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Tradug¢do. Um Manuscrito de Kant Recém-Descoberto Arevista O que nos faz pensar publica neste ntimero pela primeira vez em portugués um manuscrito recentemente descoberto de Immanuel Kant intitu- lado « Sobre o Sentido Interno ». « Sobre o Sentido Interno » é um dos dois Mmanuscritos cuja redescoberta foi anunciada em 1986 pela Biblioteca Puiblica do Estado Salticov-Stschedrin, de Leningrado — por isso chamados « Folhas Soltas de Leningrado I e II ». A transcricao do manuscrito aqui reproduzida foi feita por Werner Stark e publicada — ao lado da traducdo russa — pela primeira vez por W. Stark, Reinhard Brandt e Arsenij Gulyga na revista Woprossy Filosofti (4, 1986). O segundo mauscrito foi publicado na revista Kant-Forschungen (vol. I, 1987, pp. 31 ss).” « Sobre o Sentido Interno » nao traz nenhuma indicagdo sobre sua data de redagao, mas provavelmente foi escrito entre os ultimos anos da década de 1780 e os primeiros da década de 1790, pois datam desta época varias reflexdes de Kant dedicadas a refutacdo do idealismo.” Agradecemos a cooperacdo da editora Felix Meiner, que nos permitiu publicar a transcricdo e a tradugao do manuscrito e agradecemos ao professor Valério Rohden, pela revisio da traducao. Ver a « Nota Histérica » de R. Brandt publicada em traducio na Reoue de Théologie et de Philosophie (119, 1987), junto da traducio francesa do manuscrito. ** As refutagdes do idealismo feitas por Kant depois da segunda edicio da Critica da Razio Pura encontram-se no volume XVIII da edigéo da Koeniglich Preussischen Akademie der Wissenschaften da obra kantiana. Sio as reflexdes 5653-54 (pp. 306-313), $709 (p. 332), 6311-12 (Kiesewetter, pp. 607-613), 6313-16 (pp. 613-623), 6319 (p. 633) e 6323 (p. 643). O que nos faz pensar, n* 3, Setembro de 1990 Loses Blatt Leningrad I Vom inneren Sinne’ ‘Immanuel Kant Vorderseite / (Es) (* Die Zeit) ist das blos Subjective der Form der inneren Anschau- ung so fern wir von uns selbst afficirt / werden (* was) [und] daher nur die Art enthalt wie wir uns selbst erscheinen nicht wie wir / sind. Wir kénnen uns namlich nur die Zeit vorstellen indem wir uns durch die / 5 Beschreibung des Raums und Auffassung des Mannigfaltigen seiner Vor- stellung afficiren. / [und wir] durch das intellectuelle Bewutseyn stellen wir uns selbst vor aber wir er- / kennen uns gar nicht weder wie wir erscheinen noch wie wir sind und der Satz : Ich / bin ist kein Erfahrungs- satz sondern ich lege ihn zum Grund bey jeder Wahrnehmung und um / Erfahng zu machen. (Er ist auch kein Erkentnissatz.) Bey der inneren Erfahrung aber die ich an- / stelle afficire ich mich selbst indem ich die 10 Vorstellungen duGerer Sinne in cin empirisches / Bewuftseyn [bringe um] meines Zustandes bringe. Dadurch erkenne ich mich selbst aber nur so fern / ich {affic] durch mich selbst afficirt bin wobey ich mir nicht so fer Erscheinung bin als ich mich / selbst durch Vorstellungen auGerer Sine afficire ([dannj diese sind [diese] Vorstellungen [die] von Erscheinungen) / denn das ist Spontaneitat, sondern (*sofern) ich durch mich selbst afficirt werde denn das ist [x] Receptivitet / Der Raum ist namlich die Vorstellung 15 auBerer Gegenstande in der Erscheinung. Allein [diese / Vorstellung] die + © Felix Meiner Verlag GmbH, Hamburg 1987. Kan!-Forschungen, vol. 1, pp. 18-21. Os sinais empregados na transcriqao so os seguintes : 7: indica comego de linha indica passagem em letras latinas latinas (no géticas) indica passagem sublinhada indica passagem riscada ou reescrita indica conjetura indica acréscimo sobre ou sob a linha Folhas Soltas de Leningrado I Sobre o Sentido Interno’ Immanuel Kant Frente / O tempo é o meramente subjetivo do modo da intuicdo interna, na medida em que somos afetados por nés / mesmos, e por isso ele encerra apenas a forma como nés aparecemos para nés mesmos, ndo como / somos. De fato, nds s6 podemos nos representar o tempo ao nos afetarmos. pela / descricfo do espaco e pela apreensao do miiltiplo de sua repre- sentacdo. / Através da consciéncia intelectual nés nos representamos para nds mesmos, mas nao / nos conhecemos nem como aparecemos nem como somos, € a proposigéo / « Eu sou » nao é nenhuma proposicdo de experiéncia mas, melhor dizendo, eu a coloco como fundamento a cada percepcdo para realizar a / experiéncia. (Ela tampouco é uma proposicio de conhecimento.) Mas no caso da experiéncia interna que eu / realizo eu afeto a mim mesmo ao trazer as representacées dos sentidos externos a uma / consciéncia empirica do meu estado. Deste modo eu me conheco, mas apenas na medida / em que sou afetado por mim mesmo. Em virtude disto, eu ndo sou tanto uma aparéncia’ para mim mesmo na medida em que / eu me afeto através de representacdes dos sentidos externos (estas sao representaces de aparéncias) / — pois isto é espontaneidade — mas, melhor dizendo, na medida em que eu sou afetado por mim mesmo, pois isto é receptividade. / De fato, 0 espaco é a representacdo de objetos externos na aparéncia. S6 que / a apreensdo sintética dessas representacGes + Ossinais empregados na traducio so os seguintes : indica comeqo de linha (aproximadamente) itdl,: indica passagem em letras latinas (termos latinos comegam com maitiscula para se diferencarem do correspondente alemio, p. ex. Gegenstand = objeto e Objekt = Objeto) negy. : indica passagem sublinhada (): indica acréscimo sobre ou sob a linha ‘As notas do tradutor se encontram ao finat do texto. 5 100 Immanuel Kant (* synthetische) Apprehension dieser Vorstellungen {in] zu einem Be- wuBtseyn des Zustandes meiner / Vorstellungen blos die subjective Form meiner Sinnlichkeit / ist wie ich mir selbst vor dem inneren Sinne erscheine. — Hieraus ist zu sehen da& / wir keinen inneren Sinn haben 20 wiirden und unser Daseyn nicht in der Zeit bestimmen kiénnten / wenn wir keinen dugeren (wirklichen) Sinn hatten und Gegenstande im Raume als von uns unter- / schieden uns vorstelleten — / Man muf& die reine (transsc :) Apperception von der empirischen apperceptio percipientis von der apperceptiva / percepti unterscheiden. Die erste sagt blos ich bin. Die zweyte ich war, ich bin, und ich werde seyn d. i. ich bin ein / Ding der Vergangenen der Gegenwartigen und Kiinftigen [seyn] Zeit wo dies Bewuftseyn ich bin allen Dingen Bestimmung meines / Daseyns als GrdGe gemein ist. Die letzere ist cosmologisch die erste rein psycologisch. Die 25 cosmologische apperce / welche mein Daseyns als GréGe in der Zeit betrachtet setzt mich in Verheltnis gegen andre Dinge die da sind / waren und seyn werden denn das Zugleichseyn ist keine Bestimmung des Wirkli- chen in Ansehung des percipientis / sondern des percepti weil [alle Wahmeh- mung in] das Zugleichseyn nur an dem vorgestellt wird was rikwerts / [in Ansehung der Vergangenen Zeit] eben so wohl als Vorwerts percipirt werden- den kan welches nicht das Daseyn / des percipientis seyn kan die nur successio 30. d. i. vorwerts geschehen kan :— Was gegeben sey muf ehe es / gedacht wird wird nur als Erscheinung gegeben. Mithin eine cosmologische Existenz ist nur die Existenz eines Dings / in der Erscheinung. Unmittelbar bin ich mir selbst nicht ein Gegenstand sondern nur der so [de] einen Gegenstand warnimt. / Nur so fern ich Gegenstande in der Zeit apprehendire und Zwar Gegenstinde des Raumes bestime ich mein Daseyn in / der Zeit — da8 ich mir meiner a priori als in relation gegen andre Dinge noch vor derception 35, derselben bewust / werden kéne folglich meine Anschauung als eine auGere vor dem Bewuftseyn meines Eindrucks zum selben BewuBtseyn gehére ist . nothwendig Riickseite 1 / denn der Raum ist das Bewuftseyn dieser wirklichen Relation. Ob ich gleich hier afficirt werde so ist doch kein / Schius néthig um daraus das Daseyn eines au&eren Objects zu schlieZen weil es zum BewuStseyn meines / eigenen Daseyns in der Zeit also zum empirischen Selbstbewubtseyn (des Zugleich seyns) erfordert wird und / ich also es eben so erkenne als mich selbst. Ich bin mir meiner Selbst als Weltwesen unmittelbar und ur- / spriinglich bewust und eben dadurch allein ist mein 5 eigen Daseyn nur als Erscheinung bestimmbar als GroRe in der Zeit / Um der Existenz eines Einzelnen mir bewust zu werden dazu gehért ein Schlus aus wenigen im Raum bestimten / Vorstellungen da aber tiberhaupt etwas ausser mir existire beweiset die Raumesanschauung Sobre o Sentido Interno 101 em uma consciéncia do estado de minhas / representacées esté vinculada ao tempo, cuja representagdo é simplesmente a forma subjetiva de minha sensibilidade, / como eu aparego para mim mesmo diante do sentido interno. — Dai se pode ver que / nés ndo teriamos nenhum sentido interno, nem poderiamos determinar nossa existéncia no tempo / se ndotivéssemos 20 nenhum sentido externo (real) e no nos representdssemos objetos no espago como / distintos de nés. / preciso diferenciar a apercepcdo pura (transcendental) da empirica, apperceptio percipientis de apperceptioa / percepti®. A primeira diz simples- mente eu sou. A segunda diz « eu era, eu sou e eu serei », isto é, eu sou uma / coisa do tempo passado, presente e futuro, onde esta consciéncia, « eu sou », 6 comum a todas as coisas enquanto determinagées da.minha / existéncia como grandeza.‘ Esta tiltima 6 cosmolégica, a primeira 25 puramente psicolégica. A apercepcao cosmolégica / que considera minha existéncia.como grandeza no tempo me pée em relagdo com outras coisas que existem, / existiam e existirao, pois a simultaneidade ndo é nenhuma determinacao do real com respeito ao percipiens, / mas antes com respeito ao perceptum, pois a simultaneidade s6 é representada naquilo que tanto pode ser percebido para trés / como para frente, 0 que ndo pode ocorrer com a existéncia / do percipiens, que s6 pode se dar sucessivamente, isto 6, 30 para frente : — O que tem que ser dado antes de / ser pensado sé é dado como aparéncia. Portanto, uma Existéncia cosmolégica é apenas a Existén- cia de uma coisa / na aparéncia. De uma maneira imediata, 0 que sou para mim mesmo nao é um objeto, mas apenas aquele que percebe um objeto. / Esomente na medida em que eu apreendo objetos no tempo e, na verdade, objetos do espago, que eu determino minha existéncia no / tempo — é necessdrio que eu possa tornar-me consciente de mim mesmo a priori como estando em Relagao com outras coisas antes mesmo da / percepcao destas; 35 conseqtientemente, & necessdério que minha intuigéo enquanto externa pertenca 4 mesma consciéncia, antes da consciéncia de minha impressio, . _ Verso : / pois o espaco é consciéncia desta Relagio real. Embora eu aqui sejaafetado, 1 nao € contudo / necessdrio nenhum raciocinio para concluir disto a existéncia de um objeto externo, pois esta é requerida para a consciéncia de minha / )pria existéncia no tempo, portanto para a autoconsciéncia empirica da simultaneidade, e / deste modo eu a conhego téo bem como a mim mesmo. Sou consciente de mim mesmo imediata e / originariamente como um serdo 5 mundo, e precisarente por esta inica raz4o minha existéncia é determindvel apenas como aparéncia, como grandeza no tempo. ~ / Para que eu me torne consciente da Existéncia de algo singular é neceséria uma dedugio a partir de umas poucas representagdes determinadas no espago; / mas que algo em geral fora de mim existe é demonstrado pela 102 Immanuel Kant ein Schlus aus wenigen im Raum bestimten / Vorstellungen da aber iiberhaupt etwas ausser mir existire beweiset die Raumesanschauung selbst welche nicht aus / der form des auSeren Sinnes und ohne diesen auch nicht aus der Enbld. Kraft entspringen kan folglich als ein wirklich / auerer Sinn seine Méglichkt auf etwas ausser uns griindet. Afficirt zu 10 werden setzt nothwendig etwas duGeres / Voraus beruht also durchaus auf einem Sinne. Da wir uns selbst afficiren konnen (welches doch wenn tiberhaupt / ein Sinn existiren soll wenigstens mu8 angenommen werden) ist nur dadurch méglich da wir die Vorstellungen [selbst] / apprenhen- diren von Dingen die uns afficiren d. i. die von au@eren Dingen denn dadurch afficiren wir uns selbst / und die Zeit ist eigentlich die form der Apprehension der Vorstellung welche sich auf etwas ausser uns beziehen / Die Schwierigkeit liegt eigentlich darin da® nicht begriffen werden 15 kan wie ein auGerer Sinn / moglich sey (der Idealist mu8 ihn laugnen) denn das 4u@ere mu& vorher vorgestellt, / werden ehe ein Object hineingesetzt wird. Hatten wir aber keinen auGeren Sinn so hatten wir auch / keinen Begrif davon, Da@ aber etwas duGeres meiner Vorstel- lung correspondire und den Grund / der Existenz derselben enthalte kan keine Wahrnehmung seyn muf also blos in der Vorstellung des / Raums als einer form der Anschauung liegen die nicht vom inneren Sinn abgeleitet werden / kan worin die Verbindung oder das Verhalt- 20 nis der Dinge die voneinander unterschieden sind / gedacht wird. Der Grund dieses nicht fiir eine blos innere Bestimmung und Vorstellung, seines / Zustandes zu halten ist weil diesem das Beharrliche in dem Wechsel der Vorstellungen fehlt. / Das BewuBtseyn unserer Receptivitit in Ansehung der inneren oder dueren Bestimmungsgrinde unserer Vorstellung und der mit / ihr verbundenen Form sinnlicher Anschauung mug a priori in uns statt finden (ohne auf die letzeren aus wirklichen / Wahrnehmungen schlie- 25 Gen zu diirfen weil sonst der Raum nicht a priori vorgestellt werden wiirde, der von / keinen inneren Bestimmungsgriinden der Vorstel- lungskraft abgeleitet werden kan weil alles an ihm als auGer uns vorgestelit / wiirde und es unméglich ist sich Vorstellungen im Raum existirend zu denken folglich der innere Sinn nie- / mals [solche] Raumesvorstellungen geben kénnte weil es wenigstens / méglich seyn muf sich solcher vorstellungen als zum inneren Sinn gehérig bewust 30 zuwerden — Daf / es also keine au®eren Sinn gebe sondern blos [entweder] innerer Sinn und allenfals noch Schlii8e aus den / wirkli- chen Wahrnemungen desselben auf etwas ausser uns ist unméglich weil sonst gegenstinde des Inneren Sinnes / (Vorstellungen) auch als im Raum miiften [ange] gedacht werden. Sobre o Sentido Interno 103 propria intuigéo do espago, que ndo / pode surgir da forma do sentido externo e tampouco, sem este, da imaginagao. Conseqiientemente, como um sentido externo / real, ele tem o fundamento de sua possibilidade em algo exterior a nés. Ser afetado pressupSe necessariamente algo exterior, / repousa portanto 10 totalmente sobre um sentido. Que nés possamos afetar a nés mesmos (0 que, contudo, é o minimo a ser admitido / se um sentido, em geral, deve existir) s6 & possfvel pelo fato de que nés apreendemos as representagées / das coisas que nos afetam, isto é, representagdes de coisas externas, pois deste modo afetamos a nés mesmos / e o tempo 6, propriamente, a forma da apreensio das Tepresentagdes que se referem a algo exterior a nés. / A dificuldade reside propriamente nisto : nao se pode compreen- der como é possivel um sentido externo / (0 idealista tem que nega-lo), pois o exterior tem que ser representado / antes que um Objeto seja ai 15 inserido. No entanto, se n6s no tivéssemos nenhum sentido externo, também ndo teriamos / nenhum conceito dele’, Mas que algo exterior corresponda 4 minha representagdo e encerre 0 fundamento / da sua Existéncia nio pode ser nenhuma percepgdo, deve portanto residir simplesmente na representagdo do / espago como uma forma da intuigao que ndo pode ser derivada do sentido interno / e na qual é 20 pensada a ligag&o ou a relacdo entre coisas distintas / umas das outras. Arazo para ndo tomarmos por uma mera determinagao intemae uma mera representacao do seu / (i. é, do sujeito) estado é que falta a este estado a permanéncia através da mudanga das representacGes. / A consciéncia de nossa receptividade com respeito aos fundamentos internos ou externos da determinagio de nossa representagdo, e / da forma da intuigdo sensfvel ligada a esta receptividade tem que ter lugar a priori em nés (sem que possamos concluir esta forma da intuicao a partir de percepgoes / reais, 25 pois de outro modo o espaco nao seria representado a priori. Este / nao pode ser derivado a partir de nenhum fundamento interno de determinagao da faculdade de representacao, pois tudo o que lhe concerne seria representado / como fora de nés, e é impossivel pensar representagbes existindo no espago. Conseqiientemente, o sentido interno / nunca poderia nos dar representagdes espaciais, 0 que contudo bem deveria poder ocorrer, pois deve ser / possivel pelo menos tornarmo-nos conscientes de tais representagdes como pertencendo ao sentido interno). — £ / portanto impossivel que nao haja nenhum sentido 30 externo, mas simplesmente sentido interno e, principalmente, 6 impossivel concluir / a existéncia de algo exterior a nés a partir de percepgdes reais deste sentido interno, pois ento objetos do sentido interno / (representaqdes) também teriam que ser pensadas como estando no espaqo. 104. Immanuel Kant’ Notas 1 « Aparéncia » : Evscheinung. Erscheinung, em Kant, tem o sentido de designar simplesmente aquilo que se mostra aos homens, o objeto de uma intuigho empirica ainda nao submetido a reflexdo. A tradugfo literal por « aparicdo » ou « manifestagio », no entanto, n4o se mostra ser a melhor, jé que « aparéncia » é um conceito da tradigo filoséfica que est sendo discutido aqui e em outros momentos da obra kantiana. Para designar mais especificamente 0 objeto de uma cognigSo possivel, submetido a categorias, Kant reserva o termo latino correspondente Phaenomenon. No entanto, mais significativa do que.a distingdo entre Erscheinung e Phaenomenon sho as oposiqdes entre Erscheinung ¢ Schein, Phaenomenon e Noumenon. Os conceitos de « aparéncia » e « fenémeno » abarcam o Ambito da realidade, no qual tanto a verdade como 0 erro so possiveis. No entanto, mesmo uma percepgdo errénea se da sobre um fundo de verdade (de existéncia). No ambito dos objetos de pensamento (Noumena), porém, coloca-se a possibilidade de uma aparéncia totalmente falsa, isto 6, de uma ilusdo (Schein). Assim, podemos traduzir o termo Erscheinung por « aparéncia », de acordo com a intengio original de Kant de empregar um termo ndo técnico, ao mesmo tempo preservando.a conexdo entre aparéncia e verdade, mais do que entre aparéncia e erro ou ilusdo. 2. « Real » : wirklich. Aqui, como em outros escritos, Kant usa a forma alema (em vez da latina) quando quer dar um uso mais abrangente e menos qualificado a um termo. Wirklick significa « real » no sentido de « efetivo » ou « dado », enquanto real, em geral, se refere a representagdes, indicando que elas tém referéncia ou validade objetiva (na Critica da Razéo Pura, espago e os esquemas tém Realitdt). © uso somente da primeira forma do adjetivo parece indicar apenas que os argumentos idealista e solipsista precisam negligenciar certos dados imediatos de experiéncia (« sou cons- ciente de mim mesmo imediatamente como um ser do mundo »). 3. Apperceptio percipientis : apercepcao do percipiente (daquele que percebe). Apper- ception percepti : expresso errada ou incompleta. Pode ser compreendida como apper- ceptio percepti (apercepcdo de perceptos) ou facultas apperceptiva percepti (faculdade aperceptiva de perceptos). No tltimo caso sigo a sugestéo de Georg Mohr e Gehard Seel no comentdrio da jé mencionada tradugio francesa. 4 «Grandeza » : GréBe. De acordo com os « Axiomas da Intuicdo » (Critica da Razio Pura) uma. aparéncia é algo suscetivel de medida quanto & sua posic&o no espago e duracao no tempo — isto é, 6 uma grandeza. A minha propria existéncia também & apreendida como grandeza (duracSo). Cada pensamento e cada representagio sio acompanhados por uma consciéncia (« apercepgdo transcendental ») que me diz que eu sou aquele para quem algo aparece e que pensa alguma coisa. Kant est aqui polemizando com o « idealismo problematico » de Descartes, e reduzindo o peso do cogito cartesiano ao afirmar que a apercepgio transcendental nunca poderia dar nenhum objeto ou autopercepgio do sujeito, mas & simplesmente 0 « eu sou » que acompanha todas as minhas representagdes. 5 « Dele» : davon. Pode referir-se tanto ao sentido externo como ao « exterior » (linha 15), Tradugdo e notas de Claudia Drucker

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