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Mas Séerotes adivinhou algo mais. Vin 0 que havia por tris de seus aristocriticos atenienses; compreendeu gue seu caso, a idiossincrasia de seu caso, 4 ndo era um caso excepcional. A mesma espécie de degeneragdo estava se preparando silenciosamente em todas as partes: a velha Atenas caminhava para o sex final. E Sécrates compreendeu gue todo 0 mundo tinha necessidade dele,~ de seu remédio, de sua cura, de seu ardil pessoal para se autoconservar...” COPY & GRAFY PASTA N® oe Gt TS PROF. Morus Umnicinds & anata QUANT. PAG. __ 31 . PLATAO A Republica - Livro X » NIETASCHE, 0 Crepits folos, “O Problema de Socrates", § ee Owe YS WERK OH KO FSP RSTO CSS OTH OPOCHSPSPPIPSP—PIVPsPe. = DANIEL ROSSI NUNES LOPES PLATAO A Repiiblica, Livro X Tradugao, Ensaio e Comentirio Critice + REY Disseriagdo apresentada a0 Instituto de Estudas da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtengae do Titulo de Mesire em LingQistica, na érea de Letras Clissicas. ORIENTADOR; Prof. Ds. Trajano Augusto Ricca Vieira Campinss 2002 COPY & & GRAFY -) PASTA N° |islOvie Ect T) PROF, prcacuin \ianiciov QUANT. PAG. 94 OG fo3lse OPY & GRAF Y\ is FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA TEL - UNICAMP Lopes, Danie} Rossi Nunes L881p Platdo: a repiblica — livro X — tradugao, ensaic: ¢ comentario critico / Daniel Rossi Nunes Lopes. - - Campinas, SP: [s.x.], 2002. Orientador: Trajano Augusto Ricca Vieira Dissertaga> (mestredo) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. 1, Platéo, 428-348 aC — A Repiblica ~ Liv 0 X. 2. Tradugio e interpretagdo. 3. Estética — Filosofia. 4Mimese na arte. 5. Brica ~ Filosofia. I. Vieira, Trajano Augusto Ricca. IT. Universidade Estadual de Campinas. instituto de Estudos da Linguagem. "Il. Titulo. @OOSOOFOOGTITHDHHDDSSDHSHSSSSFBELELEVVESELELLEE! INDICE RESUMO DO PLANO INICIAL / ABSTRACT ESTUDO INTRODUTORIO: A Moralidade da Estética Platénica na Repitblica .. TRADUCAO INTEGRAL: A Repiblica — Livro X (595a-621d) COMENTARIO CRITICO A Repiiblica — Livro X (595a-621d) BIBLIOGRAFIA ... RESUMO DO PLANO INICIAL © presente trabalho tem trés objetivos: (1) apresentar uma tradugdo integral do Livro X da Repiiblica de Platdo; (2) claborar um estudo introdutdrio que apresente e discuta questdes estéticas, metafisicas, epistemol6aicas e psicol6gicas tratadas por Plato no Livro X, e (3) acrescentar um comentirio critico & tradugio, discutindo pontualmente aspectos relevantes do texto. Para a tradugdo, utilizei duas edigdes com estabelecimento de texto distintos: @ da Oxford, por John Bumet, e a da Belles Letires, por Emile Chambry, privilegiando, entretanto, a primeira. Para o estudo introdutério e 0 comentério critico, foi necesséria a leitura de uma vasta bibliografia que contemplasse questdes discutidas por Platéo no Livro X. Dentre os principais comentadores de Plato, enumero J. Adam, E. Havelock, B. Gentili, H. G. Gadamer, J. Annas e A. Diés. As notes do comentirio eritico sto de cardter filoséfico, histérico, cultural, lingUistico e/ou etimolégico. ABSTRACT This work has three objectives: (1) to present an unabridged translation of Book X of Plato's Republic; (2) to elaborate an introductory study that presents and discusses the aesthetic, metaphysical, epistzmological and psychological issues raised by Plato in Book X; and (3) 10 contribute a critical commentary to the translation, discussing relevant aspects of the text For the translation, two editions were used as sources: the one by John Burnet (Oxford University Press) ard the one by Emile Chambry (Belles Letires). For the introductory study and the critical commentary, a thorough reading of the extensive bibliography on the subject was performed. Among the nain commentors of Plato, I would like to mention the following: J. Adam, E. Havelock, B. Gentil, H. G, Gadamer, J. Annas and A. Diés. The notes in the critical commentary have philosophical, historical, cultural, linguistic, and/or etymological natures. AGRADECIMENTOS 0 SOT THTTTSCOUTTFISISHVFOSOSESTISSSEVLSVIVESSESELLES, Agradego ao Prof. Dr. Trajano Vieira, por ter me incentivado, desde sempre, nos estudos de lingua e literatura grega, e ter sido excelente interlocutor e orientador; 120 Prof. Dr, Flavio Ribeiro de Oliveira, que acompanhou de perto 0 desenvolvimento deste trabalho, manifestando-se sempre como debatedor generoso; 40 Prof. Dr. Lucas Angioni, por ter discutido comigo pontos fundamentais do meu trabalho, em todas as fases de sua execueéo; 40 Prof. Dr. Paulo Sérgio de Vasconcellos, que, como membro da banca de qualificagdo, sugeriu-me alteragdes importantes no meu trabalho; 420 mex amigo Humberto Zanardo Petrelli, pela formatagio e revistio do texto e pelas constantes conversas sobre temas relevantes para este rabatho. Agradego a Fundagdo de Am: aro & Pesquisa do Estado de Sdo Paulo (FAPESP) pelo finenciamento desta pesquisa. A MORALIDADE DA ESTETICA PLATONICA NA REPUBLICA’ moralismo dos filésofos gregos a partir de Plattio rem 3) condicionamentos patoligicos; e 0 mesmo guanto ao seu apreco ela dloléticn, Razan=vigudexlicidade significa simplesmente: ter de initar Séorates e implantar de maneira permanente q contra os apetites obscures, uma luz diurna~ a hue diurna dda razéo. Ter de ser inteligentes, claros, ticidos a qualquer ‘preca: toda concessdo ans instintos, ao inconseiente, conduc para baixo, (NIETZSCHE, F., Crepasculo dos {dolos, “O Problema de Sécrates”, §10) Introducio drt oo ©? csi Undkal J / Sistematizar as diversas asserp5es de Plato a respeito da poesia € uma tarefa demasiadamente drdua. A intratextvalidade da filosofia platnica exige que tenhamos uma visio global de sua obra para tentarmos, assim, descobrir ou ao menos tragar um esbogo de tama teoria_estética que, por sua vez, implica uma teoria da prépria cultura grega, Isso POTGUE a poesia, de cultura grega arcaica até o tempo de Plaifo, representou o_vefeulo comum de transmissio e conservagdo de valores, costumes, sabedorias e crengas de uma ree eect a geragdio_o outra, através da meméria ¢ da oralidade. A escrita, introduzida na Grécia & Sea da meméria¢_ da oralidede._ Epoca de Homero (meados do séc. VIII a.C.), 86 serd amplamente ttilizada no séc. IV a.C. marcando decisivamente uma ruptura coma tradigao oral? ‘Desse ponto de vista histérico, Platéo viveu efetivamente a crise da tecnologia da comunicagio oral, ¢ 0 surgimento do _ discurso em prosa, de naturezafilos6fica, expeculativa e critica, se wpresentow como um dos agentes, e a0 mesmo tempo um dos sintomas, dessa transformagao fundamental tanto da cultura ¢ da linguagem quanto da disposi¢#o mental do homem helénico.? £ a partir dessa perspectiva hermenéutica que interpretarei a atitude de Platéo para com os poctas, especialmente Homero, e 0 sentido geral do advento do pensamento filoséfico como contraponto & visdo estética e mitolégica do mundo, = x rae a loti 9” gt "Todas as citagdes de textes gregos so tradugGes de minhs autora, exceto as de 2GENTILI, Pesiae Pubblico nella Grecia nica cap. pp.2021 HAVELOCK, Preficio a Platdo, cap. 3, p. 63; VERNANT, Mito e Pensamento entre os Gregos ep. 7, PP 293.294, v Ry ¢ ¢ 6 6 6 9 @ @ @ @ @ @ e 9 e a a s e a @ a @ TT TT www www rere TEEPE SHRI SISIS ES SSSOSESEDVDUDED! A Poesia como wlunors A postura de Platio em relago & poesia pode ser compreendida de varios modos. Se nos detivermos exclusivamente na discusso do fon, yeremos 0 poeta nfo propriamente como artista, mas como inspirado pelos deuses (@v0c0s dv) e possuido (katexéuevos). O sodo fon, conforme as conclusées de Sécrates, recita os versos homéricos ndo por arte (éqm) ou por conhecimento (émoriun}, mas simplesmente por inspiragdo.divina (Gla polpa) € possessio (karoxwx§).* Platdo privilegia o aspecto religioso que envolve 0 _Tendmeno estéti sna cultura grega, desconsiderando por completo a dimensao técnica que estaria na base do fazer artistico. Ele destitui, no fon, o enunciado postico de seu valor de verdade ¢ nfo entende 0 ato de poetar como uma forma de réxvn, concebendo Pejorativamente 0 tipo de saber conservado e transmitide pelos poetas. 0 fato de fon restar belamente os versos homéricos se dé devido a uma determinagio extrinseca, a partir da” manifestagio das Musas mediante 0 poeta. A metéfora da pedra magnética de Héracles expressa alegoricamente essa concepedo de Pl spcito da natureza do saber poético: as Musas inspiram 0 poeta que, por sua vez, comunica esse entusissmo a0 rapsodo que _transmite,_por fim, aos uvintes, formando uma cadeia de inspirados.¢ Esse é o principio que fundamenta a visio de Platio a respeito da poesia no fon e expressa, de certo modo, ‘ua preocupacao em esclarecer a origem do encantamento presente ne relagdo entre poeta e ouvinte. Jd no Fedro, a questo do estatuto da poesia se coloca sob ponto de vista nao sé da | Possess (kaToxwxn), mas também da loucura (uavia).” Ao contzirio do fon, 0 delir io Pottico, determinado pela manifestaydo das Musas, éentendido come dédiva divina, como bem, que da plenas condigSes ao poeta, a partir da lembranga dos feitos herdicos, de instruir as novas geragdes. Como podemos pereeber, Platio interpreti 0 fenémeno poético “no Fedro de maneira bastante distinta se comperado ao didlogo fon, na medida em que ressalta a importincia da fungao didética que a poesia exercia na cultu'a helénica, Na -Reptilica, a conceppia platdnica sobre a poesia se torna ainda mais complexa, Além de @ mesma questéo ser tratada em momentos bastante distir tos da argumentagio “Jon, $330. 5 fon, 536c. Sion, 83300, Fedro, 245a, } * (Livro III e X), Plato parece muitas vezes se contradizer tanto em relago ao estatuto € & fangao da poesia na cidade ideal, quant A acepgto do conceit central de sua estética: uliunots. Muitos comentadores, segundo J. Annas, propuseram, devido & descontinuidade da argumentagio platénica, que o Livro X teria sido composto depois dos outros ¢ colocado como “apéndice” para rediscutir temas ja tretados, como a questio da poesia, a Teoria das Formas e a imortalidade da alma. Annas considera ainda que 0 Livro X esta, no tocante & qualidade e a fundamentagao dos arguments filoséficos e ao seu teor literario e estilistico, num nivel muito inferior em relago aos demais, tendo em vista o modo como as questdes sto colocadas e rediscutidas.® Todavia, essa ndo é a tnica maneira de interpretarmos as diversas assergées de Platéo sobre a poesia na Reptiblica. E preciso analisarmos, primeiramente, quais 0s pontos que parecem ser irreconeilidveis entre 0 Livro Ill e o X,€ _ em que medida Plato de fato se contradiz; em segundo lugar, buscarmos discemir 0 que ha de comum entre esses dois momentos de sua argumentacio; ¢, finalmente, tentarmos entrever, numa anélise hermenéutica, as motivagdes que levaram Platio a criticar severamente a poesia a ponto de bani-la da cidade ideal. Platio jé inicia 0 Livro X anunciando objetivamente sua tarefa: “Na verdade," disse eu, “tenho uma série de motivos diferentes para pensar que fundamos a cidade da maneira mais correta possivel; ndio menos afirmo ao refletir a respeito da poesia.” “Sobre o qué?” “Nao aceitar dela, de maneira alguma, 0 que & imitative: que se deve rejeiti-lo absolutamente se manifesta agora até mais evidente, como me parece, uma vez que foi definida separadamente cada uma das partes da alma."? Podemos destacar dois pontos cruciais nessa passagem: (i) a exigéncia de rejeitar absolutamente o que ponto de vista psicolégico, a partir da di _no Livro IV (436b). Jé existe, em relago 20 ponto (j), uma fagrante contradigdo. Se for imit sidade na poesia, ¢ (ii) lisar a poesia do \s0.¢ definicao das trés partes da alma realizada Platio, no Livro X, se mostra inteframente contra o caréter imitativo da poesia, no Livro IL, entretanto, ele ainda admite a possibilidade de que ela permanega na cidade ideal, desde SANNAS, Introduction to Plato's Republi, cap. 14, 335. VPOORVPFTTSORSODTPTPS DPV PPP SVOSPRDPOPTIISS OVS PPV UR VED BYDeD que a imitaggo seja de um cardter bom e sensato e que possa servir como modelo de i comportamento-e conduta_moralmente adequados aos homens. Para interpretarmos esse paradoxo, é necessirio Jevarmos em consideracao duas diferengas fundamentais entre o Livro III ¢ 0 X: (a) 0 contexto em que a questio da poesia se coloca e a motivagio principal da discussao, ¢ (b) 0 emprego diferenciado do termo piunois. A primeira critica platénica & poesia, que se inicia no Livro Ile se prolonga no III, é essencialmente teolégieo-moral. Platio ira condenar o tipo de compoxtamento atribuido aos " epistemologicamente essa-censura de cunho teol6gico-moral empreendida anteriormente “nos Livros II e II, Em seguida (602c-608b), ele analisa_quais os efeitos psicolégicos lagdo estética, mostrando como a poesia incita na alma humana todo 2, tipo de afecgio baixa, que obscurece as prescrigdes do que a razio compreende como o melhor e a desvia do reto caminho da moralidade. Nessa segunda parte da discussio do Livro X, fica clara a constante referencia de Plato ao contexto especffico em que a poesia se faria efetivamente presente _no_cotidiano dos gregos, demonstrando sua intensa preocupacio como dominio piblico da poesie, com a relagdo cultural entre posta cuvinte, Plato dé outro enfoque para a questao da poesia, mas mantém a mesma postura ortodoxa e severa. Nesse sentido, podemos vislumbrar genericamente uma certa continvidade entre esses dois principais contextos em que a poesia ¢ discutida na da poesia, sta de uma reconstitui¢ao das bases do sistem: Repiiblica: no primeiro momento, nos Livros Ile Ill, Plato criti censurando-a teolégica ¢ moralment educacional grego; no segundo momento, no Livro X, cle busca primeiramente (595a-602c) © contetidi a fundamentagZo metafisica de sua postura, definindo o estatuto metafisico e epistemol6gico da poesia (trés graus afastada do ser'*) e examina, em seguida (602c-608b) 08 efeitos psicolégicos provocados pela experiéncia estética na alma. No entanto, se podemos de certa forma recuperar um fio continuo, em termos gerais, entre essas duas perspectivas de interpretagdo do fendmeno estético na Repiiblica, 0 mesmo nio ocorre com as duas acepeGes do conceito central de uly nots. Plato o emprega ignar o estilo literério em que © poeta, narrando em primeiramente no Livro III para d PAPPAS, Plato and the Republic, cap. 12. pp. 209-211. Rep, Il, 3784723. ' Rep, X, 597e, 5992, 602s. ig C/ FF PEFTTSSSOSSSSSSSSSSESSESHHSSISEFSFEHEHSHSSESDEHEUREGDS: primeira pessoa, se identifica com a personagem (impersonificacdo dramética, como Propéem alguns comentadores'*), como se ele se transfigurasse no proprio agente e Tompesse 0 limite que separa o narrador do sujeito da ago representade, O cont nto da + utunows seria a simples narragto (4 Strhyngis),”” em que o poeta narra objetivamente, em terceira pessoa, sem assumir a voz da personagem, os episédios ou acontecimentos do passado herbico. Platdo faz essa distingao para distinguir formalmente os principais géneros literdrios; (1) a épica homérica seria entéo um misto de simples narrago ¢ imitaydo (que, incluiria, surpreendentemente, a poesia | ica, embora Plato no a cite nominalmente); (2) . - a gasédia ¢ a comédia, pura imitagao, ¢ (3) o ditirambo, somente simples narracao.'® 2 Portanto, observamos que o sentido do conceito yijinais € muito preciso no Livro Il, \/” designando, genericamente, a representagdo dramdtica,”® seja nas atuagdes dos atores no ‘teatro, seja nos momentos em que o poeta recita ou canta em primeira pessoa, como se fosse a propria personagem representada. Apesar de entender que a simples narragao sejaa_¥.| maneira mais correta de o poeta expressar seu saber por ser ela mai itagao um lugar no processo de educagio dos jovens, embora subordinada primeira, Essa concessio, todavia, s6 ¢ legitima na medida em que o que 6 representado pele imitagio esteja « Com o bem supremo e com a verdade. Vejamos a seguinte passagem: é “Parece-me,” disse eu, “gue wm homem comedido, quando tiver de contar, em sua ‘arrativa, algum discurso ou agdo de um homem de bem, desejard narrar como se ele préprio fase aquele € ndo se envergonhard de tal imitagdo, imitando sobretulo o homem de bem em ages decididas e sensatas, mas em menor grau e 0 menos possivel quando abatido pelas doengas ou pelo amor ou pela embriagues ou por qualquer outra adversidade. Porém, quando for a vez de contar algo indigno de sua pessoa, nao desejaré seriamente representar a si mesmo como inferior, a ndo ser 0 minimo, quando estiver fazendo algo benéfico; mas se envergonhard, ao mesmo tempo por do ter experiéncia de Imitar tal sorte de homens, e ao mesmo tempo por ser duro de suportar ele “HAVELOCK, op clt, cap. 2, p. 38; IANAWAY, C., The Images of Excellence, cap. 5. p. 116. ” Rep, 1, 3924. 8 Rep, I, 394b-<, ® CROSS & WOOSLEY, Plato's Republic, ap. 12, p. 271: CORNFORD, The Republic of Plato, Par V, p. 323, Oapss da wel Guts proprio se modelando e se adequando a taistipos inferior, pots os despreza em seu pensamnenio, exceto em momentos de brincadeira.” verossimil,” disse ele. “Byido ele ndo usard o tipo de narrativa a que agora hd pouco nds nos referimos a respeto dos versos de Homero, ¢ seu estilo no pariciparé de ambas as formas, da imitaga0 ¢ da simples narrative, cabendo, porém,& imitagao uma pequena parte mon grande discurso? Ox falo em vao? “Com certeza," respondeu, “esse é justamente o modelo de tal ripo de orador.” 'A questéo se tora mais complexa quando analisamos 0 outro sentido de wlunats > no Livro X. Além da diferenga semantica do uso que Plato faz do termo, ele se torna 0 .ceito central da estética platinica, na medida em que, n0 Livro X, a motivagao principal de Plato é justificar e fundamentar sua postura em relago & poesia. Plato parece ‘sbandonar o primeito sentido empregado no Livro Il, passando considerat nf sd uma_ parte da poesia, mas a poesia em si, como mimética, ‘Embora no inicio do Livro X Plato pretenda rejeitar 0 que é imitative na poesia, como se houvesse um tipo de poesia que néo fosse mimética, fica claro, no decorrer de sua argumentagao, que ele acaba por tomar toda forma de manifestaeao postica como mimética por definigfio.”" As imagens construfdas por Plato, como a metéfora do espelho™ ou 2 hnjerarquizagao entce forma, objeto particular e objeto representado artisticamente (os tés_graus_de ser), expressam metaforicamente como ele compreende o estatuto epistemolégico ¢ metafisico da poesia. A eoncluséo @ que Platio chega a respeito de Homero e dos demais poetas, demonsirando como as distingSes entre géneros e estilos literdrios nao so relevantes nesse ponto para sua argumentagao, elucida de maneira mais evidente como o termo jiunais passa a ser aplicado a toda “qualquer forma de manifesto poética,seja em simples narracé, sea. quando contada em *" primeira pessoa: “Assim, consintamos que, a mero, todos os povtas sd tmitadores de simulacros tanto da exceléncia como de tuto o que compoem, ¢ nao aleangam a v srdade; mas, como hd pouco ® op, IT, 39625-¢10. 2 HAVELOCK, op. eit, cap. 2, pp. 4-4 (: Toe i iamos, 0 pintor, nada conhecendo de sapataria, fard 0 que parece ser um sapateiro para quem no conhece ¢ julga a partir das cores e dos contornas?” “Absolutamente."** Do ponto de vista metafisico, ento, a poesia, por ser essencialmente mimética, se. = encontra no terceiro_nivel_em relagio a0 verdadeiro ser (forma ou idéia). Se desenvolvermos 0 raciocinio de Platio, o poeta estaria representando entfio, por meio da imitaggo, uma agdo particular de um homem ordindrio que ele vé em sua propria experi Teta orientada pelo conhecimenta da idéia do bem, da j i utros prineipios da exceléncia, Seriam, portanto, estes os Reg ry s de ser: a idéia do bem,’ homem excelente que age conforme essa idéia e 0 SSSTEIFIILIII] ncia cotidiana, ¢ nao a acdo vé ¢ dos mem representado numa ago supostamente correta por meio da imitaco, na medida em que © posta esté voltado nfo para a idéia, mas para a conduta moral tal como ele pereebe em homens ordinérios. Justamente por nao ter_o conhecimento verdadeina desses principios, justamente por representar ages particulares de homens que podem ser ou néo ser excelentes (né@ medida em que nfo esta em seu poder distinguir 0 homem de bem daquele que no , pelo fato de desconhecer a propria matéria que esté representando), 6 que 0 poeta esti \dequados para gui bem e mal, a confusio em relagdo aos verdadeiros principios morais, a falsa imagem da ijeito a se enganar quanto aos valores que so racionalmente * a a ago verdadeiramente excelente, A au: ia de discernimento entre ad yesia tradicional, de acordo com a analise de Platio nos Livros. , Te IIL seriam, assim, as consegncias dessa ignorancia do poeta quanto ao objeto de sua Tepresentagdo artistica, segundo seu estatuto metafisico ¢ epistemolégico definido no Livro X. B isso se aplicaria aos demais dominios do conhecimento humano a que a poesia se alga: "Dessa maneira, endo, também afirmaremos,julgo eu, que o poeta ublisa algunas cores para colorir cada uma das artes com frases e palavras, sem nada saber a ndo ser imitar, de Tal ‘maneira que parega saber para quem quer que julgue a partir de seus diseursos; se alguém falar a respeito do oficio do sapateiro em metro, em ritmo e em harmonia, parecer ter dito muito bem, sefa sobre 0 comando militar, seja sobre qualquer outra colsa; assim, por natureza essas mesmas Rep, X, 6004-60183, FA densfiyn ay HO esi rong w SHDBDSSSDIFIIVIFIVIIIFISFIIIIVIIIIVIII coisas possuem enorme fascinio. Uma vez desnudados os ditos poéticos das cores de sua misica, ronunciados sozinhos em si mesmos, penso que tu conhecerds como eles se manifestam. Pois ja observaste!” “Com certeza,” disse.” ‘Nao ha como desprezar essa diferenca seméntica do termo yiynois dos Livros TIT € |_do_vocabulério filoséfica_platénico.”* Muitos comentadores de Plato, ao tratar a questio poética na Reptiblica, analisam X. Havelock 0 considera o termo mais insta invariavelmente ou fazem mengdo a esse problema imanente A teoria estética platénica.”” E dificil encontrar uma resolugao plausivel para esse paradoxo, na tentativa de unificar sua concepsao acerca da poesia, sem prejudicar uma ou outra argumentagdo de Plato. Cross e Woosley, no entanto, seguindo as sugestdes de Tate, tentaram solucionar esse paradoxo conformando absolutamente esses dois contextos em que Platio trata da imitagao (Livros IMI ¢ Livro X).** Para Tate, Plato empregou o termo pipnats no Livro If com dois sentidos distintos, um bom e o outro mau. No tocante ao sentido bom, ndo somente o “modelo imitado seria bom, bem como o proprio poeta seria um homem de bem e teria conbecimento dos verdadeiros princfpios morais em vista do bern supremo. Tate esté se referindo & passagem do Livro Il citada acima (397¢-e) em que Plato concede ao poeta a autistica, desde que fosse.a cle um homem sensato e subordinada & forma imitago como forma de expres excelente, embora em menor grat do discurso em tereeira pessoa. Cross e Woosley denominam-na de imitacdo restrita. Jé a imitaeao no mau sentido seria aquela que imita quaisquer tipos de comportamento, em que 0 poeta nfo possui recimento suficiente para discernir o, homem excelente e de bem do homem débil e moralmente_condendvel. Nesse caso, Homero, Hesfodo e os trigicos estariam inclusos nessa segunda categoria, na medida em que Plato demonstrou, em seus poemas, a auséncia a de representagao de agdes sem qualquer tipo de orientagdo por meio de valores racionalmente definidos. Essa seria a imitagao > Rep, X, 60la4-bS. * HAVELOCK, op. cit, cap. 2, p.31. ® PAPAS, op. cit, cap. 12; ANAS, ap. eit, cap. 14; CROSS & WOOSLEY, op. cit, cap. 12; ASMIS, “Plato on Poetic Creativity"; HAVELOCK, op. cit, cap. 1; JANAWAY, op. sit, cap. 5; URMSON, “Plato and the Poets’ in: Plaio’s Republic; CORNFORD, 1961, cap. 35. ?°CROSS & WOOSLEY, op. cit, pp. 278-281 ~ ww ever rw wer wrwr errr rrr rw evvs esse eres uEeVvEewUUVUYUYUES inestrita, A partir dessa distingZo de Tate, Cross © Woosley propéem que, quando Séerates, no inicio do Livro X, diz que toda poosia de natureza mimética deve ser absolutamente rejeitada ($95a5), ele estaria se referindo to somente & imitaggo no mau_ sentido, ie, & imitagdo irrestrita, A. imitagé coneessio para que permanecessé como uma forma subsidiéria de es suse oe manifestago pottica (Livro ITI, 397c-e). Sendo assim, a censura aos poetas no Livro Ill ea Justificagsio e fundamentagdo dessa postura no Livro X seriam referentes apenas a arte imitativa no mau sentido da imitagéo, Somente nessa classe de poes’ poeta seria ignorante a respeito do que ele estd imitando s6 seria capaz de imitar as aparéncias extemas, fazendo com que sua obra se mantenha trés graus apartadas do ser. Esse tipo de interpretag&o proposto por Cross ¢ Woosley parece-me suscitar problemas ainda mais graves. O fato de supor que Platio esteja se referindo, no Livro X, apenas a essa imitacdo irrestrita e que toda discussio se paute nesse dominio especifico da poesia niio me parece se fundamentar na exegese do texto e acaba por ser uma interpretagdo arbitrdria, que transcende as linhas do texto. A fundamentago metafisica de sua teoria estética tem como objeto a poesia em si. Platio esté definindo fundamentalmente, no Livro) [+ X, 0 estatuto da poesia em vista da ciéncia e da verdade, e como se estabelece a relaco ‘hierdrquica entre esses dois dominios do conhecimento. Ele universaliza © argumento que Passa a se aplicar a todo tipo de manifestagao pottica que &, por definigto, essencialmente ~ mimética. Contra a tese de Cross e Woosley, J. 0. ‘Unmson escreve em seu ensaio “Plato and the Poets” que, de fato, hi uma flagrant diferenca seméntica do termo ylunois que toma pouco razodvel a tentativa de adequar uma discussfo & outra. Ele parte do Pressuposto de que nem mesmo Sécrates, no inicio do Livro X, sabia exatamente qual a natureza da imitagdo, e toda a discusséo busca justamente defini-la, de acordo com a seguinte passagem: “Poderias me dizer 0 que é entdio a imitagdio em geral? Pois compreendo de maneira muito precdria o que ela almeja ser.” “E serei eu, por acaso,” disse, “a compreendé-lo! alr Cpminésde Ea partir desse ponto que Plato ira definir metafisicamente o estatuto da si, ie és grous opartada do ser (a idgia da coisa, ¢ coisa em particular ¢ a coisa representada artisticamente). Urmson, entretanto, parece-me generalizar sua postura diamte dessa diferenga semantica do termo yiynais ao afirmar que a discussao do Livro III sobre a poesia & irrelevante para compreendermes a discussio do Livro X. De feto, do porito de ‘vista da seméntica do termo, esses dois contextos de discussto sobre a imitagdo parecem . ser incomensurdveis; mas 0 argumento platGnico contra a poesia ultrapassa a mera questo. terminolégica e/ou_conceitual ¢ nos revela uma posicdo clara ¢ objetiva qua a fungdo exervida_principalmente_pela_poesia_na conservagae_e_transmissio. de _valores_e conhecimentos, € no processo de jucago dos jovens na Grécia de seu tempo, Nesse sentido, a interpretacdo de C, Janaway parece-me mais coerente ¢ adequada. Para ele, as uas discusses sobre a poesia na Repiiblica (Livros I/II e Livro X) se baseiam realmente em sentidos diferentes do termo pijimots, mas sua referéncia tem uma certa estabilidade: instincias da poesia mimética do Livro III permanecem como 0 t6pico central no Livro X.2) Janaway quer mostrar que, embora o que Platdo entenda por imitagao no Livro TI eno X seja semanticamente diferente, em ambos os contextos da argumentapio os alvos.de censura direta sto os mesmos: Homero ¢ Hesiodo, por um lado, ¢ os poetas trégicos & cémicos, por outro. Isso demonstra, de certo modo, que, apesar das diferencas entre esses /éois contextos da argumentacio, Pl antém-se_fiel_quanto a cleigio de seus adversirios: Homero, especialmente, por representar a maior fonte de conhecimento ¢ de valores morais ¢ ser responsével pela propria iden idade cultural do povo grego; e 0s poetas_ 4 ixigics, por sera tmagédia um fendmeno estético do sts, VC. que, me época de Platio, Yinha influéneia decisiva na reatualizago do cédigo moral homérico, e por representar 0 adversirio direto contra o quale filosofia devia lutar a fim de estabelecer os prineipios de_ uma moralidade racionalmente adequada. Essa flexibilidade conceitual, todavia, pode ser justifieada, em linhas gerais, se a interpretarmos a partir do ponto de vista lingiiistico. Sabemos que entre Homero e Plato houve na Gréeia uma revolugdo do pensamento conceitual, O advento da filosofia, desde os pré-socriticos, do estudo historiografico, principalmente ccm Tucidides, ¢ das ciéncias SUVUTULUSTUUT TTT TT FITS I IIIT IF IVR VSSURE LER ULULY) médicas, marcou a transformacio de uma linguagem figurativa e concreta para uma linguagem conceitual e absirata, Esse fenémeno pode ser observado nas mudangas do vocabulirio e da sintaxe do grego escrito. © desenvolvimento dessa linguagem conceitual e abstrata ovorreu, porém, a partir da remodelagdo, e nfo da criaedo ou adigdo, de recursos {ja existentes na Lingua grega.** Na lingua falada jé havia os germes que se desenvol na formasio dos conceitos cientificos. Como mostra B. Snell, o fato de a lingua grega ter 0 artigo definido foi um dos fatores Tinglisticos que contribuiu em muito para o desenvolvimento do pensamento de natureza conceitual e abstrata: 0 artigo definido, posto antes de formas verbais ou de adjetivos, tinha o poder de abstrai-los, de torné-los conceitos universais, A substantivaso do adjetivo ¢ de formas verbais ofereceu linguagem om Substantivagao_do_adjetive ¢_de formas verbais_ofereceu & Imguagem colocado antes dela, formando um sé sintagma. A partir do aspecto durativo do participio presente grego, que se preservou fielmente ¢ até mesmo se fortaleceu no desenvolvimento da lingua™, 76 dv passow a significar aguilo gue é contir ite, logo um_estado ‘em Sv passou a significar aguilo g up_estado_em permanente consténcia, que no softe alterago, sempre igual a si mesmo. Do ponto de vista estritamente lingtistico, esse processo de abstracdo propiciou & filosofia a delimitago do objeto de sua especulacao. ~ 5 Concomitantemente, muitas palavras, que possufam sentido corrente e tradicional, adquiriram jotagZo técnica no vocabulério filoséfico. E em muitos casos, as duas coexistem: um mesmo termo, de acordo com o contexto, pode ser empregado acepeies ‘tecnicamente ou em seu sentido corrente. Podemos tomar como exemplo ci6os: (i) significa originalmente © “aspecto visivel e exterior” de algo, que conserva o sentido fisico primordial de sua raiz t8:** (ii) no vocabulério metafisico de Platdo, designa a “forma” abstrata de cada coisa, que se confunde com a nogao de “idéia”. No Livro X, encontramos ambas acepgdes do termo: 3 JANAWAY, op. cit, cap. 5, p. 107. ® HAVELOCK, op. cit, Prefcio, pp. 11-12. 3 SNELL, La Cultura Greca e le Origin! del Pensioro Europeo, cap. 12, p. 313-316. ¥ KAHN, O Verbo Grego “Ser” e 0 Concelto de Ser, p. 16 *° DE PLACES, Etudes Platoniciennes (1929-1979), cap. A4, p. 38, ee Hails ne baper gpigen seh 2 f} flee Pn Fecal a inl Aibrolion ye (i) Entao pintor, marceneiro e deus, esses trés dominam trés espécies [ei8eo.] de camas.** > (ii) Pois costumamos estabelecer como tinica cada forma [cio] para a multiplicidade de cada uma das coisas, as quais atribuimos o mesmo nome.”” Portanto, podemos perceber que a mesma flexibilidade seméntica de piynois também sucede a eiB0s, sendo que os dois termos representam cenceitos centr para a estética © a metafisica platénica, respectivamente. Se considerarmos a genealogia de uiunois, veremos que esse mesmo tipo de transformagio, do sentido corrente para 0 técnico, ocorre também em Plato. Homero, no Hino a Apolo**, diz que o coro das Délias é capaz de imitar (juijteto®a) as vozes e os dialetos de todos os komens.*” Em Pindaro, Atenas inventa a flauta para “imitar” a lamentago de Euriale, e 0 coro “imita” pelo som ¢ danga um cao cagando o cervo.* Em Esquilo (Lykourgeia, fr. D7 Radt), a imitaglio aparece i como reprodugao de vozes e sons de animais pelos instrumentos nusicais.” De maneira genérica, a nogdo de “imitagdo” na literatura grega até o sée. V a.C. pode ser compreendida Portanto, no préprio émbito da poesia, « imitagdo jd era entendide, embora nzo de forma sistematizada e extensive, como um modo de expresséo estética, embora nio significasse fundamentalmente a cépia de um modelo preexistente, tal como iré interpreta da seguinte maneira a concepgo sobre ylytnois tal como ela aparece na literatura grega: t * Na realidade, todos os aspectos da manifestacdo artistica, seja essa figurativa, poética, > ( mssical on também coreutica, eram sentidas concebidos como imitagi'o: 0 mesmo termo eikon ¥ Rap, X.S9TOI3-14 : * Rep, X, 3966-7, 8 Hino a Apolo, WV, 162-164; mdvraw 8° cvdpcimuv gaunt wai xpeuBahaords supcies” tous" daly ¢ sev aris Exaoros 867708" obras aun Kal arvdigner dow VERDENIUS, “The Principles of Greek Literary Criticism’, p. 54; GENTILI, cp elt, cap 4, pp. 69-71 © VERDENIUS, op. elt. p. $4 * GENTILI, op. cit, cap. 4, p. 71. SDSEESRSVSIIIIFIIITIFVIFIFIIIIITVIVIVIVIIIIIVIVUGS) implicava wna relagéo de semelhanga da imagem pictéria ou plistica com um objeto representado, 0 poeta, o pintor, o escultor, 0 misico, 0 ator, o dancarino eram todos classificados, pela forma.de \ les operarem, na categoria dos imitadores (mimetii); uma concepséo da atividade aristica que \ encontrard mais tarde em Platdo uma explicia e sistemtica teorizagdo" Com a filosofia de Plato, como afirma Gentili, 0 termo utungis adquire sentido téenico em sua teoria estética. No primeiro momento, no Livro Ill, ¢ empregado para, 5 Titerdrio em que o poeta ou o ator, identificando-se com a personagem, narra ou interpreta em primeira pessoa (artes performéticas). A referéncia para Platio seria, assim, tanto a épica homériea quanto os poctas tragicos ¢ cémicos. No segundo momento, no Livro X, adquire o sentido téenico para definir o estatuto metafisico e epistemotégico da pocsia em si. Plato, enquanto critico literério, entZo, trinsforma a noedo de piunots, j4 presente na tradigao post ica, em conceito técnico por exceléncia, que define a propria condigio ¢ 0 valor da poesia em relagdo ao conhecimento cientifico e a verdade, Nesse sentido, & necessério ponderarmos sobre cada contexto especifico em que o conceito — aparece, para assim compreendermos qual a acepedo especifica empregada por Platéo. Pois, em relagdo ao termo uiunots, nflo é possivel estabelecermos essa diversidade semintica sem sermos arbitrarios. Poesia como éors (T\=5\~ Comre sie] EECOPTA Oey EAE : Essa concepgiic da poesia como imitaglo ou reproduggo da natureza, em seus T aspectos auditives e visuais, e da vide humana tem um contraponto tanto na literatura grega quanto na prépria filosofia platénica. A imitagdo nio era o ‘nico modo pelo qual os poetas compreendiam os fundamentos da woinots. Podemes verificar, ém Pindaro", a obre poética concebida como um universtMiEUISTeo harmoniosamente elaborado e constituido A tioingis como Géats, ou seja, como “composi¢ao” ou “estrutura ordenada de palavras”, SSGENTILL, op. cit, cap. 4, p. 70. SIGENTILI, op. eit, cap. 4, p. 72. Fovimpicas, 3.8: (..) radosovn we bediuaron xpeos, Reoueynid Te reucdcyapwv «ai fod? ablav erty re Béow Alinarddyos radi conpeiéer mpenbvres, sugere implicitamente que a obra de arte, em seus tragos mais gerais, tem um fundamento artesanal.** A dimensto técnica do labor do poeta, a necessidade de conhecimento priti ‘Para o poctar, se apresentam como correlato da concepgio da Toinois como ulunots. ¢ ‘ambas estio correlacionadas. Era Platdo, no Livro X da Repiblica, apesar de encontrarmos a definiggo da poesia como essencialmente mimética, podemos percebes, tanto no vocabulério utilizado para se referir a0 poeta quanto na hierarquizacao dos graus de ser, que esse dimenso tScnica esta implicada ou subentendida. Quande Plata 1) O% af Pintor (Corvpddos) para a discussto, ele o apresenta um Batovpyés, dene que se atribui tamto ao arteso quanto ao artifice natural das Yomi @ (Béos ‘deus’, no “Certo,” Uénucoupyti] , julgo eu, também hd 0 pintor, ow no?” "Como ndo?” * disse ew, “e tu alcancas 0 ponto crucial do argumento. Dentre tais artifices “Mas tu afirmards, creio, que 0 que ele faz, 0 faz ndo-verdadziro. Ademais, também 0 intor de algum modo faz [rotei] «cama, ou nao?” ws “Sim,” respondeu, “também ele o que ela parece ser. ‘Num momento posterior da discuss&o, a0 watar da distingiio entre ciéncia, crenga correta e ignordncia, Plato denomina o artesio, que confecciona as rédeas e os freios para s cavalos, como rornTis,*” mesmo termo que havia sido usado antes para se referir aos Sf poetas tragicos. * Nesse sentido, a acepedo mais geral do termo, ou seja, “aguele que faz, |.” que elabora, que confecciona”, engloba tanto 0 poeta, “construter de versos®, quanto ig = Sic “artesto, produtor manual do objeto. Do ponto de vista lingiiistica, podemos interpretar, assim, que Platdo entende a arte poética, quanto ao dominio da Téxvn, como um tipo. —— Tei diferenciado de arte artesanal, nivel infe: no tocante a0_ # GENTILE op. cit, cap. 4, p. 9. “ Rep, X, S96e5-11. * Rop, X. 601). * Rep, X, S95b4, SSSBVVVFIIIIIIIIIVITIIITIITIFITIFVIFVIVIVIFIVITIIVVGY! ou *idéia”.” Saar eeenss Plato s6 pode estabelecer essa hierarguia na medida em que a "tem como mero simulacro “(barons | fandamento justamente a demonstragéo do estatuto metafisico e epistemalégico | da obra da f Sindamente emonstragsi fisico ¢ epistemoldg \_ ante (ado pintor € ado pocta), ou seja, seu cardter essencialmente miméties, “esti trés_graus afastada do ser’, Essa acepgio da poesia como Géots, que perpassa as entreliahas do texto platonico, parece se opor absolutamente aquela do fon em que 0 fendmeno postico & entendido como ~ conseqiiéneia da 1 snanifosagio das Musas sobre os poetas. Como vimos anteriormente, Musas. Nesse caso especifico do fon, Platio, diferentemente da Republica, destitui da poesia nfo sé 0 valor de verdade de seu discurso, como também sua dimensio técnica, Na Reptiblica, o fato de Plato considerar a poesia como mimética por definigao nao impede que a dimensdo técnica esteja pressuposta. E interessante notar, porém, que o modo como Platio a classifica e seu juizo de valor a respeito do fazer postico, nos revelam, ‘verdad iro de Ser, conforme a andlise d de Platto no Livro X, passa a ter ento menor valor do que todo © quale) ‘vez, no segundo nivel. Essa atitude, 305 ollos os sregos desu sua contemporaneidads, teria fice, que estaria, por sua. em que os poetas gozavam do prestigio pablice etinhamn a reputagdo de sibios. Além disso, (os poemas de Homero ainda Era as principais fontes de conhecimento e de valores morais conservados © transmitidos através da meméria e da oralidade, Plato, assim, estaria ® Rep, X, $960-5978. 8 Rep, X, 598, 601b. 5) Rep, X, $976, 399a, 602c. ® Rep, X. 3962-602, fon, 333e: 3360. fn storm proprade imme ruqeicnn One ihe aoe profiel tux Lidgoy & Arergroch ae -°F:} rompendo com essas raizes hist6ricas nutridas pela poesia e propondo, em contrapartida, uma nova visio de homem, de mundo, de organizagao sécio-politica, de modelo de, > educagio, de ética, a fim de que a filosofia desempenhasse as funcdes que até ento 2 Etica e Estética Plato, 20 se ater € a0 examinar os aspectos psicolégicos que envolvem a tencontra dificuldades em discutir a poesia sem se referir as condigdes sob as quais ela era declamada e & sua relaso com o piiblico. Se a poesia tinha uma fungao efetivamente pedagégico-moral, tanto na recitago de versos pelos aedos e rapsodos quanto nas apresentagDes teatrais, e se a motivago de Platao era justamente estabelecer prineipios pardmetros para um novo sistema educacional moralmente adequado, era inevitavel que ele analisasse as condigdes em que « poesia se fazia presente no cotidiano dos gregos. Pois - numa c cultura marcadamente or: oral, 0 mo _-pacformance, So 21010. para_o auditério,** Esse aspecto dal cultura oral aioe estar presente, no de forma direta, mas implicita, no exame dos efeitos psicolégicos stos: (1) que a funcdo do ‘VPP |_efleulo (medit, caleular ¢ pesar) na alma é justamente combater es ilusdes eausadas pelos c 5, causados pela experiéneia poética, Plato parte de dois pressupos % —_, sentidos;* ¢ (2) que nao sé a pintura (pois a anilise dos aspectos psicolégioos do fendmeno ~ estéti \ética, produz coisas feita tendo como referéncia o pintor), mas toda imitaga que_est4o_distantes da verdade e se relacionam com o que est4 longe da reflexao.*” lidade ¢ aparéncia. Plato mostra no Livro X que o tipo de carter tomado como objeto de imitagto pela poesia £0 cariter miltiplo e variado, sem coeréncia moral, i Portanto, a partir da dicotomia entre’razio ¢ sensibilidade, entre re: citado pela parte iraseivel da alma, € S HAVELOCK, op cit, cap. 3, p. 54. SS GENTILI, op. elt, cap. 1, pp. 6-7; HAVELOCK, ap. cit, cap. 3, pp. 75-78. % Rep, X, 602d. © Rep, X, 6030. VUIILLGIS pouco acessivel & compreensio quando imitado; ou seja, ele ndo possui elem jida_em_que é para a reflexdo, detentora das armas contra a ilusio sensivel, que ele apela.** No didlogo Jon, Platio descreve da seguinte forma a reagdo do piblico diante dos episédios contados pelos {> rapsodos: SOCRATES: E entdo? Diremos, 6 fon, que tal homem estdé nestas ocasiées em pleno julzo quando, ornado com roupas variegadas e com a coroa de ouro, poe-se a chorar nos sacrificios e nas festas sem ter perdido nenhum desses ornamentos, ow @ témer parado diante de mais de vinte il pessoas conhecidas, sem que ninguém 0 tenha despido ow ultrajado? ION: Nao, por Zeus, claro que no, 6 Sécrates, para que a verdade seja dital SOCRATES: Ora, ndo sabes que também vis fazeis o mesmo & maioria dos espectadores? ION: E sei disso muito bem. Pois sempre os vejo de cima do palco chorando, mirando-me o torvo olhar e pasmando-se diante de minhas palavras. Pois & preciso que eu tenha wma profinda tengo com eles, porque se eu os fizer chorar, sairei sorrindo por ter obtido o pagamento, mas seu 0s fizer rir, serei eu que chorarei por ter perdido o pagamento.” Aleficdcia e © sucesso do discurso poético dependem necessariamente dessa ia capacidade de incutir no animo de cada espectador as paixdes como¢ao do piblico, de su o suscitadas pelo wunciado postico, de modo a seduzi-los no Amago de seu ser ¢ a constituir aquela “cadeia magnética” entre Musa, poeta, rapsodo e piiblico (conforme a analogia feita por Platao com a pedra magnética de Héracles, aludida anteriormente“). Sendo assim, aos olhos de Plato, a imitagao poética, no tocante aos efeitos causados no interior da alma, provoca toda tipo de afeeglo baixa, - apetites sexuis, cdlera, prixdes, agir conforme essas determinagies inferiores, desvi ue a razao presereve como 0. i 2 alma penmenera plena de cox . Jutando consigo mesina. A conelusdo de Plato e induz a alma a ara 5 Rep, X, 60e. ° fon, 53541-5 * fon, $33c9-¢5. “' Rep, X, 6064, af “Dessa maneira, jé seria justo para nés capturd-lo e colocd-lo em posigdo de antistrofe em relagao a0 pintor: de fato, ele parece com quem produs coisas débeis diante da verdade ¢ se assemetha a quem se relaciona com essa outra parte da alma que no a melhor. E assim, desde fd nao wr paerlans wile cm aes pa wile rates Ser Bn ade, pores eta: © \ mure essa parte da alma e, fazondo-a forte, destréi a parte racional, como quando allguém, tornando poderosos os sérdidos, thes entrega a cidade e dizima os melhores. Da mesma forma, © Rep, X, 605a8-c4 © Rep,X. 607s. “JAEGER, Paideta, Livro I, 2p. Sat at a a i = 2 a 2 2 a y » y a » a S » 2 » » a _ = ya » » » = » a a a a a a a a a a a a a DUOBDBDDD 08 envolvidos na critica de Platio & poesia que estéo implicados: teolégico, moral ¢ educacional, A concepeio platdnica da verdadeira_divindade na Reptiblica, em_oposigio a religito tradicional grega, surge no contexto em que os_ fundamentos para uma educag#o moralmente adequada aos guardiSes da jade ideal esto sendo_definidos no Livro Tl. Os és atrib cle & bom, néo é causa de tudo, mes somente de bens; (ii) a” “ Essa inversio dos valores teoldgicos, contra _o ” bondade, ¢, uma. unicidade, e (iii) a imutabilic politefsmo, 9 antropomorfismo, « platénica. No proprio ambito da poesia, a teologia homeérica jé vinha sendo questionada.®” _ ‘Xenéfanes de Célofon também tinha em mente uma nova concepeiio de divindade: cig deés, &v re Beciot Kal évipinoin we novos, (i) Um s6 deus, o maior enie os deuses e os homens, bm Béyas Anroiow Suoltos oi venue. em nada semelhante aos morisis, quer no corpo quer no pensamento. alet 8° & cairg uluve mvoseros oi8iv (ii) Permanece sempre no mesmo lugar, sem se lS nerépxcotat wiv éminpérel Gove Gidp, —__mover; nem ¢ prprio dele ira diferentes lugares GAN’ dndvewde mévo10 véou dpert advta KpaBatvet, em diferentes ocasibes, mas antes, sem esforgo, tudo abala com o pensemento do seu espitito,” oidos Spa, ottos BE voc’, oihos 8 1° dxoéer. Gif) Todo ele v8, todo ele pensi, todo ele ouve ~~ Podemos perceber que existe uma consondneia explicita de ambas concepgdes, a dé Platéo e a de Xenéfanes, no sé em relagao a natureza da divindade, como também em’ | relagdio & auséncia de discemimento entre bem ¢ mal ¢ & caracterizagdo antropomérfica dos deuses em Homero e Hesfodo: —_ © GADAMER, Dialogue and Dialectic cap. 3, % Rep, Il, 3756-3816. 5 ASMAS, op. cit, pp. 339-340; GADAMER, oncit, cap. 3, p. 340, “Fr. 23, CLEMENTE, Strom V, 109, 1 (in: KIRK & outs, Os Fildsofos Pré-socriticos, p. 174) © Fr. 26425, SIMPLICIO, in Phys. 23, 11 ~23, 20 (in: KIRK, 9p. cit, p. 174). mdvra Scois duéGnkav “Ounpos @ Hotes (@) Homero e Hesiodo atribuiram eos deuses Scoa wap’ dvépuirocew Sucisea kal Yéyos Zoviv, tudo quanto enire os homens é vergonhoso WAErTEL porxedew Te Kai AAHRows drarevetw. _ e censurive, roubos, adultérios e memiiras reciprocas.” GN el xeipas Exov Bées Enrot T= He déovre A vadiban xeipem ‘al gpya Tedelv dinep dvBpes, — maos ou fossem capazes de, com elas, desenhar e Gi) Mas se os bois « os cavalas ou os ledes ivessem rma nev € Trois Boks 8é ve fovsiv Spoias — produzir obras, como os homens, os cavalos sai “xe~ Bedi 18€as Eypadov Kal ouuar’ érofouy desenhariam as formas dos deuses semelhantes ‘To.ai’ oidy rep Kairot Séuas cixov ~ExaeTa-. A dos cavalos, e os bois 4 dos bots, ¢ fariam os seus ccorpos tal qual cada wn deles o tem.” igo critica quando se refere a uma antiga ia.”* Xendfanes, Heréclito, Sélon ¢ Platio seriam, assim, querela entre filosofia e poe expoentes distint festacdo geral que estaris questionando 0 valor de verdade do discurso postico, na medida em que os grandes poetes, especialmente Homero, ram considerados sibios e a principal fonte de conhecimento © de valores morais pela cultura grega. Pee a Platéo, por sua vez, mostra claramente que a imagem e o tipo de comportamento atribuidos 20s deuses © herbis por Homero e Hesfodo exerciain inffuéneia decisiva na sceterminagdo dos valores morais da cultura grega. Se 0 método educacional da Grécia tinha \ , somo fundamento conteido da poesia tradicional, tipo de comportamento e condita me -aceito_pelos homens estaria incondicionalmente vinculado a esse cariter | idatico da poesia, No Livro II, podemos destacar algumas passagens em que Platio censura moralmente Homero e Hesiodo: 78 8 81 Kpévow Zoya kal dy obtws Aeyeodar pds abporris te Kal véous, AAA wddtora ev ary aaBaL, ‘Bos, ob8' av el Fu ainsi, dyunv Sel pAdios Fr. 24, SEXTO, Adv, Math. IX, L44 (int KIRK, op cit, p. 174). ZFr. 14, SEXTO, Adv, Math, IX, 193 (in: KIRK, op. eit, pp. 172-173). 7 Fr. 15, CLEMENTE, Strom. V, 109, 2 (in: KIRK, op. elt, p. 173). ® Rep, X, 607b5-6, HYDE ition t ei 8 Te Metis a PA De E 0s aios de Cronos e seus sofrimentos por parte do filho, mesmo se créssemos ser verdade, no yet deviam ser assim contados facilmente aos jovens e ignorantes, mas sobretudo ser mantidos em silencio; oi8 Lexréov vey dkotiovn Ge duxiiv 7é Zoyara olBéy av CamacTén Tout, ob6" a aBixoivra Tarépa Koki{wv Tav7t Tpdtw, BAA Spy & Grep Bev of mpirol Te Kal weproToL Nem deve diser a um jovem ouvinte que, cometendo as mais extremas infustigas, no estaria fazendo nada de extraordinério, nem punindo de todo modo o pai que 0 havia injustigado, mas estaria a fazer 0 mesmo que 0s primeiros e 0s maiores dentre os deuses.”* (~~ Portanto, as transformagies sécio-culturais que a Grécia sofreu entre os séculos { VIILIV.a.C. podem ser sentidas nessa tradiedo ¢ Herdelito, dentre outros. Homnero, devido helénica e a sua fungio didatjca, to 90 alvo principal dos questionamentos morais ¢ educacionais. Encontramos no didlogo Protdgoras uma breve exposigdo a respéito da maneira como a a vtilizada na e: Os mesires ewidam das criangas, e quando elas aprendem as letras e estio prontas para compreender a escrta tal como outrora a fla, eles colocam-nas sentadcs nos bancos a ler os bons, poetas e obrigam-nas a decorar seus poemas, nos quais hd iniimeras admoestacdes, imimeras expesigdes, elogios, e encémios aos antigos bons homens, a fim de que a crianza, tendo aprego por eles, os imite e aspire tal qual tornar-se.”* Ne Reptiblica, percebernos que Plato tem como grande prejeto areestnuturacdo dos. 7 tuadicional. No Livro X, apesar do 40 metafisico-epistemolégica do estatuto da poesia na cidade ideal ¢ os efeitos psicolégicos da experiéncia estética, a questa da paidéia gregayesta “ )..¢ sempre em evidéncia, como preocupasao constante. Se destacarmos os trechos nos quais Plato cita nominalmente Homero, notaremos, até mesmo pelo vocabulério empregado, como ha referencia direta a questdes edu ais: * Rep, I, 3780. MN i) TE ARETE A ~... sph, uma crescente necessidade de revisio € remodelamento dos principi <3 \ \ Pois ele parece ter sido 0 primeiro mestre [S.béoxalos] e guia de todos esses belospoetas PEE trdgicos. 3 (i) Mas julgas, 6 Glawco, que se Homero tivesse sido realmente capaz de educar folos 7* fy raxSetetx} os home ‘mitagdo mas do conhecimento dessas questdes, ndo teria porventura feito muitos amigas ¢ sido -sstimado e prezado por eles? (iii) Entdo, 6 Glauco, quando enconirares os encomiastas de Homero afirmando que esse poeta educou [nemaiSewex] a Hélade e que é digno aprender com ele 0 que concerne & administragtio e 4 educagdo [raide(av} dos assuntos humanos e viver tendo organtzado toda sua vida conferme esse poeta, (..)" ‘Como podemos constatar, é evidente como Platiio considera Homero o paradigma de todo sistema educacional grego, fundamentado esteticamente ¢ determinado moralmente por seus valores. O surgimento dessa tradigio critica mostra indicios de uma paulatina transformacdo no &mago da cultura grega, seja por determinagées histéricas, seja pela sua propria dinémica interna. A critica 4 moralidade homérica representa, em linhas gerais, mais condiziam com as contingéncias histérico-culturais préprias do tempo de Plato, mas aque ainds estavam na base do_processo de eduensio dos jovens gregos, O surgimento da filosofia subordinon a linguagem figurativa da poesia ea concepeo de mundo mitolégica as_exigénoias de um_discurso ravional ¢ I6gico que buscava suprimir os “eros” e as \consisténcias” perpetrados pela tradi¢ao poética. Se olharmos atentamente para a imagem de Odisseu construida por Platio no Mito de Er, veremos ali representada alegoricamente essa desatualizaco do cédigo moral homérico: “Por acaso, a alma de Odisseu foi a iiltima, segundo a sorte, a escolher e, no mais almejando a gléria co lembrar dos softimentos passados, procurou perambulando por muito ° Protégoras, 3252-3264. % Rop., X,() 59Sb10-<2: (ii) 600€2-6; (ii) 606e1-5. Comes : ay = 2 2 a 2 2 2 2 so a a » ® > 2 2 a » » a 2 2 2 2 2 2 2 2 2 s 2 9 a s 2B 9 » 9 s s . 9 > S . 5 a a lempo, a vida de um homem ordindrio, sem afazeres piiblicos. Com dificuldade, a encontrow jogada ¢ desprezacia pelas outras mum higar qualquer, e disse, observando-a, que teria escolhido a mesma vida ainda que tivesse sido a primeira na sorte, ea escolheu satisfeita’.” Plato descreve Odisseu descrente da gldria (Aorta), nfo mais desejando a busca do valor supremo do cédigo moral da Mada, expresso pela formula wea dvBpiiv ‘gléria entre os homens’. O proprio Odisseu, ao lado de Aquiles 0 maior heréi da épica homérica, rejeita, nessa caricatura de Plato, aquilo que ordenava o mundo herdico, A vida,” ¢ 77 deum cidada bondade, a assim, sto vistas por ar Flees ec verdadeiros valores de uma moralidade racior —Hiada: Em tiltima instincia, podemos, assim, interpretar a Repiiblica como uma obra dedicada fundamentalmente a questionar e a crticar a estrutura 2 educacional vigente na Grécia.”* Por um lado, a censura_moral a0 _conteid ioe a cri conduzem necessariamente Platio a uma revisio das base: com as dificuldades inerentes & argumentaso de Plato, com as ambiglidades de sua postura, até mesmo quanto ao principal conceito de sua teoria estética (lljinois), podemos ainda refletir sobre o sentido mais profundo de sua atitude com relago 4 poesia, que Perpassa, por sua vez, toda a teoria estética na Repiblica, e mostra como ele concebia, com © olhar critico, a5 condigdes histérico-culturais em que a Grécia de seu tempo se _encontrava. Como bom leitor que era da Antigitidade, Nietzsche interpretou da seguinte forma, a partir da figura de Séorates, essa transformago fundamental da cultura e do homem grego: 7 Rep, X, 6203-42. “HAVELOCK, op. cit, cap. 1, p.28. ie 2 E i a ee PaxXgarnr MMH ORY eb no oO © elisbeto grego- costa das 24 lebias soguintes: Bot bt ahd bef NOCOES PREEIMENAK: ALFABETO culas| Nomes das letras | Proniacia ehtistic [fe longo € aberis! la Cire tere kérre Naud ba us Ypsilow Phi gt

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