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outras, uma espécie de concentrado (xarope que as diferentes escutas ou reine terpretagdes vio diluir em concentragdes variadas). Tende a se dissolver 4 divisio entre misica erudita e popular, mas continua a haver, de maneira isiva, a distingZo entre estrutura profunda e estrutura de supe que esse tiltimo termo seja pejorative). Como eu tinha sugerido antes, Sa- gracao da primavera é estrutura profunda daquela misica de ritmos ¢ tim. bres, de ruido pulsante que o rock vai mostrar como estrutura de superficie. (Portada pela evidéncia de suas cadéncias harménicas ¢ seu compasso qua ternario). Cage é estrutura profunda da misica em seu estado absolutamente ranscendéncia, evi repetitivo dos fluxos em fluxos explicitamente repetitivos) €a superagio da oposigio entre 0 profundo e o super ‘A mésica passou a tramar outras tramas. Para muitos amantes d vel. Para outros, ese estado de coisas nega tudo o que © meu assunto é manter vivo 0 campo da escuta, base 0 que se tornou evidente, que a musica passa a pedir uma escuta prox ifSnica. E possivel reouvir a sua histéria dene nica, E preciso produzir novos mapas. E. possivel ‘ouvir tudo de novo e estar soando jé diferentemente. Modal, tonal, serial Tocar a primeira escala. sica, as culturas precisam selecionar alguns sons entre ou- 0s sobre o cariter ordenador de que se investe essa triage, sons slo sacrificados (vale o termo, também nesse sentido), ps para a grande reserva dos ruidos, em favor de outros que omo sons musicais doadores de ordem. Para fazer esse recor- is possiveis, as culturas estardo fundadas na intuigio de um decisivo, que é série harménica subjacente a cada som. fisicas que nao cabe explicar aqui, uma corda, vibrando nu- fundamental, ressoa internamente outras freqiiéncias iplos, freqiiéncias progressivamente mais répidas, muito diveis, mas que compem 0 corpo timbristico do som. (Muitas, de musica passa completamente ao largo da experiéncia da hharmdnica e do conhecimento de suas implicagSes; pensar ‘ela é algo assim como imaginar que os bebés sio trazidos pe- (Acescrita convencional, jo do piano, com sua afinagio “bem temperada”, s6 essas notas aproximadamente; vamos registréla af, portan- das pelas freqiiéncias componentes da “escala”” harmé- vuma série de interualos® (intervalo é a distAncia que separa dos no campo das alturas). Um som musical, de altura defi- “um instrumento, ou cantado por uma voz, jé tem, embu- 33 | da freqiiéncia do som anterior (ou de uma divisio em 3/4 tido dentro de si, um espectro intervalar. Isto vale dizer que ele contém ., 0 mi e o sol (que retorna oitavan- jé uma configuraglo harménica virtual, dada por mi soando ao mesmo tempo, Mais do que uma simples unidade que vai produ. zir frases melédicas, cada som jé é uma formagio harm6nica implicita, um fcr: ‘mesma progressio, das relages numéricas de 4/5 acorde oculto. Quando um som se encontra com outro, é a ent. «a dos dois que esta em jogo. fica que os harménicos", enquanto formantes de um som, cor- vibragGes mais répidas que se incluem, como miliplos, de periodicidade de- , por exemplo, a corda mi, se for di- io dela, com o dedo sobre o traste, produziré um mi agudo; se suportar um estiramento que duplique a sua tensio, produ- ode recorréncia vibratéria, o reforsam, o amplificam, pean também o som oitavado.) Di-se o nome de oitava a esse intervalo por- mo som de altura definida) ‘que, na seqiiéncia das notas brancas do teclado (que fazem a escala diatdr 1s estudaram essas propriedades do som através da comparagio ele € a oitava nota a partir da sua fundamental. sprimentos de cordas, usando para isso um instrumento de pesquisa: O segundo harménico é a nota sol, que compée o intervalo de guinta* lade com a sua familia preferencal de instrumen- (nota que esta, no teclado do piano, cinco notas acima do som anterior, as harpas, 06), e resulta de uma multiplicagio freqiiencial da ordem de 3/2 em ri Osintervalos foram estudadas no Ocidente através do ‘compri io 20 som anterior, ou da divisio da corda em uma porsio corresponden- : te a 2/3 dela. Il. Os chineses estudaram essas mesmas propriedades atra terceiro harmdnico, que consiste na volta da nota dé, faz com 0 sol Bprimento de bambus (em a ‘suas flautas), Os baline- (segundo harménico) um intervalo de quarta *, resultando de uma mi mos sons ¢ suas proporsées da materia perida e seus 4). Mas, eorizado ou no, o parentesco entre rental, que reconhe- propriedades elementares de a idade, identidade. foi quem primeiro formulou, na tradigio numérico e harmdnico dessas forages sonor. st le com as relagdes entre os 0s nmeros aplicados ao comprimento (ou A tensio) de cordas vi es”. Se temos um som melédico emitido pela vibragio de uma cor- © primeiro harménico (a oitava) resultaré da vibragio de 1/2, o de 2/3, o terceiro de 3/4, 0 quarto de 4/5, 0 quinto de 5/6, Essa lade corresponder4, por sua vez, 3 maior ou me ntervalo. o de um universo constituldo de esferas analégicas, de escalas 38. de correspondéncia em todas as ordens, extensivas por exemplo 3s relagdes entre som, mimero e astros (o que fari da astrologia e da musica, junto com a aritmética e a geometria, as disciplinas bisicas de uma cosmologia de lar- ga duraco ¢ influéncia, pois, j4 citadas em Plato, atravessardo juntas a Ida- ia na forma de quadrivium, vigorando até o Renascimento). Deriva ia, eambém de larga influéncia, de uma miisica das esferas, ou se, ia de que as relagdes entre os astros correspondentes a escala € que 0 cosmos tocaria mésica inteligivel, mesmo que fora da faixa sensivel da escuta. Podemos perceber ¢ intuir a proporcionalidade inerente As ondas so- noras através da escuta ¢ da (re)descoberta das relagées intervalares. Mas as relagdes proporcionais is alturas poderi rraduzidas também nao s6 em niimeros, mas naquilo que elas sio implicitamente: ritmos. Ja que © tom (isto é, um som de altura definida) é, como jd vimos , um pulso mui- to rapido que sb percebemos como altura melédica, os intervalos podem ser ouvidos como ritmos se as freqiiéncias que os compéem puderem ser traduzidas em freqiiéncias proporcionais muito mais lentas. O sampler, um tipo recente de teclado, permite justamente real versio do tom e pulso*, em que um intervalo do com o ritmo. Com isso, temos uma re tonal em harmonia ritmica, 0 que oferece surpreendentemente uma espé- cie de contraponto instantineo entre Europa e Africa: relagdes que a misi-

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