de animais, folha- 71 gem, rua, fabrica) enquanto outro grupo faz movimentos re- lacionados com os sons, como se fossem a visualizagao dos sons: isto é, se o som é miau, a imagem nao seré necessaria- mente a de um gato, mas sim a visualizagdo que o ator tem desse som especial. 8. MarioneTe A DisTANcia — Um ator, a um metro de dis- tancia de outro, faz movimentos como se estivesse tocando o companheiro. O segundo ator deve realizar todos os movimen- tos compensatérios como se estivesse sendo efetivamente to- cado, como se fosse uma marionete obediente: levantar as maos, caminhar, baixar a cabega, levar um mutro no estéma- go, abrir a boca, deitar a lingua de fora, etc. Exatamente como se 0 outro o estivesse a manejar. 9. VarIAczs DA MARIONETE — Tarefas que sao realizadas como se os atores se estivessem tocando mutuamente: a) Luta de boxe — Os pugilistas lutam sem se tocar, sentindo e refletindo a violSncia contida nos seus atos. 72 b) Futebol, basquetebol, voleibol, etc. — Duas equipes, sem utilizar bola, disputam uma partida como se a tivessem. O diretor-juiz da partida deve observar se o movimento ima- gindrio da bola coincide com os movimentos reais dos atores, eliminando os que cometem erros. Qualquer outro desporte co- letivo pode ser praticado neste tipo de exercicio: pingue-pon- gue, etc. c) Cena de amor — Com 0 casal separado, mas reagindo imediatamente a cada carinho distante. d) Tortura — Com torturado @ torturadores distantes. e) Farwest — Uma cena completa de farwest, em que os atores improvisam vaqueiros, mocas que dancam e servem a mesa, pianistas, mogos, chefes de policia, etc., numa clas- sica cena de violéncia, com mesas que se derrubam e garrafas que voam, tudo sem objetos reais e sem que os atores se toquem. f) Estender um cobertor — Sem o cobertor, coordenar os movimentos. No mesmo género: puxar por uma corda grossa, duas equipes, uma de cada lado; puxar por uma rede cheia de peixes do mar; transportar um piano sem o piano; virar um automdével na rua sem o automdvel, e assim uma infinidade de outras variagGes. g) Os atores dancam em pares; depois se afastam uns dos outros e continuam dangando como se estivessem ainda enlacgados. E bom que alguns companheiros ajudem, cantaro- lando a misica. Este tipo de exercicios também pode ser praticado de outra forma, com o efeito anterior 4 causa’ a dor do murro antes do murro, Estes exercicios sao muito titeis para os espe- taculos concebidos com o sistema “coringa”. 10. HienotisMo — Um ator pée a mao a poucos centimetros da cara de outro e este fica como que hipnotizado, devendo manter a cara sempre 4 mesma distancia da mao do hipnoti- zador. Este inicia uma série de movimentos com a mao, para cima e para baixo, fazendo com que o companheiro faga com © corpo todas as contorgées possiveis a fim de manter a mesma distancia. A mao hipnotizadora pode mudar, para fazer, por exemplo, com que o ator hipnotizado seja forcado a passar por entre as pernas do hipnotizador. a) Hipnotismo com as duas maos — Como o anterior: — 0 ator que dirige seguraré dois dos seus colegas, um em cada mao, e poderd fazer todo o tipo de movimentos; ds co- legas devem manter invaridvel a distancia entre os seus na- Tizes e as maos. 74 b) Hipnotismo com as maos e os pés — Como os an- teriores, com quatro atores, cada um em cada pé e em cada mao do ator que dirige. Este pode fazer qualquer movimento, inclusive dancar, cruzar os bracos, dar voltas com o corpo pelo chao, saltar, etc. 11. Ganua o Uttimo — Uma corrida em camara lenta, em que ganha o Ultimo a chegar. Uma vez comegada a corrida. os atores nao podem interromper o movimento, mas devem fazé-lo o mais lentamente possivel. A distancia das pernas em cada passo deve ser a maior possivel. Este exercicio, ‘que ne- cessita de grande equilibrio, estimula todos os mésculos do corpo. O pé deve cruzar pela outra perna sempre por cima da altura do joelho. E necessario também que, quando o pe se adianta, © ator nao o recolha; pelo contrario, ao adiantar-se, © pé rompera 0 equilibrio do corpo fazendo com que 0 corpo caia para diante. Deve-se ouvir a patada no chao. Outra coisa: os dois pés nao podem nunca ficar simultaneamente no solo: assim que o pé direito cai, deve subir o esquerdo e vice-versa — sempre um sO pé no chao. 75 12. “REVIRAVOLTA DE CARNEIRO” — Dois atores juntam as costas, agarram-se pelos bracos, e muito lentamente dio uma “reviravolta de carneiro”, primeiro um, depois o outro, sobre as costas do companheiro. 13. Danca dE Costas — Dois atores juntam as costas e dan- gam. Um comanda o movimento, enquanto © outro o segue. Com ou sem misica. 14, Roba MAxIMA £ MINIMA — Os atores dio as maos e formam uma roda. Depois distanciam-se, com as maos 0 mais agarradas possivel, até que os dedos apenas se toquem, en- quanto os corpos fazem um esforgo contrério para se sepa- rarem. Depois de algum tempo, os atores fazem o contrario e tentam ocupar o menor espaco possivel, juntando-se todos ao centro. Este exercicio pode ser combinado com um exercicio de voz, no qual os atores emitem sons que exprimem os seus desejos de se tocarem, enquanto se separam, e de se separarem, enquanto se tocem. 15. A MENor SupERFictz — Cada ator estuda todas as ma- neiras possiveis de as mais pequenas 4reas do seu corpo to- carem o chao, alternando as possibilidades. Por exemplo: os pés € as maos; um pé e uma mio; o traseiro; o peito e um pé, etc. E importante que a mudanga de uma posicao para outra seja o mais lenta possivel a fim de estimular melhor os mus- culos que intervém. Outras posigdes: apenas um pé, com o 76 ator sentado em cima desse pé como se estivesse a Coe ombro e cabega, com o ator em posigao vertical cre ea eres O ator deve preocupar-se em desenhar figuras com 0 corpo. Podem utiliza todas as posigdes de yoga, mas 0 ator deve mudar de posicaéo sempre com a maxima lentidao. 16. MENOR SuPERFicIE COM Dols ou Mais AToREs — O mesmo exercicio mas com dois ou mais atores em conjunto. Parte da superficie (a menor possivel ) deve tocar o corpo do companheiro e apoiar-se nele. Depois 4 a 4, e finalmente todo o elenco: todos os atores se tocam, tocando no chao oO menos possivel. Neste exercicio (como em todos os demais exer- cicios fisicos) deve ser absolutamente proibido falar, dar su- gestdes ou fazer pedidos: a comunicagéo deve ser exclusiva- mente muscular. As pessoas se comunicam através dos mius- culos: pedem e sugerem, consentem ou recusam, sempre atra- vés dos musculos. Falar, mesmo baixinho, é extremamente pre- judicial. Também nao se deve procurar fazer nada herdico. No entanto, deve-se procurar fazer todo o possivel. Pode-se até fazer esculturas de trés niveis. Isso porém, s6 com absoluta seguranga. Este exercicio é melhor praticado em grama ou areia. Devem-se tomar todas as precaugdes: os mais leves, devem subir de preferéncia sobre os mais fortes e pesados Repito: nada de heroismo, porém, dentro do possivel, tudo! TE ue CoMPLETAR 0 Espaco Vazio — Dois atores estio frente a rente. Um deles mexe-se e o outro completa o “espaco va- zio”; se um recua a mao, 0 outro avanga a sua, se um poe a 78 barriga para fora, o outro pée-na para dentro, se um se enco- jhe 0 outro agigania-se, etc. 18. Divipir 0 Movimento — Divide-se um movimento con- tinuo (andar, por exemplo), nas suas partes: primeiro uma perna; parada; depois o braco; parada; a outra perna; para- da; etc. 19. DESCOORDENAGAO DE MOVIMENTos CoorDENADOS — A coordenagio de movimentos endurece os misculos e determina a mascara fisica. Neste exercicio, 0 ator estuda os seus movi- mentos, descoordenado-os: os bragos separados das pernas ao andar; uma perna com um ritmo diferente da outra; uma mao gesticulando o contrario da outra; a mao descoordenada da ‘boca que se abre para receber os alimentos, o dedo que se le- yanta antes que se abra a boca para pronunciar um discurso; os bragos fazendo o movimento de equilibrar as pernas que se cruzam, mas nao ao mesmo tempo, etc. 20. CoRrRIDA CoM as PERNAS CRUZADAS — Dois atores, em posicéo horizontal, abragam-se pela cintura e cruzam as per- nas que se tocam, levantando-as para que nao se apdiem no chao. Depois comecam uma corrida em que cada um deve considerar o corpo do companheiro como se fosse a sua prop:ia perna: deve mexer esse corpo como mexeria a sua perna. Nao se deve saltar, mas sim andar, um ator com a perna direita € 0 outro com a esquerda. 21. CoRRIDA Do MonsTRo DE QuaTRO PaTas — Os atores, aos pares, abracam-se corpo a corpo, um de pé e o outro de cabeca para baixo, de tal maneira que as cabzcas fiquem ~ abracadas pelas pernas dos companheiros, formando assim uma figura monstruosa de quatro patas: Inicia-se uma corrida em que os pares funcionam como rodas. 22. CorRIDA po CaNcuru — Cada ator abaixa-se agarrando os tornozelos com as maos. Comega uma corrida, dando saltos como os cangurus. 23. Corripa ou Balle com UMA MacA — Aos pares, 0S atores seguram uma maga ou uma bola entre as cabecas, per- 79 dem os que a deixarem cair, ganha o primeiro a chegar ou 0 ultimo a desistir. 24. CORRIDA Com Pés — MAos — Cada ator pOe-se a quatro patas e inicia-se uma corrida (idem em marcha atras). 25./ Corrma pe Pés AGARRADOs — Cada ator agarra os pré- prios pés com as préprias maos e¢ assim corre, primeiro para frente e depois para tras. 26. Joco po ALHo — EB um jogo portugués, Um ator (cha- mado “a mae”) fica encostado numa parede. Cinco outros fi- cam de frente para ele, em fila, e cada um mete a cabega embaixo das pernas do que est4 em frente, de modo que fazem como uma figura de cavalo. O que esta mais préximo A “mie” mete a cabeca embaixo do braco da mie. Comega 0 jogo quan- do os demais atores tomam uma certa distincia ¢ atiram-se sobre 0 cavalo de cinco corpos, procurando chegar o mais Petto possivel da mae. Cai e ai fica, Corre o segundo ator e atira-se e fica também onde cai. Quando cinco atores tiverem jA saltado (pode ser que algum tenha caido ao chao) a mae comeca a balangar os corpos dos que estao. embaixo a fim de fazer com que os de cima caiam. Existem muitas variages do jogo do alho. Em geral, cada corredor avisa gritando “La vai alho!” A “mae” também pode ordenar qualquer coisa: rindo, chorando, gritando, etc. e todos os saltadores devem saltar fazendo o que manda a mae. Po- dem-se igualmente formar duas equipes e ganha a equipe que puder conservar maior numero de saltadores em cima do “cavalo”. 27. RITMo com SaPATO — & uma brincadeira infantil muito util para coordenar elencos. Os atores sentam-se no chao, em circulo, cada um com um sapato diante de si e comecam a cantar uma musica bem conhecida por todos, marcando bem © ritmo, a cadéncia, e em cada momento passando o seu sa- Pato para o companheiro que esta a sua direita, menos em certos momentos convencionais. Por exemplo: 80 “L4 vai uma 14 vao duas trés pombinhas a voar! (Aqui ndo se passa o sapato — apenas batem com o sapato em frente ao companheiro, mas ‘cada um volta com o seu préprio, Sé passa na ultima.) Uma € minha outra é tua outra € de quem apanhar!” (Mesmo proceso.) Em geral os sapatos se acumulam diante dos atores que se equivocarem. Esses sao eliminados e o circulo diminui. Cada ator que sair leva consigo o seu sapato, para que fique sempre igual o niimero de sapatos e de pessoas. 28. Ritmo Como DiALoco — Formam-se duas equipes, cada uma com um lider e comeca o jogo. O lider faz um ritmo quatro vezes, dirigindo-se ao lider adversdrio, como se estivesse falando com ele; seus liderados repetem a mesma coisa tras vezes. E entdo a vez do lider adversdrio responder com outro ritmo € outro movimento: logo depois da primeira vez os seus lide- rados repetem trés vezes mais, como se estivessem respondendo aos liderados da equipe oposta. O ritmo e o movimento devem ser usados como didlogo, como se as pessoas estivessem real- mente falando umas com as outras. Cada frase musical pode ter a extenséo que for, umas longas outras curtas, umas mais complexas outras menos. 29. Rirmos E BoLas — Cada ator imagina uma bola de um tamanho determinado e de uma matéria determinada. Por exem- plo: uma bola de pingue-pongue, uma de futebol, uma de ferro, grande, outra de plastico, etc. Depois imagina o ruido dessa bola, o seu ritmo: batendo no chao, jogada pra cima, ou con- tra a parede, etc. Depois de praticar cada um com a sua propria bola comegam a trocar as bolas uns com os outros, o que signi- fica trocarem os movimentos que fazem com cada bola e 0 titmo de cada uma. 81 E. Relacionamento com 0 mundo exterior 1. IMAGEM Do Gruro — Cada ator, utilizando os outros ato. res, faz uma escultura que pretende refletir a sua opiniao acer. ca das relagdes dentro do grupo. Aquilo que permanecer cons- tante em todas as esculturas sera uma espécie de superobjet vidade. Pode-se escolher, cada vez que se faca o exercicio, um) ator para ficar em evidéncia, 4 volta do qual ficarao todos o: outros. O ator em evidéncia “sentir-se-4” na posigaéo de cada um dos seus companheiros, assumindo a posic&o deles em cada’ escultura. Exemplo: uma atriz tinha o costume de falar “por cima’ dos outros, Esta caracterfstica apareceu nas esculturas que se fizeram dela; depois, ela propria se pds no lugar dos outros para avaliar como eles se sentiam. 2. VARIAGOES DA ESCULTURA A) O ator faz a escultura de um determinado tema (a ~ sua cidade, o regime politico atual, a sua escola ou fabrica, etc.); seguidamente, deve fazer a escultura de como seria esse tema idealmente; depois deve fazer a escultura da transigaéo pos- — sivel entre a primeira imagem (real) e a segunda (ideal) Todos devem participar na discussao das imagens da transi- cao, mas sem falar; cada qual fazendo as modificacdes que | Ihe parecam necessdrias na primeira imagem, para que seja_ possivel chegar a segunda; deve-se formar uma verdadeir: assembléia de escultores, sempre sem falar, mostrando as sua: opinides apenas através das imagens propostas. B) A um sinal do encenador, cada ator que participa na — escultura é autorizado a executar um gesto e sé um: isso faz — com que a escultura adquira vida propria e se modifique rumo— a uma imagem ideal determinada, nao por um escultor a partir do exterior, mas sim por deciséo das préprias “estatuas”; quer — dizer, o préprio complexo de conflitos move-se em diregéo a uma nova estabilidade. Esta variagéo é a estétua animada. 3. FILA DE CeGos — Duas filas de atores; uma com os olho: fechados procura sentir, com as m&os, 0 rosto e as maos dos” 82 da outra fila, cada qual os do ator que est4 na sua frente, Depois os atores separam-se e os “cegos” tentarao descobrir, tocando os rostos e as maos de todos, qual o ator que estava na sua frente. 4, CEGO com BoMBA — Um ator com os olhos tapados ima- gina que rebentaré uma bomba se permanecer mais de um se- gundo em contato com alguém. Os restantes atores rodeiam-no, Quando toca em alguém, o “cego” deve afastar-se o mais ra- pidamente possivel. Este exercicio desenvolve extraordinaria- mente os sentidos. 5. ATMOSFERA DE NEVE — Um ator imagina que a atmosfera € manejavel como se fosse de neve e faz uma escultura no ar. Os outros observam e devem descobrir a natureza do objeto que foi esculpido. Nao se trata dum jogo de mimica: o ator 83 deve realmente procurar sentir a atmosfera e as relacGes entr2 os musculos do seu corpo e o mundo exterior, se dé uma mar- telada, é necessdrio que os musculos do seu corpo se estimu- lem como se efetivamente tivesse um martelo. Este exercicio pode ser simplificado ou complicado. Simplifica-se, fazendo 9 ator realizar movimentos simples com objetos reais, transpor- tar uma cadeira, por exemple, observando nos seus movimen- tos, quais sio os musculos estimulados e a natureza do estimu- lo. Seguidamente, sem o objeto, procurara estimular os mesmos miusculos, repetindo a acao. Complica-se o exercicio, fazendo-o coletivamente: um ator faz um objeto com a atmosfera, passa-o a um segundo ator que tem de modificd-lo e por sua vez 0 passa a um terceiro, e assim sucessivamente. Pode-se, por exemplo, envolver varios atores ao mesmo } tempo numa linha de montagem de um automével: um ator prepara as rodas, enquanto os demais preparam outras partes do automével (desde as grandes as pequenas), montando por fim todo 0 automével. Deve pdr-se sempre o acento tonico ne relacionamento fisico com o mundo exterior e nao na mimica ou em sinais. 6. INTERRELAGAO DE PERSONGENS — Este exercicio pode ou lao ser mudo. Um ator ihicia uma agao. Um segundo ator apro- xima-se e, através de agdes fisicas visiveis, relaciona-se com © primeiro de acordo com o papel que escolhe: irmio, pai, tio, filho, etc. O primeiro ator deve procurar descobrir qual o pa- pel e estabelecer a inter-relagéo. Seguidamente, entra um ter- ceiro ator que se relaciona com os dois primeiros, depois um quarto e assim sucessivamente. O primeiro exercicio desta sé= rie deve ser sempre mudo, a fim de desenvolver as relagoes de cada um com o mundo exterior através dos sentidos e nao das palavras. 7, DESCOBRIR 0 OBJETO — Com os olhos tapados e as maos para trds, utilizando todas as restantes partes do corpo, o ator toca e procura descobrir qual o objeto que se Ihe apresenta: | cadeira, lapiseira, copo, folha de papel, flor, etc. Este exercicio estimula intensamente a sensibilidade de todas as partes do cor- po que se relacionem com o objeto. 84 8. PERSONAGEM EM TRANSITO — Um ou mais atores entram em cena e realizam certas ages para mostrar de onde vém, o que fazem e para onde vao. Os outros devem descobrir tudo isso apenas através das agées fisicas; vém da rua, estéo numa sala de espera de um dentista e vao tirar um dente; vém do bar, estéo no hall do hotel e yao subir ao quarto; saem de suas casas pela manha, estao no elevador e vao comegar o seu trabalho num escritério, etc. 9. OBsERvACAO — Um ator fixa os seus companheiros duran- te alguns minutos e, depois, de costas ou com os olhos tapados, procura descrevé-los com o maior numero possivel de por- menores: cores, roupas, formas caracteristicas especiais, etc. 10. ATIVIDADES COMPLEMENTARES — Um ator inicia um mo- vimento qualquer e os outros procuram descobrir qual é essa atividade, para entdo realizarem as atividades complementares. Exemplo: os moyimentos de um 4rbitro durante um jogo, complementado pelos jogadores defensores e atacantes; um chofer de taxi complementado pelo passageiro; um padre re- zando missa complementado por um acdlito e pelos fiéis, etc. 11. Descoprir A ALTERAGAO — Duas filas, cada ator frente a outro, observando-se; viram-se de costas um para o outro e alteram um determinado detalhe nas suas préprias pessoas; voltam a olhar-se e cada um deve descobrir a alteracao do outro, 12. EsTimuLo As PARTES ADORMECIDAS DE CaDA UM — Este exercicio deve ser praticado repetidas vezes, variando sempre as partes adormecidas que devem ser estimuladas. Baseia-se no fato de cada um de nds ser capaz de sentir, pensar e ser de formas infinitamente mais variadas que as que quotidianamente utilizamos. Certo dia um ator fez o papel de um torturador e depois ficou muito preocupado, porque durante o exercicio sentiu prazer real em torturar. Nao se tinha apercebido que era capaz de sentir prazer em praticar algo insano. Depois com~- Preendeu que o comportamento virtuoso tem de ser o resultado de uma escolha consciente e livre, e ndo o fruto da incapaci- 85 dade de praticar o mal. Uma pessoa pode ser capaz de sentir prazer em torturar, mas nao tortura porque escolhe nao tor- turar. O homem deve inventar-se a si proprio dentro de uma infinidade de possibilidades e nao, pelo contrario, aceitar pas- sivamente o seu papel porque nao pode ser diferente. Nada do que é humano é alheio seja a que for. Todos somos, potencialmente, bons e maus, carinhosos e duros, mu- — Iherengos e homossexuais, covardes e corajosos, etc. Somos © que escolhemos ser. Os fascistas sAo condendveis, nao por — serem capazes de fazer com que o povo morra de fome para que eles se encham de dinheiro, mas porque escolheram fazé-lo. Certa atriz, ao descobrir que dentro de si mesma existia uma infinidade de seres diferentes, exclamou: “Ah, como eu gostaria de ser puta!” Quer dizer, nao queria vaguear pelas tuas ou trabalhar para o Hotel Hilton, mas apenas sentir du- rante um exercicio tudo o que pode sentir ou’pensar uma puta, a puta que tinha dentro de si mesma como uma possibilidade “ndo”-escolhida, como uma possibilidade adormecida. O exer- cicio consiste precisamente em estimular as partes adormecida: de cada um para melhor compreender tudo o que é inerente ao homem. Nao se pede que o ator “altere” a sua personalidade: apenas que conhega as suas possibilidades e; por conseguinte, as das personagens que vai interpretar. Certo ator escolheu obe- decer e ser humilhado, coisa que nunca aceitava; outro, trans: formar-se momentaneamente num importuno que quer saber tudo, que faz as perguntas mais inconvenientes, por exempl se 0 jovem casal que vai para o hotel esta efetivamente casado; qual das meninas presentes deu um peido, etc. Realmente um importuno! Com vista a favorecer a livre manifestacgdo e estimulo das” caracteristicas adormecidas, o exercicio pode ser feito de for- ma surrealista: as personagens escolhem livremente o lugar onde estéo e alteram-no, podendo coexistir dois lugares no mesmo espaco, etc. Também pode, pelo contrario, de acordo com as circunstancias, ser feito de forma absolutamente rea- lista. 13. DiricuLDaDES CoM 0 CORPO £ COM OBJETOs — Esta- mos acostumados a desempenhar as nossas atividades e fazé- 86 mo-lo “mecanicamente” porque conhecemos 0 nosso corpo ¢ os objetos. Tudo muda se algo acontece a estes ou Aqueles. Por exemplo, se o ator tem uma mao atada as costas, como poderd pér a mesa? Se tem apenas um olho ou ne- nhum, ou sé uma perna, se apenas pode andar para tras, ou se os seus dedos se endurecem, como se podera vestir ou acariciar a mulher? Todas as imperfeigdes fisicas ou ambientais provocam o aumento imediato da sensibilidade: os cegos tém melhor ouvido, os mudos véem mais longe, etc. 14. ALTERNATIVA DO SUPEREGO — Em certa cena um ator tem um superego, e ambos dialogam com um interlocutor que fala ao ator como se fosse este quem diz as coisas do superego; o ator tem de aceitar como suas as conseqiisncias do que diz o superego. Podem-se também utilizar dois superegos, cada qual oferecendo uma alternativa que deve, neste caso, ser es- colhida pelo ator principal. 15. CoNcENTRAGAO — Estabelecendo um circulo de atengao, os atores devem descobrir 0 maior numero possivel de cores, matizes, formas, pormenores. Pode tratar-se de uma mesa, duma parte do sobrado, da parede, do rosto de um compa- nheiro, de uma mao, de uma folha branca, ete. O importante € que o ator (que como todo ser humano esta habituado a “sintetizar” a realidade para que nela se possa mover: enlou- queceriamos se percebéssemos e registrassemos nas nossas cons- ciéncias a infinita variedade de cores e formas que 0 nosso olho € capaz de perceber) se exercite em “analisar” a realidade e descobri-la nos seus minimos detalhes. Este exercicio pode-se fazer com um ator diante do outro. Cada qual informa o outro de toda a variedade que conseguiu descobrir no seu rosto. O mesmo se poderd fazer com sons. 16. SELVAGEM Na CIDADE — Os sentidos funcionam como seletores ao enviar mensagens ao cérebro. A selegdo de esti- mulos conscientes depende dos rituais de cada sociedade. Di- zem que as maes nao ouvem o despertador, mas se levantam mal os seus filhos comecam a chorar. No bosque, um passaro € capaz de ouvir o canto da companheira ainda que a seu lado 87 um ledo esteja rugindo. Toda a imensa quantidade de estimulos visuais e auditivos de uma grande cidade sao facilmente sele- cionados por uma crianga que atravessa a rua, mas enlouque- ceriam um fndio. Este exercicio consiste em um ator “fazer” de indio, o selvagem que nao conhece as formas da nossa ci- vilizagao de ‘‘codificar”, de “ordenar” os nossos “dados” e por isso “estranha” tudo o que v3, as coisas mais triviais, e nao se apercebe do risco contido nas coisas mais perigosas. Pode-se fazer o mesmo exercicio ao contrario: um “civilizado” metido nos rituais de uma sociedade chamada “primitiva”; ou qualquer outra mudanga de uma pessoa “educada” segundo certos ri- tuais, que de repente tem de assimilar e processar dados de outros rituais e outras sociedades. Isto é uma coisa vulgatis- sima que nos acontece a todos quando viajamos a uma nova cidade: enquanto nao nos habituamos, podemos marayvilhar-nos com tudo o que nela existe; ao fim de alguns dias j4 nao vemos nem sentimos sequer metade dessas sensac6es. 17. ILUsTRAR UMA HisTORIA — Um grupo de atores conta uma histéria, cada um por sua vez, enquanto no palco outro grupo de atores “ilustra” essa histéria, utilizando os seus cor- pos. Para facilitar nas primeiras vezes os atores devem mostrar imagens estaticas, imdveis. Posteriormente, devem mostrar uma cena mével. A historia pode ser absolutamente surrealista: o que in- teressa é dar ao grupo atuante uma oportunidade de responder imediatamente com os seus corpos as propostas que surgem. Por isso é importante que as propostas da histéria incluam rvores, animais, vento, ondas do mar, choros, castelos, me- tralhadoras, tanques de guerra, calor, frio, guerra e paz, flo- testa e cidade, praias e campos, etc. A resposta corporal deve ser imediata e nao deve ser interrompida: o mesmo ator pode passar de ledo a bomba que explode, através de uma “meta- morfose” e nao através de um “corte” na interpretacéo dessas duas coisas dispares. 18. ConTar A Sua PROPRIA HisTORIA — Um ator conta qual- quer coisa que realmente lhe aconteceu: ao mesmo tempo os seus companheiros ilustram a histéria que ele vai desenvolven- 88 “do. O ator que narra nao pode interferir, nem fazer correcdes, durante o exercicio, No fim se discutirao as diferencas. O nar- rador tera a oportunidade de comparar as suas reagdes com as dos seus companheiros. 19. HA Murtos OssETos Num S6 Osseto — Baseia-se na frase de Bertolt Brecht de que ha muitos objetos num sé objeto, se a meta final for a revolugéo;-mas nao haveré nenhum objeto em nenhum objeto se nao for essa a meta final. Consiste em dar um objeto ao elenco para que cada ator descubra uma utilizago possivel do mesmo: um pau pode ser uma espingarda, um bastao, um travao, um cavalo, um guarda-chuva, uma mu- leta, um elevador, uma ponte, uma colher de ‘caldeirao, um mastro de bandeira, uma barreira, uma drvore, um poste de iluminagao, um torpedo, uma vara de pesca, um remo, um apito, uma flecha, uma fanca, um violino, uma agulha de cos- tura, e muitas coisas mais, inclusive um pau. 20. ILUSTRAR UM TEMA — Dé-se um tema: prisao, por exem- plo. Cada ator avanga e sem que outros quatro o vejam faz com o corpo a ilustragaéo desse tema. Depois, cada um dos quatro vem, cada um de sua vez, e faz a sua propria ilustra- ¢ao, diante dos companheiros que observam. Por exemplo: o primeiro pode ilustrar o tema “prisao” ficando deitado, lendo; outro, olhando por uma janela imagindria; um terceiro jogan- do cartas; um quarto cozinhando; um quinto olhando com rai- va para fora. Outro tema: igreja. Pode um fazer-se de padre, outro de sacristéo, outro de noivo, outro de turista, etc, 21. ConTar a Mimica Feira Por QutRo — Um ator vai ao palco e conta, em mimica, uma pequena histéria. Um segundo ator observa enquanto que outros trés nao podem ver. O se- gundo yai ao palco e reproduz o que viu, enquanto os outros dois nao véem: sé 0 terceiro. Vai 0 terceiro e o quarto o obser- va, mas néo o quinto. Vai o quarto e o quinto o observa. Fi- nalmente vai 0 quinto ator e reproduz o que viu fazer ao quarto. Compara-se depois com o que fez o primeiro: em geral, .o quinto j4 nao tem nada mais a ver com o primeiro. Depois, pede-se a cada um que diga em voz alta o que foi que preten- 89

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