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Pinho. Tiroteio
Pinho. Tiroteio
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"TROTEKC: SUBIETRCAGAOE VOLENCIANO PeGCKE BRIANO 188Ainda no vasto universe da OS escontramos a figura
tragica ¢ mitica de Kelly Cyclone, Apelidada de “patroa do trfico’, a javern fot
assassinacla em 18 de julho de 2011 por tin exnamorado, causando grande
camogao. O seu enterro foi acompanhado por eentenas de pessoas e noticia
nna imprensa escrita e televisiva.™ A reportagem, do noticidrio populareseo
“"Bocio News” pergunta “ela era mocinha ou vila?" Mais uma adepta da verso
cyclonizada da identidade, Kelly usava como marca registrada microssaias de
veludo da Cyclone, a correspondente feminina das bermudas masculinas, ¢
também indicagdo de conexées simbélicas ou reais com o mundo do crime,
O interesse e a fascinacéo pela personagem cresceu morbidamente apés a
sua morte, Mesmo antes tinha jé notoriedade e a participou, ao menos uma
‘vez, de show da Bronkke, ainda sob a lideranga de Igor Kanndrio.® No show,
Tegistrado em video, enquanto Igor e Kelly cantam “vou de Cyclone’, milhares
de jovens negros, como podemos ver, pulam e dancam freneticamente, mos
para alto, ou *botando a base" e simulando brigas.
Na consideragao da subjetividade "Vida Loka’ como “hexis corporal” devo
the referira uma categoria que se caracteriza como “estrutura de sentimento",
Incorporada como certa performacao da masculinidade, Essa incorporagao &
literal na medida em que o significado da snasculinidade aparece condensado
fm tuma pose, culturalmente regulada como a manifestagéo/realizagao de um
sentido possivel para o que é ser homem. "Botar a base’, a categoria em questo,
aignifica tanto uma postura corporal fisica, assumir uma posicgo de combate,
como também tem um sentida metaférico claro para os co-participantes do
Juniverso cultural, implicado numa atirmagao da prépria masculinidade e no
flesafio A masculinidade do interlocutor. Insisto que a postura tem algo de
fundamentalmente “teatral’ ou performatico. Trata-se de uma encenagao, onde
fe encena o destemor como atrituto fundamental do que é ser homer. A
imulagao da violéncia, sua teatralizacéo, ameacas frequentes de agresséa e
© proprio enfrentamento fisico séo elemento constante do universo cultural
dos sujeitos. Nossa intuicso proviséria é que a retérica da violéncia, e sua
performacio, é mais frequente que a violencia ela mesma, exercendo um
Glemento de dissuasao. De qualquer forma, o vocabulério da violéncia, parece
fier uma das linguagens privilegiadas da masculinidade. O que parece sinte-
tizado na postura fisica, enunciado corporal, de “botar a base’, como um dos
@lementos dessa gramética incorporada.
Como j apontado, a devocéo & figura do Kannario é enorme entre os
Jovens da periferia e se refere a conexao que ele faz em suas miisicas, @
fim suas apresentacdes, entre o “pagode’ e o “gueto’, a favela. Essa conexio
A Comorerzado plo gn hat Conia no Fash Dorm ttm
facebook.com/ChuckMalz?fref~ts Acesso em 0S abr. 2015, a
(2 ‘ponte emt route con/vatP Zita Aso. ab. 2018,
(3. izivelen tp rm youtube comwattr-CEYSIleOy-Acesoem Sab 2015
ANIME GIATUDE 0 MPOSSIEL SULETO NEGA fa FORMAGAO SOCAL ERAGLERA
& todavia, moldada em termos masculinos, ¢ atualiza a mesma retdrica da
‘Piolencia tontralizada. Hi 6 nesne sentido, que ele ¢ visto como promotor de
cia, ¢ ano pnieo precede os seus shows, Gimerson Roque, comentancio
saya observagio de um show de Igor Kanndrio, ococrido em Sao Félix,
‘rontava que varios dos rapazes que o assistiam dancavam "botando a
#6 que me chamou a atengéo para a cetegoria,
PPotemos, na verdade, destacar dois signiicados derivades do “botar a
que circulam com maleabilidates entre diversos registros. Primetro,
tum modo de dancer, que ¢ masculino, mas nia apenas performado por
jens, © que simula uma briga. Os agentes dancam, por exemplo no carnaval
jn Salvador lota as ruas com centenas de milhares de pessoas, ou em
as populares, e em shows zo ar livre, "botando a base’. A simulagio da
, por diversao, muito comum entre amigos, acaba as vezes em brigas
Verdacle, Que séo exibidas espetacularmente nos canais locais de TV, em
ypramas de grande apelo popular, como prova da selvageria das masses.
Igor Kannério, e outros artistas, gravaram miisicas de pagode onde
w referem co “botar a base”. Uma destas, de grande sucesso, é justamente
Wumada “Bota a Base’
Fi sou do poro t6 na kebrada
BP pemcaegoien pats
Tema do queto sem caguete
Levante a cabeca agora respeite
@hega pra cé nese momento
Sugura o pressdo.
T no kebrada negéa
Segura a pancada ladséo
Nao othe pra mim confuséo
Que aqui o bicho pega negio
Rota base bota base negio
Bota base bota base negio
Bota base bota base negéo
S¢ quero agitar
Nao quero confuséo.
Na cangéo, como, acreditamos, no imaghrio popular, ha uma associagéo
‘entre a postura masculina condensada no “botar a base’, a “realidad” do “gueto’
‘0 favela, ea condigéo racial, como disposigso yara o enfrentamenta, justamente
forjada no cendrio cultural da favela. Uma canjuncéo entre corpo, cenario
performance, operada por una categoria, como uma “estrutura de sentimento
masculina e racializada: “botu base negda"®
Ba Naoha espaz para desenvolver aqui mas os elements estic dados pera aconsideragsodessa
ers es tenes toa abace.CTURNER 1962 TAYLOR DUS,
‘TROTEO: SLBXETECAGAD E VOLENGIA NO FAGODE BAANO 135E, nese sentido, podemos onxergar outro significade associada an *botar
a base’, que é um sentido poltico, também atuante exttre emien diversos
registros dindmicos de cultura, Porque, como aparece em outta eangio do
‘grupo “Fantasmao’, também de grande sucesso, "botar a base’ é um atributo
‘masculino para enfrentar contradig6es e assumir 0 papel de “homem’, no
contexto da favela como a cancéo, “Nao vé que é Barril", descreve:
6 tiradinho & miseravel nao bota a base atris do trio
No vé que ¢ barril, néo vé que é barvil
Ge um estupradar, pedéfilo, na depressio cau
Noo ve que € barr, néo vit que & bast
O carnaval, Alto das Pombas, Nordeste, Boca do RiolS*
filo va que é bar, no md que ¢ barr néo vé que ¢ bari, néo wi que é
arr
‘Troca tiro com a Rondesp, dé de testa com a Civill*
re v6 que é barril, ndo vd que é barril. néo vé que é barr, néo vd que é
ri,
Reo vd que ¢ barril ndo vd que é barril, néo vd que é barr, nao vi que &
uml
Quando faiames em um sentido politico, nao nos referimtos a nenhuma
Ingtitucionalidade ow intencionalidade, mas a expresséo pritica de uma
‘eontradicao, mediada por estruturas simbélicas disputadas em uma sociadade
fonflagrada pela desigualdade social e pelo racismo, Tal mediacdo é também
Forporal, na medida em que o corpo como “vessel of mearting” esta simbo=
Meamente carregado por essas mesmas contradigées, que constituem assim.
Bujeitos (HARTMAN, 1997}
Por fim, diriamos que o “botar a base" aparece como uma performance da
Eptidiano no plano das interagées interpessoais; como unta estilizacéo dessa
Performance atualizada como modo de dancar na ‘agitacio" do pagode; e coma
‘tha sintese ~ estrutura de sentimento — da postura masculina, corporal,
Westerida e associada a favela e aos seus cédigos culturais préprios, onde o
enguete nao tem vez e ‘dar a testa’ a poticia é "barzil" Na circulagéo entre
Ws diferentes registzos culturais ~ que interpretam-ve reciprocamente —
ificado da postura parece se realizar
Por diversas vezes aqui fiz referéncia a “Vida Loka’, ao estilo “Vida Lokat
Oiliaos préprios sujeitos "Vida Loka”. Assim como expresséoaparece nas misicas
Wola citadas. Ora, “Vida Loka" ¢ uma categoria da modernidade periférica
Bfasileira que opera como uma “estrutura de sentimento” (PINHO, ROCHA,
2011; WILLIAMS, 1979) em diversos contextos, e como proxy de identidade
G8 Bairos patres de Saivedar
68 Grupamentospalciais.
187 Perigoso ciel nao-recomenitivel.
Btbucarin.ce -0 yPossive. suerTo NERO NA FoRWAGAG SOCIAL EASIER
Materiati¢n no moxlo de vestir, “Cyclone” ou bond verde humlnoso, ex
{oriinada hexis corporal, “hotar a base’; ¢ em win determinado conjunto de
orinas subjetivadas dan contradig6es politicas que #80 impostas
negros e favelades btasileiros sob a dominio da necropolitica e
eidio aca, No meromente in reflexo aubetiv, mas a prépria
io de uma gramaticalidade subjetiva que é a propria realizagaa de si
Brim aulelto enrulitaco, bison da vice de eta tena
la forma mercadoria,
funk cacioca, e encontra sua estrutura estético-formal mais elaborada
Podtica de Mano Brown, e no eléssico supremo do repertério artistico
filtural do rap e das “quebradas” brasileiras, “Vida Loka Parte I’, sintese
Magistral da estrutura de sentimento bandica’, que é a excruciante percepeao
bjetiva de exctusio e submissdo “ultramoderna’ (PINHO, 2010) ao mundo
violencia e abandono, que empresta ao real a qualidade alucinatéria de
Juin pesadelo tornado realidade sociolégica:
Ti cturmo pronto pra guerra
ti ndo era assim, ett tenho édio
fei 0 que é mau pra mim
er 0 que, se é assim
ja loka cabulosa
O cheiro de pélvora
B eu prefiro rosas.
A cangio fala de morte, viléneia, dinheiro e poder: “Em So Paulo, Deus
{uina nota dé cern’. como Eduardo Rocha aponta, o procedimento poético implica
fom uma producéo subjetiva (re)poitizada, ‘ce objeto coisificado a sujeito politic’,
‘i talvez sujeito polttico-poético, porque pér-se na posicée de um sujeito, em. meio
fs contradigoes do Capital e da violéncia na maior e mais rica cidade brasileira,
Spica em inventar uma nove linagen, Como Eaverdoapontao Via Lala!
$0 personage, dirfamos persona cultural, de maior sucesso « apelo no Bros
férico e no exageramos aa dizer que o uso da categoria, © a proposicéo
Brtidaceaifundense racionalmente a petit a a
Definindo o sujeite, menos que a atitude ou a categoria, Eduardo Rec!
Mliz, por fim, que o Vida Loka pode ser consideraco como:
um sujeito que age alten do limite que e lei permite que
a sociedade julga como certo e, por isso mesmo, €