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—_——————_ Resenhas A experiéncia do movimento oprdto Castoriadis, C. ‘Sto Paulo, Brasiliense, 1985 Uma reflexdo sobre a questo do movimento operdrio, através do enfoque ‘de Cornelius Castoriadis. Arilda Inés Miranda Ribeiro Introdugio Escrever um trabalho sobre a obra A expe- riénela do movimento operdrio, de Cornelius Castoriadis, é uma aventura desafiadora pa- xa qualquer observador iniciante. No entan- to, se, por um lado, ofato constitu um desa- fio, por outro, é também algo que estimula ¢ excita a imaginagéo. ‘Ao tomar contato com a obra, & possivel perceber, quase de imediato, uma nova di- mensio da teoria marxista ~ teoria compos- ta de riqueza e de complexidade de um pen samento a ser descoberto. Castoriadis é provocativo. Incita ao deba- tee promove uma verdadeira turbuléncia nos conceitos difundidos por tedricos marxistas ti- dos como 0s verdadelros seguidores do pen- samento original de Marx, aqueles a quem ele denomina de ‘‘guardides da ortodoxia” Em primeiro higar, & necessario explicitar que © texto representa uma pedra de toque gue impulsiona dscussdes sobre os movimen- tos sociais no Brasil, principalmente no mo- ‘mento atual, em que é possivel vislumbrar ma- nifestagbes das clases trabalhadoras, sem que tenhamos explicagdes histéricas correspon- dentes para essas situacdes. A questdo que o autor discorre no texto refere-se a “historia do movimento operatio a0 fato de que pouco se Tala ou escreve so. bre o desenvolvimento das atividades realiza- das pela massa, A questao da historia do mo- vimento operatio jamais foi — até hoje — se- riamente colocada. O que geralmente se apre- senta como tal nao € mais do que uma desei- *Aluna do doutorado, Depto, Filosofia e Histéria dda Educagdo/UNICAMP sob orientagao do Prof. Dr. José Luis Sanfelice G0 de seqiiéncia de fatos” (Castoriadis, 1985:16). Refere-se também 4 questdo de que os trabalhadores necessitam superar caré- ter “imediato”” das suas reivindicagdes do dia a dia e se elevar ao nivel das preocupagdes “histricas” da organizagdo, como também aqueles que militam devem saber que as lutas imediatas dos operdirios podem ser influencia- das pelas idéias e pela organizagiio desses mi- Titantes. Castoriadis critica Rosa de Luxemburgo ¢ os leninistas. Diz. que nem mesmo uma pen- sadora que concede papel tao decisivo as “es- pontaneidades"” das massas consegue desvir cular a quest4o econdmica como condigao Sine qua non para o desenvolvimento da te- volugiio. Ou seja, ela ndo consegue se livrar da necessidade de condicionar a revolugao & crise econémica. A reducdo da pratica ope- réria ao economicismo nao deixa espaco pa- ra.a nogdo fundamental, no entender de Cas- toriadis, da autonomia operaria. Quanto aos leninistas, eles véem os operd- rios, ou a grande maioria, realizando apenas atividades sindicais. A aco, ou o fazer do partido como um ato politico, pode desper- tar apenas um niimero reduzido de trabalha- dores e que s6 uma grande crise no sistema poderia despertar na massa uma vontade co- letiva de transformagao, Percebe-se af que 0 autor procura eviden- ciar que mesmo os grandes tedricos marxis- tas ndo atribuem ao operariado um papel que Ihe é de direito. O papel de seres que tém uma forca auténoma, desvinculada do protecionis- ‘mo de seus supostos protetores. Comenta so- bre a descrenea desses tedricos sobre 0s tra- balhadores, sendo a imagem que possuem de- {es a mesma formulada pelos patrdes. “Com feito, &estritamente equivalente dizer que um operario nunca trabalha a nao ser sob a coa- ‘:40 ou motivado pelo prémio e que os traba- thadores 36 fardo uma revolugdo forcados por sua situacZo econdmica”” (Castoriadis, 1985:13). A teoria, nesse sentido, é tida por vezes co- ‘mo conjunto de verdades eternas, sendo que © papel histérico do proletariado jd est de- terminado desde o século XIX com a publi- cacao de O capital, de Marx. Ou, de acordo com Castoriadis: Esse fundamento 0 pos- tulado de que a verdade passada, presente e futura da evolucdo histérica, jd estaria desde ‘agora sob 0 dominio de uma teoria, essencial- mente acabada, a qual, por sua vez, jé seria possuida por uma organizacao politica; ais 0 resulta, necessariamente, que 0 “papel his- rico do proletariado”” sé é tal na medida em que ele faz 0 que a teoria sabe e prediz que ele deve fazer e fard (Castoriadis, 1985:14). Mais do que a criagdo de uma nova visio do marxismo, o autor procura desmistificar ‘05 imperativos categoricos fixados por ou- trem, Recupera Marx nas suas premissas 01 ginais quando coloca suas reflexdes no tem- 10 ¢ espaco, situando as questdes que Ihe eram compativeis. A condicao sdcio-econémica do periodo histérico desse judeu alemao permi- tia elucubracdes que respaldavam analises que nao podem ser as mesmas da sociedade atual. Eis af a grande contribuigao de Castoriadis, a medida que ele recupera o vies transmuta~ do dos ortodoxos. E preciso acompanhar 0 processo histérico dentro das questées colo- cadas no momento em que @ obra foi produ- Zida. O proletariado tem a sua autonomia no instante em que objetivamente isso acontece, sem que haja possibilidade da realizagio de predigdes futuristicas: Ouso dizer que falo dis- so com conhecimento de causa; pois, ao mes- ‘mo tempo em que a critica da burocracia e da degenerescéncia da revoluedo russa me le- vou a idéia da autonomia do proletariado ¢ 4s suas conseqiiéncias diretas — ou seja, de que ndo ha ‘consciéncia’* do proletariado fo- ra do proprio proletariado, de que a classe operdria ndo pode exercer seu poder através de uma “‘delegacao”’, qualquer que seja sua forma, de que (se ela nao pode se dirigir e di: rigir a sociedade) ninguém poderd fazé-lo em seu lugar (Castoriadis, 1985:15). ‘Nese sentido, & importante recuperar a his t6ria do movimento operario, 0 que E.P. Thompson, em The Making of the English Working Class, realizou admiravelmente, no dizer de Castoriadis. Mas esse autor inglés foi um dos poucos a faz8-lo. A maior parte dos historiadores cita datas de batalfras, nome dos lideres dos militantes heréicos, os dos reis ¢ generais, No Brasil, felizmente comegam a surgir na literatura comentada pelo autor, tra- balhos que ultrapassam as caracteristicas aci~ ma descritas. Como, por exemplo, podemos citar 1930: O Siléncio dos Vencidos, de Edgar De Decca, ou A Estratégia da Recusa, de Am- néris Maroni. ‘A posicdo do historiador, de acordo com ‘autor, qualquer que seja 0 campo conside- ado, deve ser a de sustentar uma entidade his- térica. Seu tema faz parte de um todo, em que ‘ele normalmente se depara com o que the i teressa; porém, além desse interesse, existem outras coisas envolvidas que escapam do seu controle ¢ sobre elas Castoriadis vai discor- rer longamente no texto. Discute-as de manei- ra filos6fica, 0 que nos deixa confusos dian- te da complexidade da tematica, havendo mo- ‘mentos em que nao é possivel observar se es ssa posigio do historiador deve se manter nu- ‘ma questo mais geral ou mais especifica. Castoriadis cita a “‘metafisica ingénua’” dos paniletarios, dos jarg6es dos militantes e do uso que fazem deles. As idéias desses nao pas- sam de repetigdes das teorias passadas. Teo- rias que esses militantes ndo querem saber 0 {que sao, nem de onde provém, nem para on- de levam, Simplesmente as repetem sem re- fletir © que significam. Ainda sobre o fazer histérico dos historiadores, Castoriadis diz, que a andlise histérica nao é livre. As dificul- dades encontradas quando se trata de apreen- der e de descrever as significagSes passadas € distantes em termos compreensiveis para nds, longe de deixarem “livre”? nossa reconstrucao, testemunham precisamente sobre 0 que resis tea clas, independentemente de nossas cons- trugdes. De acordo com Castoriadis (1985:23): “‘Ne- nhur artificio filosdfico ou epistemologico (...) serd capaz de eliminar o ser'préprio do objeto social-histdrico.(...) Os que nao podem ver isso deveriam se abster de falar em socie- dade e em historia e ocupar-se de matemdti- ca, cristalografia ou entomologia (evitando cuidadosamente, inclusive nesses campos, as questoes tedricas)’”. ‘Quanto a questdo da organizagao politica, ‘00 papel do Estado, esses so apenas mani- festagdes da vida historica. A figura interme- didria, que em cada etapa historica unifica ¢s- sa manifestagdo e outras, é 0 povo. O ser do ssocial-histdrico, portanto, é posto em referén- cla @ vida desse sujeito ampliado que é “‘po- vo histérico” e, em ultima instdncia, em re- ‘feréncia ao Absoluto-Sujeito, Razéo ou Es- ‘pitito do Mundo. Suas manifestagdes sao vis- 61 tas como as articulagdes de uma teleotogia, como uma hierarquia submetida a uma boa ‘ordem, Essa hierarquia é, e deve ser, pelo me- nos diiplice: hierarquia dos momentos da vi- da de wm povo (na qual economia, direito, re- ligido, arte tém lugar bem definido) e hierar- quia desses mesmos povos, que coloca sobre 4 historia longitudinal de cada atividade hu- ‘mana uma boa ordem (Castoriadis, 1985:30). © autor também coloca a questo do tra- balho para Marx. Como efetivamente o pen- sava, ou seja, como operacio finalizada de um sujeito sobre uma coisa segundo cone tos. “O que desde o inicio distingue 0 pior ar- quiteto da mais engenhosa abetha & que ele consiruiu a habitacdo em sua cabeca antes de consirui-la na realidade. resultado a que 0 trabalho conduz preexiste idealmente na ima- ginacto do trabalhador” (Castoriadis, 1985:31). Mas as significagdes imagindrias do capi- talismo nao so puras, ou pelo menos nao se apresentam como tal em relagao ao trabalha- dor. Dessa forma, podemos exemplificar com a obra de Ciro Marcondes Filho, Quem ma- rnipula quem?, em que 0 autor coloca que © capitalismo desenvolveu nos individuos uma forma prépria de estruturar a realidade e agir sobre ela. Essa forma ¢ as vezes to sutile di cereta, que consegue invadir territérios mais policiados do controle ideolégico. Ai esté a sua forga. Jé nao se pode pensar hoje em ter- mos de um demareamento ideol6gico como se fazia no passado. O modo de pensar capi talista parece ser uma estrutura inconsciente ue se coloca a nds, & nossa vivéncia de for- ‘ma imperativa: 0 modo de pensar capitalista (..) implica uma relago com 0 mundo. Essa relacao tem como matriz a ldgica da merca- doria. Nesse modo de pensar, a estrutura da ‘mercadoria funciona como modelo genérico para todas as relagées na sociedad. Ela trans- cende os limites internos do mercado e inva- de as demais esferas da vida social, funcio- nando como esiruturadora bésica. Assim, as relacdes pessoais, emocionais, sexuais, rela- 0es com arte, a cultura, aciéncia, a educa- $80, 0 esporte passam a ser organizados se~ gundo essa l6gica bésica. A Idgica da merca- doria implica o dimensionamento do social se- gundo as relacdes de troca (Ciro Marcondes, 1987:10) Outro ponto polémico que chama a aten- ‘0 sobre o texto de Castoriadis diz respeito Ahistéria da luta de classes. Conceito distor- ido e mal interpretado muitas vezes por uma grande parte dos teéricos que sucederam e transmitiram as idéias marxistas. Classe so- cial é 0 conceito que se relaciona com a reali- dade histérico-social em nivel abstrato em nivel concreto. Abstratamente compoe, en- quanto determinagdo estrutural, pélo contra- ditério, de acordo com Ciro Marcondes Fi- Iho. S40 pélos contraditérios para fins de re- feréncia na luta politica, cujo conflito e suas conseqiiéncias determinam a histéria. No con- creto, as priticas politicas so mais comple- xas, assim como a prdpria determinacao fisi- cea das classes: fal fato ocorre pela existéncia, no interior das classes, de subgrupos, aqui de- nominados provisoriamente de “‘corpora- ¢e0es”, que revinem sujeitos formal e informal- ‘mente, segundo critérios subjetivos, pessoais, de afinidade, enfim, a valores imanentes. O confit entre esses subgrupos e entre estes e ‘outros menores reproduz em escala menor € em cardter molecular a forma do conflito principal de classes da sociedade, embora, no Plano concreto, os sujeitos pertencam a mes- ‘ma classe. Isso conduz @ contradicdo fiunda- ‘mental nas relacdes entre grupos de, no pla- no abstrato, integrarem uma mesma classe € uma mesma concepcio de mundo e, no pla- no concreto, relacionarem-se como extremos antagénicos (Cito Marcondes, 1987:87). Eo autor pergunta: pode-se trabalhar com algum conceito palpavel de classes? A discus- sdo em torno do que é burguesia, proletaria~ do e muito mais, do que séo as “classes m dias”, ndo € interminavel? Por que exatamen- te? Porque se trata de pura abstracdo, uma construgdo eminentemente teérica que pode ‘mover-se sem problemas de um lado a0 ou- tro da argumentacdo, sem necessidade de comprovacdo empirica. ‘*E é em torno desse abstrato que se move a discussio entre as es- querdas sobre o papel e a situago politica, econdmica c ideol6gica da classe dominante”* (Ciro Marcondes, 1987:16). ‘Aqucles padres colocados rigidamente en- tre classe dominante e classe dominada come- cam a perder forea. A impressdo de que ha- via uma delimitacao visivelmente acentuada entre as duas classes vai dando terreno & pos- 2 sibilidade de se pensar em grupos se mesclan- do, reagindo a esse modelo mecnico ¢ esté- tico de analisar os grupos sociais ¢ seus inte- resses, Procuram agora o fazer hist6rico de cada grupo de acordo com o seu modo de cexistencia em sociedade. Como exemplo, Cas- toriadis (1985:36) cita o fazer da burguesia. A burguesia se faz como burguesia na medi da em que seu fazer transforma a situagio ‘social-histérica onde ela se situa no inicio, estd ineluida néo apenas as relagées de producao eas foreas produtivas, mas também o modo de temporalidade histérica consubstancial i transformacao continua delas ¢ inclusive a propria defini¢do das mesmas. Esse fazer ndo pode ser captado em sua unidade a ndo ser em referéncia a esse “‘designio”, a essa “idéia”, a essa significagao imagindria do de- senvolvimento ilimitado das forcas produtivas. Nao é, portanto, a atividade da burguesia determinada completamente pelo estado das forgas produtivas tal como ele é, mas como incompletamente determinante desse estado tal como sera por seu intermédio. Do mesmo modo, o papel histérico ou 0 desenvolvimen- to historico se faz segundo uma ordem cuja significacdo € possuida por quem fala, que eventos ¢ atividades das camadas sociais tem todos uma fungdo na realizagdo de um resul- tado ou de um fim que se ultrapassa, mas que, de direito, esto dados de uma vez para sem- pre. Assim, a classe & definida por referéncia as relagdes de produsao que sao, em tltima instancia, relagdes entre pessoas mediatizadas por coisas. 'Na verdade, s6 podemos captar o ser da burguesia por referencia ao seu fazer, & sua atividade social-histrica, E € exatamente essa a questo que o autor coloca como contribuigao ao avango do mo- vimento operario. Castoriadis descreve 0 fa- zer como 0 que caracteriza a autonomia do operariado, a atividade que ele realiza ao lon- g0 de sua existéncia. movimento operitio Todas as consideragdes anteriores utiliza- das por Castoriadis tiveram como objetivo clucidar melhor o que é a classe operaria den- tro dos matizes filoséficos ¢ de seu ethos. A maior riqueza de seus escritos nesse texto, po- rém, esta reservada nas paginas que se se- guem, em que ele trata com muita proprieda- de da’ questao. Em primeiro lugar, o autor afirma que a questo da classe operdria e do movimento operdrio coincide amplamente com a questo da crise da sociedade em que vivemos e da luta que nela se trava, com a questo de sua trans- formacao: em suma, com a questao politica contemporinea (Castoriadis, 1985:47). Nao é possivel desvincular 0 que € “proletariado” da questao "‘o que é politica hoje”. Nesse sen- tido, as quest6es filos6ficas debatidas no ca- pitulo anterior nao sao suficientes para dar conta do objeto historico referido. Outra afirmacdo importante de Castoria- lar do marxismo: ...@ politica (revoluciondiria) hoje & 0 que expressa e serve os interesses, imediatos ¢ historicos, do protetariado. Ora, © proprio marxismo exerceu unta consideré- vel influéncia no movimento operdrio e, em acéo de retorno, sofreu dele uma influéncia ndo menos considerdvel; os dois quase coin- Cidiram em determinadas paises e durante pe- riodos no negligencidveis, sem que por isso ‘se possa por um sé instante identificé-os. Im- ppossivel falar deles como se se tratasse de uma S35 e mesma coisa; impossivel falar também de um sem falar do outro, ignorar a concepeao ‘marxista sobre o proletariado, aceitar sua pre- tensao de ser a concepeto do proletariado e ‘mesmo rejeité-la inteiramente, jd que, num certo sentido e em parte, ela 0 foi efetivamente em certos momentos. ‘No entanto, muitos marxistas ndo acredi- tam no proletariado como classe revolucioné- tia, E 0 caso de Kautsky ¢ Lénin. Afirmam que o proletariado é apenas uma classe refor- mista, Sua consciéncia é introduzida ‘de fo- 68 12” pelos ideol6gos procedentes da burgue- sia. Para eles, sem teoria revolucionéria néo ha politica revoluciondria e essa teoria nao é engendrada pelo proletariado enquanto tal. Em oposigdio a essa corrente marxista, ‘Trotski escrevia, num dos seus titimos textos, que o socialismo cientifico 6a expresso cons” ciente da tendéncia elementar e instintiva do proletariado no sentido de reconstruir a so- ciedade em bases comunistas. Para Castoria- dls (1985:52), esse ciemtficismo se mantém no ‘mesmo terreno inconsistente da concepeio le- ninista e manifesta a mesma antinomia. Cita novamente Rosa de Luxemburgo e a critica: Se existe um socialismo cientifico, como Ro- ‘sa acreditou, néo hd estatuto para os “erros”* das massas (salvo precisamente 0 erro); néo pode haver mais do que tolerdncia pedagdgi- a, a crianca aprenderd melhor se encontrar a solugao sozinka, errando algumas vezes de caminko; mas 0 caminho e a solugto é co- nhecida. © que Castoriadis quer dizer € que os gran- des teéricos nao compreendem o proletaria- do como realizadores de sua prépria histéria. “.senquanto nao considerarmos, em primeira lugar, as significagdes novas que emergem na e através da atividade dessa categoria social, ‘em vez de fazé-la entrar a forca em escaninhos conceituais vindos de fora e previamente da- dos” (Castoriadis, 1985:54), a histéria do mo- vimento operério vai continuar obscura, Isso ‘do significa que o fazer do proletariado es- teja creditado a “espontaneidade” ou ao seu posto, a “passividade”” das massas, mesmo Porque as massas reagem, resistem de algu- ma forma. E preciso saber localizar 0s movi- mentos de resistencia que muitas vezes “es- 180 embutidos”” no grande movimento histé- rico. E essa a tarefa do novo historiador mar- xista, E preciso retirar a venda dos olhos e en- xergar melhor a histéria: pois nada veremos da historia moderna se nao virmos que, no e através do fazer do proletariado, criaram-se 0 mesmo tempo instituigées (organizagdes: sindicatos, partidos) originais (que, de resto, serdo imitadas por outras camadas, inclusive pela propria burguesia) e uma relacdo origi- nal de uma categoria social com “suas” or- ganizagdes — do mesmo modo que, no e atra- vés do fazer do proletariado, foi criada uma relacio, sem precedentes na historia, entre uma categoria social e as ‘‘relacdes de prodw- edo” em que ela estd envolvida (Castoriadis, 1985:55), Como entao reconhecer o fazer do prole- tariado? Quais os métodos a serem seguidos? que retirar das teorias anteriores e como las, jd que as possuimos desde a nossa formacao académica? Sao perguntas que 0 proprio Castoriadis elabora nas entrelinhas do texto. Nao ha f6rmula pronta e é exatamente contra essa atitude mecanicista dos “escani thos conceituais” que 0 autor procura com- bater com as suas idéias. O terreno a ser per- corrido é 0 de um caminho complexo, mas ‘Que possui um forte elemento a seu favor: a atribuisio ao proletariado seu real valor, a ne- cessidade de evidenciar que ele tem uma for- ‘¢a propria em sua atividade. Castoriadis procura evidenciar algumas pis- tas no sentido de explicitar que as idéias, bur- guesas ou proletérias, sao mutaveis e a géne- se dessas dias muito pouco esclarece ou con- tribui para o fazer hist6rico-social. Assim, & preciso ndo dar tanta importancia & origem proletéria ou burguesa das idéias, mesmo por- ue tanto elas como 9 fazer do proletariado esti ligados dirctamente ¢ até antecedem as ““idéias burguesas”’. O fazer do proletariado nasce e se desenvolve nesse terreno, para re- comegar, retoma necessariamente idéias “bur- guesas”, muito tempo antes de estarem em ‘questo 0 idealismo aleméo ou a economia politica inglesa — e isso porque ela deve ne- eessariamente retomar a definicao instituida da realidade (Castoriadis, 1985:56).. O historiador que procurar trilhar os pas- sos da histéria do movimento operario des- cobrird o que é de dominio “burgués” ¢ o que € proletério ¢ € 36 no fazer do proletariado que ele podera detectar o que pertence a um ow a outro. Para o autor, a “revolugio” im- plicard a participagao dircta e politica desse intelectual, sem que o mesmo crie uma inter- retacao revoluciondria da histéria do movi- mento operario “forcada”’. ... temos de ex- trair, por nossa propria conta e risco, as sig- nrificagdes de uma revolucao radical a partir da atividade efetiva do proletariado; e isso jd nao é mais ato tedrico, mas um ato politico, que implica nao somente nosso pensamento, ‘mas nosso proprio fazer; e temos de reconhe- cera “circularidade” da situagdo em que es- tamos envolvidos (Castoriadis, 1985:56). ‘Nas paginas que se seguem ao texto, Cas- toriadis revela as diversas atitudes do fazer do proletariado ao longo da historia, Cita exem- los, como a alfabetizagao do proletariado i és de 1800 a 1840. O proletariado “se alfa- betiza praticamente a si mesmo, diminui suas noites ja breves e seus domingos para apren- der a ler ea escrever ¢ usa seus miseraveis sa- larios para comprar livros, jornais e vela (Castoriadis, 1985:60). Resgata também a luta “‘implicita’” ¢ “informal” dos operarios, no que se refere & organizagao capitalista da pro- ducdo, luta tao semelhante & das mulheres, dos negros, homossexuais, das criangas, en- fim de tantos grupos que ‘‘conseguiram mo- dificar substancialmente sua situagao efetiva na familia, na sociedade e em relagao 4 qual organizacdes e manifestacdes explicitas repre- sentam apenas a pequena parte descoberta de um iceberg” (Castor 1985:64). Dessa forma, a revoluedo que alguns teé- ricos predestinam ao proletariado ou a “re- forma’ que esto fadados a cumprir ndo ¢ uma uta 6 deles. Eles fazem parte de um conjunto de segmentos de uma sociedade ca- pitalista e como tal tém seu grau de partici- agao: portanto, ndo podemos reduzir 0 fa- zer social hist6rico do proletariado aos con- ceitos abstratos de ‘‘reforma”” e de “‘revolu- ‘¢d0”” que the sao impostos de modo foreado por um pensamento estratégico (e, por con- seguinte, burocratico), que — em vez de se deixar educar por esse fazer — quer a todo ‘custo mensurd-lo luz de seus préprios esque- ‘mas peseudotedricas e s6 pode ver nele o que corresponde a sua obsessdo de poder (Casto- riadis, 1985:66). proletariado determina-se pelo seu fazer, pela sua atividade, “'contetido concreto das re- laces em que esti envolvido, tanto mais que & ‘determinado por ela’? (Castoriadis, 1985:67). E € através dessa atividade que ele, através da classe operaria, cria um projeto social-histérico-revolucionario. Desde entéo e durante muito tempo, esses diferentes aspec- tos — luta cotidiana, implicita na producdo, Iutas econmicas ou politicas explicitas, pro- Jeto revoluciondrio — ndo podem mais ser se- ‘parados, nem “objetiva’” nem subjetivamen- te, a ndo ser num sentido derivado e secun- diario; 0 que impede também de tracar uma linha de demarcaco absoluta entre 0 “imeditato”” e 0 “histdrico’” (Castoriadis, 1985:69). Finalmente, o que o autor langa como res- posta a esse fazer do proletariado na historia uma nova ligagao de uma camada explora- da com as relacdes de producdo, com o siste- ma social institufdo. Afinal, essa camada ¢ participante na evolucao desse sistema, **€ fi- nalmente € sobretudo uma nova ligacdo de uma camada social com a sociedade ¢ a his- t6ria enquanto tais, na medida em que a ati- vidade dessa camada faz surgir a perspectiva cexplicita de uma transformagao radical da ins- tituigao da sociedade e do curso da histéria’” (Castoriadis, 1985:70). Castoriadis acredita que nio pode haver po- Iitiea que se pretenda revolucionéria sem ten- tar explicitar e elucidar sua relago com sua origem e sua raiz histérica, qual scja 0 movi- mento operirio. A historia do movimento opertirio é a hist6ria da atividade de homens que pertencem a uma categoria sécio- ‘econémica criada pelo capitalismo (...) atra- vés da qual essa categoria se transforma: se ‘Jaz (e se diz e se pensa como) “classe”, num ‘sentido novo dessa palavra — constitui-se efe- tivamente numa “classe” cuja historia nao oferece nenhuna analogia proxima ou distan- te. Transforma-se transformando a passivida- de, a fragmentacdo, a concorréncia (que 0 ca- pitalismo visa e tende a the impor), em ativi- dade, solidariedade, coletivizaedo capitalista do trabalho. Ela inventa em sua vida cotidia- na, nas fébricas e fora delas, defesas sempre renovadas contra a exploracdo; engendra principios estranhos e hostis ao capitalismo; cria formas de organizagdo e de lutas origi- nais (Castoriadis, 1985:72).. Porém a palavra classe, de acordo com 0 autor, tende a desaparecer, j4 que quase to- daa populagao tendera ao assalariamento. 0 que é decisivo sob 0 aspecto da predestinacio revoluciondria é que a atividade dos homens, “nos lugares sociais onde esto situados — vi- vem e agem o conflito social e, mais exata- mente, constituem-no como conflito social"” (Castoriadis, 1985:73). ‘Quanto ao marxismo, para Castoriadis (1985:77), ndo € hoje a expressdio consciente, nem a expresso em qualquer sentido do que essas — “do proletariado ou de outras cama- 65 das — podem conter de revolucionario; quan- do muito, é indiferente a elas, na maioria dos casos, éIhes potencial ou abertamente hostil” (© autor encerra o texto acreditando que 0 projeto revolucionario é de tamanha magni ‘tude, que nao pode ser realizado por peque- nos grupos, mas pela coletividade formada por homens e mulheres ¢ principalmente por seus desejos ‘'e por suas necessidades””. Ca- 80 contrario, 0 projeto revolucionério esta fa- dado a ficar restrito a livros e discursos teéri- 0s, como vem acontecendo ao longo da historia, Consierayes fis Muito se tem a dizer sobre a obra de Cas- toriadis, mas fica extremamente dificil fazé- Jo levando em consideragdo a responsabilida- de implicita em tal ato. O melhor a fazer & trazB-lo no original. Nesse sentido, procurei reproduzir fielmente as citagdes ‘do autor quando percebia que nao havia condigdes de Fetratar passagens com a mesma riqueza que Castoriadis. Devo confessar que as colocagdes so no- vas para mim. E me senti diversas vezes pro- vocada e confusa pelo autor. Nao porque sou. defensora perpétua dos marxistas ortodoxos, mas porque trago em minha bagagem acadé- mica parte do que ele critica com muita pro- priedade, Resolvi elaborar um ensaio leve, exatamen- te para poder digerir com mais tranguilidade 0s conceitos que 0 autor vai auferindo ao lon- go do texto. ‘As quest6es sobre a historia do movimen to operdrio foram importantes para entendi Ia como algo que tem um movimento coleti- vo. Histéria que se faz pelos processos nos quais 0s homens, em todas as épocas, enga- jam os seus destinos através de decisGes que dizem respeito as coletividades em que vivern, Essas reflexdes colocadas nas paginas an- teriores esto, para mim, no periodo de ges- tagao. E preciso um contato maior com as ideias de Castoriadis. Ato que espero realizar em breve e assim ter a possibilidade de enten- der melhor seu pensamento. Esse trabalho é o resultado do que me foi possivel realizar, nas citcunstancias apresen- tadas e, portanto, contendo as falhas e difi- culdades que dele decorrem, Referéncias bibliogrdficas CASTORIADIS, C. A experiéncia do movimento operdrio. Sto Patslo, Brasiliense, 1985. LOWY, M. Método dialstico e teoria politica. 2. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978 RUDE, G. [deologia e protesto popular Rio de Janeiro, Zahar, 1982. THOMPSON, C.P. Tradicién, revuelta y conciencia de clase; estudios sobre la crisis de Ia socie- dad pri industrial. Barcelona, Editorial Critica/Grijalbo, 1979. DE DECCA, E. 1930: 0 siléncio dos veneidas. Sto Paulo, Brasiliense, 1981 MARONI, Amnéris. 4 estratégia da recusa, Sao Paulo, Brasiliense, 5.4 MARCONDES FILHO, Ciro. Quem manipula quem? Petrépi is, Vozes, 1987,

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