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6~LEI PENAL NO TEMPO 6.1 Introdugo 8 um brocardo latino que di “fempus regit acum’ que quer dae 08 fatos ‘0 regidos pela lei do seu tempo, No Direito Penal, em ateno a0 princpio da legaldade, regra geral seri aplicada a lel penal vigenta. Assim, 2 lei penal deverd, de inicio, roger os fatos corridos desde o momento que om entrou em vigor até © momento em que for revogada Contudo, ha exoogSee a tal regra, consisente no que se chama de “extra alividade da lel penal’, que pode se verifcar quando a lel regula fates ocerrcos antes do sua vigénci (retroatividade) ou quando a lei continua sendo aplicada para rager determinados fos, mesmo que jd néo se encontre mais vigente (utravidado), Em resumo: apesar da regra geral de que os fatos devem ser regidos pela Isido seu tempo, vamos observar que ala penal pode movimentar-se no tempo. 16.2~Princpios da lel penal no tempo ‘As leis penals, como ocorre conr quase tudo na vida, néo duram para ‘sempre, sofrendo também 0 inexorével efito do transeurse do tempo, seja quando revogadas ou quando maditadas. Nosia sucessio de Isis pensis no tempo podem sugiralgumas questées, que se chama ent5o de conflto intertemporal de leis penis. Conforme Cezar Roberto Bitencourt, eos alguns princfpios que prouram resolver estas questées: - lmetratvidade da lei pena Por forga do principio da legalidade, previsto no art. 1° do CPB © art. 5%, XXXIX da GF, all penal no pode retroagir para alcargarfatos que, a0 tempo em ‘que foram pratcados, ainda ndo estavam abrangidos pea sua vigEncia, Isto porque, come const nos dispostives mencionscos, "no Ai erime sem lel anterior que o uma condula que antes considereva come crime. Ex: 0 art. 240 do Cédigo Penal previa a condula de “comoteradultéro’, tendo sido revogado pela Lel 11.10805.. Nesta hipstese, partindo-se da presunglo de que a lei nova é a mais adequada e de que o Estado no tem mais interesse na punigo doa autores de tis condutas, a lei nova rettoage para afastar as conseqisincias Jurdicopenais a que estariam sujeltos 08 seus autores. \Vejames 0 que diz 6 art. 2° do CPB: Art. 2° - Ninguémn pode sar puniée por fato quo let posterior deka de ‘considerar crime, cessando em virtide dela a execigo e 08 efeitos penais dat sentenga condensti Pla prépria lolura do art. 2° pedenos conclir que a aboltio criminis possui dois grandes efeitos: - extingue a puntblidade do agente: ta racioco& confiemado pelo ar. 107, Ido Cédigo Penal, conforme o qual “extinue-se « punbiidede:- pela retoatvidede {te fe que no mais considera ofalo como crminoso? ~ ta costar todos 08 efos penis da eaienga condenatria:havendo escriminalizagio da conduta devem ser, imedistameris, anulados todos os efeitos ponais da sentenca condenalévia. Assim, s 0 réu estava cumprindo penal (principal feito da sentenca penal condenatiria), deverd ser posto em lberdade. Se jd ccumpriu a pane, davem sor spagados os sous registes (policies e juicais), bem como no se poderé mals considerd-loreincldente por tl ato, (Obs, 0 que a abolliocriminis faz cossar 880 03 ofl ponals da eentonga condenatéria, permanecendo, de outro lado, os efits evis. Assim, « sentenca penal condenatéta, mesmo haverdo revogagdo do crime, poderd continua sendo uilizads como tuo executive de eventual reparago cv + Abolto crinins temporais: CCcomre a aboitio criminis temporal quanéo @ aplicagBo de uma norma penal encontra-se tomporariamente suspensa, de maneira que, durante equele periede, ninguém poderd ser punido pela pritica de tal conduta. Foi © que ocereu com © Estaluto do Dasermamento, 20 estabslecer um prazo para que 08 possuidores @ propriatrios de armas de fogo antregassem ou Feguarizessem 0 registro da arma, Durante este prazo, nao Incidl © fpo penal respective. Esse prazo fol chamado “abalto criminis tomoorsiis Principio de continuidade normative tpca: ‘Se verifca quando um deterinado tipo penal (artigo), enbora totalmente revogedo, tom os s0u elementos consttutves aproveidos em auto tipo penal, de rmaneira que aquela conduta continue sendo eriminalizad, ainda que s ticidade penal tenha migrado, [Em oultas pelavras, oor quando uma conduta, ombora revogads, ‘continua sendo normatizada (prevists) como tipica, em razio de ter seus ‘constiuives aproveltados em outro tpo penal, que segue em pleno vigor. Nesta hipétese, embers inicaimente possa se imaginar que tenhe havido Luma “eboliio criminis, Isto €, uma revogagie da conduta criminosa, na verdade correo fenémeno que se denomina “arinpio de continudade nonmativo-tipice: Exemplo: 0 art: 214 tinha a seguinte prevséo: “Constranger alguém, ‘mediante viléneia ou grave ameara, 2 praticar ou pemir que com ele se pratiquo ‘sto ibidnoso, diverso da conjunedo camaY. Este arégo foi expressamente revogsdo pela Lei n. 12016108, 0 que no quer dizor, no entanto, que tal conduta teaha Cixado de ser considerada crime, pois o art. 21 ‘aterada pela mesma lel, passou a Sisco: "consiranger alu, mediante vnc ou grave ameers 8 ter contuncso Noter que a redagéo arteror co art 213, qe fi aleada, orevia aperas: ‘Gonstanger ‘usher & conjungo camel, mediante violéncia ou grave mesa’. B - Novato legis incriminadora: ‘Ao contrétto da aboliio crninés, que passa a considerar normal uma conduta que antes era tiptfcada como crime, a novat legs inctiminadora passa @ considerar cfme uma conduta que antes ndo era prevsia como tal. Jamas a norma penal inciminadora poderd retroagr, alcancando falos praticedos antes de sus vigéncia, em respeito 20 crnciplo da legaldage, mais cespecticamente 20 aspecto da anteroritade deste princpio. Assim, nos termas do inciso XXXIX, art. 5°, CF @ at. 1° do CPB, no nd crime sem lei ANTERIOR que o define E importante cbservar que quando slguém praca um fo que 20 seu tempo io era tpfcado como infragSo penal, mesmo se posteriormente tal conduta pasar 2 'ser considerada crime, ele nBo terd praticado crine algum, uma vez que quando ocorreu sua agéo aquele fala era indferente a0 disito penal C= Novato legis in pes: a lei que por qualquer moda agrava a stage do ru, Também aqui néo hé que sa sdiit a rereativdade de referida Ie (Crime continuado o permanente o 2 sucessio de leis penis: (Crime permanente 6 aquele cuja execupso @ consumagio se prolonga no tempo. Existe uma fogo no sentido de que o agente, @ cade instante, enquanto durar a permanéncia, esté praticando ates de exccugio, E 0 caso, por exer, do crime de seqiestro, no qual, enquanto 2 autor esvar mantendo a vitma em cativeiro, ee esteré consumando o crime. Nesl@ caso a execugdo @ cansuma¢go do ola seabam se confundindo 48 0 crime continuado & aquele que se verifca quando o agente pratica ois ou mais crimes da mesma espéci, sendo que pelas condigtes de tempo, lugar @ maneita de execugdo, devem os subseqientes serem consideredos como continuagso do primero (art. 71). Ex: uma empregada doméstica que, durante um més, pratica, toda semana, furlo do dinhelro na residénda do seu patrao. Imagine, como no exemplo acima, que tenhanos quatro furs praticados 1nas mesmes cicurstancias de tempo, local e modo de execunéo. Vamos Imaginar que quando iniciouse @ suosssio dasses. crimes tivéssemos ume lei A que previa a pena de 1 # 4 anos. No melo desta sucesso velo a el B prevendo a pena de 1 a 5 anos, NBo deverge esquecer que no exe Ccontinuado, considerendo © exemplo acima, no muro embora tenhamos quatro furtes clstintos, daveros tratar como se fosse apenas un. Do mesmo imegine-se que 0 agente tenha seqiestrado a vitima durante 3 vigneia da ei A, permanscendo com a mesma por dois meses em cativeio, ocasi8o fem que era om vigor a lei 8, mals graves Nestes dois casos, qual 8 i dove ser aplcad, a anterior ova posterior? | solugdo encontra-se pacicada pela Stimula 711 do STF: A le/pena/ mais grave aplca-se 2a crime continuado ou permanente, so a sua vigéncia & anterior ‘cessapio da continidade eu da permanéncit. D- Novato legis n melts ‘Assim se considera a le que, de aualquer modo, avorecer © agente 1A novato legis in meus eempretoré apicagdo reroatva, mesmo que © caso [A toa sido decide por sertenca penal ransiada em juga. EEnconte-seprevista no art. 2* do Géaigo Pen: Pardgrato nico ~ A lei posterior, ue de qualquer modo favorecer 0 agente, aplica-se 908 fates anteriores, ainde que deoisides par sentenga condenatévin transitads em julgado. ‘Ateneo: 0 at. 5°, XXXVI da Consituigdo Federal aduz que “a lei ndo _prejudicard 0 dire adquiiee, 0 at jurdico periato a clea julgads [A rotroathidade da lel penal mais benéfica, nos casos jé transtados em |ulgados, ndo violria tal precelto? Nao, © por uma razio bastante simples: tal norma constiucional constitu Luma garantia do cidadéo em face do Estado, 0, sondo assim, jamsis pede ser usada para prejucicar o cidado. Lei posterior mals benéfca pode relroegir quando ainda na vaca lagi? Como se sabe a lel somente passa 2 tor efcdca juridica a partir do terme inicial de sua vigéncia, isto uma lel apenas passa a ser aplicada a partr do ‘momento em que entra em vigor. No entanto, raando se Jor mitior, ou seja, de uma tei penal que por qualquer modo favorece o agente, surge a questio, bastante controvertida, sobre 8 possbidade de eua epleagae ainda durante 3 vscatio legs. Boa parte dos doutinadores, a exemplo de Rogério Greco, Cezar Btencour, Ministto Vicente Cemiacchiaro entendem pela aplicagdo da lex mitior sinda durante a vacato legis. Esse também 6 posieenamento de Neleon Hungria para quem: “A Je/ em periedo de vacstio no deta de ser lei posterior, devondo, ‘Pots, ser aplicada, desde logo, se mats favordvel ao ri. Por outro lado vamos ter outros autores, como Damasio de Jesus, Frederico Marques © Guilherme de Souza Nucci para os quals no se pode admitr a apioagso a lei penal antes de sua vigéncia, até porque é possivel sua revogagéo, mesmo antes de entrar em vigor. 6.5~Lel intermediéria Na sucessdo de les no tempo pode surgir uma situagdo em que a lela ser ‘aplicada no é nem aquela vigante 20 tempo da condua nem a vigante no tempo do julgamento. Neste caso, estamos falando de uma lel inter eda, ou sola, uma lei que possuiré dupa extaatividads, Imaginem a sucessio de trés leis, sendo a leiA mais sovera; a lei B mals bonéfica @ lei C, novament, mais severa Nesta hipétese, a li 8 retroagiré para aleanrar os fatos ocorridos durante 2 vigéncia da A, epicando-se, assim, 0 principio da rottoatvidade mais benéfica Por outro lado, esta mesma lei B, deveré ser eplicada quando da vigéncia da C, para regular fatos que, embora comelides anterlerments, apenas estejam sendo julgados naquele momento. Assim, pode ocorrer desta lel intermediria ter, a0 mesmo tempo, ratoatvidede @ ulvathidade mals benéfcas. Ser o caso de um fato {or sido pratcado durante a lei A (mais severe), er sido a investigagio @ o procassa realizado durante a vigéncia da lei B (mais bonéfia -iniermediéria),e somente estar ‘sendo juigado jé na vigBncia da ll C (novamente mais severa). lel a ser apticeda, nosta hipétese,sord ali B, intermedia, Resumince, com Rogério Sanches, podemcs assentar que “a ie internediéria & aquela que doverd ser aplcada pore bendfca 0 réu, muito ‘embora nio fosse a Je/ vigente 20 lempo db fal, tampauco seia a lel vigente. no ‘momento do julgamenta’ 6.8 ~Conjugagto de lls, 418 vimos que @ lei penal mais benéfica pode movimentar-se tempo, tanto para regular fates que acorrerem antes de ua vigéncla, coma para reger condutes ‘que, embora pratcadas ao seu tempo, venham a ser juljadas quando ja revogade, [A quostéo que ora se prope, contudo, & saber sa o julgador pode corjugar ‘aspectos favordvels de uma ll ja revogada com aspecios favordvels da lel vigento, aplicando-se, assim, para © mesmo fato, duas leis penais, nos pontos em que beneficiam 0 réu. Ha uma grande divargéneia doutindria ejsisprudencial sobre o assunto ‘Autores do escol de Nelson Hungtia, Heleno Claudio Fregoso © Anibal Bruno nao admitem esta possllidade, sob pena de 0 iz se arvorar na fungéo de legistader, criendo uma terceira norma penal (Ler fetus). Por outro lado, Daméslo de Jesus, Rogério Greco ¢ Cezar Roberto Bitencourt, dentre autres, entendem pela possibiidede da conjupagao des leis 20 ‘argumento de que, neste caso, ojuiz nfo ests ctiando uma terceira li, invadindo ‘assim a esfera de cempettncia Go poder legslavo, mas apenas realizando aividade integrativa consoante os principles consttucionals da reroatvidade e utratvidade male bonéfica, Btoncour, citando Frederico Marques, aduz que “se & permiée escoiher 2 todo’ para garantr tratamanta mais favordvel 0 réu, nada impede que se possa ‘Selecionar parte de um todo e parte de outs, para tendes a uma regra constitiional (ue deve estar acima de prurides de gies forma’ Do mesmo modo, na jursprudncia 6 grande a divergéncia sobre o assunto, {que ganhau especial relevo com a edigso da Lei 1.34306, a qual revogou a Lei n. 6.368/76, anterior lei de drogas. No Let n. 6.368 pena minima pera o crime oe tco era de tis anos, ssendo aumeniada pela nova lel para cinco ans. Ooor que esia nova Ie também previa uma causa de diminuiggo de pena de 1/0 alé 2, quando © agente fos primétlo@ de bons antecedentes, ‘A questo que suis, entéo, era seo juiz podera apicar, a0 mesmo fato, a pene minima da lel anterior com a caus de diinuigdo de ei nova, O préprio STF tem divergido sobre o tera. No HC 96496, por sue 2° Turma, decidiu que "A causa de diminuizo de ‘pone prevsta no at. 38 da Let n° 11.34/06, meis benigna, pode ser apicada sobre ‘apena faa com base no at 12, caput da Leln® 6.368776" {Ja no HC 107.589, 1" Turma, resaliou que “A minorante do § 4° do art. 33 da Lei n° 11.943106 no incide sobre @ pena cominada no srt. 12 da Le! n? 6.368, (posto ndo ser possive! mesclar partes favordvels de narmas cantraposiss no fampo ‘para ciarse wm tercera sistema (Lex tra) pela vis de iterpretapdo, sob pena do tusurpagao da funez0 do Poder Legisiatio”. Por fim, assenie que 0 STJ consoideu sua posiglo sobre o tema, através da Simula 501: "E cabivel a eplcado retoatva da Le! 11.343/2006, desde que 0 resultado da incidéncia de suas dsposiptes, na Integra seia mais favorivel ao réu do ‘que 0 advindo da apleapao de Lei 6.368776, sendo vededa a combinagao de leis 6.9 Competéncla para a aplcagéo dale mais benéfica Inicaimente ¢ importante repetir que a Isi penal mais banéfca retroagira Sempre, salvo se jé Hower o integral cumprimenlo de pena, quando entéo nao haverd mais interesse em sua reroagao, ‘Assim, podemos viskumbrar a aptcaco da li penal posterior mais benéfica 1m dois grandes momentos: antes do transio em julgado: ~ aps 0 transit em julgado, [No primeio momento, se antes de senienfa defintiva sobreviér uma lei mais fevorével 60 réu, caberd 20 Julzo da causa (\so © julzo onde estiver tramitando © processo) efetivarthe @ aplcacso, soja o juz de 1° grau, ssja 0 “Tribunal, se o proceso sive a fase recurs J4 no segundo momento, ou seja, apés ja ‘er transitado em julgado a ‘sentenga penal, af a aplicagso da lei nova’ mais benefica card a cargo do juizo dda execugao (equele responssvel pela execucdo da pena imposta no processo de cconheciment). Outro nao & © posicionamento pacificado palo STF, por intermédio da ‘Simula 611: “Transitads em jugado a sentence condenatiria, compete 20 julzo des execuptes 2 gpcepio ds li msis benigna’ Esta 6 a regea goral, contudo, deveros atentar para a seguinte situagéo, ‘muito bom lembrada pelo autor Alberto Siva Franco. Quando a aplicagdo de lei nova implicar em mera operagio matematica, resultado da aplicagzo de citérios puramente objtivos, o juzo da execugao & que, do flo, serd o compatonte para aplcar a lei nova, Contudo, £6 a apicagio da lei nave depender de nova andlige do mérito

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