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Cee + mum. "TINO: SUBLCTIICACAO E VIOLENCIA NO PABODE BAIANO® (Osmundo Pinho® “No enfant, acabamos ced ou tarde nos identiicando com o ininigo cuja estratura esconhecemas". G, Agambem, “Homo Sacer”, 1996. “Vai comegar 0 trotea, vai comecarClack, Clack Bum’ Clack, Gack, Bur Ed City, “Toteio’, 2013. © Pagode na Pagina Policial Géneros musicais associados com a cultura “popular”, ‘negra’, ‘afri- cana’ ou “favelada’, € seus praticantes, apresentam um longo histérico de presenca nas paginas policiais, ou no segistro jornalistico do crime, da desordem, da violéncia, da imoralidade, do ‘aviltamentc’ dos valores ocidentais que poderiamos ler, brancos — no Brasil (PINHO, 2014). 0 nexo seméntico, sustentado por priticas discursivas, comio discursos préticos entre a cultura ‘popular’, “negra’, ‘africana’ ou “favelada” nao € necessa: riamente dbvio ou automatico, mas tem sido reinstituido historicamente como o lugar de uma ambiguidade ou ambivaléncia de fundo, que funda a nagao como lugar de um compromisso politico e discursivo entres os escendentes dos colonizadores e os Outros da nado. No contexto (pés} escravista de grande paste do tervitério nacional, esses Outros sio, tem. sido, basicamente os escravos africanos e aqueles reconhecidos sacialmente como seus descendentes. (WADE, 2008). 49 Uma versio antericr desse trabalho fo apresentada em Bogots na Escuela de Estudios de Genero da Universidad Nacional de Colorabla em 1° de ssterbro de 2014. Agradogo a Luz (Gabriela Arange ea Franklin Gi Hernandez pelo camvite ecamentarios £0 Dour en Giéncies Socials (UNICAMP). Professor na Cantro de Artes, Humanidadies e Letras ‘da UniveToidade Federal do Recéncavada Bahia ern Cachoeira. A pesquisa que fondament= ‘ese aitign fi desarvolvia durante opetfodo (2013-2014) am queo autor esteve em Austin ro African and African Diagpor Departament Studies da Uriversidade do Texas, gragas 2 lmabolsa Esto Sniorconcudia pela CAPES. pes em evoriton pulblicos 11a como poxtemas ver no ville 0 qual ele repete “respelte « ‘pes, palaagens sonoran Observando aa tmagane ¢ dificil imaginar que tedon vejary ‘analta nt, cultura, vieladow em droga, bandidos, traficantos, prostitutas’, ‘agowsos nos videoclipes " presenga constante, no Os nosson interlocutores em Cachoelra/S4o Felix divergem sobre a policial da violénela, da d ‘eatera priblica, © nos moiog © Kannario, Para urn de: 1. cantor de funk-melady e assumidamente iieagiio (PALOMBINI, 201 IRA, 2001). A contracicao ¢ tia vorantico, o cantor além de estimular a violencia faz apologia ao uso de ‘ue mesmo travestica de ambigidade, nio pode se nao despertar no drogas ilicitas: cdade, sinal, perturbador de uma supostamente indevida corrente jvngiio @ prodiugio social do povo e da cultura popular, um tema pelo is tho velho como a Replica no Brasil. 0 socins parece fraturado p contra si mesmo, prisioneiro da aporia que Joao Vargas identificou mpossibilidade do sujeito negro (VARGAS, 2012). Produzic siyjeito, negro, favelado, popular, ou seja, 0 “povo" é Institufdo como fundamento do pacto politico e rejeitado, quando Eu particularmente néo gosto do Igor Kannério, Acho que le incentiva, passa uma mensagem ce incentivar a droga. Fuipra festa dele am Santo Amaro, Aitinha urs caras lf ‘mando maconha, Hle pegou e gritou:*O cheiro de barrao ta do bom, hein”. Em vez dele falar pra policia pra parar, por- que ali em um monte de familia que nao curte essa onda (entrevista, trabalho de campo, S80 Felix, 2013) tins prdprias escolhas culturais, demonizadas como signo sombrio de Para outro, ogé em um terreiro de candomblé ¢ ex-praticante de Muay geria e ‘atavismos ancestrais’. ‘Tha, "Kanndrio’ é quase um lider, a voz da favela: a forma é que o jornal Correto da Bahia noticion que no dia 24 de juno 2014 na cidade baiana de Sio Francisco do Conde, dez pessoas foram feridas ‘morreu, em um tiroteio supostamente ocorrido durante a passagem do elétrico que tinha como atragao um dos {cones do pagode baiano, 0 cantor Kanndvio, conhecido como *O Principe do Gueto" (Correio da Bahia, 24 jun, BMRB crim fot atrimaico a cisputa de ganguoe rivais da cidade prénima de ito Amaro, No sitio do jornal que veiculoa a noticia o leitor que assina Peter fexpreasou, com Firia indignada, epiniSo corrente aobre o cantor om questo, ‘b pagode baiano de um modo em geral, e sabre cs seus aficionados: Muita gente pede nfo gostar da minha opiniso aqui ex: pressa.(..J Me contratar uma banda, que diga-se de pas: agen, £6 toca porcaria, excita a vilénca, as misicas $80 imarais, um pancacéo que deixa ainda mais loucos. os que Porque tem gente que cuve o Kanndrio: “An, esse cara nao tem letra, nde sabe cantar Nao tem letra porque voce née sabe ouvir a misica, a mensagem que o cara t4 passando, E que nem no reggae. tem gente que diz que reggae é coisa de louco, de maluco, de drogado. Reggae nao caisa de dro- ado. Reggae é uma mensagem cue o canto ost pasando para agueles que curtem reggze, aqueles que sabem enten- der a mensegem do reggae. [gor Kannario faz isso, mas ado como teggee, com o pagode.. Ble passa reensagem: ele ea ‘yor da favela ele fala em voz alta pra tode mune ouvir. 0 que varias pessoas da favela tentam falar e ninguém ouve, Por isso que em qualquer favela do Brasil, Igor Kannério é abragadc; ele consogue falar o que a favela quer. (entrevie ta, trabalho de campo, So Felix, 2013) ise te re ie eae a Ou seja, o artista é a “voz da favela’ ou a “voz da bandidagem’? De ‘ta e segue esas coisas, a maioria, cio gente da periferia, a ‘qualquer forma, para milliares de jovens o ‘Kannério’ parece ser um. idclo, aioria analfabetos, som cultura, viciados em droge, ban didos, traficantes, prostitutas, gente que nfo tem nada a) hieréi ou modelo. & comura que jovens de favelas ou comunidades populares na ea hil Pant ineeiee a a coo lacrescenter em seus perfis de Facebook o sobrenome “Kannario", produzindo, ‘que pode chamar aqulo de rulheres, do tudo cu nada, par~ nosea plataforma de expressio subjetiva, uma vinculagéo encenada entre a {icipandl da patifara, igual ace homens, entic, o que mais propria identificagao e 0 “Kannétio’, eo que ele representa. Na comunidade do pene eel Gu aa reach a e pelag, E Facebook "Igor Kannério’ contamos mais de trinta mil ‘curtidas". No Youtube, apelin Sri Siete emia Hi video da musica “Aba Reta’ (referindo-se ao modo de uso dos bonés pelos Tho* (Correio da Bahia, 24 jun. 2014). joveas periféricos) apresenta mais de vinte e nove mil acessos. Acarreira de Igor Kanndrio desperta avaliagées contraditérias e apés Ora, nesse texto, o que procuro discutir, justamente, so as formas de jomentdrio acima outros leitores sairam em defesa do cantor. Para’ nubjetivagao e identidade masculinas, “estruturas de sentimento” (WILLIANS, tos, entretanto, ele representa uma faceta criminosa da sociedade, ‘npologia do uso de drogas e da vida no crime, incita a turba a atos de iléncia, Por outro lado, muitos idolatram o Kannério. E os seus fs sao 51 Tagg a anges 4 are Mune “DROTEO SUBJETCAGHDE VOLENGIA NO FAGOE BaliNO 128 is interagho com discurson funk, que parecer a ite socloldgico dofinido pal fam para 0 10880 ot questo, as cidades @ So Felix nx Bahia, ies como muitos apontam, sho 0 mercado @ o Estado (SOUZA votidiano de violéncia estrutural e simbdlica definido pelo © pela pobreza se desdobra em muitas casos na violencia fisic | efetiva ou presumida, e na interacao com agentes do Estado llarmente 2 policia (AMPARO-ALVES, 2011; 2010). Em muitos) ios, aos quais se referem os nossos informantes ¢ 0 “tiroteio" qi Ire como elemento definidor presente na palsagem sociocultural fom sido exaustivamente documentado, e refletido na produce I da *poriferia’, como veremos, inclusive no pagode, por artist ‘6 proprio Igor Kanndrio e outros. Por outro lado, as formas d itura expressiva’ que permitem a objetificacao de valores e categoria Iu tomaresas como proxy da subjetividade nesse caso, sio mediadas fu verdade constituitas pelo mercado, como estrutura de produg ligagao, e também pela propria forma-mercadoria, materializadt Nia nutureza fungivel desses suportes de sentida postos em circulacag wm ja na identificagéo com {dolos da inditstria cultural, que seja nd 197), doin yor wa leas # reprenontacts, wyino e manipulagéo de determinados bens e categorias, como *roup marca’, e como proprio boné “aba reta’, verde fluorescente, com@ [aparece frequentemente-? ; vs questdes de cardter tedrico-metodoldgico, que sdo, como sempra shém politicas, mereceriam consideragéo, o que no temos espaco aqui p ‘skerivolver: 1) 0 uso da nogao de ‘persona cultural, como expediente pan 1 processos de subjetivacao por meio dos proxy das representac ayo a misica © os videos, como aparece por exemplo no estudo Edber ‘03 ‘narcorridos” no México e nos Estados Unidos‘ 2) a relagéo ent lis de textos, representacdes ou imagens e os tradicionais métoda rificos, como Jeffries (2011) utiliza em seu estudo sobre a masculinidads {© 0 hip-hop; 3) a questa da autenticidade e da estereotipizacao d Tomes desenvoivenco essa peoquisa em accolas pibicas de Cachoeira/Sto Felix com flvagio coletiva da uma equipe int Ge estudartes de hema e cncias Prd Roberto dos Santos Gamereon Reque, Amanda Diag Malana Bio, Vale Aves, ee Prreira © Lucas Santana, sob a coorderagio de campo de Beatria Giuglen Inn profeerceRi Line pel colbeeee Am das aerate Seon, (dAvcicas(obeervagso partcipante, grupos foceis ¢ entrevistas) estamos pond em tetrtdyjasaltemativas,Como, por exerplo,ofiinas de audiovisual eatividades cam pales (¢dlobotes Assim com estamos ainda fazendo uso do Facebook como instumento de pesquisa borg ala “Subjectively approprieting the persona may invelve clothes, aly hex, altitude toward ceath and fisk a preoceuation in projecting power tier waystn which thopersona is articulated in daily ie (2004, p. 272), Borecesn ne -o naeossi Su. €170 NEGRO Na FORIVAGAD SOCIAL ERASILERA and importance, and Joven homer negro, come discutido por Robin Kelley! e outros (KELLEY, 201 GORDON, 1997), Deane modo, e em resumo, o que propomes # tomar a produgso de *personas culturais’, no contexto do "pagode baiano’ como proxy para pro- ennon de subjetivacso e definicso de estruturas de sentimento, masculinas # racializadas, com foco particular para o modo como a violéncia, 0 “tiroteio’, # parte integrante dessa elaboracao. (© Fantasma do Estado: racismo e necropoltica’® Poderiamos considerar como hipttese preliminar que processos de suubjetivacao que coalescem no ambiente etnografice em que estamos tran- hitando se organizam em torno de dois eixos, que nao sdo excludentes, fem relevancia cultural, presenca objetiva e oferecem aos jovens modelos prototipicos, encarnados em *persones culturais', ou pardmetros para produgéo esi, e sua reflexao critica verndcula. A um destes eixos chamaria “putarie’ Juma categoria que é recorrente, com variagbes, no pagode e no fank, assim gomo ¢ plenamente reconhecivel pelos jovens no contexto em questaa, € que implica ne persona cultural do ‘patréo’. O outro poderia ser definide pela palavra-chave "periferia” ou, talvez ‘favela’, ese define numa relagdo Clara, com o racismo,a violéncia estrutural e do Estado, o‘tiroteio', e com os ‘modos particulares de experiéncia da violéncia como vetor de produgao do self, 0 que se objetiva na persona “Vida Loka’. Dito de outre modo, no eixo "yeriferie” a violencia da vida social é vivida, elaborada e significada como parte do procesca de sulbjetivagdo, Neste texto desenvolvo a discusséoem torno fo eixo ‘periferia’, reservanda pera outro momento a discussao da “putaria’ Para tanto devemnos interrogar em peimeiro huigar a natureza do Estado. Nas sociedades pés-coloniais iss2 tem implicado na consitieracéo da propria fatureza da modernidade em contextos “periféricos’. A instabilidade politica, 4 promiscuidade com crime organizado e a dimens4o porosa ou “espectral” do Estado tem sido ressaltada (MBEMBE, 2011; COMAROFF & COMAROFF, 2006), Em “The Signature of the Sate’, Veena Das discute como a autoridace lo Estado é signo de um poder distante que se imiscai nas praticas do dia-a- Gia de modos contraditérios e mediante a agdo ambigua de agentes estatais, que atuam por veze sob o abrigo institucional do Estado, mas em contradicéo om 0 seu arcabouco juridico-formal, ou seje, como agentes estatais que Gesprezam a lei em nome da lei (DAS, 2004). Essa atuacéo do Estado em ‘4 ComoKeliey também estamos prescupadas em nao rotuzirunaimagemgenésicadohomem, jovernnegrone Bahia(em Cachoerae Sf Felix) Porque desse modo estarierucsrepetinda na, ‘Stnografiao que aparesenas pioresvereées da ideclogia racist, ‘Uma versSo anterior dessa seco foi pablicada na internet como irate: viol2rela de estado fe subjetividada insungente” Dispontvel em.

Aces em 05 ab "TROTEKC: SUBIETRCAGAOE VOLENCIANO PeGCKE BRIANO 188 Ainda no vasto universe da OS escontramos a figura tragica ¢ mitica de Kelly Cyclone, Apelidada de “patroa do trfico’, a javern fot assassinacla em 18 de julho de 2011 por tin exnamorado, causando grande camogao. O seu enterro foi acompanhado por eentenas de pessoas e noticia nna imprensa escrita e televisiva.™ A reportagem, do noticidrio populareseo “"Bocio News” pergunta “ela era mocinha ou vila?" Mais uma adepta da verso cyclonizada da identidade, Kelly usava como marca registrada microssaias de veludo da Cyclone, a correspondente feminina das bermudas masculinas, ¢ também indicagdo de conexées simbélicas ou reais com o mundo do crime, O interesse e a fascinacéo pela personagem cresceu morbidamente apés a sua morte, Mesmo antes tinha jé notoriedade e a participou, ao menos uma ‘vez, de show da Bronkke, ainda sob a lideranga de Igor Kanndrio.® No show, Tegistrado em video, enquanto Igor e Kelly cantam “vou de Cyclone’, milhares de jovens negros, como podemos ver, pulam e dancam freneticamente, mos para alto, ou *botando a base" e simulando brigas. Na consideragao da subjetividade "Vida Loka’ como “hexis corporal” devo the referira uma categoria que se caracteriza como “estrutura de sentimento", Incorporada como certa performacao da masculinidade, Essa incorporagao & literal na medida em que o significado da snasculinidade aparece condensado fm tuma pose, culturalmente regulada como a manifestagéo/realizagao de um sentido possivel para o que é ser homem. "Botar a base’, a categoria em questo, aignifica tanto uma postura corporal fisica, assumir uma posicgo de combate, como também tem um sentida metaférico claro para os co-participantes do Juniverso cultural, implicado numa atirmagao da prépria masculinidade e no flesafio A masculinidade do interlocutor. Insisto que a postura tem algo de fundamentalmente “teatral’ ou performatico. Trata-se de uma encenagao, onde fe encena o destemor como atrituto fundamental do que é ser homer. A imulagao da violéncia, sua teatralizacéo, ameacas frequentes de agresséa e © proprio enfrentamento fisico séo elemento constante do universo cultural dos sujeitos. Nossa intuicso proviséria é que a retérica da violéncia, e sua performacio, é mais frequente que a violencia ela mesma, exercendo um Glemento de dissuasao. De qualquer forma, o vocabulério da violéncia, parece fier uma das linguagens privilegiadas da masculinidade. O que parece sinte- tizado na postura fisica, enunciado corporal, de “botar a base’, como um dos @lementos dessa gramética incorporada. Como j apontado, a devocéo & figura do Kannario é enorme entre os Jovens da periferia e se refere a conexao que ele faz em suas miisicas, @ fim suas apresentacdes, entre o “pagode’ e o “gueto’, a favela. Essa conexio A Comorerzado plo gn hat Conia no Fash Dorm ttm facebook.com/ChuckMalz?fref~ts Acesso em 0S abr. 2015, a (2 ‘ponte emt route con/vatP Zita Aso. ab. 2018, (3. izivelen tp rm youtube comwattr-CEYSIleOy-Acesoem Sab 2015 ANIME GIATUDE 0 MPOSSIEL SULETO NEGA fa FORMAGAO SOCAL ERAGLERA & todavia, moldada em termos masculinos, ¢ atualiza a mesma retdrica da ‘Piolencia tontralizada. Hi 6 nesne sentido, que ele ¢ visto como promotor de cia, ¢ ano pnieo precede os seus shows, Gimerson Roque, comentancio saya observagio de um show de Igor Kanndrio, ococrido em Sao Félix, ‘rontava que varios dos rapazes que o assistiam dancavam "botando a #6 que me chamou a atengéo para a cetegoria, PPotemos, na verdade, destacar dois signiicados derivades do “botar a que circulam com maleabilidates entre diversos registros. Primetro, tum modo de dancer, que ¢ masculino, mas nia apenas performado por jens, © que simula uma briga. Os agentes dancam, por exemplo no carnaval jn Salvador lota as ruas com centenas de milhares de pessoas, ou em as populares, e em shows zo ar livre, "botando a base’. A simulagio da , por diversao, muito comum entre amigos, acaba as vezes em brigas Verdacle, Que séo exibidas espetacularmente nos canais locais de TV, em ypramas de grande apelo popular, como prova da selvageria das masses. Igor Kannério, e outros artistas, gravaram miisicas de pagode onde w referem co “botar a base”. Uma destas, de grande sucesso, é justamente Wumada “Bota a Base’ Fi sou do poro t6 na kebrada BP pemcaegoien pats Tema do queto sem caguete Levante a cabeca agora respeite @hega pra cé nese momento Sugura o pressdo. T no kebrada negéa Segura a pancada ladséo Nao othe pra mim confuséo Que aqui o bicho pega negio Rota base bota base negio Bota base bota base negio Bota base bota base negéo S¢ quero agitar Nao quero confuséo. Na cangéo, como, acreditamos, no imaghrio popular, ha uma associagéo ‘entre a postura masculina condensada no “botar a base’, a “realidad” do “gueto’ ‘0 favela, ea condigéo racial, como disposigso yara o enfrentamenta, justamente forjada no cendrio cultural da favela. Uma canjuncéo entre corpo, cenario performance, operada por una categoria, como uma “estrutura de sentimento masculina e racializada: “botu base negda"® Ba Naoha espaz para desenvolver aqui mas os elements estic dados pera aconsideragsodessa ers es tenes toa abace.CTURNER 1962 TAYLOR DUS, ‘TROTEO: SLBXETECAGAD E VOLENGIA NO FAGODE BAANO 135 E, nese sentido, podemos onxergar outro significade associada an *botar a base’, que é um sentido poltico, também atuante exttre emien diversos registros dindmicos de cultura, Porque, como aparece em outta eangio do ‘grupo “Fantasmao’, também de grande sucesso, "botar a base’ é um atributo ‘masculino para enfrentar contradig6es e assumir 0 papel de “homem’, no contexto da favela como a cancéo, “Nao vé que é Barril", descreve: 6 tiradinho & miseravel nao bota a base atris do trio No vé que ¢ barril, néo vé que é barvil Ge um estupradar, pedéfilo, na depressio cau Noo ve que € barr, néo vit que & bast O carnaval, Alto das Pombas, Nordeste, Boca do RiolS* filo va que é bar, no md que ¢ barr néo vé que ¢ bari, néo wi que é arr ‘Troca tiro com a Rondesp, dé de testa com a Civill* re v6 que é barril, ndo vd que é barril. néo vé que é barr, néo vd que é ri, Reo vd que ¢ barril ndo vd que é barril, néo vd que é barr, nao vi que & uml Quando faiames em um sentido politico, nao nos referimtos a nenhuma Ingtitucionalidade ow intencionalidade, mas a expresséo pritica de uma ‘eontradicao, mediada por estruturas simbélicas disputadas em uma sociadade fonflagrada pela desigualdade social e pelo racismo, Tal mediacdo é também Forporal, na medida em que o corpo como “vessel of mearting” esta simbo= Meamente carregado por essas mesmas contradigées, que constituem assim. Bujeitos (HARTMAN, 1997} Por fim, diriamos que o “botar a base" aparece como uma performance da Eptidiano no plano das interagées interpessoais; como unta estilizacéo dessa Performance atualizada como modo de dancar na ‘agitacio" do pagode; e coma ‘tha sintese ~ estrutura de sentimento — da postura masculina, corporal, Westerida e associada a favela e aos seus cédigos culturais préprios, onde o enguete nao tem vez e ‘dar a testa’ a poticia é "barzil" Na circulagéo entre Ws diferentes registzos culturais ~ que interpretam-ve reciprocamente — ificado da postura parece se realizar Por diversas vezes aqui fiz referéncia a “Vida Loka’, ao estilo “Vida Lokat Oiliaos préprios sujeitos "Vida Loka”. Assim como expresséoaparece nas misicas Wola citadas. Ora, “Vida Loka" ¢ uma categoria da modernidade periférica Bfasileira que opera como uma “estrutura de sentimento” (PINHO, ROCHA, 2011; WILLIAMS, 1979) em diversos contextos, e como proxy de identidade G8 Bairos patres de Saivedar 68 Grupamentospalciais. 187 Perigoso ciel nao-recomenitivel. Btbucarin.ce -0 yPossive. suerTo NERO NA FoRWAGAG SOCIAL EASIER Materiati¢n no moxlo de vestir, “Cyclone” ou bond verde humlnoso, ex {oriinada hexis corporal, “hotar a base’; ¢ em win determinado conjunto de orinas subjetivadas dan contradig6es politicas que #80 impostas negros e favelades btasileiros sob a dominio da necropolitica e eidio aca, No meromente in reflexo aubetiv, mas a prépria io de uma gramaticalidade subjetiva que é a propria realizagaa de si Brim aulelto enrulitaco, bison da vice de eta tena la forma mercadoria, funk cacioca, e encontra sua estrutura estético-formal mais elaborada Podtica de Mano Brown, e no eléssico supremo do repertério artistico filtural do rap e das “quebradas” brasileiras, “Vida Loka Parte I’, sintese Magistral da estrutura de sentimento bandica’, que é a excruciante percepeao bjetiva de exctusio e submissdo “ultramoderna’ (PINHO, 2010) ao mundo violencia e abandono, que empresta ao real a qualidade alucinatéria de Juin pesadelo tornado realidade sociolégica: Ti cturmo pronto pra guerra ti ndo era assim, ett tenho édio fei 0 que é mau pra mim er 0 que, se é assim ja loka cabulosa O cheiro de pélvora B eu prefiro rosas. A cangio fala de morte, viléneia, dinheiro e poder: “Em So Paulo, Deus {uina nota dé cern’. como Eduardo Rocha aponta, o procedimento poético implica fom uma producéo subjetiva (re)poitizada, ‘ce objeto coisificado a sujeito politic’, ‘i talvez sujeito polttico-poético, porque pér-se na posicée de um sujeito, em. meio fs contradigoes do Capital e da violéncia na maior e mais rica cidade brasileira, Spica em inventar uma nove linagen, Como Eaverdoapontao Via Lala! $0 personage, dirfamos persona cultural, de maior sucesso « apelo no Bros férico e no exageramos aa dizer que o uso da categoria, © a proposicéo Brtidaceaifundense racionalmente a petit a a Definindo o sujeite, menos que a atitude ou a categoria, Eduardo Rec! Mliz, por fim, que o Vida Loka pode ser consideraco como: um sujeito que age alten do limite que e lei permite que a sociedade julga como certo e, por isso mesmo, € ‘Reosso em: 0S abr. 2015. HARBARA, Vanessa, Whose Mall Is It? 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Esse risco — algo que iro é estranho para se acostumar e dificil para “‘digerir’ ~ faz, sncia das maes negras desde o sequestro em Africa e se alastra We forma profunda nos bairros periféricos até os dias de hoje. Nesse texto busco apresentar, dentro dos limites propostos, alguns

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