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Seminario IGREJA Fresbiteriano do PRESBITERIANA Sul desde (006 DOBRASIL Sa TEOLOGIA DO CULTO! APOSTILA DAS AULAS CURSO DE BACHAREL EM TEOLOGIA PROF. REV. DONALD BUENO MONTEIRO 2010 CAMPINAS - SP SUMARIO Introdugao DELIMITANDO A AREA A 1 CULTOE ADORAGAO: PANORAMA BIBLICO] 5 1.1 O sistema sacrificial e o Templo 5 1.2 O hinério judaico: o livro de Salmos Zz 1.3. A Sinagoga 7 1.4 Arelagao entre os dois Testamentos 9 2 CULTOEADORAGAO: PANORAMA BIBLICO Il 10 2.1 Os Evangelhos 10 2.2 Allgreja Primitiva 12 2.3 Algumas caracteristicas 13 3 O SENTIDO DO CULTO E DA ADORAGAO 14 3.1 Palavras chaves 14 3.2 Principios basicos 15 3.3. Definindo culto e adoragao 16 3.4 Dimensdes da adoragao 17 4 O DESENVOLVIMENTO HISTORICO 19 4.1 Os primeiros registros 19 4.2 Momentos histéricos significativos 20 4.3 O desenvolvimento da hinologia 22 44 O.culto no final da Idade Média 24 5 AREFORMA PROTESTANTE E 0 CULTO | 25 5.1 _Lutero eas reformas litirgicas 25 5.2 Acontribuigdo de Lutero a hinologia 27 5.3 Zuinglio e sua reforma radical 27 6 — AREFORMA PROTESTANTE E 0 CULTO II 29 6.1 Calvino e suas fontes 29 62 As liturgias calvinistas 30 6.3 Os elementos do culto 31 Anexo1 Comentarios sobre a liturgia de Calvino 33 Anexo2 — Oeensino da CFW sobre o culto 39 Anexo 3 Culto com Salmos 47 3". Edig&o Introdugao, Capitulos 1 a 3, revisados em 2010 Capitulos 4 a 6, texto de 2000 Anexos, acrescentados em 2012. Para uso dos alunos do SPS Seminario Presbiteriano do Sul E Vedada a reproducao parcial ou total do contetido desta apostila sem autorizagao Por escrito do autor. INTRODUGAO Delimitando a drea Aqui estamos nés, para um ano de estudos. O que faremos? O que seré estudado neste ano, nesta matéria? A primeira parte da resposta é negativa: ~ 0 estudo de TEOLOGIA DO CULTO nao € mera investigagdo de dados histéricos, ou de discusses estéreis do pasado a respeito do culto de entdo, ou de liturgias antiquissimas perdidas nas dobras dos livros de historia eclesidstica. O nosso estudo no consiste em eseavar rages antigas, linguagens arcaicas ou coisas parecidas, para propor a incluso delas em nnossos cultos. Em segundo lugar, positivamente, seremos guiados por uma pergunta aparentemente simples: Como os eristdos, em diferentes épocas ¢ culturas, tém cultuado a Deus? O que podemos aprender? Como distinguir 0 que é permanente do que é peculiar a.um determinado tempo? 1. O ponto de partida © ponto de partida proposto é, pois, 0 exame das celebragdes que os cristios tém desenvolvido em diferentes momentos hist6ricos. O significado das partes, a fundamentago teoldgica, a fidelidade 4 Escritura... estes sero alguns Angulos que nortear’o nossa reflexdo. Como justificar esta proposta? 1. 0 culto é um momento central na vida da comunidade crist@. O encontro dos eristdos para um momento de culto e adoragio ndo pode, sob qualquer hipétese, ser considerado como de menor importincia. A adoragdo é uma atividade comunitiria. © povo de Deus se reiine para cultuar a Deus, para Lhe prestar homenagem. Esta é devida somente a Ele, 0 Criador de nossas vidas e Senhor. Nao pensemos em polarizagdes, tipo “ou isto ou aquilo”, opondo o culto piblico e 0 culto individual; pensemos em conciliagdes: 0 culto comunitario nao exchii © culto individual. Na verdade, tanto um quanto 0 outro sio essenciais, e se complementam. 2. 0 culto é convergéncia, Para ele convergem os prineipios e ensinamentos que so objeto de muitas outras matérias do curso tealégico. Exemplificando: na Teologia aprendemos sobre um Deus trinitério, a quem cultuamos; também somos advertidos de que somente alcangamos o perdio de pecados pela graga. A Etica considera questdes que inquietam o coragiio do adorador: “como perdoar 0 meu proximo?”, “pequei, e agora?”. A Poiménica chama a nossa atengo para o aconselhamento e, consequentemente, ¢ preciso saber se seri possivel receber de Deus, durante o culto, orientagao sobre como agir em dada situagio. A Evangelizago enfatiza o anincio da salvagio em Jesus, 0 apelo a uma decisiio. Nao apenas no sermio, mas também no uso feito de sentengas da Escritura durante o culto esto presentes prineipios de interpretag2o biblica sélidos ou deficientes, ¢ abordagens gue trazem solugGes realistas ou fantasiosas para os problemas da vida. Per Sees agdee rs area ee enrantne eerste © Ser een SREP ropne vr ORI eS Cc STR 3. O culto é irrigador. A participagao na adoragdio comunitiria visa irrigar a vida do crente, alimentando sua vida e dando sustentagdo & vida comum do dia-a-dia. Dois textos de hinos que sto ilustrativos: | OCULTO TERMINOU FINDO 0 CULTO O culto terminou, ja nos vamos retirar, Meu Senhor, tu vens comigo, Senhor, que a Tua bengao nos venha acompanhar. Dando alento e diresao. Voltamos ao trabalho com Deus no coraeo, Pois ld fora o mundo é selva 9 culo terminou, comecou nossa missio, De perigo e tentagio; | Senhor, que 0s nossos atos te provem nosso amor, _E eu preciso, amado Mestre, transformando nossas vidas num hino de louvor. De poder e protegi (rene Gomes, Paigbes Paulas) (Wemer Kaschel, HCC 271, estr2) 2. Regras e principios O culto prestado a Deus segue alguns prineipios. O mais basico deles é a suficiéncia da Escritura para determinar 0 contetido do culto. A Confissao de Fé é clara: © modo aceitivel de adorar 0 verdadeiro Deus € instituido por ele mesmo, ¢ € tio limitado pela sua vontade revelada, que nao deve ser adorado segundo as imaginagées @ invengdes dos homens ou sugestdes de Satanés nem sob qualquer representagio visivel ou de qualquer outro modo ndo prescrito nas Santas Escrituras. (CFW XXI.1) Isto jé ajuda a perceber que a anilise de diferentes maneiras de culto encontradas na histéria consideraré a fidelidade as Santas Escrituras como um preceito fundamental Cabe a0 pastor que & ministro do evangelho da Tgreja Presbiteriana do Brasil tarefa bem especifica: CHAP: Art. 31 — Sto fungdes privativas do ministro: 4) orientar e supervisionar a liturgia na Igreja de que é pastor. © Supremo Coneilio de 1951 promulgou um documento com orientagdes para o culto, denominado Principios de Liturgia. As orientagdes nele presentes sto gerais e nao detalhistas, nisto diferindo do documento preparado pelos membros da Assembléia de Westminster € chamado de Diretdrio do Culto. 3. O coordenador das atividades litirgicas Sendo o pastor o responsivel pela diregdo dos cultos de sua Igreja, cabe-the coordenar as atividades co-relacionadas: miisica, conjuntos musicais, programas para datas especiais, cultos especificos( casamentos, funerais, ages de graca etc). O pastor, para bem desempenhar suas tarefas, necesita, pelo menos, de: Pessoal habilitado: so as pessoas na comunidade que auxiliam 0 pastor na direg&o do culto, no seu preparo, no céntico dos hinos, na apresentagdo das misicas, no preparo do santuario. (Uma breve enumeragéo: presbiteros, diéconos, organistas, instrumentistas, cantores, integrantes de conjuntos, zeladores, regentes.) Havendo poucas pessoas em condigdes de desempenhar tais tarefas, o pastor, em conjunto com o Conselho, pode desenvolver maneiras para preparar ¢ treinar colaboradores. ‘Tempo: é 0 espago dado pelo pastor, dentro de sua agenda, as questdes relacionadas com a vida ciiltica de sua comunidade. Isto envolve nao apenas 0 preparo da liturgia, mas também reunides estudos com a lideranga, no sentido de melhor prepara-la para o desempenho de seu servigo. Preparo: este tem inicio no curso teolégico. F 0 que faremos neste ano. Continua no ministério, pela descoberta das “lacunas” e pelo esforgo de preenché-las. Implica em um nicleo basico de conviegdes teoldgicas, informagdes e experiéncias. Na verdade, aquele que ingressa em um Semindrio nfo deve voltar sua atengio apenas para o aprendizado de “técnicas”. Estas incluem o preparo de um sermao ou de uma ligdo, a diregao de uma igreja em geral e de seu conselho em particular, a identificago de problemas ¢ © aconselhamento dos crentes...e muitas outras. Primordialmente, ele esta ali para captar uma nova “leitura da realidade”, alargando sua compreensio de Deus, de si mesmo, de seu proximo ¢ do Universo. Na medida em que o estudante apreende isso, ele poder’ usar com liberdade as téenicas aprendidas. Nao seri eseravo delas, nem elas sero instrumento para a manipulago do rebanho. Adequada a opinitio de Robert H. Mitchell: Um pastor nao precisa ser habilidoso musicalmente, mas precisa conhecer as questdes que afetam a miisica da igreja. Nao & imperative que o pastor seja capaz. de ler ‘misica, ou reger um coral, ou saber como escolher as misicas do coral. E importante que ele saiba tratar de questées tais como: “Por qué ter um coral?” Espera-se que a Fesposta seja mais sofisticada e teolégica do que, por exemplo: “Acrescenta maior Variedade ao culto”, ou “Prepara as pessoas para o sermo.” ' Um ponto, portanto, que o pastor devera considerar durante toda sua vida ministerial & a necessidade de partir - sempre - de uma base ou fundamentago teolbgica para 0 que pretende realizar. Isto se opde & atitude pragmética tio em moda: “Deu certo, vamos fazer de novo”. E muito esclarecedor 0 comentario de Martin Lloyd-Jones, a respeito da atitude do Apéstolo Paulo, dizendo: Nada é mais notavel acerca do Apéstolo Paulo do que o variado cariter do sew ministério. Ele foi ao mesmo tempo evangelista e pregador, fundador de igrejas, ‘teélogo © mestre, ¢ também um pastor bondoso e compassivo. Suas exposigdes das grandes doutrinas da fé cristi sto incompardveis; mas igualmente notivel é © modo pelo qual ele mostra e elabora as implicagdes dessas doutrinas. Ele se interessava tanto pela aplicagao quanto pela exposi¢io porque, como constantemente acentua, © cristianismo € viver - nao mera filosofia ou ponto de vista. resultado disso € que cle jamais aborda qualquer problema prético da vida crista de maneira imediata ou direta: sempre o faz doutrinariamente. Ele coloca todo problema no contexto do conjunto completo da verdade crista. 7 4. Provisoriamente... O esforgo de definir culto e adoragdo seré desenvolvido mais adiante. (Um cuidado a ser tomado quando do exame de livros e artigos & notar que a palavra inglesa worship comporta os dois significados. Em nossa lingua, a abrangéncia de ambas as palavras tem tragos distintos, de modo que, nem sempre podem ser tomadas como inteiramente sinénimas.) ' MITCHELL, RH; - Ministry and Music. Philadelphia: Westminster Press, 19785 p. 15. Tradugio nossa. * LLOYD-JONES, D.M.; - Vida no Espirito. Sao Paulo: Publicagdes Evangélicas Selecionadas. 1991; p. 9. Uma deserigdo do culto que pode nos servir de guia inicial é: Culto é 0 conjunto dos exercicios religiosos regulares realizados pelo homem em comunidade como resposta & acéo de Deus. A resposta humana que nos interessa analisar é aquela expressa na aproximacio, e nio na fuga. A aproximacao realizada pelo fiel se reparte em diversos aspectos: adoragio, propiciago, confissdo, petigao, louvor, compromisso. seccionamento acima é feito para ajudar na compreensio do complexo fenémeno chamado culto. Evidentemente, ha muitas ocasiées em que estas diferentes atitudes estartio reunidas em um mesmo momento ou num sé gesto. Estes aspectos so, em um certo sentido, distingdes didaticas, as quais, conforme a situago, so iteis para uma andlise mais pormenorizada. Para que os futuros pastores ¢ lideres possam coordenar adequadamente as diversas atividades litirgicas de sua comunidade, necessitam eles observar como o Povo da Antiga Alianga prestava 0 seu culto a Deus. As Escrituras siio a nossa regra de f€ ¢ pratica, a qual deve ser cuidadosamente consultada. 1 CULTO E ADORACAO: PANORAMA BiBLICO I Em seu inicio, a comunidade cristi primitiva era constituida de judeus; conseqiientemente, um exame superficial permitiria concluir que se tratava de mais um grupo dentro do préprio judaismo. Tértulo acusa Paulo de ser “o principal agitador da seita dos nazarenos” (At 24.5). Uma seita, ndo mais que isto. De fato, seus integrantes eram todos piedosos judeus, homens e mulheres, que viam a si mesmos como a continuidade do povo que Deus elegera. Tanto ¢ que continuam a praticar diversos atos peculiares ao culto judaico (veja-se, por exemplo, o gesto de Pedro ¢ Joo, dirigindo-se para a orago da tarde no Templo, At 3.1). Assim, mesmo depois de se ter evidenciado que surgira uma nova fé, uma nova religido, mantém 0 Cristianismo os sinais de sua origem. Por tal motivo, é importante conhecer a adoragio judaica para melhor compreender a adoragiio crista. Na verdade, ainda hoje, encontramos em nosso culto expressGes e demonstragdes de f€ que s6 fazem sentido a luz de costumes e praticas antiqtissimos. As referéncias mais primitivas sobre o culto a Deus, tal como sio mencionadas no livro de Génesis, dio conta de que Deus era adorado no local de sua manifestagio ¢ ndo ha referéncias a sacrificios regulares nem a sacerdécio constituido (Gn 13.18; 14.18-20; 19.18; 33.20). Estas informag6es tém o seu valor; entretanto, as priticas litirgicas da Igreja Primitiva vo se abeberar, de fato, no sistema sacrificial centralizado no Templo e na reunio didético— devocional da Sinagoga. Ensina Ralph P. Martin: “O Cristianismo entrou na heranga de um padro de adoragio jéexistente, forecido pelo ritual do Templo e pela Liturgia da Sinagoga”.! 1. O sistema sacrificial e o Templo 1.1 Os sacrificios, na Velha Dispensagdo, eram parte inseparavel do culto prestado pelo povo de Israel. Na caminhada pelo deserto as Doze Tribos comegam a receber os mandamentos € estatutos que marcariam a sua identidade como nagdo. Desde o Sinai, portanto, 0 culto a Deus ineluiu a pratica regular de sacrificios. Antes de Davi, que da inicio centralizagéo do culto em Jerusalém, a adoragao a Iavé era praticada em diversas localidades, tais como Siquém, Silo, Rama, Gibedo (Js 18.1; 1 Sm 1.3; 7.17). Com a construgao do Templo em Jerusalém, por Saloméo, confirma-se esta centralizagao. O Primeiro Templo fui destruido, mas em seu lugar Esdras e Neemias ergueram nova edifieagdo. Herodes, 0 Grande, foi o responsavel pelo Terceiro Templo, terminado apenas em 64 AD. 1.2 0 livto de Levitico registra a instituigdo de diversos tipos de sacrificios, designados para situagdes especificas. O ponto central é a exigéncia de um Deus santo de que 0 Seu povo também fosse santo: “Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19.1; também 11.45; 20.7, 26). Este livro, ainda, toma evidente que nenhuma pessoa pode ser seu proprio salvador ou mediador. O individuo deve comparecer diante de Deus com arrependimento, confessar seu pecado © obter o perdiio de um Deus misericordioso que repudia 0 pecado mas que demonstra ao pecador Seu amor segundo a alianga. ? | MARTIN, R-P.; Adoracio na Igreja Primitiva, So Paulo: Vida Nova, 1982; p.24, * HARRISON, R. K. Levitieo: introdugaio © comentario, Sao Paulo: Mundo Cristo’ Vida Nova, 1983; p. 29. 1,3 O culto completo a Deus, portanto, podia ocorrer apenas no Templo de Jerusalém. Dai as caravanas de peregrinos que se dirigiam periodicamente a Jerusalém. Grupos de parentes ¢ amigos se reuniam para estas viagens, e 0 faziam cantando, fazendo uso dos canticos que 0 Saltério preserva (Salmos 120-134, CAnticos de romagem). Datas especiais levavam a Cidade Santa os adoradores: Dia de Expiago, Péscoa, Pentecostes, Taberndculos. Como se vé, so reunides que se repetiam anualmente, marcadas por diferentes sentimentos. Por exemplo, a Festa das Semanas, ou Pentecoste, envolvia a jubilosa celebracao da colheita; 0 Dia da Expiagdo envolvia jejuns, oragdes e confissio de pecados. 1.4 Como a adoragao era nitidamente ritual, regulada por cerimdnias exteriores, 0 risco de um formalismo estéril sempre estava presente. Henri Daniel-Rops observa, com propriedade: “O formalismo ou ritualismo pode esvaziar uma religido de sua substincia e reduzi-la a uma observancia mecanica de simples preceitos formais.™ Os profetas repreenderam 0 povo, repetidamente, apontando a falsidade de um culto meramente exterior. Isafas fala duramente a respeito: “De que me serve a mim a multidao de vossos sactificios? Diz o Senhor. Estou farto dos holocaustos de carneiros ¢ da gordura de animais cevados, e nfo me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes.”(Is 1. 11; ver os v-v 10-17) O profeta nfo ataca o sistema sacrificial como le critica 0 falso adorador, que traz. suas ofertas a0 Templo sem emendar a sua vida. Deus tem uma tengo especial para 0 contrito ¢ abatido de corago (Is 57.15), embora também esteja sendo aguardado com ansiedade o dia em que os estrangeiros se chegardio para oferecer holocaustos e sacrificios (Is 56.6,7). O proprio Saltério registra esta tenso: Salmos 40.6-8; 50.7-15. A atividade religiosa que se satisfazia com préticas exteriores é duramente criticada. E necesséria uma adequada disposigdo {ntima do coragdo; afinal, nenhum culto dispensa a realizagdo de atos extemos, pois um culto apenas interior nunca ha de ser coletivo. 5 O comparecimento aos recintos do Templo nao se dava apenas para a participagio nos sacrificios, mas muitos se dirigiam para ele com o propésito de orar. O Novo Testamento da testemunho dessas priticas: Simedio e Ana (Le 2.27, 37), Pedro e Jo8o (At 3.1), além da ambientagdo dada pelo proprio Jesus pardbola do fariseu e publicano (Le 18.10). 1.6 Para o piedoso israelita Deus ¢ 0 Templo se confundiam, se identificavam. Estar no Templo € se encontrar com Deus. Diversos salmos mostram esta vinculago; podem ser citados Salmos 27.4; 42.1,2; 84.1.2. Isto explica a consideragdo quase doentia do povo pela construgao do Templo. Jesus traré uma nova perspectiva: 0 culto no espirito, que dispensa a vinculagdo espacial de Deus com um lugar especifico de adoragao (Jo 4.24). 1.7 O Deus de Israel, que exige sacrificios requer coragao limpo, é um Deus Santo, ‘Transcendente, ¢ um Deus Etico. A visio de Isaias mostra 0 encontro com um Deus tremendo, o Eterno. Os serafins cobrem os seus rostos; contudo, Ele pede a cooperagao de um homem cujos labios sfio impuros (Is 6.1-13). Assim, Deus é experimentado nfo apenas como um ser transcendente, mas também como 0 Autor da Lei Moral que se interessa pelo bem estar de seu povo (SI 80.1). Nunca é demais destacar que, diferentemente das divindades cultuadas ao redor de Israel, Iavé é um Deus profundamente ético, exigindo de scus adoradores conduta compativel com os estatutos da Lei. * DANIEL-ROPS, H.; A vida dria nos tempos de Jesus, Sto Paulo: Vida Nova, 1998; p272. 2. O hinario judaico: o livro de Salmos 2.1 O Saltério é, fiundamentalmente, um hindrio para a adoraco coletiva. Compilado através dos séculos, ele condensa uma grande variedade de experiéncias ¢ reagdes diante da Divindade. O exame dos titulos e das indicagdes para o cAntico mostra este uso litirgico. 2.2 Foram designadas por Davi equipes de louvor que so os cantores cujas tarefas se delimitam conforme o registro de 1 Cronicas 25.1-6. Na dedicagio do Templo de Saloméo vemos os levitas em ago (2 Cr 5.12). O texto do salmo era sempre cantado em uma "sonora cantilena”. Os instrumentos utilizados eram basicamente de trés tipos: cordas, como a lira ¢ a harpa; sopro, como a trombeta, 0 shophar; percussdo, como o tamborim, adufe.* 2.3 A linguagem poética do Saltétio é veiculo excelente para a expresso de sentimentos, inclusive daqueles que uma expresso racional parece ser incapaz de traduzir. A leitura dos salmos permite perceber como é variada a reago humana diante de um Deus Todo Poderoso, ede como também siio variadas as exigéncias que o Eterno faz aos fics. 2.4 Esta linguagem poderosa e profunda dé forma piedade de Israel. © Evangelho de Lucas, a0 registrar os primeiros cdnticos da Nova Dispensagiio, mostra como Zacarias, Maria ¢ ‘Simedo estavam embebidos desta linguagem. E, de fato, 0 Saltério seré a base do culto da nova comunidade, ao Jado de uma hinédia que surgira para expressar um novo encontro com © Deus ¢ Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, 3. A Sinagoga 3.1 Nao ha opinides conclusivas sobre a origem da Sinagoga. Opinam alguns que ela teria se originado no Exilio, a partir de encontros informais para oragiio, leitura e interpretagio da Lei, e dali teria sido trazida para a Palestina nos tempos de Esdras e Neemias. Outros estudiosos acham que a instituigdo da sinagoga é criagdo de Esdras e Neemias. Mais recentemente outra opinido foi levantada: a invengio da sinagoga seria mais antiga, anterior a destruiga0 do Templo por Nabucodonosor ou, até mesmo, relacionada com as “missdes de levitas ¢ sacerdotes” do tempo do Rei Josafi (2 Cr 17.7-9). As provas arqueol6gicas mais antigas vém do Egito, indicando a existéncia de sinagogas ali por volta de 250 a. C. 3.2 A grande eriagio litirgica do judaismo no periodo interbiblico foi a sinagoga. Nela ocorria um eneontro néo-ritual, no qual a adorago se achava separada do sacrificio; entretanto, havia uma clara vinculagdo a0 santuério central visto que as celebragdes da sinagoga era realizadas no mesmo horério das atividades no Templo. 3.3 Em cada vila havia uma sinagoga, e nas cidades, diversas, Os judeus da Didspora possufam sinagogas em Jerusalém, para onde acorriam quando de suas peregrinagdes(At 6.9). Afirma-se que existiam em Jerusalém de 400 a 500 sinagogas na época de sua destruigao (70 AD). Nas vilas a sinagoga govemnava a vida local Eram necessdrios dez homens para que pudesse ser formada, e a nomeagiio de magistrados locais era de sua algada, O administrador mais elevado da sinagoga é descrito nas piginas do Novo Testamento como “chefe” ou “principal da sinagoga” (Me 5.22, 35, 36; Le 13.14). Entre suas atribuig&es estava decidir ‘McCOMMON, P.; A Misica na Biblia, Rio de Janciro: JUERP, 1999; p.68-71 quem iria fazer as leituras ¢ quem pregaria, Seu auxiliar, chamado hazzan, & descrito em Lucas 4.20 como “assistente”. A educagio das criangas se fazia ali, a partir dos 5 anos de idade, ensinadas pelo hazzan. Os alunos tudo aprendiam na Tord, ¢ nada aprendiam fora dela (ver 2 Tm 3.15). 3.4 A sinagoga nao era, estritamente falando, um lugar de adorago, mas uma casa de instrugao. Evidentemente, nfo possuia altar. Os judeus a consideram basicamente como uma casa de oragdo. Uma plataforma ou piilpito para o leitor estava sempre presente, voltada para Jerusalém. Os rolos sagrados ficavam guardados em uma caixa (chamada de febah ou aron/ area), conservados em uma caixa de couro ¢ envolvidos em linho Trés vezes por dia a sinagoga estava aberta para oragdes. No segundo e quinto dias da semana havia uma complexidade um pouco maior, mas era no sbado que a reuniio completa se realizava. O encontro sabatico exigia a presenca de pelo menos sete oficiantes, 3.5 Nao existem registros extra-biblicos sobre a “liturgia” da sinagoga no tempo de Jesus; os dados existentes sdo posteriores. Lucas registra a presenga de Jesus na sinagoga de Nazaré (Le 4.16-21); hé a leitura de uns poucos versiculos, feita de pé, e sua explanacio, feita pelo leitor assentado. Estes procedimentos sto confirmados por descrigdes posteriores da reunifio padro realizada na sinagoga. Os elementos da reunidio eram os seguintes: ~ Shema (em sua forma mais completa inclufa: Dt 6.4-9, 11.13-21; Nm 15.37-41); - Shemoneh Esreh (Dezoito Béngaos), recitado por um homem, de pé diante da arca; 0 povo respondia com Amém); ~ Leitura da Lei, feita por leitor indicado ou convidado pelo hazzan; a Lei fora dividida em 153 segdes, para ser lida em trés anos; cada versiculo, lido em hebraico, era traduzido; - Comentérios ou breve exposigdio da leitura feita; ~ Leitura dos Profetas; ~ Oragio final © Bengdo (esta, quando havia um sacerdote); em algumas sinagogas havia 0 céntico de Salmos. Algumas autoridades citam a feitura de duas oragdes antes da recitagdo do Shema, denominadas Yotzer (aquele que forma) e Ahabah (amor). Desta iltima traduzimos, com certa liberdade, o texto inglés encontrado na obra de Evelyn Underhill: Com grande amor Tu nos amaste, 6 Senhor nosso Deus; com grande e super abundante misericérdia ‘Tu tens tido piedade de nés; 0 nosso Pai, nosso Rei, por amor de nossos pais, que confiaram em Ti, € a quem Tu ensinaste os estatutos da vida, sé gracioso para conosco, também, e ensina-nos. Ilumina nossos olhos em Tua Lei, € permite que nossos coragdes se apeguem aos Teus mandamentos; ¢ une nossos coragdes para amar e temer Teu Nome, para que nés nunca caiamos em confusao. Pois Tu és um Deus que opera a salvagiio; e nos escolheste de cada povo e lingua, e nos aproximaste de Teu grande Nome em fidelidade, para dar gragas a Ti, e para proclamar Tua unidade em amor. Bendito sejas Tu, 6 Senhor, que escolheste Teu povo Israel em amor!* 3.6 E importante notar que o culto realizado na sinagoga era, basicamente, um encontro para a instruggo na Lei. Contudo, como esta reunido também envolvia louvores ¢ oragGes, ela se S UNDERHILL, E.; Worship. [New York]: Harper®Brothers, 1937; p. 213. tomou em um encontro de culto ou adoragdo. Foi neste ambiente que os primeiros cristios, todos judeus, cresceram; so estes padres que serdo por eles incorporados ao culto da nova comunidade dos seguidores do Caminho. 4A relagdo entre os dois Testamentos 4.1 As prescrigies do Antigo Testamento sobre 0 culto tém, para o cristio, algum carter normativo? Até que ponto as priticas e as imagens veterotestamentérias podem ser seguidas? Estas questdes so importantes porque tém proliferado, ultimamente, priticas litirgicas que retomam elementos do culto descrito no Antigo Testamento. Um exame do tema, através da historia, mostra que ha uma variada gama de posigdes: uns extirpam 0 Antigo Testamento por completo; outros o alegorizam; e ainda outros 0 reduzem a uma “historia de fracassos”. 4.2 Uma posigéo equilibrada leva o cristo a reconhecer que ha continuidade e descontinuidade entre os dois Testamentos. No mais antigo, sio abundantes as promessas, enquanto no outro, temos 0 cumprimento delas. As disposigdes da alianga mosaica tinham elementos que, deliberadamente, iriam caducar; hé um progresso na revelagaio. Deste modo, 0 ritual elaborado deixou de existir quando do nascimento da igreja; deixou também de haver uma tribo especifica a qual competia a condugo do culto e 0 cuidado do santuério. Todas as praticas que eram sombra daquilo que haveria de vir devem, portanto, ser descontinuadas. Manté-las ou voltar a elas ¢ insistir no erro. Em seu melhor aspecto, a vida cilltica deserita no Antigo Testamento envolvia toda a existéncia do adorador; era vida vivida permanentemente diante do Deus Etemo. As situagdes enfrentadas eram muitas, pois em dado momento © coragio do adorador ¢ de todo 0 povo podia se encher de alegria e gratidao, enquanto noutro, sobrecarregados de culpas © pecados, nio restava outra medida a ndo ser derramarem todos 0 coragio aflito diante do Deus Justo. Os Salmos mostram essa variedade de sentimentos; as regulagées dos sacrifieios mostram com Deus exigia ser abordado pelo povo que Ele mesmo houvera trazido do Egito. Foi nesse ambiente intensamente religioso que cresceram os judeus que vieram a ser os primeitos ctistios. O culto cristéio, portanto, ¢ devedor, em alto grau, do culto veterotestamentirio, Leituras complementares recomendadas 1. A VIDA DIARIA NOS TEMPOS DE JESUS, por Henri Daniel-Rops: pags 226-230(as festas), pags 233-243(0 Templo de Herodes, a sinagoga). 2. ADORACAO NA IGREJA PRIMITIVA, por Ralph P. Martin: pags. 23-32 (a heranga judaica). 3. JUBILATE! A MUSICA NA IGREJA, por Donald P. Hustad: pags 86-92 (misica adoraciio na Biblia). 4. A MUSICA NA BIBLIA, por Paul MceCommon: todo 0 livro. 2 CULTO E ADORACAO: PANORAMA BIBLICO II © Novo Testamento foi escrito antes que o culto da nova comunidade assumisse uma forma padronizada. Assim, o que nele encontramos sio pistas que apontam para desenvolvimentos ou conteiidos que sero estruturados somente no futuro, Néo pretendamos ver roteiros litirgicos completos e definitivos; de fato, o estudo da historia da Igreja ha de ‘mostrar que foram sendo formados, através dos séculos, diversos modelos para a condugio da adora¢ao crista coletiva. Por outro lado, hd abundantes informagdes sobre as atitudes que caracterizam a aproximagdo a Deus. A adorago a Deus se manifesta em cAnticos; a orago tem um lugar de importéncia... ¢ assim por diante. Jé nos tempos biblicos havia uma distingio que merece ser mencionada: de um lado, a necessiria vida devocional individual e, do outro, a vida de adoragao comunitiria, Tal distingdo parece estar presente na justificativa apresentada por Pedro ao propor a eleigtio dos Sete: “quanto a nés, nos consagraremos & oragdio ¢ ao ministério da palavra” (At 6.4). Embora uma atividade nao exclua a outra (na verdade, séo complementares) serd a vida de adoragio comunitiria que ocupard a maior parte de nossa atengio. 1 Os Evangelhos Os Evangelhos dao testemunho de priticas ¢ atividades que, embora anteriores a0 nascimento da Igreja, irdo nutrir ¢ influeneiar os seguidores do Caminho. 1.1 O registro que Lucas faz das Narrativas da Infiincia apresenta exemplos de cénticos compostos de acordo com os padrdes poéticos hebraicos, e no contexto de uma sélida e intensa piedade judaica: ~ Magnificat (1.46-55): 0 Céntico de Maria, no qual ela celebra a vinda do Mesias. Ralph P. Martin adverte, com propriedade, que, sem diivida, estiio ausentes as idéias especificamente cristiis, diferentes das aspiragdes ¢ anseios pré-cristiios; mesmo assim, a adoragao cristi achou nestas palavras majestosas, quando transpostas para a tonalidade cristi integral, uma confissio sublime da fidelidade de Deus a Seus servos. ' ~ Benedictus (1.68-79): neste céntico ¢ 0 idoso sacerdote Zacarias que se dirige a Deus, bendizendo Sua maravilhosa intervengaio na hist6ria humana.” - Gloria in excelsis (2.14): 0 canto dos anjos é frase breve mas cheia de jibilo. Nao foi sem motivo que, nos séculos futuros, a Igreja veio a usé-lo em suas liturgias. - Nune Dimitis (2.29-32): no Céntico de Simedo ressoa uma nota de f que no é estranha a fé crista. 1.2 Jesus nfo se ops ao Templo como tal. Ele participou de muitas festas, de acordo com as tradigdes prevalecentes em seus dias (Le 2.41; Jo 2.13,23; 7.2,10, 37). Entretanto, no ha qualquer. registro de ter Ele oferecido sacrificios ou ter instruido Seus discipulos a que ' MARTIN, RP.; Adoragio na Igreja Primitiva, p.51 2 Dois textos distinios tém a mesma palavra latina inicial. Com freqdéncia, em referéncias litirgicas posteriores, Benedictus ha de se referir & exclamaeao coletiva da Entrada Triunfal: “Bendito © que vem em nome do Senhor” (Mt21.9). A frase inicial que designa o céntico de Zacarias € Benedictus Dominus Deus Israel. do fizessem. Poucas décadas apés sua morte € ressurreigao 0 Templo deixaria de existir, em definitivo. 1.3 O comparecimento de Jesus a reunides nas sinagogas é mencionado em muitas porgdes dos Evangelhos (Mt 4.23; Le 4.44). Jesus ¢ Seus discipulos continuaram a participar da vida de adoragao de sua época. 1.4 Como ja foi mencionado, o judeu piedoso era lembrado com freqtiéncia, no Shema, de que apenas Iavé devia ser cultuado. No episédio da Tentagio Jesus insiste nisto (Le 4.8). Entretanto, durante o transcorrer das narrativas, percebe-se que Ele proprio aceita os gestos de adoragio que Lhe so prestados (Le 5.8; 8.28; Mt 28.9). Na verdade, as profundas © necessiirias discussdes cristolégicas ainda esti distantes, mas jé se prenuncia que a mesma honra dada a Deus hé de ser prestada ao Filho. 1,5 0 ensino de Jo&o 4.23,24 é claro: a nova adoragio no se prenderd a lugares pré- estabelecidos; a existéncia de um Templo com seus elaborados rituais deixa de ser necesséria. “Deus preocupa-se mais com 0 coragdo do que com a forma, ainda que as Escrituras no admitam uma dicotomia entre corpo ¢ espirito. E 0 proprio Deus quem toma a iniciativa na busca de verdadeiros adoradores”, 1.6 0 exemplo de Jesus na orago, bem como Seus ensinos a respeito dela so de valor. Em especial, a pritica da orag&o por Jesus tomou-se um desafio para toda Sua igreja. tanto na vida individual quanto na comunitaria. ‘Quando comegamos, pela primeira vez, a estudar os Evangelhos, ¢ particularmente os Sinéticos, reconhecemos algumas evidéneias de oragio por parte de Cristo, mas tendemos a pensar nelas como um fator de menor importincia. Parecem ser obscurecidas pelos vividos atos de cura e pelo ensino, tanto & multidao quanto aos Doze. Quando estudamos os registros de forma mais profunda, contudo, comegamos @ ‘ver que a pritica de oragdo de Cristo é evidente em todos os pontos da histéria. Bo fundamento de toda a estrutura, incluindo cura, chamado ¢ ensino.* ‘Sao conhecidas as pardbolas contadas por Jesus, nas quais diferentes aspectos da vida de oragdo so destacados (O Fariseu e 0 Publicano, 0 Amigo a Meia Noite, A Viiiva Importuna ¢ 0 Juiz Iniquo). Tudo isto ha de fornecer base para a vida de adoragao da Igreja Primitiva, formando ‘um variado pano-de-fundo que explica suas praticas litirgicas.. ® SHED, R.; Adoragio Biblica, p.11 “TRUEBLOOD, D.E. The Lord’s Prayers. New York: Harper&Row, 1965; p27, a 2A Igreja Primitiva 2.1 A comunidade crist& cuja formagiio tem inicio no dia de Pentecostes cresce gradativamente. No seu comego, parece ser apenas mais um grupo dentro do judaismo, como 0s fariseus, saduceus € outros. Tanto é que 0 livro de Atos mostra Pedro ¢ Joo se dirigindo ao Templo para participar da oragdo da tarde (At 3.1). A participagio nas atividades das sinagogas continua, e hi de ser nelas que o apéstolo Paulo, reeém-convertido, iniciara seu ministério (At 9.20). A ruptura com o culto formal da sinagoga acontecerd futuramente, & medida que crescerd a tensio entre judeus e cristdos, além de ocorrer 0 aumento dos gentios convertidos, trazendo para a Igreja pessoas com um outro estilo anterior de vida. 2.2 As informagdes registradas no Novo Testamento so fragmentérias, ¢ ndio permitem a elaboragao de uma “ordem de culto” categérica. Como afirma Donald P. Hustad, “fragmentos” de adoragao sto mencionados através das epistolas”.’ Devemos nos lembrar que, inexistindo um poder deliberativo central, encontramos na verdade o registro de préticas que vao sendo experimentadas e aprimoradas, 2.3 Entretanto, agrupando as diferentes citagdes espalhadas pelo Novo Testamento, ¢ vendo- as a luz dos fatos historicos posteriores, distinguem-se uma série de elementos que merecem consideragao. Alguns destes elementos, notadamente aqueles que fariam parte de uma primeira seg%io do culto, derivam do encontro para instrugao e orago da sinagoga; numa segunda seg&io acham-se partes que se relacionam diretamente com a celebragao da Ultima Ceia. 2.4 Quando so reunidas as referéncias ao culto dispersas pelo Novo Testamento, ¢ levando- se em conta informagdes histéricas relativas ao periodo pos-apostélico, é possivel se chegar a lum resumo razoavelmente amplo. William D. Maxwell tem uma exposigfio elucidativa quando diz: Em primeiro lugar, aquilo que brotou da Sinagoga: leituras das Escrituras (1 Tm 4.13; 1 Ts 5.27; C1 4.16); Salmos e hinos (I Co 14.26; Ef 5.19; Cl 3.16); oragées comuns (At 2.42; | Tm 2.1-2) € 0 “Amém” do povo (1Co 14.16); um sermao ou exposigao (1 Co 14.26; At 20.7); uma confissao de fé, no necessariamente a recitagio formal de um credo (1 Co 15.1-4; 1 Tm 6.12); ¢ talvez o recolhimento de esmolas (1 Co 16.1-2; 2.Co 9.10-13; Rm 15.26). Em segundo lugar, comumente unido aos elementos acima, a Celebragio da Ceia do Senhor, derivada da experiéncia do Cenéculo (1 Co 10.16, 11.23; Mt 26.26-28; Me 14.22-24; Le 22.19-10). A Oragdo de Consagracdo incluiria ago de gragas (Le 22.19; 1 Co 11.23, 14.16; 1 Tm 2.1), a recordagao da morte e ressurreigao de nosso Senhor (At 2.42; Le 22.19; 1 Co 11.23, 25, 26;, intercessdo (Jo 17), e talvez a recitago da Oragaio Dominical (Mt 6.9-13; Le 11.2-4). Provavelmente havia cdnticos neste parte do culto, © 0 Osculo da Paz (Rm 16.16; 1 Co 16.20; 1 Ts 5.26; 1 Pe 5.14). Os homens as mulheres estavam separados como na sinagoga; os homens ficavam de cabesa descoberta e as mulheres cobertas com véu (1 Co 11.6-7). A posigdo para a oragao era de pé (Fp 1.27; Ef6.14; 1 Tm 2.8). °7 S HUSTAD, DP; Jubilate! A Misica na Igreja, p. 97. “MAXWELL, W.D. An outline of Christian worshi University Press, 1965; p4, 5. Tradugao nossa ” Um quadro semelhante pode ser também encontrado em HUSTAD, op. tits p. 97, 98. its developments and forms. London: Oxford da 3 Algumas caracteristicas 3.1 O culto é um evento comunitirio; todos os crentes so conclamados a se reunirem e juntos se apresentarem a Deus. O grande fato da deseida do Espirito Santo se deu quando “estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2.1); € todo 0 livro de Atos dos Apéstolos da testemunho de uma vida ciiltica intensamente comunitéria (At 2.44; 4.31; 5.12; 12.12; 13.2). Paulo orienta 05 corintios a respeito da celebragao da Ceia do Senhor lembrando-os: “quando, pois, vos reunis no mesmo lugar” (1 Co 11.20). E 0 desconhecido autor da carta aos Hebreus, sabendo gue alguns estavam se afastando dos cultos, insiste: “néio deixemos de congregar-nos” (Hb 10.25). 3.2 Nao hé a delimitago de um tinico local aceitavel para o culto. Os primeiros convertidos, de comum acordo, se reuniam numa seo do Templo chamada Pértico de Salomiio. A casa de Maria, mae de Jotio Marcos, é também citada como lugar de reunifio. A dirego dos cultos no parece estar nas mios de um grupo restrito de pessoas; talvez a lideranga coubesse aos apéstolos, onde estivessem presentes. Posteriormente, com uma maior estruturago da nova £8, com o surgimento de presbiteros e didconos, coube a estes a diregdio das atividades. Nao ha qualquer registro que aponte para o surgimento de uma classe especifica de cantores, 2 semelhanga dos levitas veterotestamentatios, 3.3 A adoragio desenvolvida pela nova igreja foi bastante influenciada pelos simbolos © referéncias do Antigo Testamento. A linguagem empregada pelo Novo Testamento para descrever a ago divina e o que Deus fez pelo homem esta embebida da linguagem que flui da antiga Alianga. Nao podia ser de outra forma, uma vez que em Jesus Cristo se cumprem as promessas antigas, que muitas vezes haviam sido expressas de maneira velada: 0 Cordeiro de Deus, que tira 0 pecado do mundo, foi preanunciado pelo cordeiro pascal (Jo 1.29; 1 Co 5.7); e assim por diante. 3.4. Deus que ¢ cultuado ¢ um “Deus vivo” (Hb 9.14; At 14.13), 0 mesmo “Deus deste povo de Israel” (At 13.17, 32, 33). Ha, portanto, uma continuidade na adoragdo. que os primeiros cristdos, todos judeus, prestavam a Deus, “o Deus de nossos pais”. 3.5 Estudiosos do Novo Testamento identificaram textos que tém sido considerados fragmentos ou transcrigdes de primitivos hinos cristdos. Entre outros exemplos, podem set citados: Filipenses 2.6ss e 1 Timéteo 3.16. Leituras complementares recomendadas 1, ADORACAO NA IGREJA PRIMITIVA, por Ralph P. Martin: todo o livro. O capitulo 4 analisa textos que possivelmente sio fragmentos de hinos. 2. JUBILATE! A MUSICA NA IGREJA, por Donald P. Hustad: p.93-99. 3. A MUSICA NA BIBLIA, por Paul McCommon, p. 30-34. 4. ENCICLOPEDIA DA BIBLIA, org. por Merrill C Tenney, verbete Adoragao, 43 3 O SENTIDO DO CULTO E DA ADORACAO © Catecismo Maior tem inicio com uma pergunta crucial: “Qual é o fim supremo principal do homem?” Sua resposta ¢ clara: “O fim supremo ¢ principal do homem é glorificar a Deus e gozd-lo para sempre”. Embora o termo adoragdo niio tenha sido usado, a atitude esta presente. A Igreja, que retine aqueles que pertencem a Deus, tem como sua primeira tarefa ou fungo adorar a Deus. As outras fungdes também sao de valor, mas a adoragao tem a primazia, Em resumo, as fungdes da Igreja podem ser quadruplamente condensadas em: a Igreja adora, a Igreja proclama, a Igreja educa e a Igreja serve. As tltimas décadas tém testemunhado um erescente interesse na dimensio do culto denominada adoragio. Sao abundantes os cénticos que expressam adoragdo e louvores, quer tendo como texto porges das Escrituras, quer apresentando texto de "humana composigaio". Tal redescoberta é de grande valor; contudo, nota-se que, em certos segmentos, isto tem ‘ocorrido em detrimento das demais fungdes, 0 que nao é correto. As definigdes de culto e adoragao so muito variadas; algumas destacam © momento do culto piiblico, quando 0 povo de Deus se retine para prestar-Lhe adoragdo, enquanto outras procuram ver 0 assunto englobando a totalidade da vida do crente e ainda outras procuram estabelecer semelhangas ou dessemelhangas entre os dois termos. O encontro coletivo da comunidade é uma das atividades que mais ocupa a igreja local ¢ o seu pastor; este é um bom ponto de partida para a compreensdo do culto. Este nio se limita a celebrago realizada no templo, mas é essencial que esta celebragio ocorra, A importincia de uma defini¢do clara do culto néo pode ser subestimada, uma vez que questdes. priticas serio diretamente afetadas pela definigao escolhida. Aquele que é responsivel pelo planejamento e pela condugo do culto necessita do balizamento dado por ‘uma definigao clara para tomar decisdes seguras. 1 Palavras chaves 1.1 Ha diversas palavras utilizadas na Biblia. Em seu sentido original enfatizam gestos ou aios fisicos, sem descaracterizar um significado mais elevado. As implicagdes de um gesto como 0 ato de prostrar-se apontam para a homenagem ou o respeito esperados. 1.2 No hebraico temos 71 1 W, palavra que & usada para descrever diversas situagdes: envolve consideragio a dignidade da pessoa diante de quem se prostra (Gn 18.2; 27.29; Ex 4.8; 1 Rs 1.31; 2 Rs 2.15); envolve a reveréncia que deve ser tributada a Deus, embora algumas vezes seja feita a idolos (Lv 26.1; SI 5.7; 22.27,29; 132.7). 1.3 Dentre as palavras gregas sobressai RPOOKVVEO, “utilizada para designar o costume de prostar-se alguém diante de uma pessoa ¢ beijar seus pés, a orla de suas vestes, o chao, etc”.! Também descreve a homenagem prestada tanto a homens quanto a Deus: anjos ¢ homens a recusam quando o gesto tem um sentido espiritual (At 10.25.26; 14.11-14; Ap 22.9), embora seja a atitude do servo diante de seu senhor(Mt 18.26). A verdadeira adorago pertence unicamente a Deus (Mt 4.9,10) ¢ a Jesus Cristo, Seu Filho (Ap 19.4). “ARNDT & GINGRICH, A Greek-English Lexicon, The University of Chicago Press, Chicago, in loco. 4 1.4 O Novo Testamento no apresenta um termo especifico para descrever a reuniéo spiritual dos cristdos. Ha expressdes como “estar reunidos em nome de Jesus” (Mt 18.20), “reunir com o fim de partir o po” (At. 20.7). A linguagem de Atos 2.42 parece apontar para esta reuniao destacando 0 que nela acontecia. Ocorrem expressées que indicam 0 local da reunido, mas nao Ihe dao nome: “lugar de oraco” (At 16.16), “igreja na casa de alguém’” (C1 4.15, Fm 2, Rm 16.5). 2. Principios basicos 2.1 HA certos principios basicos que governam 0 culto cristo. Tais prineipios tm uma fundamentagao teolgica ¢ nao pragmitica.” 2.2 Primeiro principio: O culto depende da revelagiio de Deus em Jesus Cristo, Isto significa que a adorac&o a Deus niio tem comeco em nds, mas depende da iniciativa divina. Assim, 0 oficio divino se caracteriza como uma resposia. Deus se revelou através de uma série de eventos, especialmente na historia de um povo especifico. Assim, 0 culto prestado a Deus envolve a apresentacdo dos grandes atos salvificos pelos quais Ele se fez conhecer. 2.3 Segundo principio: o verdadeiro culto tem sua origem na atividade do Espirito Santo. A resposta do adorador nao ¢ inevitével ou mecnica, mas depende da ago interior do Espirito de Deus. Os Reformadores falaram do “testemunho interno do Espirito Santo”. Uma discusso sobre 0 uso de formas litirgicas padronizadas deve levar em consideragio este Ponto. Os extremos nio séo adequados: nem uma “absoluta” liberdade de culto, nem um rigorismo litirgico imobilizante. Uma liturgia que foi elaborada no passado sob a diregtio do Espirito pode ser um canal do mesmo Espirito para os dias de hoje. 2.4 Terceiro principio: 0 culto cristo é, essencialmente, uma atividade coletiva, de toda a Igreja. Somos um “reino de sacerdotes”, que temos livre acesso a Deus ¢ Lhe oferecemos sacrificios (I Pe 2.5,9; Ap 1.6; 5.10). Como se afirma no Te Deum: A ti, 0 glorioso coro apostélico louva: Ati, a congregago dos profetas louva; ‘A santa Igreja reconhece por toda a terra a ti: Ao Deus Pai, infinito dominador! E ao teu veneravel, vero ¢ iinico Filho, E ao Santo Espirito, Consolador. > Este principio niio desqualifica a necessidade do culto individual do crente, pois sto atividades distintas e ao mesmo tempo inter-relacionadas, Uma e outra so essenciais ¢ se estimulam mutuamente. 2.5 Quarto principio: o culto € a tinica preparagiio adequada da Igreja para seu trabalho e testemunho no mundo como o Corpo de Cristo. A obrigagio de tributar ao Senhor a gldria devida € a maior atividade humana; nao é obrigagio facultativa. “Nao ha maior atividade Raymond Abba formula estes quatro principios em seu ivro PRINCIPLES OF CHRISTIAN WORSHIP (New York: Oxford University Press, 1966); apresentamos uma condensagio da exposie%o constante do Cap 1 ® Glorificagao & Trindade. Trad de Jodo Gomes da Rocha para o Te Dewm Laudamus, hinério NOVO ANTICO, 20. 46 ‘humana do que dar ao Senhor a gléria devida ao Seu nome.” * Deve, portanto, ser apresentada independentemente de existir — ou ntio— “a vontade de ir & Igreja”. 3 Definindo culto e adoragtio 3.1 Um apanhado das definigdes formuladas por diversos autores mostra a diversidade de énfases e a dificuldade de se chegar a definigdes concisas. Sdo muitos os Angulos a serem enfocados: 0 momento do culto ou a adorago que se espraia por toda a vida: a atividade individual ou 0 encontro comunitirio; o aspecto formal/ritual ou o derramamento espontéineo do coragai; a iniciativa de Deus ou a resposta humana, 3.2 As opinides de dois estudiosos do assunto merecem ser consideradas, especialmente porque sdo complementares, apontando Angulos essenciais. Ougamos, primeiramente, Raymond Abba: Adorar fou cultuar; a palavra original é worship] a Deus 6 atribuir a Ele a suprema dignidade. E, nas palavras do Salmista, “iributar ao Senhor a gléria devida ao seu nome” (SI 29.2). [..] Em resposta & auto-oferta de Deus em Cristo por nés, oferecemos nosso louvor, nossas oragdes, nossas didivas, mas com a percepeio de que tudo isto & inadequado para expressar a suprema dignidade dAquele que nos criow € nos redimiu e nos trouxe a este momento, E assim, ofereceremos a maior oferta que podemos trazer - 0 oferecimento de nés mesmos (Rm 12.1). * 3.3 William D. Maxwell enfatiza o momento em que o povo de Deus se retine. Assim diz: Oculto consiste de nossas palavras e agdes, a expresso exterior de nossa homenagem € adoracao, quando estamos reunidos na presenga de Deus. Estas palavras e ages sio governadas por duas coisas: nosso conhecimento do Deus a quem cultuamos, ¢ os recursos humanos que somos capazes de trazer a este culto. O culto cristo & distinto de todos os outros cultos porque ele & direcionado para 0 Deus € Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.” 3.4 Nossa énfase se volta, em especial, para o acontecimento situado no tempo € no espago, a0 qual denominamos culto puiblico, ¢ que normalmente acontece de maneira completa, nas igrejas evangélicas, domingo apés domingo. Talvez 0 texto que se segue nio deva ser encarado como uma definicdo, mas como uma deserigao do culto. O culto € uma reunido do povo de Deus em que esto presentes comportamentos externos, consistentes de nossas palavras, gestos ¢ agdes, pelos quais, conscientes das disposigdes intimas de nosso corago, expressamos nossa homenagem a Deus, reconhecendo Sua suprema dignidade e ‘nossa resposta & agtio de Deus em Cristo (especialmente anunciada pela leitura e exposigdo da Palavra) por meio de oragSes, confissdes, louvores e, acima de tudo, pela oferta de nés mesmos a Deus. + ABBA, R. Op. Cit, p. 12. Tradugo nossa. 5 ABBA, R; Op. Cit, p. 1-4. Tradugdo nossa. ° MAXWELL, W.D.; An Outline of Christian Worship, p 1-5. Tradugiio nossa. le 3.5 A aproximagao realizada pelo fiel se desdobra ou se reparte em diversos aspectos: - Adoragdio, que consiste na contemplagao das grandezas do Ser Divino que é objeto do culto; = Confissiio, que significa 0 reconhecimento, diante de Deus, das faltas cometidas, numa comparagao entre o fluir da vida individual e os padrées éticos divinamente revelados; = Petig@o, que engloba os pedidos apresentados a Deus, envolvendo béngfos, favores, intercessdes, tanto para beneficio do peticiondrio quando de outras pessoas, da Igreja ou da nago como um todo; - Louvor e acdo de gracas, no qual se destacam as béngdios recebidas, englobando, portanto, a homenagem prestada a Deus pelos Seus atos poderosos: = Proclamagdo, que consiste no aniincio das Boas Novas ¢ da sua repercussio nas vidas individuais dos erentes e na vida comunitaria da Igrej - Compromisso, que representa a disposigao dos adorados de agir conforme as exigéncias divinas. 4 Dimensées da adoragaio 4.1 No culto os homens respondem ao Deus que os procurou e. porque foram encontrados, foram resgatados. Nao podemos perder de vista, entretanto, que 0 foco do culto ¢ Deus, ¢ no ‘© homem. O ensino de Donald P. Hustad deve ser considerado, quando diz: Adorasio nao é uma obsessio auto-centralizada em nossos pecados, nossas expe- rigncias da graga de Deus, ou até em nossos santos desejos. Adoragao é "preocupagiio" com Deus, cujos atributos 0 qualificam para perdoar e para purificar, e o capacitam a regenerar e transformar! 42 A pritica da adoragdo envolve uma grande variedade de atitudes e sentimentos, que podem ser sumarizados em trés dimensGes: falar, dar e tomar-se. Dai encontrar-se, no mesmo autor acima citado, excelente exposigao na qual descreve a adoragao como didilogo, oferta & transformagao. * 4.3 Adoragio como didlogo. Ha uma comunicagdo continua durante o culto entre Deus e 0 crente. (Ou, mais realisticamente: seria de se esperar que houvesse!) Um dos exemplos biblicos mais citados ¢ a visto de Isaias (Is 6). Deus e o profeta dialogam, numa variedade de espostas, que incluem a admiragdo diante da majestade de Deus (adoragio no sentido mais restrito), confissio, perdo e comissionamento. Na verdade, nfo conseguimos tragar uma linha diviséria entre a revelago divina e a resposta humana; durante todo 0 culto 0 diélogo acontece. 4.4 Os cnticos e as oragées bem expressam esta dimensio do didlogo. Especialmente aqueles, que permitem 0 uso da linguagem emocional da musica. Os estilos musicais so variados, de sorte que aquilo que serve para uma comunidade pode ser até motivo de escdindalo ou ridiculo em outra. Nos cdnticos retinem-se texto ¢ miisica; portanto, a insergao de um determinado hino em determinado momento do culto deve respeitar o significado do momento, de modo que 0 texto permita ao adorador expressar a Deus os sentimentos peculiares aquele momento. A mésica tem, na vida da Igreja, uma razo funcional; ela serve a 7 HUSTAD, D. P.; Jubilate! A Mi na Igreja, p. 75. * HUSTAD, D. P. Op. eit, p.75-84. ‘+ Deus. Nao € apresentada, pois, para entretenimento pessoal, nem para a glorificagio do intérprete. 4.5 Adoragdo como oferta. Nos cultos antigos o sacrificio era 0 ponto central da celebragao. Mesmo ali, a oferta trazida ao altar possufa um cardter altamente simbélico: o adorador apresentava alguma coisa de valor, dentro de suas posses. O animal nfo podia ter imperfeigdes. Entretanto, o valor do sacrificio, diante de Deus, dependia - no do valor da oferta - mas da atitude subjacente no coragao do ofertante (Ver SI 96.8; 51.16,17). 4.6 “A oferta envolve, ou compromete, niio somente 0 coragio, mas também a cabega eo corpo, o ser total.”® O louvor & um sacrificio, no dizer do autor de Hebreus (Hb 13.15), pois custa, @ nossa natureza pecaminosa, concentrar a atengfio e 0 corago em Deus, Senhor e Criador. 4.7 Esta énfase na oferta deve permear os cAnticos que so entoados. Bles so excelente veiculo para o oferecimento a Deus de nossos dons € nossos louvores. Nos ensaios, na preparacdo, nunca é demais destacar aos cantores a oferenda que necesita estar presente na participagdo de cada um. 4.8 Adoragio como transformagao. A recomendagio paulina em Romanos 12.1.2 une a oferta a transformagdo. O “culto racional” resulta em mudangas. Deus nfo é um Grande Magico & nossa disposigao para satisfazer desejos egoistas; Ele é 0 Senhor, Todo Poderoso Criador, diante de quem comparecemos com tremor e temor. A transformagao necesséria é aquela que acontece no adorador. 4.9 Muitos hé que evitam esta dimensto, porque ela tem um custo e suas conseqiiéncias podem ser perigosas. f) mais cémodo e menos perigoso discutir técnicas e centralizar discusses em estilos musicais ¢ utilizagio de liturgias impressas. 4.10 Em resumo, a verdadeira adoragdo ndo dispensa o encontro do povo de Deus em culto piblico, mas nao para ai. Espera-se que ela contagie e influencie toda a vida do adorador, evitando uma existéncia compartimentalizada, Leituras complementares recomendadas 1 ADORAGAO BIBLICA, por Russel P. Shedd, p 16-21 2. MANUAL DO CULTO, IPI, p. 11-14. 3. JUBILATE!, por Donald P. Hustad, p. 72-84. 4, ADORACAO NA IGREJA PRIMITIVA, por Ralph P. Martin, p.13-22. 5. ENCICLOPEDIA HISTORICO-TEOLOGICA DA IGREJA CRISTA, verbete Adoragdo. ° MCELRATH, H.;La Teologia de la Adoracion, artigo em “Didlogo teolégico”, p.19. 43 SEMINARIO PRESBITERIANO DO SUL 2000 Disciplina: LITURGIA E HINOLOGIAI - Prof: Rev. DONALD BUENO MONTEIRO. DESENVOLVIMENTO HISTORICO Capitulo 4 - 4.1 Os primeiros registros 4.2 Momentos histéricos significativos. 4.3 O desenvolvimento da hinologia 4.4 0 culto no final da Idade Média ONT se encerra sem informar-nos a respeito de uma liturgia definida e padronizada Quando o canon do NT € completado ainda n&o havia uma preocupagao marcante com a uniformizagaio do culto Um breve exame historico permite perceber que, nos séculos seguintes, a organizagio de uma liturgia adequada para a nova fé ird ocupar a atengio de sua lideranga. Pouco a pouco vao sendo feitos acréscimos, expansdes, modificagdes - refletindo tendéncias, posicionamentos teol6gicos. Muitos elementos, na visdo reformada, significaram marcantes desvios teolbgicos, situagdo essa que a Reforma do Século XVI procuraré alterar. Nossa matéria ndo € Histéria das liturgias; assim, faremos apenas algumas consideragées, as quais, evidentemente, no cobrem todos os fatos ocorridos 1. Os primeiros registros 1.1 Como ja foi visto, 0 Novo Testamento apresenta, de maneira dispersa, informagdes sobre as praticas litirgicas dos primeiros cristios. As primeiras fontes extra-biblicas que fazem referéncia ao assunto pertencem ao Século Il. Merecem destaque - Epistola aos Corintios, por Clemente de Roma(cerca de 96 A.D.): nesta carta aparece uma longa oragdo, solene e inclusiva. Sua importancia reside no fato de que a linguagem ‘empregada pode ser encontrada em liturgias posteriores, Isto indica o desenvolvimento de um estilo especifico para as oragdes piblicas. Também ocorre mengdo a0 Sanctus, “Santo, Santo, Santo, Senhor dos Exércitos, cada criatura esta cheia de Tua gloria”. (Este texto fara parte das liturgias subsequentes.) ~ Carta de Plinio ao Imperador Trajano (cerca de 112 A.D.): Plinio era governador da Provincia do Ponto e Bitinia, ¢ relata a respeito das celebragées realizadas pelos cristios na firea de sua jurisdigdo. A porgio mais citada desta carta diz que os cristdos “se retinem em um. dia fixo antes do romper do dia, e recitam responsivamente um hino a Cristo como deus. Depois de terem feito isto, o seu costume ¢ se separarem ¢ se reunirem novamente para uma refeigio” , ~ Didaqué: esta pequena obra foi reencontrada por Philotheos Bryennios em Constanti- nopla, em 1875. Contém diversas instrugdes sobre a diregio do culto piblico, inclusive algumas oragdes cucatisticas, as quais possuem a interessante caracteristica de ser 0 célice oferecido antes do pao. A ocorréncia das orages parece apontar para o que vird acontecer no ‘HUSTAD, DP.; - Jubilate! A Misica na Igreja, p. 102 ag futuro: oragdes padronizadas a serem recitadas do mesmo modo em todas as celebragdes. Sua composigao é situada entre 90-110 A.D. ~ Primeira Apologia de Justino, o Martir: este pensador cristao tinha uma escola em Roma, ¢ havia estudado as diversas filosofias da época. “Havia chegado, por fim, & concluséo de que o cristianismo era “a verdadeira filosofia”.” * Dirige sua obra ao Imperador Antonino Pio (cerca de 140-150 A.D.) Nela faz referéncia ao culto dominical celebrado pelos cristios, descrevendo-o em ordem. 2, Momentos historicos significativos 2.1 A partir do século terceiro forages. Nos eseritos de Clemente de Alexandria, Tertuliano, Origenes, Serapido de Thmuis, Cirilo de Jerusalém, so encontrados dados preciosos. (De Serapito, bispo egipcio, restou um livro de oragdes que lhe pertenceu, obra esta datada de cerca de 340.) Comentarios sobre a Oragio de Consagrago ¢ a Liturgia do Cenaculo nao sio frequentes. Este sigilo, observado até a morte de Constantino, era chamado de disciplina areani. 2.2 Em Cipriano encontra-se a primeira mengdo ao Sursum corda, Logo esta sentenga litirgica foi agregada Saudacdo, formando um didlogo presente em todas as liturgias (Saudagéio) Ministro: O Senhor seja convosco Povo: © como vosso espirito. (Sursum corda) Ministro: Levantai os vossos coragdes. Povo: és 0s levantamos para 0 Senhor Ministro: Demos gragas ao Senhor. Povo: E bom e reto fazé-lo. * 2.3 Um exemplo litirgico completo é encontrado na obra denominada Constituigdes Apostélicas. Sua data estimada é 380 A.D., e presume-se que representa 0 culto na cidade de Antioquia da Siria por volta de 350-380. Esta liturgia foi chamada de Liturgia Clementina. Culto da Palavra Leituras Biblicas (virias, do Antigo © Novo Testamentos, especialmente as Epis. tolas e Evangelhos) ‘Salmos, entremeandose com as leituras acima (alguns, cantados por cantores, alguns com responsos pola congsegagao) Sermodes (por virios “‘presbiteros”) Dispensa dos ngo-comungantes (os que ainda no eram batizados) com uma lita- nia e responso do povo (“Senhor, tem miseric6rdia") ? GONZALEZ, J. L.;- A Era dos Martires, Sdo Paulo, Vida Nova, 1980, p. 91 * O esbogo da liturgia de Justino, 0 Martir pode ser encontrada em HUSTAD. op. cit, p. 102. * Para um exemplo da utilizagio contempordinea deste diaélogo, consultar o Manual de Culto da Tgreja Presbiteriana Independente, p. 35s. Culto da Mesa Oragdes dos Figis ‘Saudaeao e Responso (uma béncéo trinitéria, ou “O Senhor seja convoseo™ etc) Osculo de Paz Ofert6tio Lavagem das miios do bispo e dos presbiteros Oferta dos elementos e de esmolas ‘A mesa é “cercada” (para impedir a participago de pessoas indignss) 0 bispo 6 vestido com “uma vestimenta espléndida”; depois, ele faz nal da cruz” na testa. Oragio Eucaristica ‘Sursum corda (‘“Levantai os vossos coreg6es",ete.) Prefiicio: Agradecimento por toda a providéncia de Deus, comegando com ‘a criagio, Sanctus (“Santo, santo, santo, Senor Deus dos exércitos”, etc.) ‘Agifo de gragas pela encamacdo e redengio. Palavras da Instituigfo (Anamnesis ¢ Oblagio) “Que © Senhor Jesus, 29 noite em que foi traido,tomou © pio”,ctc, Inclui uma referéncia & volta de Jesus, Epiclesis (“.. envia sobre este sacrificio o Teu Espirito Santo... para que le possa revelar este pio como o corpo de Cristo ¢ este célice como 0 sangue de Cristo ¢ que todos os que dele participamos possamos ser for talecidos em piedade” ) Oragio de Intercessdo (ez segses) Oraco Dominical (%) (Ela era comumente usada, tanto antes como depois dessa époe: Doxologia e“Amém” do povo “Pedidos de ogo” crgids elo didcono, e rag do Bispo Conelamagao & Comunhio (“Cosas santas para um povo santo”, com um responso) Gloria in excelsis (Lucas 2:14, endo a forma posterior, aumentada) Hosanna e Benedictus (qui venit, Mt 21:9) ‘Comunhdo, com 0 eéntico do Salmo 34 (Oh, provaie vede que o Senhor é bom”) [Ago de grag ¢ intereessao do Bispo “depois da comunhifo, sepuidas de oragso © béngio, Despedida 2.4 Todas as liturgias jé comentadas se dividem naturalmente em duas partes. A primeira possui leituras e serm&o (ou sermdes), na segunda ocorre a celebragao eucaristica. Os nomes utilizados para designar estas divisdes sio: (1) Proanaphora e Anaphora, no Oriente. (2) Missa catechumenorum ¢ Missa fidefium, no Ocidente. (3) Liturgia ou Culto da Palavra e Liturgia do Cendculo ou Culto da Mesa. ‘Ao terminar a primeira parte os presentes “ndo-professos” eram dispensados, de sorte que apenas os figis permaneciam no recinto para participarem da celebragao da Ceia. A palavra ‘missa, usada como nome de todo © culto, tem aqui sua origem, e ela comegou a ser usada no Século IV. A expresso lie, missa est era usada para despedir 0 povo, ¢ ocorria ao final da ‘Missa dos Catecimenos. Gradativamente, com a nova situagGo trazida por Constantino, esta separagio foi deixando de ser praticada 2.5 No periodo que vai, grosso modo, de 500 a 900, dois ritos existiam simultaneamente no Ocidente: 0 Rito Romano, de uso local em Roma, ¢ 0 Rito Galicano, que desfrutou de intensa Estraido de HUSTAD, op. cit, p. 104, 105 u difusdo antes de ser suplantado pelo Rito Romano, © Rito Mogirabe, na Espanha, e 0 Ambrosiano, em Milo, também integram a familia galicana, Com o crescimento do poder de Roma passa a haver uma prevalecéncia de sua liturgia, e um novo periodo pode ser definido, desde 900 até 1520(época em que surgiram as primeiras liturgias luteranas). 2.6 Ao Papa Gregorio Magno (590-604) sao atribuidas diversas reformas litargicas. Gregorio, oriundo de familia romana abastada, defendia a supremacia do poder do bispo de Roma. Numa época de acentuada instabilidade politica, buscou a reorganizagao da lgreja e sua restauracao A ele também se atribui a criagao da Schola Cantorum (Escola dos Cantos). De fato, 0 estilo que foi sendo aperfeigoado veio a ser chamado de canto gregoriano, muito embora néo seja ele a criagao isolada de apenas um compositor. Data do tempo de Gregorio I a forma padréo do Canon, a extensa Oragio Eucaristica de Consagragao, texto que durou até a reforma litargica empreendida pelo Coneilio Vaticano II, em 1962, 2.7 Ao lado da celebragio da Missa, encontramos ainda algumas atividades cilticas néo vinculadas a Eucaristia: entre elas 08 “Oficios das Horas” ou “Cultos das Horas” . O ciclo completo consistia de oito Oficios, distribuidos durante as 24 horas do dia. Faziam parte destes Oficios leituras © cnticos das Escrituras, de sorte que os Salmos eram repassados semanalmente; 0 Novo Testamento lido integralmente duas vezes por ano e 0 Antigo Testamento uma vez. Além disso, haviam hinos e orages. Tudo isso seguia um roteiro fixo. 2.8 Em alguns lugares - Franga ¢ Alemanha - surgiu uma intercalagao no corpo da Missa, chamada de Prone. Era um pequeno servigo vernacular, inserido aps a leitura do Evangeho. Continha oragdes, leituras, o Credo, as vezes sermio, exortacdo, Oragao Dominical 3. O desenvolvimento da hinologia 3.1 No final do Século IT 0 Cristianismo ja se expandira por muitas regides. Além da Palestina, Siria e Roma, também s&o encontradas igrejas na Galia, Asia Menor, norte da Africa e Egito. Em cada local as peculiaridades e as influéncias regionais matizaram os padrdes litirgicos, ‘muito embora, posteriormente, a centralizago de Roma tenha anulado a maior parte destas caracteristicas. 3.2 Sto muitos os exemplos de canticos e da utilizago deles nos cultos celebrados. Nao cabe aqui uma lista exaustiva; pelo contrario, serio feitas mengGes aquelas obras que constam em algum dos hinarios usados no pais. 3.3 Clemente de Alexandria (ca. 150 - ca, 220) deixou algumas obras de valor, entre elas 0 Pedagogo, “o primeiro tratado a respeito da conduta crist@, fonte valiosissima de informagdes, sobre os costumes da época”. ° Nesta obra ha o texto de um poema de agdio de gragas, dirigido a0 Instrutor ou Pedagogo. Este texto € considerado como o hino mais antigo conhecido, 3.4 A liturgia desenvolvida em Jerusalém, por volta do Século IV, veio a ser conhecida como Liturgia de S. Tiago. De fato, no foi Tiago 0 Menor, irmio do Senhor, o autor dela; parece ser da autoria de Cirilo de Jerusalém (ca, 347). O texto esti em grego, ¢ uma porgao dele, utilizada na celebragio da Eucaristia, chegou até nés através do inglés: “Em siléncio toda a carne” (Os Céus Proclamam, vol IV; Hindrio para o Culto Cristo, 89). © WALKER, W.: Historia da Igreja Crista, Sao Paulo, ASTE, 1976; vol I, pag. 110. 3.5 Durante a controvérsia ariana houve abundante uso de hinos. O proprio Ario, tendo sido banido para a regio que hoje ¢ a Iugoslavia, utilizou o seu tempo compondo hinos que popularizam sua doutrina da pessoa de Cristo. Em Constantinopla os arianos, proibidos de adorar dentro dos templos, reuniam-se aos sabados e domingos para entoar os seus hinos. Atribui-se a dois ascetas em Antioquia, nesta mesma época, a introdugao do canto antifdnico. (A palavra Antifona pode ser usada em trés sentidos: (1) O uso grego original, de contraste de timbres, como homens/mulheres. (2) Dois grupos corais que se alternam. (3) Um solista seguido da resposta do coro, ou do povo.) 3.6 O Te Deum (Novo Cantico, 20) foi escrito provavelmente por Niceta de Remesiana, bispo na cidade de Remesiana, 4 margem da estrada militar que ia de Belgrado a Constantinopla. Portanto, na mesma regiao onde Ario estivera, O texto, tal como existe hoje, deve ter sofrido acréscimos, basicamente, 0 que Niceta procurou fazer foi apresentar a doutrina nicena a respeito de Deus, para a adequada catequizagio do povo. 3.7 Ambrosio, bispo de Milo (c. 340-397), enfrentou grande oposigio ao defender a f& nicena da heresia ariana, Agostinho registra, em suas Confissdes, que os crentes faziam vigilias na igreja, para defender o seu bispo, e acrescenta: Foi ento que, para o povo se no acabrunhar com o tédio e tristeza, se estabeleceu o canto de hinos ¢ salmos segundo 0 uso das igrejas do Oriente. Desde entdo até hoje tem-se mantido entre nés este costume, sendo imitado por muitos, por quase todos os vvoss0s rebanhos de figis, espalhados no universo. 3.8 Com a crescente hegemonia de Roma impée-se um mesmo padrio de culto para toda a Cristandade Ocidental, Basicamente, os elementos da Missa se agrupam em dois grupos: = Ordindirio: s20 as partes que nao sofrem mudangas em seus textos. As partes musicais sto: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus(incluido o Benedictus), Agnus Dei. ~ Proprio: sio as partes que mudam de acordo com a estagao litirgica do ano ou 0 santo comemorado. ‘As obras musicais denominadas Missa apresentam miisica para as cinco segdes do Ordinario 3.9 Nao obstante estas limitagSes trazidas pela estrutura rigida da Missa, surgiram, durante a Tdade Média, diversos cénticos, os quais, de uma maneira ou de outra, chegaram aos nossos hindrios. Citamos alguns exemplos, limitados aqueles do hinario Novo Cantico: ~ 10 Vés, Criaturas de Deus Pai Francisco de Assis (1225) = 24 Convite ao Louvor ‘Melodia atribuida a Thibaut IV, rei de Navarra (1201-1253) ~ 134 Quem Pastores Laudavere Melodia alema do Sec XV, associada a texto natalino - 189 Jerusalém Celeste Bernardo de Cluny (c.1145) = 196 Oh! Quanto Gozo. Pedro Abelardo (1079-1142) - 206 Convite de Jesus Estevao, o Sabaita(725-794) - 259 A Ti Hosana e Gloria Teodulfo de Orleans (c. 820) - 264 O Fronte Ensanguentada Bernardo de Claraval(1091-1153) - 271 O Filhos, Vinde aqui Cantar Jean Tisserand (c. 1494) - 273 Memiérias da Ressureigao ‘Venantius Fortunatus(c.530-609) - 276 Amoravel Convite Jodo Damasceno (Sec VIED). * AGOSTINHO; - Confissdes, So Paulo, Editora Abril, 1973, Livro IX.7.15, pag. 178. 4. Caracteristicas do culto no final da Idade Média 4.1 A Missa Romana alcangou uma padronizacao oficial ap6s o Concilio de Trento, tendo sido publicado em 1570 o texto da reviséo realizada. Entretanto, quase que a totalidade dessa estrutura ja vinha de alguns séculos antes. Assim, a Missa, inteiramente celebrada em latim, permaneceu sem mudangas significativas até o Coneilio Vaticano II, em 1962 4.2 Uma anilise, embora breve, da Missa Medieval, permite identificar algumas caracteristicas marcantes. Mencionamos algumas: - Distorgdes teolbgicas na Eucaristia, A missa era considerada como uma repetigao do sacrificio de Cristo, A dimensio de Comunhio dos figis, numa celebragao jubilosa, estava ausente = Utilizago de uma lingua tinica, sem adequagdo a lingua do pais, tornando o culto um evento ininteligivel para povo que a ele acorria ~ Excessiva valorizagao do simbélico, atribuindo sentido mistico a cada uma de suas partes, para compensar a dificuldade de compreensao do que estava acontecendo da parte do Ieigo e iletrado ~ Supressio do célice para o povo e comunhio infrequente (em 1.215, reduzida a uma cocasiio por ano, na Pascoe). - Liturgia rigida, com sequéncia praticamente imutavel, e sem a participagao do povo, 43 Fica claro que era pequeno o envolvimento do povo, uma vez que as atividades centralizavam-se na pessoa do sacerdote. Na verdade, a pratica religiosa, s6 era possivel para aqueles devotados unicamente a vida religiosa, tal a frequéncia de horérios para oragdes & atividades correlatas. Além de uma liturgia altamente elaborada, também a miisica empregada cera muito complexa. 4.4 Estas observagdes negativas nao significam que inexistisse piedade entre 0 clero e 0 povo. ‘Mesmo sob formas que, 20 nosso ver, eram truncadas e imperfeitas, homens e mulheres tinham conscigncia da existéncia de um Deus, revelado em Jesus Cristo, a quem procuravam servir. Siio abundantes os exemplos: os grandes misticos medievais, a piedade expresaa na obra A Imitagéio de Cristo, a simples ¢ até simpléria pratica espiritual em terras alemas, a qual ira nutrir a vida do jovem Martinho Lutero, e muitos outros. -cituras complementares recomendadas 1, JUBILATE!, por Donald P. Hustad, p.101-111 (panorama geral). 2. ENCICLOPEDIA HISTORICO-TEOLOGICA DA IGREJA CRISTA, verbete Missa. 3. AERA DOS MARTIRES, por Justo L. Gonzalez, p. 62-66 (sobre Plinio e Trajano). ay SEMINARIO PRESBITERIANO DO SUL 2000 Disciplina: LITURGIA E HINOLOGIA|_-_Prof. Rev. DONALD BUENO MONTEIRO. Capitulo 5 - A REFORMA PROTESTANTE E O CULTO. 1 5.1 Lutero e as reformas litargicas 5.2 A contribuigdo de Lutero a hinologia 5,3 Zuinglio e sua reforma litirgica radical ‘A Reforma Protestante do século XVI foi um movimento poderoso e de resultados permanentes. Como ¢ sabido, dai em diante a Europa ficou dividida em areas de influéncia protestante ou catélica, com alteragdes significativas no desenho politico € nas fronteiras de entao. ‘A Reforma nfo foi acidental nem ocorreu em um vazio. Os erros ¢ desvirtuamentos encontrados na Igreja Medieval haviam levado séculos para se cristalizarem. Os reformadores combateram esses erros, a medida que iam tomando consciéncia da dissondncia entre 03 ‘costumes que Ihes haviam sido transmitidos e o enisino das Escrituras. “Os principais abusos que o movimento protestante buscou remover ou corrigit foram: a doutrina da transusbstanciagdo e 0 poder religioso implicito nela; a inter- pretagio meefinica da salvagao pelas obras, a substituigo da tradig@o no lugar do Evangelho e da Tgreja no lugar da Biblia, assim eliminando o direito do julgamento privado em assuntos de f& e moral; e a exclusio dos leigos de participarem do culto publico ao negar-Ihes a participagdo na Eucaristia e pela auséncia do vernéculo na al gia. Uma série de fatores, conhecidos dos estudantes de Hist6ria da Igreja, mostra que a eclosio da Reforma se deu porque diversos elementos, religiosos ou nfo, estavam presentes. Podem ser destacados - a corrupgao da Igreja e 0 crescente desejo de muitos de vé-la renovada; ~ 0 enfraquecimento do poder papal e dos bispos com relagio aos assuntos temporais de cada pais; - 0 surgimento da imprensa, facilitando a répida divulgagio de idéias; - 0 desenvolvimento de um pietismo leigo, especialmente na Alemanha; ~ 0 desenvolvimento de um sentimento de nacionalismo; ~ a recuperagio dos textos antigos(tanto da Biblia quanto de autores da Antiguidade Classica), 1. Lutero e as reformas litirgicas 11 Ao repensar a fé, Lutero vé necessidade de repensar 0 culto. Afinal, a Missa ineorporava e expressava uma macica estrutura doutrindria. Em Cativeiro Babilénico da Igreja (1520) ele critica a doutrina catolica dos sacramentos. Assim, ele submete a Missa a " MACLEOD, D.; - Word and Sacrament, pag. 58, 59. 2s uma rigorosa investigagio, negando-Ihe o seu caréter de repetig#io do sacrificio de Cristo ¢ recuperando 0 conceito de comunhio como parte valiosa do ato de culto. 1.2 Em 1523 € publicada a primeira obra em que trata da liturgia, a Formula missae. Nela 0 reformador critica violentamente 0 Canon (a Grande Oragao de Consagragao) e a modifica radicalmente, mas também age de forma conservadora, pois retém o latim, e grande parte do ritual, das velas, incenso ¢ vestes. A participagao dos figis deve se dar nas duas espécies Lutero também insiste na necessidade de novos cénticos no verndculo. Ele somente publicou esta obra depois do surgimento de diversas “missas alemas” (0 texto mais antigo conhecido foi compilado por Kaspar Kantz, prior carmelita, em 1522). 13 Em 1526 Lutero faz publicar sua Deutsche Messe. Esta publicagao s6 ocorreu apés um ano de experimentagdo em Wittemberg. Toda a liturgia ¢ falada em alemfo, ¢ diversos hinos foram preparados para uso, além da metrificagao de porgdes biblicas. O oficiante deve dirigir todo 0 culto voltado para 0 povo, ¢ nfo de costas, virado para o altar, como era a norma da celebragio catdlica da Missa Esquema da Deutsche Messe Liturgia da Palavra Intréito ou hino alemao Kyrie eleison Saudagao e coleta Epistola Hino alemao Evangelho Credo Apostélico (com a preparagaio dos elementos) Sermao ou homilia Liturgia do Cenéiculo Paréfrase da Orago Dominical Exortagio Recitagio das Palavras de Instituigao Comunhao(cantico do Sanctus, ou do Agnus Dei, em versdes/ampliagdes em alemao, ou de um hino alemao metrificado) Coleta pés-comunho Bengo Aarénica. 14 De forma geral, 0 culto futerano usou estas duas liturgias, Em catedrais e igrejas universitarias utilizava-se a Formula missae, e em igrejas de pequenas cidades e areas rurais a Missa Alema, 15 A posigio de Lutero foi bem sintetizada pelo historiador Williston Walker, quando diz: “Julgada pelo desenvolvimento da Reforma em outros lugares, @ atitude de Lutero em matéria de culto era muito conservadora. Mantinha o principio de que “o que nio é contrério a Eseritura é pela Escritura ¢ a Escritura por ele”. Portanto reteve muitos dos 1 costumes romanistas como 0 uso de velas, crucifixo ¢ 0 emprego ilustrative de quadros.”? 2. A contribuicao de Lutero & hinologia 2.1 Nao foi Lutero quem inventou os hinos. O uso deles é bem antigo; contudo, como estavam nas maos do clero ¢ dos cantores treinados, eram cantados em latim e repletos de referéncias a santos e 4 Virgem. Faziam parte dos Oficios diversos hinos, e o préprio Lutero apreciava estas obras, 2.2 Quando publicou sua primeira obra sobre liturgia (Formula missae) Lutero jé insistiu nna necessidade de hinos em lingua alemA, No ano seguinte (1524) um pequeno livreto apresentava 8 hinos, sendo 4 de sua autoria. Outros foram sendo escritos, tanto por Lutero como por outros autores, de sorte que ao reformador se atribuem quase quarenta hinos, 23. Diferentemente de Calvino, que viria a defender o uso exclusivo de porgdes biblicas como fundamento dos textos dos hinos, Lutero valorizou as obras de livre criagao. Deve ser destacado, contudo, que textos de énfase individualista e subjetiva nfo fiziam parte do repertério daquela época. 2.4 As melodias utilizadas por Lutero e seus contempordneos eram, muitas vezes, emprestadas de cangdes seculares. Também foram feitas adaptagdes de cantigas folcloricas ¢ de cantos gregorianos. A melodia de Castelo Forte pode ter sido desenvolvida por Lutero de uma antiga melodia gregoriana. 2.5 O uso do érgio nao era apreciado. Nao é facil entender as objecdes apresentadas a0 seu uso, embora paregam contrastar a elaboragio da misica instrumental com a simplicidade almejada para o culto, Apesar disso, muitos érgdos sobreviveram nas igrejas luteranas, desse modo preparando o caminho para uma das importantes criagdes musicais protestantes: 0 coral. 2.6 — Ohino mais conhecido dele ¢ Kin’ feste Burg ist unser Gott, que veio a ser traduzido para o portugués como Castelo forte é nosso Deus. Escrito provavelmente em 1529, quando a pressio sobre os juteranos era muito grande, expressa a inabalavel confianga em Deus. Este hino veio a ser conhecido como “a Marselhesa da Reforma”, numa aluso a sua capacidade de sintetizar e mobilizar a coragem ¢ fé dos cristdos reformados. 3, Zuinglio e sua reforma litirgica radical 3.1 Ulrico Zuinglio (1484-1531) foi o lider reformador na cidade suiga de Zurique. Ele tinha um temperamento mais racionalista, sendo humanista de formagdo. Suas experiéncias espirituais, portanto, no possuiam aquela marca de intéfsidade que caracterizou Lutero. As reformas em Zurique tiveram inicio em 1522. 3.2 Zuinglio publicou em 1523 a obra De canone missae epicheiresis (Um ataque ao Canon da Missa). Nesta obra critica 0 Canon, que considera incoerente ¢ inadequado. Dois anos mais tarde publica Action oder Bruch des Nachtmals (A agdo ou uso da Ceia do Senhor). ? WALKER, W; - Histéria da Igreja Crist, Sdo Paulo, ASTE, 1976, vol I, pag. 25. at Como nao considerava a Ceia meio de graga, nfo favoreceu a comunhdo frequente, mas recomendou a sua celebragao quatro vezes por ano. Nesta ultima obra publica primeiro tito alemao para uso em Zurique. Os comungantes devem estar assentados, e assim recebem os elementos, 3.3 Zuinglio advogava uma interpretagéo meramente simbdlica para a Eucaristia. Ele enfatizou apenas 0 carater memorial do sacramento, negando a presenga fisica de Cristo na Ceia. Tal posigo resultou em sérios atritos com Lutero, causando a separagio entre eles, 3.4 A miisica foi inteiramente abolida na liturgia zuingliana, e os drgfos existentes nas igrejas destruidos ou removidos. Antes do final do século XVI esta posigdo foi reconsiderada, ¢ reintroduzido o canto congregacional, embora haja registros de que em 1640 quatro das onze igrejas de Zurique ainda nao tinham canticos congregacionais.. ‘Uma observacio conclusiva As mudangas postuladas pelos diversos Reformadores, tanto doutrinérias quanto liturgicas, nao foram implementadas e aceitas de forma pacifica. Houve resisténcias, ¢ em muitas comunidades foram notados, décadas mais tarde, resquicios de antigos comportamentos © superstig&es. O povo tinha de ser instruido por seus pastores, e estes precisavam ser preparados para tais tarefas, tarefas estas que demandaram anos de catequese pastoral, Leituras complementares recomendadas 1. JUBILATE! A MUSICA NA IGREJA, por Donald P. Hustad, pags. 111-113, 2. O PENSAMENTO DA REFORMA, por Henri Strohl, pags. 224-230. 3. NOSSA CRENGA E A DE NOSSOS PAIS, por DavidS. Schaff, pags. 65-76, a8 fe ns NY SEMINARIO PRESBITERIANO DO SUL 2000 Disciplina: LITURGIA E HINOLOGIA | _- Prof. Rev. DONALD BUENO MONTEIRO Capitulo 6 - A REFORMA PROTESTANTE E O CULTO, 2 6.1 Calvino e suas fontes 6.2 As liturgias calvinistas 6.3 Os elementos do culto Calvino insistia que deveriam estar presentes, em todos os cultos da Tgreja, quatro elementos, a saber: a pregagio da Palavra, o oferecimento de oragdes, a celebracdo da Ceia do Senhor e 0 recolhimento de esmolas. Ao formular sua liturgia ele considera estes elementos, mas nao trabalha como se do nada criasse um novo rito; pelo contrario, apéia-se Calvino nas conquistas e formulagdes de seus antecessores. Nesse ponto, pode se dizer que todos os Reformadores foram conservadores, pois buscaram to somente efetuar uma revisao na liturgia tradicional da Missa Catélica, visando chegar a uma ordem de culto que fosse, no entender deles, funda mentalmente evangélica, | Calvino ¢ suas fontes 1.1 Calvino estava de passagem por Genebra em 1536 quando Fare o pressionou a ficar na cidade, para ajudé-lo na consolidagao das reformas jé iniciadas, Ali permanecem até 1538. Provavelmente eram seguidas as idéias de Farel com respeito ao culto expressas em sua obra ‘Maniere et Fasson, de 1533. Este texto é considerado pelos estudiosos como muito seco, com fortes influéncias zuinglianas. 12 _ Calvino e Farel sio expulsos de Genebra por discordarem da imposigiio a Genebra da liturgia da cidade de Berna, Calvino vai para Estrasburgo, onde dirige uma congregacao de refugiados franceses. Nesta cidade permaneceu de 1538 até 1541. 13 Martin Bucer(1491-1551), foi o grande lider da Igreja de Estrasburgo. Sua maior influéncia se fez sentir a partir de 1530, quando foi nomeado “superintendente”, Inicialmente foi um aderente-de Lutero, mas depois softeu grande influéncia de Zuinglio. Formula uma doutrina conciliatéria a respeito da presenga de Cristo na Ceia, destacando a preposigao com. “A dadiva divina no era dada em ou sob as formas do pao e vinho - nisto Zuinglio estava certo, Mas era dada em uma indissolivel conjungao com cles - como pio € dado ao corpo, assim a dadiva divina € transmitida a alma fiel.” ' Uma das formas desta doutrina (chamada posteriormente de recepcionismo) esté no Calvinismo. 1.4 Entre as modificagdes trazidas pela liturgia de Bucer esto mudangas terminologicas: frases como ‘Cela do Senhor’, ‘Ministro’, ‘Santa Mesa’, comegam a set usadas em substituicdo a ‘Missa’, ‘Sacerdote’, ‘Altar’. Também os sermées passam a set pregados ' CHADWICK, ©; - The Reformation, Londres, Penguin Books, 1964, pag. $1 (The Pelican History of The Church, vol 3) ag regularmente, sendo os textos dos Evangelhos normalmente usados no Culto Dominical matutino. Nos cultos vespertinos ¢ em outros momentos de culto os demais livros da Biblia eram expostos. 1.5 Na claboragao de sua liturgia Calvino se apoiou grandemente no trabalho de Bucer. Como nio sabia alemao, certamente recebeu a ajuda de alguém que traduziu para ele o ritual preparado por Bucer. Em 1539 ou 1540 publicou seu primeiro manual de culto, que incluia diversos salmos metrificados, com as respectivas melodias, para o canto congregacional. 2. As liturgias calvinistas 2.1 O esbogo abaixo mostra as liturgias de Calvino (em Estrasburgo e em Genebra) comparadas com 0 modelo de Bucer. * The Liturgy of the Word ‘Strat. German, 1537 Strat French, 1540, 8c. Geneva, 1542, Be, Seripture Sentence: Scripture Sentence: Pe ex, 8 Pr, oxy. Confesion of sins Confession of sins Contession of ins Seriprural words of" Seriptural words of Prayer for pardon ‘pardon (#'Timi) pardon Absolution Absolution Paalm, hymn, oF Metrcal Decalogue -Metreal Palm ‘Kories and sung with Kyrieleiion (Gloria in excelsie (Gr) after exch Law Collet fer Miumination Collect for Iismination Collec forIumination ‘Metrcal Peal LLection (Gospel) Lection Lestion Sermon, Sermon Sermon, ‘The Liturgy of the-Upper Room Collection of alms Collection of aime Colletion of alms Preparation of elements ‘while " Apostles’ Creed sng Intereesions and Con-, Intercestions secration Prayer Lord's Prayer Lord's Prayer in long. paraphrase Preparation of elements while Apostles’ Creed sung ‘Consecration Prayer Lord's Prayer Eshortation ‘Words of Inetiction Words of Institution Fraction Delivery (Communion, while ‘eal or hymn sung Post-communion cole Tet Aaronie Blessing Disniaal * Bshogo extraido de MAXWELL, W. D., An Outline of Christian Worship, pag. 114, 115 2.1 A primeira publicagao do rito utilizado em Genebra, apés 0 retorno de Calvino a cidade, foi feita em 1542. O longo titulo dado pelo Reformador foi: A Forma de Oragaes e a Maneira de Ministrag@o dos Sacramentos de acordo com 0 Uso da Igreja Antiga. 3. Os elementos do culto 3.1 A Palavra. A pregacdo da Palavra foi uma das marcas da Reforma. Isto era feito de maneira abundante ¢ frequente; os sermées seriam longos pelos nossos padrdes. O sermio era exposigéo da Palavra - e nao um simples discurso moral. Na liturgia calvinista, a segiio que englobava a pregagao formava um s6 bloco, composto de uma coleta por iluminag%o, a leitura da Palavra, e sua exposigao. 3.2. Disso decorre a importancia da tradugdo da Biblia na lingua do povo, Todos os Reformadores se opuseram a posi¢ao da Igreja Catélica, que negava 20s seus fidis 0 acesso a0 Livro Santo. Merece ser lembrado que a traduedo da Biblia feita por Lutero serviu de base para o alemao moderno, Posteriormente, a tradugo inglesa (King James Version - Versio do Rei Tiago) teve a mesma influéncia sobre a lingua inglesa 3.3. As oragées. Calvino classifica as oragdes em dois grupos: as faladas ¢ as cantadas. Assim, ele considera os cAnticos como uma espécie de oragio. 3.4 As oragGes faladas eram, em sua maioria, escritas. Eram poucas as oragies livres. Calvino somente permite duas: a coleta por iluminagio, antes do serméo, ¢ a oragao pos- sermao. 3.5 As oragdes cantadas foram introduzidas por Calvino apés sua estadia em Estrasburgo. No primeiro periodo em Genebra no havia canticos. Ele vé o beneficio da miisica entre os crentes de Estrasburgo quando declarou: “Por cinco ou seis dias, no comeso, quando eu contemplava esta pequena companhia de exilados de todos os paises, eu chorava, no de tristeza, mas pela alegria de ouvi-los cantando... Niniguém pode acreditar na alegria que existe em cantar os louvores ¢ as maravilhas do Senhor na lingua-mae, como so cantados aqui.”* A permisso para cantar salmos no culto parece ter sido uma de suas condigdes para o retorno a Genebra. 3.6 Na busca de textos. para 0 uso na Igreja Calvino opta pelos salmos como o material linico ¢ adequado. Ele mesmo declara, no prefiicio a0 comentérios dos Salmos: “Quando procurarmos por todos os lugares, olhando aqui e ali, no encontraremos cantos melhores € ‘mais adequados para este fim do que os Salmos de Davi, os quais o Espirito Santo ditou e deu a cle; e, portanto, quando nés os cantamos estamos certos de que Deus pds palavras em nossas bocas como se Ele mesmo cantasse conosco para exaltar Sua gloria.”* 3.7 A primeira coletiinea de Salmos metrificados, preparados para o canto congregacional, data de 1539. Sao dezessete salmos, doze da lavra de Clement Marot e cinco metrificados pelo ° NICHOLS, J.H.; - Corporate Woship in the Reformed Tradition, Philadelfia, The Westminster Press, 1968, pag. 35 “HUNTER, A.M. - The Teaching of Calvin, a Modern Interpretation, Glasgow, M. Jackson and Co, 1920, pag. 276, 277. 3h proprio Calvino, que também preparou uma versio dos Dez Mandamentos, O Saltério completo foi publicado apenas em 1561 3.8 Os dois compositores que colaboraram neste empreendimento foram Louis Bourgeois (1510-1561) e Claude Goudimel(c. 1520-1572). Do primeiro, cantamos até hoje a melodia que veio a ser associada & Doxologia * Ele deu preferéncia aos modos maiores e menores, em lugar dos modos eclesiasticos utilizados. A Goudimel se atribui o inicio da colocagao da melodia na voz soprano, em vez do tenor, como era 0 costume. Na edigo de 1565 do Saltério a melodia foi dada, pela primeira vez, a voz mais aguda. 3.7 A Ceia do Senhor. Calvino defendia uma celebrago semanal, mas no obteve éxito em implementar sua proposta. Os magistrados da cidade fixaram quatro datas para a ce- lebragdo do sacramento durante o ano. A preparagio para participar da Eucaristia também era muito enfatizada. Em Estrasburgo ele requeria uma contato com o pastor antes da celebracao. 3.8 Sao encontrados pelo menos trés modos de distribuigdo: ~ Calvino, e as Igrejas Reformadas da Franga e Alemanha: 0 povo vem enfileirado & frente, costumeiramente recebendo o pao de um lado da mesa e 0 vinho do outro. - Escoceses e dinamarqueses: 0 povo é servido estando assentados em grandes mesas na nave - Zuinglianos e anglicanos: servem 0 povo em seus lugares, assentados. Em resumo Do exame atento das liturgias surgidas no periodo da Reforma e, em especial, do rito desenvolvido por Jodo Calvino, podemos fazer algumas observacdes gerais: Negativamente, podem ser apontados dois aspectos: a fixidez da liturgia, que seguia ‘uma sequéncia praticamente imutivel de suas partes, e a presenga maciga de oragdes escritas ou proferidas tao somente pelo ministro celebrante, Estas caracteristicas esto presentes em todas as liturgias do periodo. A ninguém acudiu criar uma estrutura dotada de maior flexibilidade e eriatividade, Positivamente, vemos um culto compreendido pelo povo, que chegava a emocionar-se com as celebragSes. Havia unidade no culto, pois as partes eram interligadas ¢ fundamentadas teol6gicamente. As Escrituras eram lidas e entendidas pelos participantes, ¢ a sua exposicdo por meio da pregagio transformou © povo protestante num “Povo do Livro”. O rito calvinista tornou-se @ norma para as igrejas calvinistas, quer na Franga, como também na Suiga, Sul da Alemanha, Holanda, Dinamarca e muitos outros paises. Leituras complementares recomendadas 1 JUBILATE! A MUSICA NA IGREJA, por Donald P. Hustad: pags. 117-119. 2. O PENSAMENTO DA REFORMA, por Henri Strohl (ASTE), Cap IX pags...221-232. 3. THE THEOLOGY OF THE SACRAMENTS, por Donald M. Baillie: The Real Presence, pags. 91- 107 (ha exemplar na Biblioteca do SPS). 4. CORPORATE WORSHIP IN THE REFORMED TRADITION, por J. H. Nichols: pags. 7-51 * Hindrio Evangélico, hinos 83, 85, 127, ou Novo Cntico, hino 6. Ver também, em Novo Cntico, 0s hinos 98, 118 e 122, 3a Anexo 1 ~ Comentarios sobre a liturgia de Calvino 3 PRINCIPIOS TEOLOGICOS E VIDA LITURGICA. A andlise de um culto nao pode ser circunscrita Aquilo que se vé ou se escuta. No caso em estudo, tem-se um texto escrito, ha abundantes informagdes historicas a respeito do desenrolar destas ceriménias religiosas. Entretanto, ha um amplo conjunto de principios teolégicos que formam a moldura maior em que se insere o culto. A opgaio por um fraseado ou outro, da parte do redator da liturgia, no é gratuita, pois ele é conduzido a essa escolha com base nas implicagbes e repercussbes teolégicas que resultardo desse gesto. Alguns dos principios teolégicos que Calvino formulou tém uma repercussfio muito clara na liturgia que ele propde. Sem a pretensfo de esgotar os angulos possiveis, sfio apresentados, a seguir, alguns destes prineipios. 1.A gravidade da situacdo humana. A mente humana no pode conhecer 0 Deus verdadeiro pela mera contemplagdo da natureza, mas somente pela assisténcia da Palavra: “de modo algum a mente humana pode chegar a Deus, salvo se for assistida e sustentada por sua Santa Palavra”. ' E este contato do homem com a Palavra de Deus, para que tenha efeito iluminador e transformador, depende diretamente da ago do Espirito Santo: “Pois o Senhor ligou entre si, como que por miituo nexo, a certeza de sua Palavra e a certeza de seu Espirito, de sorte que a sélida religido da Palavra se implante em nossa alma quando brilha o Espirito, que nos faz ai contemplar a face de Deus”.? Assim, o homem natural, por seu simples esfor¢o pessoal, niio consegue erguer-se até Deus; todos necessitam ser erguidos pela agao do Espirito por meio da Palavra. O cristo ainda continua a viver num mundo pecador, como um pecador salvo. Dai a necessidade da oragdo, na qual o Pai celeste nos socorre, por meio de “seu poder, mediante 0 qual nos sustenta, fracos e quase a desfalecer, e de sua bondade, mediante a qual nos receba & graga, a nés miseramente sobrecarregados de pecados”, ? HA, portanto, a necessidade de um continuo retomo presenga de Deus, para que se prestem a ele as devidas homenagens e, feita a sincera confissio dos pecados, experimentem os cristios o perdao divino. 2. O carder orientador das Escrituras. No Livro Segundo das Institutas Calvino dedica um capitulo & exposigdo da Lei Moral, ou seja, a0 Decilogo. Ao expor 0 Segundo Mandamento, ele afirma que 0 culto cristio deve ser realizado conforme a orientagio divina; “neste mandamento [0 Senhor] declara ainda mais explicitamente agora de que natureza é, e com que modalidade de culto ele deve ser honrado, para que nao ousemos atribuir-lhe algo sensério. Portanto, a finalidade deste mandamento ¢ que Deus nfo quer que seu legitimo culto seja profanado mediante ritos supersticiosos”. * Deste modo fica claro que o culto a ser prestado a Deus nio deve ser planejado de acordo com o engenho dos homens, no seu afi de agradar & divindade, mas deve seguir aquilo que 0 proprio Deus prescreve como adequado ao culto que Ihe € devido. Da mesma maneira, 0 Quarto Mandamento, que determina a guarda do sibado, foi dado para que, “mortos para nossos prdprios interesses e obras, meditemos no Reino de Deus € a essa meditagao nos apliquemos com os meios por ele estabelecidos”. * Além de prefigurar ‘um repouso espiritual, 0 sdbado também foi estabelecido para que nele o povo de Israel ‘CALVINO, Joto. As Institutas: edigto clissica. Trad. Waldyr Carvalho Luz. 2%.ed. So Paulo: Cultura Cristi, 2006. Todas as citagdes de As Insttuias serdo feitas a partir desta traducfo, e seguirio o padrlo tradicionalmente utilizado para a referida obra: IRC Lvi.4 FIRCLix3. IRC IL xx2. “IRC IL.viit.17 * IRC ILviti28, pudesse ouvir a Ici ¢ realizar os atos de culto. Ao lado desses motivos, acrescenta-se um terceiro: a concessiio de um dia de repouso para os servos. 3. A necessidade do culto. A prescrigao divina para o culto vem desde o Antigo Testamento, ¢ permanece valida como um ensino geral. Para que a religido nao deixe de existir ou seja visceralmente debilitada, “devem ser realizadas diligentemente as reunides sagradas e deve dar-se atengdo aos meios externos que servem para fomentar 0 culto divino”. ° O homem, tendo uma natureza fisica e finita, nfo pode prestar a Deus um culto puramente espiritual, num sentido abstrato; ele depende de ceriménias, ou seja, de formas externas. “As formas externas so os exercicios do culto verdadeiro. E na pratica do louvor, da invocagio e da ago de gracas que a igreja ¢ edificada e aperfeigoada, O verdadeiro culto tem lugar através dos ritos externos e das ceriménias de culto e por meio deles.” 7 Como parte de sua reflex%io a respeito do significado do Primeiro Mandamento, Calvino fala de quatro coisas que os figis devem a Deus: adorago, confianga, invocagio ¢ aglo de gragas. No verdadeiro culto Deus recebe dos homens gléria, reveréncia, amor, temor. 4. Os elementos do culto. A Igreja se reine, de forma piblica, “para ouvir a Palavra, para partir 0 po mistico, para as oragdes pliblicas”. ° Em outro trecho das Institutas Calvino, apés citar Atos 2.42 ¢ seguindo o ensino de Bucer, aponta quatro — nfo trés — elementos que deveriam ser parte constante do culto: “Assim, de modo geral, se haveria de agir que no se fazia nenhuma reuniao da lgreja, sem a Palavra, as oragdes, a participagio da Ceia ¢ as esmolas*. "” Calvino era de opinido que a Ceia do Senhor devesse ser celebrada semanalmente, por cocasitio do encontro dominical dos crentes. No seu primeiro perfodo em Genebra ele e Farel apresentaram ao Coneflio de Ministros um documento j4 mencionado, os Artigos concernentes & organizacdo da Igreja e do Culto em Genebra. Neste documento sto propostas, em primeiro lugar, celebragdes semanais. Entretanto, reconhecendo a presente “fragilidade do povo”, postula “que se realize esta sagrada Ceia uma vez por més em um dos trés locais nos quais atualmente tem lugar a pregagao”. '' Mesmo esta proposta nao foi aceita; quando de seu retorno a Genebra os magistrados da cidade determinaram quatro celebragies da Ceia no ano, a saber: Natal, Péscoa, Pentecostes e no primeiro domingo de setembro. '? Merece ser transcrita uma seo mais extensa na qual Calvino descreve o modo pelo qual a Ceia deveria ser celebrada: Deixando, pois, de lado, todo este sem-fim de ceriménias e de pompas, a Santa Ceia bem que podia ser administrada santamente, se com freqiléncia, ou pelo menos uma ‘vez por semana, se propusesse & Igreja como segue: no inicio se faria oragdes piblicas; a seguir viria o sermAo; entdo, postos na mesa pao e vinho, o ministro. repetiria as palavras da instituiefo da Ceia; depois, reiteraria as promessas que nos foram nela anexadas; a0 mesmo tempo, vedaria 4 comunhio todos aqueles que sf dela barrados pelo interdito do Senhor; apés isto, oraria para que o Senhor, pela benignidade com que nos prodigalizou este alimento sagrado, também nos receba em f€ e gratidio de alma, nos instruindo e preparando; e, uma vez que por nés ‘mesmos nfo somos dignos, por sua miserieSrdia aprouve nos dignificar para tal repasto. SIRC HLvii34. * OLD, op. cit. pag, 423. "IRC ILviii2e 16 IRC TLvili32 e 34. "IRC IV.xvii4, " CALVINO, J. Articles concerning the organization of the church and of worship at Geneva, 1537. In Calvin: Theological Treatises. trad. J. K. S. Reid. Philadelphia: Westminster Press, 1954, pag. 50. " HUNTER, A. Mitchell. The reaching of Calvin: A modem interpretation. Glasgow: Maclehase, Jackson, 1920, pag. 207. Aqui, porém, ou se cantariam salmos ou se leria parte da Escritura, e, na ordem que convém, os fiéis participariam do sacrossanto banquete, os ministros partindo 0 pio ¢ oferecendo-o ao povo. Terminada a Ceia, se faria uma exortagio & fé sincera e & sincera confissio dessa f8, a0 amor cristiio © ao comportamento digno de cristaos. Por fim, se daria ag2o de gragas e se entoariam louvores a Deus; findos os quais a congregacio seria despedida em paz." 5. A comunidade eclesial. Os cristios nfo so individuos esparsos, desconectados uns dos outros; a igreja, A qual Calvino chega a chamar de “a mae dos fiéis”, € uma comunidade especialissima, constituida pelo proprio Deus, Dai falar Calvino da Igreja “em cujo seio Deus quer que seus filhos se agreguem, ndo apenas para que sejam nutridos de seu labor ¢ ministério, por tanto tempo quanto so infantes ¢ criangas, mas também do seu cuidado materno sejam guiados até que amaduregam e, finalmente, cheguem a meta da fé”. '* Pondera Elsie Anne McKee, analisando a piedade do Reformador genebrino: “A espiritualidade, para Calvino, nunca era, portanto, individualista. Era pessoal, sem qualquer divida, mas era pessoal no contexto da comunidade da £8, quer esta comunidade fosse imediatamente visivel ou nao.” E mais adiante a mesma autora observa: “A. consciéneia de estar vinculado a outros membros do corpo de Cristo, proximos ou distantes, esté profundamente enraizada na compreensao corporativa da fé de Calvino; portanto, a petigao por aqueles em necessidade é sempre um tema central de oragao.” '* De que maneira a liturgia genebrina, formulada por Calvino, incorpora ou expressa esses conceitos que acabaram de ser mencionados? A pergunta pode ser respondida sob varios angulos. Sem a pretenso de esgotar as respostas possiveis, so destacados trés aspectos abrangentes: 1. As marcas do pecado e da pecaminosidade. Calvino insiste na universalidade do pecado ¢ no seu cardter danoso, afirmando que “nds somos pobres pecadores, concebidos e nascidos em iniqiiidade e corrupedo, predispostos para fazer o mal, incapazes de qualquer coisa boa”. Por este motivo, o préptio culto comega com a confissio de pecados, logo apos @ solene declarag4o de que “o nosso socorro esté em o nome do Senhor, Criador do céu e da terra” (SI 124.8). As palavras acima citadas fazem parte da orac3o inicial proferida pelo ministro, como ato de abertura de todo o culto, No periodo que vai de 1546 a 1562, logo apés esta oragio e quando havia a celebragao da Ceia, era cantado o Decalogo; '* o fiel tinha sua atengdo voltada, portanto, para a Lei de Deus de modo que pudesse identificar no que pecara €, consequentemente, trouxera condenagiio sobre si mesmo. Calvino retém a estrutura aprendida com Bucer; uma das oragdes de confissiio existentes na liturgia de Bucer foi traduzida, praticamente ipsis ltteris, e inserida na liturgia de Genebra ora em estudo. Também Lutero mantém, em sua Deutsche Messe, o uso do antiqissimo Kyrie eleison, com sua forte énfase penitencial.'” O ritual catdlico-romano possuia um Confiteor, com cariter penitencial: “Sucessivamente, sacerdote e seus assistentes reconhecem as suas faltas, imploram o perdio e pedem, uns pelos outros, a ajuda de suas ‘rages. Sob sua forma atual, um pouco longa, vem da Idade Média”, '* a Embora na oragio inicial haja uma siplica pela ago misericordiosa de Deus, para que ele “apague nossos pecados ¢ manchas”, um pedido de perdio reaparece na longa orago a ser P IRC IV.xvii43. IRCIVAL " MCKEE, op. cit, pags. 4, 28. © MCKEE, op. cit,pég, 112 " MAXWELL, op. cit, pigs. 79, 103, "* AMIOT, Frangois. 4 missa e sua histéria. Trad. Religiosas da Companhia da Virgem. Sto Paulo: Flamboyant, 1958, pag. 32. recitada aps o sermao. Na exortagio que antecede a celebragio da Ceia, 0 sacramento é descrito como um remédio. O texto completo diz: “Sabemos, portanto, que este sacramento & um remédio para almas pobres e enfermas, e que a tinica dignidade que nosso Senhor exige de nds € que conhegamos a nds mesmos o suficiente para lamentar nossos pecados e encontrar todo o nosso prazer, alegria e satisfago somente nele.” Nesta mesma exortago os fiéis so chamados ao auto-exame, de acordo com a recomendagao paulina, de tal modo que desejem viver “uma santa vida de acordo com Deus”. © reconhecimento da gravidade do pecado, da permanente inclinag&o do coragio humano para o mal, deve ser vista ao lado do reconhecimento da misericérdia divina, presente em Cristo Jesus. Pois, na verdade, a “ruinosa situago do género humano” impede que 0 homem experimente a Deus como Pai, a ndo ser que “Cristo se interponha como agente mediador”. '” Dai que o culto conclua com uma oragio de agtio de gragas na qual sio oferecidos a Deus “louvor imortal © apdo de gragas” pela beng&io de poderem os fiéis participaram do Filho de Deus, Jesus Cristo. Esta énfase final contribui para evidenciar 0 cardter integrador da liturgia calvinista, trazendo uma nota de esperanga a raga humana, visto que no se propée uma atitude mérbida de continuo olhar introspectivo, para os préprios pecados. O pecador olha para Deus, que 0 socorreu por meio de Jesus Cristo, e bendiz a Deus, que é o Criador do eéu e da terra. 2. A inteligibilidade e racionalidade do culto. As discussbes a respeito de como devia ser prestado 0 culto a Deus, ¢ as medidas decorrentes dessas discussdes foram temas freqiientes na Reforma do Século XVI, Ao mesmo tempo que Calvino Iutava para reformar a cidade de Genebra, na Inglaterra muitos homens e mulheres sofreram a morte por causa de sua recusa em sujeitar-se ao culto da Igreja de Roma. ”” Além das distorgdes teoldgicas, um ponto que sofeu forte oposigio dos Reformadores foi o uso do latim. Lutero tem, de inicio, uma posigaio conservadora, ao reter o latim em sua primeira publicagao litirgica, Formula Missae (1523). Os Reformadores subseqtentes, contudo, preparam formas de culto na lingua do povo que estava sendo conquistado para 0 novo movimento. A Missa catdlico-romana nfo apenas era dita em uma lingua ininteligivel ao povo, mas muitas de suas partes eram proferidas em um tom de voz denominado “vox secreta”, que era ouvido apenas pelo celebrante. 7” 0 uso do vernéculo, portanto, permitiu a0 povo saber 0 que estava acontecendo na celebragio e, melhor ainda, passat a ser participante daquele encontro. Algumas das criticas veiculadas pelos Reformadores por certo no fizeram muito sentido para o povo em geral; mengio especifica pode ser feita das criticas ao Canon: como ele era dito em latim, e as vezes inaudivelmente, as pessoas que estavam no templo no tinham a menor idéia do que estava sendo dito, Toda a liturgia mostra que 0 Ministro se dirigia ao povo, para advertir, exortar ou orientar. O aspecto didético € muito evidente nas explicagdes e exortagdes prescritas na Liturgia de Calvino; mesmo as oragdes transmitem a impressio de que, além de servirem para conduzir © povo a Deus, também serviriam para ensinar e doutrinar o povo. Este dngulo merece destaque, visto que tem dado margem a opiniées bem diversas, E esclarecedor justapor comentarios de dois estudiosos: Hugh O. Old, ensina que: “O ensino correto € essencial para o verdadeiro culto. A este principio 0 culto reformado tem sido sempre fiel. O aspecto didatico do culto tem sido afirmado repetidamente por nossa tradigiio, ¢ de fato ele deve ser firmemente mantido.” * Por outro lado, James F. White chega a dizer: PRC LiL ® MURRAY, Ian H. The Directory for public worship. In CARSON, John L, HALL, David W. (Ed). To glorify ‘and enjoy God: A Commemoration of the 350" anniversary of the Westminster Assembly. Edinburgo: The Banner of Truth Trust, 1994, pig. 171 2! MAXWELL, op.cit, pig. 71, nota | ® OLD, op. cit, pig. 420, “Tao grande era o imperativo de ensinar que cada culto contém um curso condensado em teologia e ética”. E conclui ele que esta caracteristica contribuiu para o caréter cerebral do culto reformado, ** Evidentemente, esta matéria é ampla e n¥io comporta qualquer resposta simplista, que se resuma a uma formula ou frase. O risco de que o culto se transforme em uma simples aula esta sempre presente; assim como, hoje, ¢ disseminada a convicgao de que 0 culto tem se tornado em um espeticulo, Nenhuma destas posturas ¢ elogiavel; o encontro dos cristaos, quer dominical, quer durante a semana, visa que se tribute a0 Senhor a gloria devida ao Seu nome (S129.2). 3. A dimensdo corporativa e social. Uma vez que Calvino via a Igreja como uma comunidade especialissima, que deve sua existéncia ao proprio Deus, sua liturgia valoriza tal dimensio, de diversas maneiras. Deve se lembrar que o comparecimento a Igreja, para participar dos cultos dominicais, era compulséria; os faltosos, como ja foi dito atrds, softiam adverténcias punigdes. Esta medida que hoje soa como autoritéria e desrespeitosa, tinha sua razio de ser na Europa do Século XVI, que ainda sonhava com um Estado teocritico. Hé dois lugares na Liturgia estudada nos quais ha referéncia espeeifica a relago com © préximo: no final do culto, inserida na Oragao final de ago de gragas, encontra-se uma petigao pelo crescimento dos fiis na fé, para que se esforcem no apenas para a exaltagtio da gléria de Deus, mas também para a edificago do seu prdximo. Na exortagao especifica para a Ceia do Senhor, no mesmo pardgrafo em que se fala do auto-exame, os presentes sio desafiados a viverem em paz e amor fraternal com o seu préximo, tendo renunciado a “toda inimizade e rancor”, A longa orago colocada apés 0 sermio desloca a atengdo da congregaglio para as necessidades de variados grupos, préximos ou distantes: em primeiro lugar, os governantes, depois os pastores; a seguir 0 citculo se alarga, contemplando os homens em geral (nestes incluidos aqueles que ja foram iluminados pelo conhecimento da Palavra). A intercessio também abrange as pessoas afligidas pelas doengas, fomes, guerras ¢ outras tragédias. Por fim, Calvino retine em um mesmo parigrafo a intercesstio por irmaos que sofrem “debaixo da tirania do Anticristo” e esto impedidos de cultuar abertamente o nome de Deus. Seguindo 0 que aprendera com Bucer, Calvino enfatiza a dimensfio comunitéria dos sacramentos. O Batismo entio realizado era apenas e tdo somente o batismo de crianeas, recém-nascidos. O costume antigo, existente na Igreja catélico-romana, era a realizagéo de uma ceriménia privativa, da qual participavam os pais e os padrinhos. Calvino antecede a Forma de Administracdo do Batismo com uma rubrica na qual declara que, “como o batismo € uma espécie de adogio formal na Igreja, ele deve ser realizado na presenga de toda a Congregagio e a vista dela”. A liturgia batismal costumava ser colacada no final do culto, mas se exigia que todos aqueles envolvidos (pais, crianga, padrinho) estivessem presentes no templo desde 0 inicio do culto. ** A Ceia do Senhor, celebrada com uma freqiiéneia menor do que desejara Calvino, era precedida de uma intensa preparagio espiritual, chegando a haver visitagdes especificas, por um pastor e um presbitero, as casas dos genebrinos. Os mais jovens somente poderiam participar do sacramento apés terem sido instruidos e, assim preparados, terem feito uma “profissio de sua fé na Igreja”. ** O encontro dos fi¢is para esta celebrago se dava, pois, ‘numa reunio piblica, & qual acorriam todos os que tinham condigées de participar. ® WHITE, James F. Protestant worship: traditions in transition, Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox, 1989, pag. 65. 2 MCKEE, op. cit, pig. 135, ® Isto desmente um comentario atualmente feito por pastores mal informados, de que Calvino permitia que as criangas pequeninas participassem da Ceia. “Ninguém deve ser admitido a Ceia a menos que primeiro tenha feito cconfissio de sua f. Ou seja, ele deve declarar diante do Ministro que deseja viver de acordo com a reforma do Mesmo a celebragdo de casamentos nao estava isenta de publicidade. Entre os amtineios feitos quando 0 povo estava reunido para 0 culto se inclujam os proclamas, feitos por trés domingos. A ceriménia possufa liturgia propria, que faz parte da obra publicada em 1542. Com o passar dos anos estabeleceu-se a preferéncia pela realizago de casamentos € batismos no primeiro culto do dia (ao amanhecer) e no iiltimo, realizado no meio da tarde. ** Calvino une a teologia e a piedade, porque ele nao entende que a atividade teolégica é unicamente um exercicio intelectual. Esta percepeo integradora ele a teve desde cedo, pois intitulou a primeira edigdo das Jnstinwas da seguinte maneira: “Institutas da Religio Crista, contendo virtualmente toda a soma da piedade e tudo o que precisa ser conhecido sobre a doutrina da salvagao. Uma obra que vale a pena ser lida por todos os cristos que tém zelo pela piedade”. 7” O longo titulo mostra que seu interesse esta na piedade e no na erudigao. Piedade, ensina o Reformador, é “teveréncia associada com o amor de Deus que nos faculia 0 conhecimento de seus beneficios”. * Deste modo, forma de culto e teologia esto intimamente ligadas, demonstrando que aquilo que se cr é que aquilo que se vive, e também inversamente: em sua vida didria mostre o crente coeréncia com o que eré. Capitulo extraido de MONTEIRO, Donald B. Genebra, 1542: Uma liturgia para a igreja. Monografia (Mestrado em Teologia), Centro Presbiteriano de Pés Graduagao Andrew Jumper. Séo Paulo, 2008. p. 14.24, cevangelho, e que ele sabe 0 Credo, a Orago Dominical e os Mandamentos de Deus.” (Ordenangas para a ‘Supervisto das Igrejas, 1547, In: CALVINO, Joto, Calvin; Theological Treatises, Trad, J.K.S.Neil Philadelphia: Westminster, 1954, pig. 79). ® MCKEE, op. cit, pig, 98, 99 ® BIERMA, Lyle D. A relevancia da teologia de Calvino para o Século 21. In: Fides Reformata, v. 8, n.2, pag. 2. IRC LiL Anexo 2 - O ensino da CFW sobre 0 culto 4 A CONFISSAO DE FE E 0 CULTO A Confissiio de fé foi formalmente encaminhada ao parlamento em 4 de dezembro de 1646, apés um trabalho que durou um pouco mais de um ano e meio. O documento foi devolvido & Assembléia para que fossem acrescentadas as referéncias biblicas respectivas, Em abril de 1647 este trabalho foi concluido, € no mesmo ano foi adotada pela Assembléia Geral da Escécia. Apenas no ano seguinte o parlamento aprovou o texto da Conyfissdo ¢ ainda assim, com algumas modificagdes. O texto da Confissao que é aceito ¢ divulgado pelas igrejas que a mantém como padrdo doutrinario corresponde aquele que foi produzido na Assembléia e aceito pela Igreja da Escécia, endo 0 texto modificado pelo parlamento inglés, Os tedlogos de Westminster dedicaram um capitulo inteiro para o culto, intitulado “Do culto religioso e do domingo” (Capitulo XX1). Existem, ademais, dois outros lugares nos quais sfo feitas referencias explicitas ao cult. As duas primeiras segdes declaram: CAPITULO XXT DO CULTO RELIGIOSO E DO DOMINGO 1. A luz da natureza mostra que hé um Deus que tem dominio e soberania sobre tudo, que ¢ bom ¢ faz bem a todos, © que, portanto, deve ser temido, amado, louvado, invovado, crido ¢ servido de todo o coragio, de toda a alma e de toda a forga; mas 0 modo aceitével de adorar 0 verdadeiro Deus é instituido por ele mesmo ¢ tao limitado pela sua vontade revelada, que nto deve ser adorado segundo as imaginagoes © invengdes dos homens ou sugestdes de Satanés nem sob qualquer representagto visivel ou de qualquer outro modo ndo prescrito nas Santas Eserituras, IL. O culto religioso deve ser prestado a Deus 0 Pai, o Filho e 0 Espirito Santo - e sé. a tle; mio deve ser prestado nem aos anjos, nem aos santos, nem a qualquer outra ‘Usvasoo VNYRIALGSIad g VAUD! °% = ae ft e : FEOHNAS OV AAN0 VuldSau AN0 AS OGOL ‘gill TOOZ/aRI9A04 “(as) seuiure “INS Oc ONVRAALIAS TIE ORYNINGS OU VIDOTONIH, A VIDUMLIT OP s08s0y0 loMDqOyY OUT PIEUOCy “ADR sod epeandoud ersarar corSryer au ‘oquos “nro stod‘soyuag ‘ou-epren5 “oxjuoo 1 wo ‘sneq_ nau "O OU sn} SOU JPL “royueg ‘ourz04 sora sr} SOU 1epLy “owuag ‘ourzey ‘orSnyar our ‘s04H9S “ye stod ‘soyung “ow-epren ‘oyuoo two ‘sneq new“ uu, UT @ oAaTa “OYUAS “HY eure, qumur & ongpe “soyuog “AY (sz ome) ‘wunye ,yurur & oAap xo4ua4 bei ens w LutUE op esepe WONY ‘ogdero e wirofar aur ogu ang) snag vfos oupuag ‘oprpuore our tion ‘opiano wo} our siog ‘ebeiS ens @ un op eIseye WON, ‘opdeio v eyrofar aw Ogu ang) ‘seq vfos onpuog (oz‘61'99 ows) snaq tfos oupuog si ‘ouenqus nos ON, sig unsoutigg @ whi0 sig “ojop aiuerp ovis sig @peysafeur 9 BUO[s) sesnap sosyey anb op joartuer step ‘opeano| 198 op oufip inj ‘royuog 0 9 opues8 enbiog ‘SeuAereur sens Sy soxod so sopor anit “euo(8 ens y sogdeu se ano rerounuy opbeaes uns e yeurejo01g ‘euiou nas 0 fezipueg, “souusg ov reiwe seme) se sepo1 soqueg oF reIue) “onou oorquo tn JoyUDS OF Tere.) (96 owes) soyuag ov TwIuE ee: ae ee O LOUVOR DAS CRIATURA‘ Salmo 148 SALMOS HOJE, Livr Duas Cidades, S. Paulo, 5*. ed, 1971. Marcagao para jogral: D.B, Monteiro. T | Vinde louvar o Senhor, vos criaturas todas 14 do firmamento! Vés, que nos anunciais a grandeza do seu poder: sol ¢ lua, todos os astros ¢ estrelas brilhantes, tudo que existe na imensidao do espago, Iouvai o Nome do Senhor! Pela sua Palavra, Ele vos criou, e vos ordenou para todo o sempre, segundo uma lei que jamais passard. ae ant is NN a NN Vinde louvar o Senhor, és, todas as criaturas da terra e do mar, reconhecei seu poder criador: fogo ¢ granizo, neve e cerragao, 0 furacdo violento, décil a sua Palavra, montanhas e outeiros, arvores todas, pequenas e grandes. wea begaa Os animais ferozes ¢ 0 gado do campo, 08 bichos que rastejam ¢ os passaros que voam. Todos os povos da terra, seus lideres e governantes, mogos € mogas, velhos ¢ criangas. Vés todos, louvai o Nome do Senhor, porque Ele e s6 Ele é digno de louvor. Sua presenga radiante cobre o universo. ney ae. epee en Hea Vinde louvé-lo, todos os homens de boa vontade, evés, scus amigos mais queridos, © povo do seu corago, _|louvai o Senhor! per PAN Orientagdes para os leitores 1. As-vazes devem ser escolhidas de modo que os timbres se harmonizem quando soarem em duplas. 2. As palavras devem ser articuladas com clareza, sem “comer” silabas. Nao perder o volume na iltima silaba, 3. Segurem as pastas numa alfura que permita ler olhando para a congregagao. ‘Tradugdo parafraseada feita por Carlos Mesters e Francisco Teixeira, publicada em REZAR OS

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