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SrEeae raca_Castanheiral Beieccees aes ba tr teersna ‘stesia/Anestesial peecmensraes Detalhes da realidadel Pelmaemsireaes de_anticinemal ieee Docunentario e Ficcao em== MAquele querido més de Agost her anos depois fun olhar Sobre a producao de Docunentério Independentee Portugal} eoskem einem cats fon-curso de ticenciatura fen Documentaio Faint otal aE (0 _Som no Documentario Sch mee [Hiperboc: a revoluca digital e as narrativas| eh ida realidad Cte ANGUIAR EDICAO ESPECIAL Ft Preco: 10€ Doutorou-se en Ciéncias da Conunicacso, con especializacio em Cinena, pela Universidade da deira neerior. Investigadors do Labcom_(wav,labcon ubL pt) % COATS Ma LO- osta ANTECINEMA €A_EX0 (& que ata ou, muito provavelmente, devemos - usar. para caracterizar a obra cinematografica de Anténio Campos (1922 - 1999). Essa expres- ‘io foi usada pelo proprio para se referir A sua actuacio enquanto cineasta, Para compreendermos melhor o seu significado, comegamos por apresentar as declaracbes de Anténio Campos. Em entrevista realiza- da por Anténio Loja Neves e Manuel Costa essilva, a18de Abril de 997, e publicada no catdlogo Anténio Campos (Cinemateca Portuguesa, 2000), pode ler-se: «Regressa a Leiria, Mas nao 6 homem. ppara se encafuar na secretaria e no pensar mais em cinema. ois. Fui fazer RIO DE ONOR. Tinha co- nhecimento do livro do jorge Dias e desejei fazer o filme para que ficasse o registo de uma sociedade daquelas antes do seu desa- parecimento. J4 encontrei poutcas coisas in- célumes. Tive muitos percal¢os técnicos, O bacalhau, que devia ter sido comido as seis da tarde, s6 0 foi as duas da manha, contan- do coma paciéncia daquela gente. Estavaa trabalhar completamente sozinho. Filmando sozinho, como é que lidava com os momentos de grande deslocacio de pessoas como hi no filme? Era cabo dés trabalhios, por exemplo ngeaso da protisséo, Butinha mais uma mbiguina, que era da Fundacio [Fundagio seeCalouste Culbenkian] e usava um tanto ‘abusivamente’, mas que ndo estragaria nunca, até porque ela me estava entregue cera eu oresponsével e tinha de prestar contas. Entio fui saber qual era o trajecto que a procissao fazia e coloquel estrategi- camente as duas Aquinas nos sftios que desejava, Quando a procissdo comecou a sair carreguei no botio e deixei-asa tra- balhar - tinha carretos de 120 mettos-e depois fui buscar uma delas ap6s a procis- sio passar no local, para filmar os planos miéveis, £ assim. Falar comigo acerca de cinema parece que é falar sobre o anticine- ma. Eu nunca fiz cinema na minha vida, {sto so aventuras em que ninguém se mete, porque cada umn tem o seu nome a defender, estudos, percursos. as situacdes sio diferentes e eu, como no precisava do dinheiro, pois tinha o meu ordenado, até que ele chegasse podia gastar sem colocar nada em jogo. Ese ficasse mal deitava fora. Outros nio poderio ou nio quererio fazer assim, preferem ensaiar obras-primas... Eu tamibém gostava de fazé-las, mas faco estas e nunca quis depender de ninguém. Apesar desse despojamento, os seus filmes sio obras muito importantes e conse- guidas. Preocupo-me mais em transmitir a minha vontade, o meu desejo, os meus sentimentos através do cinema. E se é através do cinema é apenas porque 0 faco através de urna méquina de filmar, podia ser através de uma maquina fotografica, de escrever, ou através de um computador se fosse nos dias de hoje. No me posso considerar igual nem sentar-me nos mes- ‘mos sitios onde se sentam os tealizadores portugueses, Quando fala em anticinema esté.a referir-se especialmente A maquina de producio, ou também a um certo olhar peculiar? Oolharé meu. O que é meu posso dé-lo edou-o através das minhas obras, Referia- -me mais a todo aquele arsenal de pessoas. Este trabalho gosto de fazé-lo a um ritmo diferente, com uma certa discri¢ao. Por isso é que eu desejava ter aquela carri- nha do Manoel de Oliveira de qué tanto se falava, para poder andar a correr 0 pais. Mesmo hoje, coma concorréncia da televisio, eu nio ia fazer a mesma coisa, no tinha nadaa ver. Portanto, a minha situagdo é assim. Eu sempre disse que era ‘um marginal do cinema. Cinema porque um utensflio para mostrar aquilo que eu quero, porque é0 instrumento de que me sirvo melhor.» Depois desta entrevista, Anténio Cam- posnao assinou nenhum filme; o iltimo, ‘A Tremonha de Cristal data de 1993, ou seja, antecede estas declaragdes em 4 anos. Anticinema comeca, desde logo, por ser ‘uma expressio-resumo da actuacao de Anténio Campos, uma espécie de balango ou reflexdo do cineasta, Nao é uma refle xdo escrita, £, sobretudo, uma declaracio esponténea, surgida a meio de uma en- trevista. Por surgir tao espontaneamente interessa tentar compreender o que pode estar por detras dessa mesma expressao. Para tal, abordaremos dois assuntos que dizem mais respeito ao seu olhar enguanto cineasta: a temitica da obra de Anténio Campos e os recursos estilfsticos por si wti- Hizados. Um outro assunto - nlio menos im- portante - que iremos abordar diz respeito as condigSes de producio cinematogréfica referentes a0 exercicio de um anticinema. Quanto ’s temiticas, temos os seguin- tes filmes como referéncia: A Almadraba Atuneira (documentirio, 1961); A Inven- do do Amor (fic¢ao, 1965); Vilarinho das Furnas (documentario, 1971); Falémos de Rio de Onor (documentario, 1974); Gente da Praia da Vieira (documentério, 1975) e Hist6rias Selvagens (ficcio, 1078). Estes sto alguns dos tftulos mais conhecidos da sua filmografia e sio simultaneamente indicativos da actuacio de Anténio Campos enquanto cineasta. Em A Almadraba Atuneira, apresen- taa tiltima actividade de “armagio” ou “almadraba” da pesca do atum, na Ilha da Absbora, Algarve, antes do arraial ter sido destrufdo pelo mar, no Inverno do ano seguinte, em 1962. 4 Invencio do amoré um filme adaptado do poema honénimo de Daniel Filipe 6 sobre um casal perseguido pela policia ¢ pelos cidadaos da cidade onde vive, pelo crime de ter inventado o amor, Vilarinho das Furnasacompanha os iltimos meses a vida comunitiria da aldeia de Vilarinho das Furnas, situada no Alto Minho, que fi- cou submersa devido a construcio de uma barrage. Falémos de Rio de Onor traca o retrato de Rio de Onor, aldeia comuni- téria raiana em Trds-os-Montes, a partir do tema da emigracio e da desintegracio dos costumes tradicionais, Gente da Praia da Vieira tem como tema o fenémeno da “emigracio interna’, em Vieira de Leiria, onde a populacio que vive junto a praia vai trabalhar para o Ribatejo, formando comunidades de “Avieiros”. As cheias do rio Mondego, flagelona vida da populacio de Montemor-o-Velho, soo mote para a histéria de vida de Ti Bastido eTi Lobina, ‘um casal de rendeiros que trabalha na criagio de gado ao ganho - em comparti- cipago com o dono dos animais -e que decide comprar e criat 0 sew préprio porco, Osanos passam, os filhos emigram. Ti Bastia e Ti Lobina, ja velhos esem forcas, so substitufdos por novos rendei- ros. Porcaridade, e desde que no criem problemas, o senhorio deixa-os viver numa cozinha velha e degradada. Independentemente do género em que trabalhou, documentario ou fic¢do, vernos que para Ant6nio Campos o cinema ter uma missio tio importante quanto urgen- tea cumprir: filmar o presente. E esta é ‘uma missio que Anténio Campos tomou como sua e na qual se empenhou profun- damente. 0 cinema é assim chamado a colaborar numa consolidagao do presente, impedindo que o mesmo se transforme num passado opaco. Filmar o presente implica, em primeito lugar, um registo in loco. Anténio Campos. desloco-se aos locais onde os aconteci- ‘mentos estavam a decorrer ¢ onde as pesso- as viviam. Os seus filmes si, pois, o resultado de experiéncias vividas com pessoas concretas em situacdes concretas. Em segundo lugar, verificamos a ac- tualidade dos seus temas e aqui podemos destacar dois filmes: A Invencio do Amore Vilarinho das Furnas. A Invencio do Amoré uma metifora do ambiente de opressio, em especial, de perseguicio vivida antes do 25 de Abril de 1974. Por seu lado, Vilatinho das Furnas trata de um tema no menos drama- tico: uma pequena aldeia minhota que foi submersa pelas Aguas de uma barragem e onde Anténio Campos registou os derradei- ros gestos de uma vivéncia em comunidade. Por fim, wm terceiro ponto para nos referirmos aos intervenientes, Anténio Campos aproximou-se das pessoas que fazem os trabalhos mais pesados, as que mais se esfor¢am mesmo sem qualquer garantia de um beneficio corespondente 20 seu esforgo. Sempre ao lado do seu povo e solidario com os seus problemas, a fil- ‘mografia de Ant6nio Campos encontra-se enraizada na vida do povo portugués. Ha, ‘em suma, uma escolha de temas que si0 proximos ao cineasta, quer geogrfica, quer sentimentalmente. ‘Quanto &s suas caracteristicas estilisti- ‘as, estamos perante um aturado trabalho de realizagio cinematogrifica que nao coloca em causa nem distrai o espectador do conteddo da sua filmografia. Sen nunca cair no mero postal ilustrado, nem no mero exercicio formal, Anténio Campos é 0rea- lizador da planificagio cuidada eamadu- recida, uma planificacio que Ihe permite no recorrer 4 re-construcao dos aconteci- ‘mentos e que prevé de antemio a inclusdo dos gestos espontineos de personagens encarnadas por actores ndo-profissionais, por actores profissionais ou por quem se representa a si mesmo E no 6 por ter filmado os mais desfavo- recidos que Ant6nio Campos se assumitt legitimo representante dos mesmos. Nunca reclamou dar “voz ao povo” nem tio pouco se trata aqui de um “assalto ao real” (no sentido de um registo“nu e cru”), A sua cimara est préxima daqueles que filma, olhando-os de frente, mas estabele- cendo a distancia necesséria, nem de mais nem de menos, absolutamente justa. £uma cimara que se substitu 20 olho humano, 0 que nos filmes se pressente 6 que por detrés da camara hé uma forca humana que amovimenta. Anténio Campos possui a particularidade de fazer desaparecer a presenca da cimarae de proceder a um enguadramento dinamico, no sentido em que se adapta ao que esti afilmar. Trata-se, enfim, de uma cdmara cariosa e atenta a tudo quanto a rodeia que apreende, ou melhor, que absorveo que esté A sua frente e movimenta-se como ‘uma forca centripeta que atrai e enquadra pessoas e acontecimento em cenrios naturais -e esta é uma cdmara que se detém, em especial, nas pessoas e para quem os cendrios naturais (0 mar, a montana, os rios, os vales) nunca sio constitufdos em personagem. Ant6nio Campos 6, também, o realiza- dor da montagem depurada, 0 seu corte aperfeigoa o filme, distibui por cada plano a duracao mais adequada e expurga o que (eventualmente) possa estimular o mais pequeno sensacionalismo, ou qualquer tipo de voyeurismo. £ um corte seco e Peciso, de um rigor extremo. A montage 6, no essencial, uma actividade onde o ealizador trabalha “corpo a corpo” com 0 ‘material rodado, recorrendo aquilo a que podemos chamar “raccord por analogia”, ‘ou seja, uma ligacio entre os planos que mantém o equilfbrio de composigaoe de enquadramento, de um plano parao plano seguinte. E 6, finalmente, orealizador doe para o espectador. £ para ele que faz filmes; 6 com ele que Anténio Campos se preocupa, pretendendo tocar tanto 0 cespectador do presente, aquele que é colo- cado perante acontecimentos que esto a decorrer, como o espectador futuro, aquele que poders olhar para o passado através dos seus filmes. espace filmico no é um espaco para uma orquestracio de entradas e saidas em campo, é um espaco de permanéncia, A partir do momento em que uma pessoa ‘uum objecto entram em campo é para nao mais della safrem. F isso acontece em Antonio Campos logo desde o infcio da sua filmografia, por exemplo, na curta-metra- -gem Um Tesouro (1958), no primeiro plano do filme, uma mulher entra em campo, nos dois planos seguintes essa mesma mulher surge jé dentro de campo e apenas se movimenta dentro dos limites do en- quadramento. A permanéncia em campo remete-nos para um outro aspecto impor- tante: a riqueza de contetido. Entendemos que essa riqueza de contetido diz, essen- cialmente, respeito a relacio constante que 0 cinema estabelece com outras obras. cinema nio se encontra alheado das preocupacées de outros autores, nomeada- ‘mente dos que tém na palavra o seu modo de expresso, em romances, contos, poe- sias - ou mesmo em livros de investigacio cientifica, nomeadamente os do antropé- logo Jorge Dias, que serviram ao realizador para preparar a rodagem de Vilarinho das Furnas e de Fal4mos de Rio de Onor. Quanto as condigdes de producio, no excerto da entrevista acima transcrita verificamos que Anténio Campos considera que fazer cinema implica regularidade na producdo, Para cada um dos seus filmes, Ant6nio Campos teve de criare, o mais das vezes, improvisar as condicBes de producio para conseguir realizar a sua filmografia constituida, maioritariamente, por docu- ‘mentirios, Para usar as suas palavras: “Eu nunca fiz cinema na minha vida, isto sio aventuras em que ninguém se mete”, Cada filme que realizava era uma aventura em que se metia. Desconfortivel com um cinema onde predomine a figura do produtor e for- ‘temente avesso a uma organizacao que pnidesse afectara sua liberdade, Antonio Campos encontra no documentario a possi Dilidade de um outro cinema mais arro- jado. O que interessa ao realizador é uma outra forma de producio mais pessoal, por poder olhar pelo visor da cémara, e mais, fntima no contacto com os intervenientes do filme e com os espectadores. De notar que no caso de Terra Fria (1992), 0 seu tinico filme a ter exibicdo comercial - estreou em 1995, tr@s anos apés a sua conchusio~, de- correram exibigdes anteriores em ambiente mais restrito, para auscultar mais de perto as reaccdes dos espectadores. Attudo isto nao é alheio o uso de equipa- ‘mento amador (36 mm) largamente mais ‘manejével que o formato profissional (35 mm) e mais facilmente transportével, permitindo um acréscimo de mobilidade, Colocar-se & parte era um posicionamento consciente das vantagens: “... fago cinema sum pouico & margem desse sistema [circui- tos comerciais), 0 que me oferece wma cer- ta liberdade de actuago,”' Mas, também, ciente da desvantagem: *...de um ponto de vista de lucro nao sdo filmes comerciaveis; niio 60 tipo de filme de que se diz que é bestial e que portanto as empresas desejem comprar e projectar. Todos sabemos que quem tem dinheiro para investir no cine- ‘ma ou outra coisa qualquer, quer primaria- mente 0 rendimento do capital.» ‘Ant6nio Campos vai mais longee refere a consequéncia desse desinteresse ou recusa pelo que nio é rendivel: “O objective de captar aspectos da realidade da vida portu- ‘guesa no apaixona as pessoas que podiam produzir os filmes com base no argumento de que estes nao sio rentaveis. Tal impede ‘um melhor aproveitamento das possibilida- des que o cinema nos dé dos mecanismos de que hoje dispée.”* Anténio Campos acusa 2 concepcio mercantilista do cinema de, no minimo, amputar a diversidade de cinema- tografias e de mutilar um cinema como o seu, empenhado em colocar no ecri a vida e originalidade das gentes do seu pats. ‘Ant6nio Campos é, estamos quase cer- tos, o cineasta menos cinéfilo 1 ct da hist6ria do cinema, che- gando mesmo afirmar sem qualquer pudor ou complexo e com toda a frontalidade que nerihum cineasta Ihe servia dereferéncia, Mais, que nio iaaocinemaparaniose deixar influenciar, “Vigilan- te contraas influéncias”,s 4 taro Livi, ae'tsen, pat Frednao Campos 130 30 Ue re 12 006 canes Bandeira, “Ws & dineceko co rorea, 3 de fs verebéetes problenas eas pessoas" die-noe Anan Cap afirma: “Alis, quando me dizem para fazer um plano parecido com algum outro que existe num filme, eu escolho logo no o fazer, nao vao dizer que o Anténio Cam- pos roubou uma ideia a alguém.”* Para Anténio Campos, fazer cinema nio 6uma actividade onde os técnicos formam. equipas varidveis, organizadas e salvaguar- das por um sistema de producdo bem estru- turado na distribuicio e especializacdo de tarefas. Por exernplo, um téenico de som que hoje esta a trabalhar num projecto e amanhi noutro é um procedimento que no se coaduna com o método de Anténio Campos. Nao aceitaria facilmente ter em seu redor pessoas comas quais nao comun- gasse do mesmo entusiasmo, do mesmo envolvimento num determinado projecto cinematogréfico. Em jeito de conclusio, podemos dizer que “anticinema” -considerando que o prefixo “anti” indica opesicio - é uma expressio que melhor designa a possibili- dade de criar um certo cinema afastado dos ‘movimentos e movimentacées de qualquer tipo de actividade cinematogréfica insti- caida, bem organizada e estabilizada nos seus métodos e técnicas. rv dae Fuanae: Novo filme de Anika Coopee ee tarts pe is 4 deed viebxa Yarques, “Wilarinho eas Furnas = Entyevista cox Antdnio Canpos Gero, Lisboa, Ceneto de Estudos e tainagdo Culttaly a" 3, Lisboa, Wxgo se 1973 are in ¢ muito ditt 35a o ira orgntraco coecil cnestoaritices 1, "0 owen de cinaca", Expreaso (aztas). 1 de Dezembro 4 1995, 9.20 ania Campos, Guinée 0 cinena paisa |. 30.8 vane ce 199, ("seu estile priprio, 2 sua prepria visto de faces cinena € assin gic quer cortinuex

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