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BOLETIM INFORMACOES NOTICIAS BIBLIOGRAFIA LEGISLACAO CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAFIA INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA nr ANO XIlL MAIO-JUNHO: OE ‘pe Nie 126 CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAFIA SECRETARIA-GERAL . . (Oraio Execurivo CENTRAL DE FINALMADE ADMINISTRATIVA B CULTURAL) Secretério-Geral FABIO DE MAcepo Soares Guimaries Secretdrio-Assistente Nito BERNARDES Consultor Juridico ALBERTO RAJA GABAGLIA _ DIVISAO DE ADMINISTRACAO Riretor — Micven Atves pr Lima DIVISAO DE CARTOGRAFIA Diretor — Aumrio H. DE Matos DIVISAO DE GEOGRAFTA Diretor — On.anpo VaLvenne DIVISAO CULTURAL Diretor — Vinam.io Corrfa FILHO BOLETIM GEOGRAFICO Responsdvel Faso bE Macrbo Soarrs Gurmardss ‘Diretor ‘Virco Corrfa FILzo . Secretdrio ANTONIO LIBERALINO DE Moras Ausiliar ArvaLno Virrra Lima . . O “BOLETIM” néo insere matéria remunerada, nem aceiia qualquer espécie de publicidade comercial, ndo se responsabilizando também pelos conceitos emitidos em artigos assinados. ASSINATURA ANG eee eee cece eee cece eee eee Aenea na ee er tnesreeeeeeeee Cr$ 30,00 REDACAO * CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAFIA Avenida Belra-Mar, 436 Edificio Iguacu Rio de Janeiro DISTRITO FEDERAL (Enderégo telegrifico) — SECONGEO. Pede-se permuta Pidese canje We ask for exchange : . . On démande Péchange . Oni petes intorsangon Man bittet um Austausch Si tichiede lo scambio BOLETIM GEOGRAFICO ANO XIN | MAIO - JUNHO DE 1955 | No 126 EDITORIAL: Tertélias — VIRGILIO CORREA FILHO (p. 271). TRANSCRIGOES: A Lel do Thinen ¢ a sua Significagio|para a Geosrafia Agriria — LnO WATBEL (p. 273). : : CONTRIBUICAO A CIFNCIA GEOGRAFICA: As Altas Superficies de Aplainamento do Brasil Sudeste — AZIZ NACIB AB'SABER (p. 295) — Rios que somem — JOSE CARLOS P. GRANDE {p. 201) — Notas a Propésito dos Depésitos Conchiferos de Sio Lourenco, Boavista e Chdcara do Vintém (Niterél — Estade do Rio de Janeiro) — ANTONIO TELKEIRA GUERRA (p. 305) — Estradas Liquidas do Brasil — C, CHAGAS DINTZ (p., 310) — Aspectos Sociais da Cultura do Café — J. F. DE ALMEIDA PRADO (p, 318). ' CONTRIBUICAO AO ENSINO: Divisio Regional do Brasii — LYSIA MARIA CAVALCANTI BER- NARDES (p. 325) — Climatologia ¢ Massas de Ar — ANDRE MEYNIER (p. 328). : BIBLIOGRAFIA E REVISTA DE REVISTAS: Registos ¢ Comentétios Bibliograficos — Livros (p. 331) Periédicos (p. 332). NOTICIARIO: CAPITAL FEDERAL — Congresso Nacional (p. 335) — Instituto Brasileiro de Geo- gratia e Estatistica (p. 335) —- Conselho Nacional de Geografia (p. 337) — Conselho Nacional de Estatisticn (p. 338) — Presidéncla da Repiblica (p. 339) — Ministérlo da Agricultura {p. 340) — CERTAMES -- XVIEI- Congresso Internacional de Geografia (p. 340) — INSTI- TUICOES PARTICULARES — Sociedade Nacional de Agricultura (p. 341) — UNIDADES FE- DERADAS — Rio Grande do Sul (p. 342). ‘ RELATORIO DE INSTITUIGOES DE GEOGRAFIA. E CIENCIAS AFINS: Minas Gerats (p. 343). LEIS_E RESOLUCOKS: LEGISLACAO FEDERAL — integra da legislagtio de inter€sse geografico — Leis (p. 352) — Decretos (p. 353) —- Resolugdes do Instituto Brasileiro de ‘Geogratia © Esta~ tistica — Conseiho Naclonal de Geografla — XIV Sessio Ordind4ria da Assembiéia Geral — 1954 (p.357). Editorial Tertilias Reatando fecunda tradic&o, que em fase memordvel Ihe granjeou justos louvores, 0 Conselho Nacional de Geografia promoveu a reuniao, em sua sede, a 8 de junho, de abalizados técnicos, gedgrafos, professéres, convidados para participarem da discussio de momentoso problema. Ao engenheiro Edgar Teixeira Leite, ex-secretério da Agricultura no Rio de Janeiro e atual presidente do Conselho Nacional de Economia, coube a explanacéo do assunto, a que se devotou com o fervor dos paladinos. Deu-lhe o titulo de “Defesa e recuperacdo do vale do Paraiba”, que the inspirou abundantes consideragées acérca do passado glorioso da tegiao e do declinio, que the sucedeu, quando a lavoura cafeeira emigrou para as terras paulistas, arroxeadas ‘pela decomposi¢éo do diabasio. © surto industrial, porém, que, neste século, em menos de um decénio, transformou o sonolento povoado de Volta Redonda, simples estagao de em- barque de leite, de modestas rendas, em ative centro siderirgico, flanqueado de moderna cidade, provida de excelentes servigos municipais, desvendou novo ciclo de prosperidade. - Para que the seja imitado o exemplo, faz-se mister que nao sofra diminui- ¢a0 0 suprimento d’dgua necesséria ao consumo dos habitantes da regiao, em aumento, e as crescentes aplicacées industriais. E por temer conseqiiéncias nefastas do pretendido desvio de parte da contribuigdo dos formadores do Pa- raiba, exigido pela projetada Usina Hidrelétrica de Caraguatatuba, empreendeu, com ardor, pertinaz campanha protetora do rio lendério, em cujo vale se en- @randeceu a aristocracia rural fluminense. O seu comparecimento a reunido evidenciava inegavel saczificio, a que nao se poupou, para expor a douta assisténcia a sua opiniéo, em palavras que foram sumindo, até que, por fim, a total afonia néo Ihe permitiu contestat as objegdes apresentadas pelos debatedores. Por falta ou desisténcia dos outros, apenas trés comentavam as veementes conctusées do orador, para thes atenuar as tragicas previsoes. Os engenheiros Ribeiro Filho, que vem estudando a hidrologia do Paraiba, principalmente no alto curso, Valdemar de Carvalho, diretor da Diviséo de Aguas, responsdvel pelos estudos contiados & sua chefia, e Saturnino de Brito, que analisou as con- digées reais de parte do vale e suas aglomeracées urbanas, como sagaz enge- nheiro sanitarista, apresentaram nimeros derivados de observacées cuidadosas, que tkes fortaleceram a argumentagdo. Nao houve réplica, pela impossibili~ dade lamentavel do orador de readquirir, de momento, a voz que Ihe fugira. 273 BOLETIM GEOGRAFICO Mas a assisténcia bem compreendeu os esclarecimentos dos profissionais, que indicaram diferentes aspectos do grave problema. E endossou-lhes de bom érado a conclusio a que chegaram, sem discrepncia, a respeito da urgéncia de criar-se o érgao, sugerido pelo engenheiro A. Lamego e patrocinado pelo con- ferencista, que poderd intitular-se “Departamento do Rio Paraiba”, incumbido de estudé-lo em conjunto, para a solugéo ampla, decorrente de investigagdes Minuciosas, que nao leve em conta as pressées politicas, nem.as contingéncias sentimentais. . : ~ E como se afirmasse, durante a discussdo, que o problema se enquadrava na érbita dos técnicos de varios ramos, como. engenheiros, economistas agréno- mos, o professor Hilgard Sternberg, por fim, pleiteou que também féssem ou- vidos os gedgrafos. Compete-lhes a coordenagao das contribuigdes dos espe- cialistas que, de costume, apenas consideram o setor a cujo exame se dedicam. Portanto, quando se tratar do planejamento racional para a recuperacdo eco- ndémica de todo o vale paraibano, das mais altas cabeceiras, no Paraitinga, A foz, em Séo Joao da Barra, cumpre nao thes seja desprezada a cooperagdo eficiente. E por isso, o futuro Departamento Federal, que se disponha a estudar cabalmente as peculiaridades do rio Paraiba, para a solugao criteriosa dos seus problemas, além de outros especialistas, também haverd mister de convocar os profissionais da Geografia. Assim, os presentes a primeira terttlia, apés longo ptazo de interrup¢ao, convieram em reivindicar para. os gedgratos as fungdes que lhes devem caber, em empreendimeritos andlogos aos que vao transfor- mando a paisagem paraibana, mercé da intervengéo do trabalho do homem orientado pela técnica moderna. A propésito, lembrou o professor José Verissimo da Costa Pereira, ao con- Sratular-se com o secretério-geral pela realizagdo da promissora iniciativa cul- tural, gue ao Paraiba o plano anterior de palestras consagrou mais de uma sessio reveladora de aturadas pesquisas. Acorde com a énfase que lhe foi atribuida aos estudos, ainda empolgou a aten¢ao dos observadores, por ocasiao da auspiciosa inaugutagéo da série atual, o vale predestinado a radjoso futuro. ’ _ Viretuio Corréa FILHO Diretor da Divisio Cultural do €.N.G. Transcricées A Lei de Thiinen e a sua Significacdo para a Geografia Agraria’ Leo WarsEL O ASSUNTO DO “ESTADO ISQLADO”? O “Estado Isolado” é uma abstracao de natureza espacial, natural e econémica. A abstragdo espacial consiste em que éste Estado tem uma forma circular e gue esteja completamente isolado do restante do mundo por uma floresta impe- netravel. Dai o nome de “Estado Isolado”, A abstragao natural consiste em que éste Estado esteja localizado numa planicie de solo absolutamente uniforme, com condigdes climaticas invartaveis e que nao apresente Aguas navegaveis. A nbstracio econémica finalmente ¢ a seguinte: a populacao déste Estado prat'ca a agricultura e a silv:cultura segundo os métodos da Europa Central; o seu nivel cultural é igual em toda a parte e tao desenvolvido que se pode passar sem dificuldade de um sistema de atividade para outro. Todas as propriedades agricolas sig do mesmo tamanho, sendo inteiramente exploradas com o intuito de conseguir um rendimento liquido o mais alto possivel. Nao se trata, portanto, de uma economia natural, mas de uma economia de intercomunicagées que «trabalha para um mercado*. Todos os transportes das propriedades agricolas para éste mercado sao realizados através de estradas axiais. Este mercado é uma grande cidade que fica exatamente no centro déste Estado, ccngregando todas as atividades nao referentes & agricultura e silvi- cultura. La sio vendidos os produtos agricolas excedentes que nfo sao consu- midos pelo proprio produtor. Nas proximidades da cidade ficam também as mineracées e salinas que abastecem de metais e sal todo o Estado. Téda con- corréncla de outros mercados interiores ou exteriores é excluida. A cidade for- nece todos os produtos manufaturados para o Estado, e éste por sua vez tem de abastecer a cidade de géneros e de lenha. O valor de troca déstes produtos é determinado pelo prego pago pelos mesmos na cidade. Com isso, 0 quadro do “Estado Isolado”, até ent&o estatico, adquire uma grande dinamica. Como nos pregos Pagos na cidade também estado incluidos os custos de trans- porte até a mesma e éstes aumentam com a distancia, tém de ser produzidos nas Areas mals exteriores os produtos que, em relagao ao seu valor intrinseco, exigem despesas de transporte reduzidas e, além disso, aquéles que nado se dete- ricram facilmente e que nao tém de ser consumidos frescos. “Ja por éste motivo apenas se formarao em térno da cidade circulos concéntricos bastante bem defi- + Capitulo da obra: Probleme der Landwtrtschaftsyeopraphie — Wirtschattsgeographische Abhandiungen — Hr. i — Ferdinand Hist, Breslau, 1:33, Trduzido pelo gedgrafo Walte: Alvetto Ecler. . * A obra dlvide-se em trés volumes. © primetro volume surgiu om o subtitulo: “Anéllse da influéncia que exercem s0bre a agricultura o preco dos cereals, a fertilidade do solo ¢ os Impostos”, no ano de 1826. O segundo volume tmts do “sali"lo mdequado e sua relacko com a taxn de Juros e com a renda” e surgiu em 180 nums primelra parte e em 1863, anés a morte do autor, numa segunda parte. No mesmo ano velo a lume o terceiro volume da obra que tmta das “Bases para o determinacéo do rendimento do solo, da épocs de circtilagéo mais favorével_e do valor das rese-vns de madeira de diferentes idades no reflorestamento com ptinheiros”. A obra completa, encerrando os trés volumes, fot editada em 32 edi¢ho em 1875 Por H, Schuhmacher-Zarchiin e as minhas refeténctas sio relativas # esta edigho, Do primelro volume e@ da primeira parte do segundo, que sto som ditvida os mais importantes, a cditéra Fische- de Jena apresentou nova imnretsio em 192i p. agaCttl Grunberg em: Handworterbuch der Staatnoissenseha/ten, Vol. 8, — 4. ed.» 1028, m4 BOLETIM GEOGRAFICO nidos, nos quais éstes ou aquéles produtos representam a principal produgio. Com a cultura de um ou outro produto, encarado como finalidade principal, modi- fica-se também téda a forma de economia, e vamos encontrar nos diferentes circulos sistemas de ecohomia inteiramente diferentes” (Thinen, vol. 1, pag. 2). Thiinen distingue seis désses circulos, ou melhor anéis agrarios, em torno da cidade. No anel mais interno sao produzidos os produtos que nao suportam um transporte demorado: verduras, flores e leite. Como podem ser obtidos na cidade adubos & vontade, torna-se possivel cultivar ali de maneira bastante intensiva. Uma rotacko de culturas nao é necessaria e reina livre economia na forma de horticuitura. No segundo anel vamos deparar uma forma de economia inteiramente diferente, ou seja a silvicultura, porque o transporte da lenha em carros torna-se muito dificil e caro. No terceiro ane! pratica-se a cultura por meio de arado, segundo o sistema de rotacéo de culturas, alternando cercais com forragens. No quarto anel, que é muito largo, reina o sistema de afolha- mento, uma espécie de economia de pasto-campo de cultura, na qual a terra é alternadamente arada, plantada e transformada em pasto. No quinto anel surge o sistema dos trés campos com 0 alqueive. £ estreito, comecando a 24,7 milhas da cidade e terminando a 31,5 milhas da mesma. No sexto anel, que é nova- mente muito largo, s6 pode ser produzide para o consumo da cidade, e, uma vez que o custo dos transportes para cereais é¢ muito elevado, pratica-se a criacko, e isto como forma de economia independente, ou seja, de criac&éo extensiva. O gado pode ser transportado sem grandes despesas até a cidade, mas antes de ser abatido 6 ainda engordado no ane] mais interno. A 50 milhas de distancia ds cidade termina também o anel da criacdo, Mais para fora, embora exista © mesmo solo fértil, logram apenas viver alguns cacadores espaihados pela flo- resta. Trocam éles os poucos produtos de que carecem por peles de animais Silvestres. Num mapa esquematico (Vol. 1, pag. 390} estéo representados os diferentes anéis, segundo a distancia exatamente calculada do centro da cidade. O did- metro do “Estado Isolado” compreende 100 milhas. “Um viajante que percor- resse o “Estado Isolado” poderia, em poucos dias, ver praticamente aplicados todos os sistemas econémicos atualmente conhecidos. A sucessio regular, segundo a qual aperceberia os diferentes sistemas eco- némicos, surgindo um apés 0 outro, livra-lo-ia do engano de atribulr & ignorancia dos agricultores o fato de que, nas regides mais afastadas, a cultura nao seja tao aperfeicoada como nas proximidades da cidade" (Vol. 1, p. 262). Compare com 0 mapa esquemtico da fig. 1. No segundo capitulo do primeiro volume. Thimen compara o “Estado Iso- lado” com a realidade, estabelecendo os seguintes pontos segundo os quais os estados e paises reais se diferenciam essencialmente do “Estado Isolado”: 1. “N&o existe na realidade nenhum pais em que © solo encerre em téda parte a mesma riqueza e que apresente wniformemente a mesma constituicio isiea”. 2. “N&o ha uma tnica cidade grande que nao esteja junto a um rio ou canal navegavel”. A alteracio que sofre a concepcao do “Estado Isolado” diante destas condices madificadas pode ser observada no esquema da pégina 391 do primeiro volumes, levando-se em conta que o custo do transporte fluvial seia 1/10 do transporte por via terrestre. A rotacdo de culturas alarga-se extraordi- narlamente e estende-se ao longo das margens do rio até os limites do Estado. Em compensacao, o anel da criacéo de gado recua bastante, desaparecende na proximidade do rio. “Uma idéntica influéncia, embora em menor escala, promove a construgdo de uma estrada artificial” (Vol. 1, p. 392). Compare no esquema 2. No segundo volume, publicado em 1850, Thiinen também levou em conta o novo melo de transporte da estrada de ferro e calcula que, sob influéncia da mesma, 0 “Estado Isolado” atingiria “um didmetro de 308 milhas, isto é, mais ou menos a distancia entre a extremidade mais meridional da Calabria e o extremo norte da Jutlandia” (Vol. 2, parte I, pag. 107). Nesta 4rea, bem mais extensa, néo pode deixar de ser levada em conta a influéncia do clima, e a critiea que Thien faz neste sentido dos livros de agricultura; ainda tem até hoje téda a razio de ser, ccadjuvando-se inteiramente com o ponto de vista TRANSCRIQOES 215 de nés gedgrafos. Escreve éle: ““Mesmo os nessos melhores tratados sdbre agri- cultura s6 séo certos e vélidos para um determinado ponto de vista, para um. determinado clima. O pior nisso tudo é que éles nao esclarecem isso devida- mente e fazem crer numa falsa generalizacao” (ebenda). Mas o extraordina- rlamente cuidadoso e consciencioso observador que é Thiinen nio desconhece a grande dificuldade do problema de yerificar a influéncia do clima na agricultura e projeta para a sua solugio um plano grandioso, de como um homem provido -de recursos, com a colaboracgio do govérno, teria de estudar a influéncia do clima na agricultura em viagens de longa duragdo entre a Calabria e a Jutlandia. (Vol. 2, parte II, pags. 107-114) . 3. “Cada Estado de considerdveis dimensdes, com uma grande capital, tem além da mesma, muitas outras cidades menores, que se encontram espalhadas pelo mesmo”, Sua influéncia na configuracgéo do Estado é analisada nas péginas 213 e 392 da primeira parte e 120-129 da segunda parte do segundo volume sob o titulo: “O arranjo e distribuicdo das cidades no “Estado Isolado”, podendo ser encarada como uma tentativa de geografia urbana. 4. “Na realidade, raramente, ou quase nunca, se exerce uma influéncia tio acentuada dos tratos de terra que somente produzem produtos animais sobre © preco dos mesmos, como é 0 caso no “Estado Isolado”. Mas, apesar déstes desvids da concepcao tedrica, “o principio que deu origem & concepgao do “Estado Isolado” existe na realidade, porém os resultados que apareczm em conseqiiéncia do mesmo mostram-se em formas modificadas porque simultaneamente influem muitas outras condigées e circunstancias” (Vol. 1, pag. 274). Isto é, em suma, o assunto do primeiro yolume do “Estado Isolado” no que diz respeito & parte que intersssa & metodologia da geografia econémica. O assunto do segundo volume, o estudo do salario natural, € quase, inteiramente do dominio da economia politica. Do ponto de vista geografico, éste assunto ap2nas se torna importante porque Thiinen estende em parte as suas consi- deragdes até os tropicos, crlando ali um “Estado Isolado” para poder estudar a constitui¢ao do capital a partir de um trabalho continuo, O terceiro volume do “Estado Isolado” encerra consideragées tedricas e calculos sobre silvicultura. No que diz rspeito & geografia econémica, é de interésse apenas a referéncia contida no mesmo da correlagéo existente entre as imediagoes desprovidas de rorestag as cidades de Mecklznburgo e a teoria do “Estado Isolado” (Vol. 3, pag. Esta 6 a configuracao do “Estado Isolado”, um principio que deu a Thiinen (Prefacio, pag. XIX) luz e clareza sébre muitos pontos da vida e que lhe parecia capaz d2 uma aplicacéo tio ampla que -considerava como a concepedo mais importante de todos os seus trabalhos. E com isso chegamos & questao do método le Thinen. 2, QO METODO DE THUNEN Com respeito a0 método de Thiinen, existe na_literatura da economia poli- tica uma verdadsira polémica. Alguns autores sio, de opiniio que 0 método de Thiinen seja descritivo, indutiyo,' enquanto outros, ao conirario, 0 con- sideram abstrato-dedutivo’, Para nds interessa essencialmente a questao de sa- ber até onde a concep¢io do “Estado Isolado” é um conceito puramente abstrato e até que ponto se fundamenta em realidades concretas. Deve-se esclarecer, antes de mais nada, que Thiinen nao foi um professor teérico e sim um agricultor prdtico que mantinha na sua propriedade rural Tellow, em Mecklenburgo, desd2 1810 até 1815, um livro de contabilidade de todas as atividades de sua fazenda. A finalidade que élz pretendia com esta medida era, segundo Passow, (Ob. cit., pag. 6), esclarecer a questao: “Pcde-se atribuir uma absoluta vantagem 4 rotacao “7fighard Passow: “Die Methode der nationalikonomischen Forsehungen, Johan Heinrichs yon Thien", in: Zeitsehrijt fiir die gesamte Staatswissenschajt, Tabingen 1902, p. 8 Lifschitz, By: "Die Methoden der “Wirtsachaltawissenscbate: bet Johan Heinsich von ‘This pene, lai Jahrbiicher tr Nationalokonomie und Statistik. 3. Folge, vol. 25, Jena 1003, péxs. 276 BOLETIM GEOGRAFICO de culturas (que naquela época tinha sido introduzida no continente, trazida da Inglaterra, sendo ativamente propagada por Thaer, mestre de Thiinen em Celle) ante o sistema de aforamento, ou a éste sistema ante o sistema de trés campos?” . A conclusio 3, que chegou Thiinen, através de seus calculos, foi de que nio se podia falar de uma absoluta preferéncia de qualquer sistema de exploracio econémica, mas que tudo dependia do pr2c¢o dos cereais para, determinar qual dos sistemas era o certo. Precos muito baixos dos cereais levam ao emprégo do sistema de trés campos, precos mais elzvados ao sistema de aforamento (Para o sistema da rotacao de culturas, Thiinen nado dispunha de elementos para comparacao). Isto é a “lei da relativa superioridade de cada sist2ma econd- mico”, como Rodbertus Jagetzow a denominou numa carta enviada a Thiinen’. O preco dos cereais de todo o pais é, no entanto, estabclecido na cidade, e€ no campo, em virtude do prego dos transportes, é inferior ao vigorante na cidade. “Com a maior distancla ao mercado, elzvam-se as despesas de trans- porte, e o valor do cereal na propria propriedade concomitantemente decresce. A distancia cada vez maior a0 mercado age portanto como um abaixamento no preco dos cereais numa-mesma distancia. £ possivel portanto representar espa- cialmente a influéncia que o preco dos cereais exerce na agricultura e desta representacdo espacial originou-se a concepgao do “Estado Isolado” (Thiinen, vol. 2, parte 1, pag. 6). E portanto um aspecto diretamente geografico. Com isto, Thiinen chegou a uma segunda lei, ou seja, ao arranjo das formas de economia e de exploracio,”’ segundo o grau de intensidad2. Posteriormente denominaram-na “teoria da intensidade de Thimen”!. Do centro do estado para a sua p2riferia o emprégo em trabalho e capital torna-se cada vez mais reduzido e com isso a forma de explorac&o vai ficando cada’ vez mais extensiva. Mas no foi somente a interpretagdo da cuidadosa contabilidade na sua pro- priedade Tellow que levou Thiimen a éste resultado, pois éle podia apoiar-se também em observagées proprias, embora de Ambito restrito, em outras regides do norte da Alemanha, Ant?s de mais nada, deve ser levado em conta que Thiinen nao era natural de Mecklenburgo, mas que nasceu na regiao pantanosa de Jever, sendo filho de um fazendsiro e que seu aprendizado agricola realizou-se na aldeia de Grosz-Flottbeck, em Altona. La éle travou conhecimento com a grande influéncia que a proximidade dos c2ntros de consumo de Hamburgo e Altona, pela facilidade de colocagaéo dos produtos e aquisigéo de adubos, exercia sébre os estabelecimentos agricolas das imediag62s. La também concebia, no ano de 1803, como jovem de apenas 20 primaveras, um trabalho altamente inte- ressante sdbr> a “A agricultura da aldeia de Grosz-Flottbeck”, que Passow pu- blicou postumamente (Ob. cit., pags. 36-37) . Escreve Thiinen neste trabalho: “Supondo-se que num pais de 40 milhas de diémetro houvesse no s2u centro uma cidade, que éste pais so pudesse colocar os seus produtos nesta cidade e que a agricultura no mesmo estivesse no mais alto grau de cultura; entio poder-s2-ia admitir que os sistemas de economia em torno desta cidade se dividiriam em quatro classes”. Em seguida descreve a espécie de sistemas de economia e a exata distancia dos mesmos em relacko & cidade. Estes sao (segundo a terminologia posterior de Thtinen) a horticultura, a rotac&o de culturas, o sistema de trés campos e a criaciéo. JA aqui, portanto, delin2ava-se a clara coneepgio do “Estado Isolado” (compare também Thiinen, vol. 2, parte 1, pag. 4), que nasceu da observac&io dos anéis econdmicos em térno das cidades gémeas Hamburgo-Altona! Isto aparentemente 6 um forte argumento para a concepcio d> Passow de que o método de Thiinen é puramente indutivo. Lifschitz (Ob. cit., pig. 819) replica entretanto que, m2smo que Thien tenha chegado 4 concepciio de suas teorlas de maneira empirico-indutiva, posteriormente analisou éste problema & luz da historia e da geografia e som2nte entao tenha estabelecido o verdadeiro ag’ Ey Betunmacher-zarchiin: Johann Heinrich von Thiinen, ein Forscherleben, Rostock 1868, pag. 172, 1B. Kraymowsky: “Mathematische Betrachtungen cur Thtnen’schen Intensistitstheorie, in: Kleine abhandiungen aus dem Gebicte der Landwirtscha/t und Naturwissencha/t, Ludwigsburg Pag. 10. TRANSCRIGGES a7 carater do fenémeno. Nao foi éste, entretanto, o caso pols éle desenvolveu o seu principio a partir désse primeiro exemplo. Exatamente isso seria um critério de deducio. “Também no processo dedutivo, € necessdria a indieacio de pelo menos um caso. & indiferente, entretanto, s2 0 mesmo existe de maneira con- ereta ou nao”. Indiscutivelmente, a favor do método dedutivo depde, em todo caso, a prefe- yéncia dz Thiinen pelo emprégo dos métodos matematico-algébricos, que se tor- nam para éle uma verdadeira paixao, sendo empregados inclusive onde nao sao necessarios. Isto dificulta sobremaneira a leitura de sua obra e em parte é uma das causas que contribuiram para a sua pouca divulgac&o. Dedutiva 6 também a sua concepeao da abstracio, “que éle manuseia com grande virtuosidade 2 que Jembra intelramente o processo de trabalho do pesquisador experimental em ciéncias naturais”. Como éstes, éle procura determinar o modo da agéo con- junta dos diferentes fatéres, encarando cada um de per si. Isto éle consegue, considerando éste determinado fator como varidvel e supondo todos os demais constantes, perguntando-se, ent&o, como a variacdo do fator a analisar influen- ciaria nos demais’. Uma abstragdo restritiva é também finalmente o proprio “sstado Isolado’,e pode-se, assim na realidade, dizer com Thiinen, que neste modo de encarar o fenémeno, reside a maior importancia de sua obra. © fundamental no método de Thiinen.é, portanto, que éle pesquisou e ra- ciocinou tanto de modo dedutivo como indutivo, fato que foi ressaltado recon- temente com énfase por Salin. “E na realidade esta ligacao da pesquisa dedutiva com a experimzntagao indutiva, do isolamento construtivo procurando ao ma- ximo se aproximar da realidade, é que confere originalidade e importancia a Thiinen. & uma ligacdo tao rara, e por isso mesmo tao rica em resultados, que 52 torna propria sémente ao génio cientifico dos melhores pensadores tedricos” *. De um caso concreto isolado Thiinen partiu para as alturas das consideragées de economia politica interna.e universal. Sua pequena propriedade de Tellow era pata éle um espelho do mundo e, a partir de suas condigées, teceu a sua teorla que abrange uma significacdo geral. 3. AS TENTATIVAS ATE AGORA REALIZADAS PARA APLICAR O PRINCI{PIO .DO “ESTADO ISOLADO” A REALIDADE As concepgées de Thiinen sio quase que inteiramente abstratas. Raramente ‘se encontra uma referéncia & realidade, como, por exemplo, esta: “Langa-se um olhar sdbre os Estados europeus e encontra-se, entre seus diferentes paises, em ralacio ao seu estado cultural — povoamento, prego dos cereals e impostos territoriais — uma diferenca nio maior do que entre as diferentes regides do “Wstado Isolado”. Entre as imediagdes de Londres e as provincias orientais da Russia ha, talvez, neste sentido, uma diferenca maior do que entre a cidade central e a margem externa do anel da criagao” (Vol. 1, pag. 325). ste tratamento abstrato de um objeto altamente concreto ¢ talvez o prin- cipal motivo pelo qual a obra de Thiinen ficou por tanto tempo desconhecida. Aos contemporineos dz Thiinen, o “Estado Isolado” parecia uma especulacaio tedrica sem qualquer significagao real e, atualmente, ouve-se muitas vézes a observacao de que as condigécs atuais de comunicagdes tenham apagado os anéis de Thiinen, que no mais existem. Isto é um completo desconhecimento da si- tuario real. O “Estado Isolado”, na verdade nunca ezistiu como o prévrio Thiinen frisava claramente; éle ¢ apenas um principio, uma hipotese de trabalho, que deve contribuir para o esclarecim2nto da verdade. Este principio tera sem- pre uma grande significado enquanto houver diferengas no custo dos transpor- tes e uma agricultura orientada segundo as éxigéncias dos mercados. Isto estranhamente s6 foi conhecido muito tarde pela pesquisa agronémica e até muito recentem2nte havia tratados sdbre administracio de propriedades apricolas em que Thiinen nao era nem mesmo citado. Sdmente quando, no sé- culo etual, cuidou-se mais do ensino cientifico da administracio agricola e que * W. Rocher — Geschichte der Nationalékonomik, Munique 1874, pig. 662. ” Edgar Salin — “Der Isolierte Stast 1826-1926", in: Zettachrift fir die gesamte Staats- wiesenschajt. Tubingen 1926, pag. 415. 28 BOLETIM GEOGRAFICO se tentou analisar a administracao real, segundo as suas causas atuantes, re- correu-se aos ensinamentos de Thiinen, construlndo sébre os mesmos um sistema de administragio para a agricultura (F. Aereboe® ce Th. Brinkmann"), Este tiltimo ja anteriormente tinha apresentado uma valiosa continuacdo ou melhor, Justificacio dos ensinamentos de Thiinen, na qual éle referia que a capacidade de transporte esp2cifica de cada produto agricola nao podia ser acelta como um simples dado, mas que devia ser esclarecida de per si”. Além disso, é preciso distinguir no custo de producdo e de transporte, nfo sémente uma parcela mercantil (que varia com o prego do centeio) e uma parcela agraria (que é ‘mdependente do preco do centeio), mas também uma parcela relativa a drea de producdo. A area necessaria para a obtencdo dos produtos determina, em primeira linha, o valor dos mesmos e assim o local de producaéo. Produtos com pequena exigéncia de Area cultivada sio produzidos nas proximidades dos mer- cados, enquanto aquéles que necessitam grandes areas sao produzidos longe dos mesmos. Isto significa, portanto, uma troca de causa e efeito quando, na dife- renca de valorizacao, também s2 considera a organizagic da produgio (ebenda, pg. 209). Sob esta restrigdo, no se vode entretanto designar a orientagdo da producéo agricola em relacdo aos transportes de uma orientagao segundo o custo de transporte (ebenda, pag. 212). A par desta fundamentagéio tedrica, tentou-se, recentemente, do ponto de vista agricola, comprovar os anéis de Thiinen de maneira pratica. Assim. W. Fischer t2ntou pela “Compara¢do das classes de intensidade nos diferentes es- tados europeus”™” aplicar o principio de Thiinen & Europa e E. Laur apresentou, inteiramente no sentido de Thinen, uma “Supervisio das formas de atividade da agricultura, organizada s2gundo zonas econémicas do comércio universal”, com um mapa gue, entretanto, do modo de encarar geogréfico, deve ser consi~ @erada como mal sucedida™*. ‘Assim, todos os representantes do ensino da geografia agréria, atualmente, devem ter em memoria as seguintes palavras de R. Kraymoswki, abstraciio feita da maneira patética de s2 expressar; “A teoria da intensidade de Thien 6, de tédas as teorias que atualmente se conhecem no ramo da geografia agraria, aquela que, para a compreensao geral da mesma, parec> a mais importante. Nao existe até hoje outra doutrina que possa esclarecer 2 agricultura nos seus fundamentos basicos, como-esta. A t2oria de Thiinen 6 para a agricultura aquilo que a teoria da gravitacio de Newton representa para a Astronomia, a teoria dos 4tomos para a quimica ou o darwinismo para as ciéncias biolégicas””*. Muito antes da pesquisa agricola, 4 economia politica reconheceu a grande importancia da obra d2 Thiinen para o reconhecimento da verdade. Acima de todos, foi Wilhelm Roscher que primeiramente, em 1854”, e por varias vézes posteriormente ainda, féz referéncias a Thiinen, designando-o como o maior economista alzmao, expressanda a sua opinido nas seguintes palavras: “Fle é um dos homens que nao representam apenas ondas passageiras no progresso cientifico, porém marcos permanentes de orientagao. Tivesse a nossa ciéncia qu: decair inteiramente algum dia, ent@o estariam as obras de Thiinen entre aquelas por intermédio das quais terla nossibilidades de se reconstruir”'". Esta apreciagaéo de Thiinen por Roscher é tanto mais surpreendente pelo fato de qu2 os posteriores representantes da corrent2 histérico-empirica na economla politica foram bem menos justas no reconhecimento do valor de Thiinen. Sdmente pelos % Beitrége eur Wirtschaftslehre des Landbaus. Berlin 1905. A “Die Gkonomix des landwirtschaftiichen Betriebes", in: Grundriss der Sozialbkonomik. VII Parts, Tibingen 1922. J4 aparecido em edigfo especial’ em 1914. “Uber die Inndwittschaftlichen Bettletssysteme und thre Standsorésorientiorung”, in: Fihlings Landwirtschaftlicher Zettung, 1913, pag. 204. 8 Uber die Landwittscheftiichen Betrictssysteme und {hve Stangortsorientierung", in: Fuhlings Landwirtschafilicher Zeitung, 1913, pig. 208. ww ““vermeichung der Intesititsstufen in den cinzeinen europilischen Staaten” — Berichte ber Landwirtschajt. Berita, 1928, pags, 205-347. \ Rinfilkrung in die Wirtachajtslehre des Londbaus. 2* ed. Betlin, 1990, pags. 161-261. % “Bermerkungen zur Thineschen Intenaftatstheorle und Ihre Literatu:, Im Fuhlings Londwirtschaftlicher Zeitung, 1901, pig. 661. ‘Ideen ur Politik und Statistik der Ackerbausysteme", im Archiv der politischen Ockonomte und Polizeiwlasenschaft. Nova série, 3° vol. Heldelberg 1945, pags. 189-185 Das von Thiinesche Gesetz. TRANSCRICOES 219 economistas mais recentes, com uma orientagéo mais tedrica e dogmatica, é que Thiinen é novamente levado em alta conta, conforme prova a seguinte ma- nifestacao de Othmar Spann: “Os anéis de Thinen representam todo o Cosmos dos meétodos agricolas, téda a plenitude e diversidade do labor agricola, a relagao organica das diferentes formas de economia. Apesar da mais audaciosa abstragao, a realidade espacial e palpavel é inteiramente reconhecida ¢ uma visdo verda- deiramente shakespeariana é langada dentro da realidad2” ". Mas éste alto apréco por parte da economia politica refere-se apenas a0 primeiro volume do “Estado Isolado”. A doutrina da r2lativa primazia dos dife- rentes sistemas de economia e a sua organizagio espacial tornam-se, para esta ciéncia, o estudo basico da localizacéo espacial da produgio agricola e o principal fundamento tedrico da politica agraria, Além disso, o estudo do r2ndimento pasico torna-se por intermédio dela mais fundamentado e completo, fato 14 assinalado por Roscher®. “Sa o fato de, partindo de pontos inteiramente dife- rentzs de Ricardo, e mesmo desconhecendo totalmente Ricardo de inicio, ter chegado essencialmente As mesmas conclusées que éste quanto ao estudo da renda, é muito importante. Mas, enquanto Ricardo, para o primeiro esclareci- mento da renda basica, pensa apenas na fertilidade das glebas, para Thiinen a maior importancia reside na sua posigio tanto em relagio ao mercado como ao centro econémico”, A renda, de acérdo com a localizagao, é atualmente o principio basico para o esclarecimento da renda urbana de terrenos e iméveis. . A segunda parte do ‘Estado Isolado”, o estudo do salario natural, considerado tdéo importante por Thiinen, e ao qual dedicow tanto esméro, é, ao contrario, inteirament2 desprezada pela pesquisa da economia politica”. Isto se explica, segundo Roscher, pelo motivo de que, ao contrario do primeiro volume, no qual éle se basela num pensamento fecundo nascido da experiéncia, 0 s2gundo volu- me 6 elaborado a partir de axiomas e férmulas matemdticas. “Era que as proprias criancas, as quais 0 método serviu igualmente de parteira ¢ mae de criago, ja por si, nestes dois casos, eram de natureza muito diversa*. * Também na literatura da geografia econémica as referéncias a Thiinen s6 so encontradas muito tarde excetuando Tr. Engelbrecht). No ano de 1925, Pp. H. Schmidt* chamava a atengdo dos gedgrafos para estas, bem como outras importantes teorias. No mesmo ano, Karl Sapper*™ apresenta um curto comen- tario sobre o “Estado Isolado” e Olaf Jonasson * refer?-se & mesma teoria. Tam- bém no mesmo ano foi-me dada ocasido, durante minha viagem de Vera Cruz ao planalto mexicano, de observar, na realidade, anéis de Thien, embora que profundamente modificados pela natureza do planalto“. Um ano mais tarde, Erich Obst * chamava a atencdo para a importancia dos circulos de intensidade de Thin2n na produgao mundial de cereais. Além disso, encontra-se ainda nas obras de geografia eventuais referéncias & teoria de Thiinen. Mas falta ainda, sem duvida, uma experiéncia geral em procurar aplica-las 4 realidade ¢, com isso, pér A mostra a sua grande significacdo geografica. Pelo que ficou exposto, torna-se evidente que Thiinen, embora em toda a sua vida quase nfo tenha viajado — e possivelmente poucas obras sdbre viagens tenha consultado —, no seu “Estado Isolado” representou diretam2nte um quadro geografico universal, onde mostrava como as diferentes formas de economia e de atividade da agri- cultura, que sao de téo grande importancia para a existéncia e fisionomia dos paises e paisagens da terra, modificam-se com a erescente distancia aos centros de consumo. we J, H, von ThUnen, “Der grisste exekte Volkswirt der Deutschen, in: Georgika, Sammlung von Abhandlungen und Vortsige fir Landwirte. ed. por Karl Birnbaum, Leipzig 1870. Vol. 1, Pp. 8. 1 Die Haupttheorten der Volkswirtschaftichre. 18 ed., Leipzig 1928, pags, 108-110. 38 Geschichte der Nattonalékonomic, Minchen 1874, p.' 871. : %® Max Biehier: “Johann Helnrich von Thilnen und seine nationalékonomischen Haupt= lehren”, Diss, Bern. 1907, pigs. 39-53. % Wilhelm Roscher, In Georgia, 1870, pag. 83. 5 Wirtschastsforschung und Geographic. Jena, 1925, pags. 68-70. @ Allgemeine Wirtschafts- und Verkehrgcog-aphic. Berlin 1925, pigs. 159-160. No esquema dos anéis de Thiinen o mais externo, da c'lagho de gado, ¢ representado muito estrelto. Economie Geography. 1925, pigs. 284-286. 4 “Die wirtschaftsgeographische Gifederung Mexikos”, in Festschrift fOr Alfred Phélppson. Letpzig 1930, pags. 32-55, BZeitsenrift fiir Geopolitix. 1926. Vol. 1, pags. 214-218. 230 BOLETIM GEOGRAFICO A importancia do “Estado Isolado” para a geografia agréria estende-se nos seguintes pontos: . 1, Thiinen demonstrou que, em condigdes naturats idénticas, a agricultura de um pais pode estar desenvolvida em formas intziramente diferentes. Isto 6 uma verificacio de suma importancia que nao fol ainda suficientemente per- cebida por todos os gedgrafos. 2. O principio que, nas mesmas condiges naturais, leva a uma diferencia- g&o espacial da agricultura é a distancia dé ponto de origem da produgao ao. local de consumo. 3. A diferenciacéo espacial da agricultura expressa-se segundo éste prin- cipio, nde em relacao a cada produto de per si, mas pela maneira por que so produzidos. Forma de economia, forma de atividade e sistema de atividade sio os elementos basicos desta seriagao. O “Estado Isolado” comprzende cinco formas de economia (economia livre, na forma de horticultura, silvicultura, cultura por arado, criagdo, caga ¢ economia de coleta) e dentro da cultura por arado trés sistemas de atividade (rotacdo de culturas, aforamento e sistema dos trés cam- pos) . 4. Cada uma destas formas de economia se caracteriza espaclalmente numa superficie econdmica em forma de anel, com aspecto inteiram2nte uniforme, de- terminado pela forma de atividade e pela finalidade da producdo. Em outras pa- lavras, segundo a minha definicgdo, trata-se aqui de formagdes econémicas. © “Estado Isolado”, portanto, compreznde nfo s6 0 conceito das formacdes eco- némicas no seu sentido e assunto, mas oferece também um importante esclare- cimento para a sua localizacao. Cabe mais uma vez a Wilhelm Roscher a primazia de ter reconhecido a im- portancia geografica do “Estado Isolado”. Apés a completa explanacio e co- mentario da obra em 1845, tentava éle transferir os anéis de Thiimen para a “realidade estatistica”, o que nao é mais do que verificar a organizacdo geogré- fica no espago. O proprio Thiinen escrevia sdbre éste assunto no mesmo ano: “Assim, por exemplo, 0 pensamento principal do “Estado Isolado”, que até entao tinha permanecido inteiramente desconhecido, ou pelo menos despercebido, é¢ atualmente retomado pelo Prof. Roscher. fils denomina-o de “Lei de Thien” e comprova com dados histéricos e geograficos que o desenvolvimento da agri- cultura e da cultura em téda a parte se realizou e ainda se realiza segundo esta let” *. Para uma tal comprovacio, o ilustrado Roscher, que estava a par da lite- ratura econémica, historica e geografica da época, apresentava-se mais apto e mais indicado que o genial inventor do principio. Ble estava capacitado a indicar muito mais fatos coneretos em apoio @ teoria do que seria possivel ao préprio Thiinen, caso éste fizesse empenho para tal. Roscher indica principalmente a Inglaterra como o Estado que mais corresnonde & abstracdo de Thiinen, e des- creve em doze paginas do trabalho de 1845 (pags. 212-224) os anéis econdmicos désse pais em torno da capital Londres. No seu manual, aparecido em primeira. edi¢io em 1859”, Roscher chama a aten¢do para um “outro segmento muito peculiar dos anéis de Thiinen”, ou seja, sdbre a Colénia do Cabo. (fistes sao também mais ou menos os dois unicos exemplos concretos da doutrina de Thien, que desde ent&o se repetem nos tratados de economia politica). Com referéncia a éstes ‘exemplos e de numerosos comprovantes de fatos isolados no sentido do “Estado Isolado”, Roscher aponta o mesmo diretamente como “a chav2 para a estatistica da agricultura”, ou melhor, para a geografia agraria, diriamos atual- mente. Da mesma forma, seria também a chave para a histéria agraria e mostra como a Jei de Thiinen ja era aplicada na antiguidade (1845, pags. 229-234). O proprio Thiinen j4 tinha assinalado que o “Estado Isolado” representava 0 qua- dro de um mesmo Estado, através de diferentes séculos (Vol. 1, pag. 263). A indicagao de Roscher aos anéis d? Thien, na antiguidade, foi em se- guida abordada do lado filoldgico num tema de concurso, sendo realizada por Heinrich Wiskeman no trabalho: “A agricultura antiga e a lei de von Thinen”™. ® Schnhmacher-Zarchlin, ob. cit, pags. 239-240. © Nationalékonomik des’ Ackerbaus und der verwandten Urproduktton. pag. 187, Anm. 3. ® Die antike Landwirtschaft und das Thinische Gesetz — Preisschciften gektunt und herausgegeben von der Firstiich Jablonowskischen Gesellschaft zu Leipzig, 1859. TRANSCRIGOES ar Neste trabalho éle mostra que na antiguidade, em térno das cidades de Roma e Atenas, existiam anéis econémicos inteiramente compreendidos no sentido de Thien. Esta é uma das poucas andlis2s que se preocupa sériamente com a aplicacko da teoria de Thinen A realidade. A tentativa mals importante neste sentido foi empreendida no entanto por Th. H. ‘Engelbrecht, que s3 tornou por !sso especial- mente, merecedor de nosso reconhecimento. Engelbr2cht, da mesma maneira que ‘Thiinen, é originario do Marsch e, da mesma forma que éste, é um agricultor pratico, tendo entr2tanto um conhecimento bem maior em virtude de ter sido por diversos anos fazendeiro nos Estados Unidos da América do Norte (Iowa). Mas, da mesma forma que 0 seu patricio, também Engelbrecht estava imbuido do desejo de organizar as suas observacoes 2 experiéncias segundo pontos de vista mais elevados, de desenvolvé-los tedricamente e de ensalA-los na sua vali- dade generalizada. Assim se tornou o verdadeiro criador da geografia agriria, estando nesse caso inteiramente baseado nos fundamentos de Thinen. Para o julgamento da situagao da agricultura na Buropa e América do Norte, por volia de 1880, reconhec2 apenas uma obra que logra fornecer indicacdes seguras € pontos de vista certos: o livro classico de Thiinen — O Estado Isolado”™. Sébre a sua importancia para a atualidade, escrevia éle em 1882, de sua fazenda na “prairie na Hannoverschentand und forstwissenschaftlichen Zeitung, @ no ano de 1883 tratava, segundo o principio de Thien, num brilhante trabalho a Origem dos ramos da agricultura na América do Norte” Engelbrecht chama a atengdo, em primeiro lugar, que Thiinen intencionou ds analisar e representar apenas a influéncia de uma determinada poténcia, os gastos de transporte, mas que éstes nio seriam os tmnicos fatéres a influir, apesar de possuirem uma diferenga capital, a ponto de em alguns paises serem sufi- cient2s pare esclarecer a distribuicdo espacial dos diferentes ramos da agricul- tura. Abstraindo iInteiramente do clima, 0 salario e a taxa de juro, que Thiinen considerou invariavel, sio na realidade muito diferentes de regio para r2giao t atuariam de maneira semelhante As despesas d2 transporte no sentido de tornar mals extensiva a exploragio. Além disso, as condicées sociais e as velhas tradigdes também exerc2riam a sua influéncia, Fazer abstracdo de tais influén— cias locais seria mais facil nas extensas planicies da América do Norte; la, as zonas agricolas naturais, conforme sao determinadas pelo clima e distancia aos ‘mereados, seriam rigorosamente delimitadas com facilidade. Como os grandes portos de exportacao ficam do lado oeste, as zonas agricolas (anéis de Thien) se dispdem, em geral, de leste para oeste, enquanto as zonas agricolas deter- minadas por fatéres climaticos, de acérdo com as isotermas, se dispsem do sul para o norte. “Ambas, portanto, devem encontrar-se em Angulo reto; dividindo a extensa regiéo reguiarmente como um tabuleiro de xadrez, pelo que as in- fuenclas econémicas ¢ climaticas aparece bem separadas e putas” (1883, pag. jL) Se nado ha, portanto, na América do Norte anéis de Thiinen no sentido puro, pode-se entretanto reconhecé-los claramente segundo o seu principio e a pr20- cupagio de Engelbrecht é¢ de comprova-los da maneira mais exata possivel. Em lugar do plano de Thiinen de determind-los com a cooperacio do govérno (no trecho da Calabria a Jutlandia), por observacées isoladas, pretends éle utilizar a observacao em massa pelo emprégo da estatistica agricola. Nao seria dificil de computar os custos de transporte e 9 preco dos cer2ais estatisticamente has diferentes partes do mundo e represent4-los em cartografia, embora, infeliz- mante, isto ainda nfo tenha sido realizado. A grande dificuldade residiria entre- tanto em “aperceber de maneira certa e clara os diferentes graus de intensidade decrescente da agricultura” (ebenda, pag. 467). Como, além disso, o grau de intensidade sofre também a influéncia dos fendmenos climaticos, que provocam sensiveis modificagées, Engelbrecht procura atingir o fim desejado de maneira indireta, “Temos de analisar um fenémeno complicado, desmembrando-o nas suas minticias e analisando-as uma por uma, como o cultivo de cada espécie cultivada e o comportamento de cada animal ® Fihlings Landwirtschajtliche Zeitung, 1884, pig. 206. © Landwirtschaftliche Jahrbiicher, Berlin 1883, pigs. 459-509. 352 . BOLETIM GEOGRAFICO doméstico” (ebenda, pag. 468). Desta maneira, portanto, porque parece a Engel- brecht, por motivos justos, muito dificil de comprovar de maneira exata os anéis de Thiinen na realidade, isto 6, de abranger a totalidad2 da atividade agricola segundo o seu grau de intensidade, 6 que éle chega a um método esta- tistico que o leva a afastar-s2 inteiramente de Thiinen. O mesmo nao contribui de maneira alguma para a pesquisa do problema das influéncias econémicas na organizacio espacial da agricultura no mundo, mas apenas esclarece a depen- déncia clim4tica da agricultura. As zonas agricolas de Engelbrecht coincid2m portanto, de modo geral, com as zonas climaticas. E 6 preciso lembrar e frisar que o método estatistico de Engelbrecht originariamente se destinava a esta- belecer uma consolidagao empirica da teoria de Thiinen da localizac&éo da pro- dugao agricola”. Mais importante que os trabalhos de Engelbrecht sébre as zonas agricolas foram neste sentido suas andlises da distribuicao geogréfica do preco dos cereais, das quails éle mesmo esperava uma “ligacdo mais estreita com a pesquisa de Thiinzn”, uma vez que é¢ o preco dos cereais que principalmente demonstra o contraste entre a agricultura intensiva e extensiva™. Pelo fato de tentar repre- sentar a organizacado da variacdo do preco dos cereais espacialmente, relaciona-s2 diretamente com o principio do “Estado Isolado”. No mapa, os locais de mesmo prego dos cereais sao ligados por linhas que (andlogamente As isdbaras e iso- termas), denominou de “isotimas”. “Pelos mapas de isotimas, o estudo da varia- gao do prego das mercadorias adquire fundamentos mais profundos e, 20 mesmo tempo, uma base geografica” (ebenda, pag. 2), como ja é o caso no “Estado Isolado”, cujos circulos nfo séo mais que isotimas”™, Por motivo de ponderagGes metédicas, Engelbrecht analisou inicialmente as condigoes mais simples da grande regiao coloniat de além-mar da América do Norte, passando a seguir para os fenémenos mais complexos de um pais de cul- tura antiga, como a India, que possui igualmente excelente estatistica agricola *. Com isto, apareceram diferencas muito caracteristicas. Nos Estados Unidos da América do Norte, o preco dos c2reais aumenta @ partir dos estados pouco po- voados da “prairie”, no curso médio do Missouri, para todos os lados e prin- cipalmente para leste, com surpreendente regularidade. Isto se relaciona com © fato de qu2 no centro oeste se localiza um celeiro de trigo que no periodo con- siderado trabathava ainda quase exclusivamente para a exportacdo através dos portos atlinticos. Para esta finalidade, fol construida uma importante réde ferrovidria, que trouxe como conseqiiéncia a imagem simplificada das isotimas (ebenda, p4g. 51). Na india, ao contrario, a exportagdo para o exterior nao é de capital importancia mas sim o consumo interno, Além disso, a populagao esta distribuida neste pais de povoamento muito mais antigo, de maneira mais uniforme que nos Estados Unidos. A distribuic&o do preco dos cereals nao se realiza sogundo um principio unitario sdbre todo o pais, mas se fragmenta em diferentes areas isoladas, nas quais os precos acusam apenas diferencas muito restritas, Estas dreas sao determinadas principalmente pelas condigdes naturais {contrasts entre a regido balxa e a regido montanhosa). A fndia demonstra, portanto, ainda em 1900, uma disposicao e distribuicao de preco dos cereais que deve ser encarada como propria da Idade Média. Sob a influéncia dos meios de transporte modernizados e da crsscente orientacdo para determinados merca- dos, ja se deixa entrever atualmente uma nitida dissolucio das areas fechadas e um nivelamento geral dos precos com um aumento constante na diregZo da costa (ebenda, pag. 51). Enquanto a agricultura na india antigamente mostrava a existéncia de varios “Estados Isolados”, demonstra-se atualmente de maneira clara 2 tendéncia, nos mold2s dos Estados Unidos da América do Norte (a leste da regiéo montanhosa), de transformar-se num “Estado Isolado” maior e mais uniforme. Esta apreciacio geogrdfica da variac&éo do preco dos cereals, rica em con- clus6es, embora extremamente trabalhosa, tanto que eu saiba, nao foi continuada G. Studensky: “Grundideen und Methoden der Landwirtschaftiichen Geographie”, ip: Weltwirtschaftliches Arkiv, vol. 25. 3, Jena 1927, pég. 181, © Die geographiscke Verteilung der Getretdepretse in den Veretnigten Staaten von 1862 ‘bis 1900. Berlin 1903, pag, 1. & RB, Kraymowskt: Philosophie der Landwirtschaftslehre, Stuttgart 1919, pég, 153. “ Die geographische Vertellung der Getretdepreise tn Indien von 1861 bis 1900. Berlin 1908, TRANSORIGORS 28a nem por Engelbrecht nem por outros autores, embora represente a caminho mais exato de provar na r2alidade o principio de Thiinen. Se W. Fischer, na sua obra eltada “Comparacio do grau de intensidade da agricultura nos diferentes estados europeus” (“Vergleichung der Intensitatsstufen der Landwirtschaft in den eln- zelnen europdischen Staaten”, in: Berichte ber Landwirischajt, Berlin 1928), na falta de valores exatas de comparacio, toma como indicadores da intensidade © emprégo de adubo quimico por hectare, o rendimento por hectare e, ainda, a densidade de populac&o, a densidade da réde ferrovidria e rodovidria, esta ex- periéncia pouco interfere no problema dos anéis de Thiinen, uma vez que 03 fatér2s de intensidade mencionados, em parte, séo determinados pelos fatéres naturais e em outra parte estio na dependéncia de outros fatéres estranhos & agricultura. Muito mals valioso me parece um outro caminho que parte do principio das formas de economia e dos sist2mas de atividade, procurando estabelecer a sua distribuicio geografica. Embora também n&o se possa neste caso evidenciar claramente os fatéres econédmicos, obtém-se, entretanto clara imagem do con- junto da atividade agricola nas diferentes paisagens e pode-se, caso os fatéres naturals sejam bem conhecidos, pelo menos indiretamente, tirar conclusdes & respelto dos fatéres ecanémicos e sua acao espacial. Infelizment2, ainda conhe- cemos muito pouco a respeito da distribuicao geografica dos sistemas de atividade aericola, apesar que recentemente, tanto na agricultura quanto na geografia (por exemplo: a obra de Robert Gradmann sdbre o sul da Alemanha, ou de Eugen Paravicini; Die Bodennutzungssysteme der Schweiz, P. M., Ergh. 200, Gotha 1929), tenham encontrado crescente interésse. A primeira tentativa de conside~ rar os sistemas de atividade agricola do mundo Inteiro numa anélise compa- rativa encontra-se numa dissertacao manuscrita na Escola Superior de Agri- cultura de Bonn, citada por Th. Brinkmann ™. Como éste trabalho n4o foi im- presso, sendo por isso de dificil consulta, darei a ssguir uma resumida apreciacao sdbre 0 seu assunto e o seu método. Beschorner tenta estabelecer a distripuigao geogrAfica dos principals sistemas de atividade agricola, caracterizar a particularidade e a variagao dos sistemas nas diferentes zonas e finalmente elucidar a casualidade da distribuicéo zonal ou entio azonal dos mesmos. Para a caracterlzagao dos diferentes sistemas de atividade, éle emprega primeiro o chamado “estado das espécies cultivadas”, isto 6, a mancira pela qual as diferentes espécies cultivadas (ou melhor, as areas de cultura, como lavouras, pastos permanentzs, culturas especiais e, também, as terras em pousio) estao relacionadas entre si na mesma drea. Em segundo lugar considera a condig&o de cultura, que mostra que grupos de plantas cultivadas (c2reais, © sistema de atividade mais intensivo é 0 da “rotacio de culturas” que se earacteriza pelo fato de os cereais ccuparem 50% e a horticultura os restantes 60% da drea em cultivo, Entre ambas se verifica cada ano uma alteracio re- gular. A agricultura torma-se assim auténoma ao extremo e a criacéo fica inteiramente subordinada & mesma. Premissas fundamentais para a existéncia da economia da rotacdo de culiuras sdo a permanente possibilidad: de uma adu~ bacio intensiva e uma boa oportunidade da colocagao dos produtos obtidos. © conceito do “sistema rotativo de culturas e pastagens” nao € suficiente~ mente explicito. & caracterizado pelo fato de as plantas forrageiras (principal~ mente trevo, alfafa, gram{ineas) ocuparem, por varios anos, uma determinada Porcentagem da rea cultivada, fazendo parte assim da rotagio. Para obter uma delimitacao em rlacio aos demais sistemas de atividade, Beschorner conta como incluidas na regido déste sistema tédas as dreas cuja area cultivada é ocupada por 30% ou mais de plantas forrageiras. Estas d4reas forrageiras ou sao simplesmente pastadas, ou segadas e fenadas, e suplementam ou substituem in- teiramente as pastagens permanentes. Em contraposi¢io a economia da rotacéo de culturas, o ponto de gravidade déste sistema est4 na producéo animal e as necessidades da mesma € que a rotacdo tem de adaptar-se. = Pranz Beschorner — Zur Geographte der hauptsichlichen landwirtschajtiichen Betrieve- susteme, Diss. Bonn 1923. zoe BOLETIM GEOGRAFICO Como sistemas de “culturas em campos” (Feldwirtschaft) Beschorner engio- ba tédas as atividades.em que os cereais ocupam a maior area; o restante da 4rea cultivada compreende apznas areas em pousio ou culturas de pousio. Na economia do “campo unico” (Hinfelderwirtschaft), os cereais ocupam tedrica- mente 100% da 4rea cultivada (regides da cultura de arroz irrigado e também algumas arzas de cultura de trigo nos paises coloniais). Na “cultura de dois campos” (Zweifelderwirtschajt), ou 100% da drea est&o ocupados por duas espé- cles Ge cereais (cereais de verdo, cereais de inverna), ou 50% cabem a drea dos cereais e 50% ficam em pousio. Na “cultura de trés campos” cabem tzdrica- mente aos cereais dois tercos da 4rea cultivada, ficando um térco em pousio. No caso da cultura de trés campos, melhorada a drea em pousio desaparece, sendo substituida pelas colheitas de félhas e raizes (plantadas e nio semeadas a Jango como os cereais). De acérdo com a maior‘ou menor sxpansio da area de culturas de félhas e raizes, chega-se a téda espécie de transi¢des para a rotacdo de culturas e o sistema rotativo d2 pastos e culturas. Como Beschorner utiliza, na caracterizagéo déstes sistemas de atividade, as espécies cultivadas e a maneira pela qual sao cultivadas, fica na dependéncia da estatistica do processo de cultura e, por éste motivo, na segunda parte (distri- buicdo geografica), considera apenas aquéles paises que possuem uma estatis- tica satisfatoria neste sentido, representando os seus sistemas de atividade agri- cola cartograficamente: Europa (com excecio da Polénia, Rumania, e Por- tugal), India, Egito, Estados Unidos da América do Norte e Canada, Argentina, Chile, Austrélia, inclusive Nova Zelandia. Um segundo grande grupo de sistemas de atividade engloba a chamada “rotacao de terras primitiva” (Urwechselwirtschaft) , Esta consiste em que uma determinada area é explorada durante um ou mais anos, ficando em seguida abandonada de modo que a vegetacio natural recomeca o seu ciclo. Conforme &ste processo se realize numa regiao natural dz campos, matas ou de brejos e prados, Beschorner denomina éstes sistemas de: economia primitiva de pastos e campos de cultura, de matas e campos de culturas, e de brejos e prados na- turais. Estes so os sistemas de atividade mais extensivos e, em parte, também, os mais primitives que ha. Um terceiro grupo de sistemas de atividade néo compreende lavoura, mas Bpenas uma economia pura de pastoreio. Esta pode ser exercida de forma né- made, semi-némade, estaciondria, como economia de pastoreio das montanhas € como pastoreio florestal (sul do Chile). . Como ultimo sistema, distingue a economia de plantage, em parte em re- Jago as espécies cultivadas (culturas permanentes) mas em parte também, ape- nas em relagio da técnica aperfeigoada de cultivo de determinadas plantas. Beschorner tenta, portanto, segundo os pontos de vista exclusivamente dos sistemas de atividade, de estabelecer um sistema da agricultura do mundo in- teiro. No distingue éle formas de economia como um conceito superior e sis- temas de atividade coma um conceito subordinado, mas considera-os de maneira equivalente, quando estabelece os seguintes seis grupos: - Pastoreio simples. Rotacao de terras primitiva. Sistema regular rotativo de pastos e culturas. Sistema de culturas em campos. Rotacdo de culturas. ~ Plantage. amen es Embora o sistema de Beschorner seja incompleto e insatisfatério, quando considerado nos seus minimos pormenores, nao se deve deixar de reconhecer o valor de sua tentativa d2 organizar os sistemas de atividade agricola do mundo, principalmente pela sua importancia na representacdo cartografica dos tipos de intensidade de exploracdo agricola. Isto é€ valido principalmente para o seu mapa dos sistemas de atividade da Europa. No mesmo, os sistemas de atividade se apresentam organizados segundo o grau de intenzidade, sendo representados por diferentes tonalidades de coloracdo. Nitidamente se pode reconhecer como das imediagoes do canal, em tédas as direcées, no sentido da periferia, aparecem TRANSCRIGOES 285, sistemas de atividade cada vez mais extensivos. De maneira alguma os anéis de Thiimen na Europa poderiam ser expressos cartograficamente melhor que neste mapa (compare o esquema 3). Assim, j4 temos uma série de tentativas de aplicar o principio do “Estado Isolado” & realidade, ow, pelo menos, de trabalhos preliminares neste sentido. Uma extensio do principio para o mundo inteiro deveria ser realizada, levan- do-se em conta dois sentidos. Em primeiro lugar se deve analisar como o prin- eipio do “Estado Isolado” se exercia na sua forma primitiva, isto é, nas condi- des agricolas e de comunicagdes do coméco do século XIX. Em segundo lugar, deve ser esclarecido até que ponto o principio e a estrutura do “Estado Isolado” se modificaram de 14 para ca. Embora a primeira tarefa seja na verdade 0 assunto de uma andlis2 especial e minuciosa da historia agricola, nao deixarei entretanto de focalizd-la de maneira suméria. 4, COMPARAGAO DO “ESTADO ISOLADO” COM A REALIDADE EM PRINCIPIOS DO SECULO XIX. Na tentativa de aplicar o principio do Estado de Thiinen 4 realidade, deve-se distinguir trés categorlas de anéis econdmicos: aquéles de Ambito mais reduzido que se agrupam em térno de cada pequeno povoado, de cada fazenda, ou mesmo em torno de qualquer estabelecimento agricola e aquéles de maior diametro, que se estendem em grande area, envolvendo muitas propriedades agricolas estando relacionados com um mercado mals ou menos remoto. Estes Ultimos, por sua vez, podem ser distinguidos daqueles que produzem para um mercado local e daqueles que se destinam a produzir para o mercado mundial. Anéis econémicos de ambito reduzido dispunham-se, por ex., de maneira bem evident2 em torno de cada povoado no antigo sistema da rotacaéo em trés campos. Hortas, lavouras e pastagens coletivas ou florestas sdo os anéis sucessi- vos que sistematicamente eram encontrados neste sistema. Também no ambito das terras de lavoura pode-se, ainda hoje, em parte, verificar uma diferenciagao espacial bem nitida, considerando que nas proximidades da aldeia as mesmas sao exploradas de maneira mais intensiva que nas partes periféricas*. O mesmo acontece no caso da cultura por arado nas indias inglésas, onds os campos de cultura também se dispdem em forma de anéis concéntricos em térno das aldeias. Nos anéis mais interiores sio cultivadas aquelas plantas que exigem maior soma de trabalho, culdados especiais ¢ que necessitam muito adubo, como a papoula, a cana-de-acicar e 0 algodao. No sentido veriférico, vem em seguida os cereais (com excegio do arroz), formando um anel estreito e, no seu limite exterior, as cabanas de guarda dos vigias das lavouras. Um tltimo anel de pastagens ou de sertio envolve tudo. Mas nfo sémente no sistema mais adiantado da cultura por mio de arado encontramos éstes anéis. Também na cultura manual (a cultura de enxada de Eduard Hahn) vamos verificar anéis semelhantes. Assim, nos indios da floresta amazénica, pode-se observar, em torno de uma clareira, as habitagdes &s quais se segu2m pequenas lavouras em que sao cultivados fumo, mamona, algodio e arvores frutiferas e, em seguida, rocas de mandioca e milho, sendo, finalmente, téda a clareira circundada pela floresta. Enquanto éstes anéis econémicos de ambito reduzido se organizam em térno de qualquer povoado ou empreendimento agricola, sejam éles de economia na- tural ou condicionados por fatéres de intercomunicag&o, a segunda categoria dos anéis dz Thiinen, ou seja, aquéles qué se agrupam em térno de uma unica cidade, 86 ocorrem quando ha uma orientacao da agricultura no sentido do abasteci- mento de um grande mercado. files tém um diametro médio e podem, de acérdo com as condic¢des de intercomunicagao, dispor-se multiplamente em uma mesma regio politica. Na agricultura rotineira, que geralmente obedece a uma economia natural, éstes anéis em geral faltam intziramente. Na horticultura da Asia oriental (no sentido de Hahn) élés se dispdem em térno das cidades de nume-, rosa populacéo (comp. Sapper, ob. cit., pags. 139-143). Além disso, parece que ™ © Prof, Brinkmann-Bonn chamou-me a stinso de que os nossox agricultores, neste sentido, Alstinguem um campo exterior © um campo interior, on uma rotagio extema c uma intema. Nos U.S.A. esta Ultima corresponderla eo improved land. Ba. —2 288 BOLETIM GEOGRAFICO podem ser distinguidos em térno de cada cidade oriental, conforme R. Busch- ~Zantner recentemente verificou no caso da cidade de Osma. Inicialmente éle distingue em térno da cidade uma zona de horticultura: a area d2 cultura propriamente dita, que é trabalhada a partir da cidade. Em muitos -casos re- presenta 0 campo de producdo da matéria-prima industrialmente manufaturada ha cidade, como, por ex., a séda. S2gue-se uma zona de campos de cultura, que fica na dependéncia das pequenas aldeias, as quais mantém com a cidade uma relagao de trocas. Elas fornecem & cidade a fruta-pao e recebem da mesma os produtos comerciais, inclusive os‘manufaturados. Finalmente vem a zona de pastagens, na qual se pode, por sua vez, distinguir um anel interior, no qual a criag&io de gado ainda est&é em combinagdo com a agricultura, e um anel mais externo, onde a criagao € exclusiva, sob forma némade. éstes némades geral- mente mantém relagdes com mais de uma cidade, de modo que éstes terrenos de pastagens, segundo o conceito desta sistemdtica abstrata dos anéis econé- micos, seria, em relagao as diferentes paisagens urbanas isoladas, uma espécie de “pastagem coletiva” (Allmende) *. © fato, entretanto, de ainda se encontrar esta categorla dos anéis de Thi nen de manelra tao evidente nas cidades do Osma deve-se em primeira linha 20 fato das comunicacdes serem ainda bastante deficientes. Pela m2sma razao, anéis déste tipo puderam manter-se em térno das cidades do Ira e da Asia Central. Além disso, podem s#r encontrados nas regides serranas tropicais, onde os centros urbanos de consumo se localizam a grandes altitudes, o transporte depende ainda em grande parte de carregadores e trovas de animais e a dife- renciagio elimatica, em virtude da variacio de altitude, promove peculiares rompimentos e modificagées do principio de Thiinen. Assim, por exemplo, eu tive ocasio de reconhecer, em térno da capital do México, cinco anéis econémicos (formagées econédmicas): os jardins flutuantes (Chinampas), a formagao pul- que-agave, o principal celeiro de cereais do pais, a formagao das plantages e pomares e, finalmente, o anel mais externo constituido pelas pastagens exten- sivamente exploradas e que, pela localizacdo central da capital, atingem para Teste e para oeste até o mar™. Estes anéls, conforme pode ser claramente comprovade pelas obras de Ale-" xander von Humboldt, j4 existiam no México desde os principios do século KIX e se desenvolveram passo a passo com a evolugio da cidade e do pais. Na €poca de Thiinen e, portanto, antes do advento da estrada de ferro, é provavel que semelhantes anéis existissem em térno de muitas cidades européias, e mesmo em certos paises europeus de sistema de comunicacgdées néo satisfatério ainda podem ser reconhecidos. Assim, por exemplo, antes da guerra, a Polonia, que abrangia uma drea de cérca de 120000 quilémetros quadrados e que ficava tsolada dos Estados ocidentais por barreiras alfandegaérias, com clima e solos quase uniformes, um Estado cultural uniforme da popuiacdo, uma réde ferrovidria in~ suficiente e com a@ sua capital em posic&éo central, localizada as margens da principal estrada fluvial, constituia quase um “Estado Isolado” no sentido mais apurado. Com a crescente distancla ao centro de consumo, podiam ser verifi- cados sistemas de exploragdo agricola cada vez mais extensivos, embora na mesma direcao, por exemplo, para sudeste, o clima e os solos tornavam-se cada vez mais favoraveis & agricultura. Claramente desenvolvido é de igual modo ainda hoje, em térno de muitas cldades européias o anel mais interno de Thiinen, ou scja, aquéle da economia livre. Ble 6, entretanto, em poucos casos, perfeitamente circular, como acontece em Birmingham, mas geralmente se desenvolve,em forma de um setor como, por exemplo, na ilha Amager em Copenhague ou nos Vierlanden, em Hamburgo. Em outros casos, éle fica inteiramente fora do ambito do raio de influéncia urbana, em plena regifo rural, como na regiio antemontanhosa entre Bonn e Colonia e na estrada serrana para as cidades de Heidelberg e Mannheime Uma andlis2 comparativa das regides horticolas na Alemanha, segundo o princ{pio de Thiinen, seria uma tarefa altamente interessante. © Geographische Zeitschrift 1032, pag. 13. = “Die wirtschaftsgeographische Gliederung Mexikos”, in: Festschrift flr Alfred Philippson. Letpaig 1930, pags. 32-55. TRANSCRICOES 27 Muito peculiar e muito discutido é o segundo anel de Thiinen — da silvi- cultura. Nao haveria, nest2 caso, uma flagrante contradi¢ao com as atuais imediagGes desprovidas de florestas de muitos dos grandes centros_urbanos? Torna-se necessério naturalmente abstrair inteiramente das condigédes atuais em que as estradas de ferro transportam combustivel mineral a grandes distan- clas e também torna-se n2cessario, mesmo para a época de Thien, escolher as cidades que nao ficam localizadas as margens de rios navegaveis. Apesar de tudo, torna-se muito significativo, entretanto, que cidades como Aachen e Nu- remberg possuam imensas reservas florestais, enquanto Colénia quase nao as possui, talvez pelo fato de que possa obter com facilidade o seu suprimento de lenha a partir do Reno superior. Altamente interessante e fucrativa seria em todo caso uma andlise comparativa, segundo ésses principios, sébre a localizagio e dimensées das florestas de uso urbano na Idad2 Média. Também o fato de que a muitas grandes cidades esté associada a idéia de uma floresta correspon~ dente (Grunewald, Wiener Wald) poderia fazer supor que outrora as imediagées de nossas cidades eram mais ricas em florestas e que préximo 4s cidades du- rante a Idade Média e mesmo até o século XIX a dentro deixavam-se crescer florestas, mesmo em solo agricolamente aproveitavel, para cobrir o suprimento de madeira para construcdes e Jenha. No nort: da Europa, que é pobre em reservas de carvao e em que o inverno é longo, ainda hoje grandes centros urbanos como Petersburgo, Estocolmo, Oslo e outres aparecem encravados em florestas. Fato semelhante pode ser observado, por sua vez, nas regides montanhosas tropicais onde, em conseqiiéncia da elevada altitude, existe grande procura de Jenha nos centros urbanos. O exemplo mais interessante neste sentido € a flo- resta de cucalintos em térno da capital da Abissinia que, sob fomento do govérno @ com cooperacéo do silvicultor Escherich, foi instalada em principios déste sé- culo para suprir a cidade de lenha e evitar assim os freqiientes deslocamentos @ qu2 estava sujeita anteriormente*. Da mesma forma, extensos eucaliptais ocupam hoje as colinas das imediagdes das cidades e povoados dos altiplanos do Equador”. Também na China, e sobretudo no Japio, estabelecem-se nas proxi- midades das cidades plantagdes de bambu, para suprirem as mesmas (Sapper, ob. cit., pags. 140-141) . © terceiro anel de Thien, da rotagao de culturas, em principios do século XIX era bem menos difundido do que hoje ¢ apenas naquela énoca comecava a intensificacdo da agricultura eurovéie, concomitantemente com o progresso da industria, a partir da Inglaterra, na Bélgica, Holanda e noroeste da Alemanha. No que diz resveito ao quarto anel, do afolhamento, e do quinto, da economia de trés campos, von der Goltz“ afirmou que Thiinen nfo tinha julgado satis- fatoriamente a sua posi¢éo no “Estado Isolado” e que a economia de trés camvos correspondia ao quarto anel, enquanto o afolhamento serla o quinto. De qualquer maneira, esta ultima, como ainda se verifica atualmente, ficava restrita as regiées de clima ocednico, enquanto a economia de trés campos tinha na Europa ocidental, central e oriental uma difusio bem mais ampla do que hoje. © mesmo se da com o sexto anel, da criacio extensiva, uma vez qu2 antes da concorréncia da 14 barata de além-mar, a criagao de carnelros era, na Europa, um ramo de atividade bastante difundido. A terceira categoria d2 anéis econémicos, isto é, aquéles de A4mbito amplo, abrangendo diferentes cidades e estados, na época de Thinen, sé era encontrada em térno de Londres como c2ntro de comércio universal, conforme o prdéprio Thiinen afirmou. A capital e téda a Inglaterra eram a cidade do “Estado Isolado”. Os seus anéis estendiam-se além dos limites do continente, colocando a Europa ocidental, central ¢ oriental a servigo do centro de coméreio do universo. Tra- tava-se entdo do contraste entre a terra insular industrial e 0 continente agrério que Friedrich List designava como uma divisio de trabalho universal. Thiinen nao m2nciona outro exemplo de um tal “Estado Isolado” universal e, de fato, ® Devo a Indicagho déste excelente exemplo, do anel da silvicultura de Thinen, ao meu atung Walter Stichler, que se ocupa atualmente do estudo da divisio egzogoogrética da “Abissinia. sul, pat engpuch der Geographischen Wissenschajt. Ba. por Fritz islute, vol. de América do Pi PE; Gustav Gehtinbers: Volkswirtschajislehre, vol. H, 28 ed. TUblagen 1860, pig. 82. 238 BOLETIM GEOGRAFICO nao havia outro. Isto é muito significativo e esta relaclonado com o fato de que, naquela época, a Europa era o unico lugar do mundo onde as duas formas de atividade da agricultura de arado e da industria fabril ocorriam lado a lado. Esta ultima congrega a populacgao em grandes centros urbanos e promov: a obtengao de meios de comunicagéo para facultar o transporte em grande massa dos produtos agricolas para abastecer as cidades. A cultura por arado, todavia, mostra wma grande variacao no que diz respeito ao grau de intensidade, segundo o qual é realizada, uma vez que pode aparecer tanto em sistemas de atividade intensivos quanto extensivos e tem maior plasticidade de se adaptar as variacoes das condi¢ses econémicas do que uma forma de economia tao intensiva como o € a horticultura da Asia oriental. Além disso, faltava nos paises culturais desta regido, que se mantinham naquela época herméticamente fechados para o exterior, o verdadeiro motor do “Estado Isotado” de primeira grandeza: o tréfego comercial livre. No Novo Mundo, por fim, faitavam inteiramente as ou- ~ tras premissas de um grande “Estado Isolado”: industria e populacio urbana numerosa. 6. Até que ponto, desde a época de Thiinen, modificaram-se o fundamento e a estrutura do “Estado Isolado”? Das inovagoes do século XIX que modificaram profundamente a agricultura e com isso o quadro geral do “Estado Isolado”, figura como principal o advento da estrada de ferro. Para ‘nds, éste meio de comunicagio parece hoje em dia como natural e geralmente nao se tem mais uma idéla de quio profundamente o mesmo ha 100 anos atrds interferia na vida econdmica“. As transformagoes que a estrada de f2rro incutiu no quadro geral do “Estado Isolado” foram pela primeira vez focalizados por E. Sax“ e na segunda edic&o desta obra, num apén—- dice, E. von Beckerath continuow a aprofundar estas consideragdes.“ De duas maneiras as estradas de ferro modificaram os anéis de Thiinen (zonas de produ¢ao). Pela redugio das despesas de transporte, o diametro do “Estado Isolado” foi sensivelmente alongado e, com isso, cada anel ficou deslocado para uma distancia bem maior do centro comum. O anel mais interno, da economia livre, que antigamente se estendia apenas em térno de algumas cidades fsoladas, atualmente, segundo Beckerath (p. 564), estende-se sébre provincias e paises inteiros, Segundo Th. Brinkmann“, entretanto, nfo foi o barateamento dos fretes a causa déste fato, pois em igualdade de condigdes faria desaparecer a zona mais interna porque nao seria possivel manter a malor intensidade de producdo. A causa deve ser procurada na multiplicacéo da populagéo em nu- mero ¢ capacidade de aquisigio. A zona agricola, por sua vez, com o aumento do prego dos cereais, estende-se sdbre uma area bem mais extensa do que antes e forga o anel da criacdo mats para fora. No interior da zona agricola, os sis~ temias de atividade intensivos desenvolvem-se bem mais consideravelmente do que os ext2nsivos e empurram os mesmos para uma faixa limitrofe relativamente estreita. Ainda mais reduzido fica o anel da criag&o, ow mesmo chega a desa- parecer parcialmente, quando, com a grande expansio do “Estado Isolado”, o limite das terras cultivaveis estende-se rapidamente em direc&o as regldes desér- ticas cireundantes. Isto traz, como consegiiéncia natural, que a criacéo de gado se vé obrigada a voliar aos anéis mais interiores, que, com isso, sofrem solugdes de continuidade. Uma outra interrupgdo pelas estradas d2 ferro sofrem os anéis de Thiinen ainda-por outro motive. O barateamento e a redugéo de tempo de todos os transportes tém como conscqiiéncia que os produtos (como leite, frutas e ferro) qu? antigamente ficavam restritos ao primeiro anel, agora podem ser trazidos de maiores distancias. A sua produgdo migra para os anéis exterlores, procurando all os Jocais que Ihe oferecem as melhores condicGes naturais. Assim, a industria de lacticinios estende-se atualmente pela regido central da Suiga, originando, como conseqiiéncia, que o anel de produgao de cereais, que ai existia, tende a desaparecar, uma vez que cereals baratos podem ser importados do exterior. Keri nies: Die Fixendahn und thre Wirkung, Die Verkehremittel in Volks-und ‘Saateairewhait “Wien 1878, pags. 92-95. Vol. 3 pigs, 535-604, Berlin 1922. Ob, cit., 1923 (resp, 1904), -pags, $5, 112 € seguintes. Bron TRANSCRIGOES 280 Vemos portante como, sob influxo das estradas de ferro, as condigées naturais exercem de maneira mais intensa a sua influéncla. Com o progresso da cultura, a economia néo se torna mais independente das condigées naturais, como fre- qiientemente se 1é, mas, ao contrario, adapta-se com maior intensidade 4s mes- mas e com isso surgem importantes interrupgées nos anéis de Thiinen. . Enquanto, sob influéncia da estrada de ferro, os anéis interiores adquirem com os seus produtos uma tendéncia centrifuga, os exteriores, cujos produtos suportam um transporte caro e longo, assumem um movimento centripeto. Isto é valido em primeira linha para as plantas comerciais e para os subp dutos da criacdo. Exatamente esta se estende ultimamente com mais intensi- dade nos anéis interiores, em primeira lugar porque éles nfo sio mais utili- gados na mesma proporcdo que antigamente para a producao de cereais, cujo transporte é relativamente facil, e em segundo lugar porqu? a intensificagao nos anéis Interlores promove maior necessidade de adubos. Naturalmente que a cria- cio, Na sua p2netracio nos anéis interiores, procura os locais mais favoraveis & sua atividade e éstes sao, na Europa, as regiées pantanosas e as regides cos- teiras, Mas, com o elevado lucro fundamental destas regides férteis e proximas aos mercados, ela perde o seu carater extensivo e é exercida de maneira bem mais intensiva do que acontece no anel mais externo. A possibilidade de obter ragoes baratas contribui igualmente no mesmo sentido. . Vejamos agora como € que esta transformagao do principio manifesta-se nos anéis de Thiinen de diferentes dimensdes. Nos anéis econémicos de Ambito mais reduzido, que se dispoem em térno d2 cada aldeia ou de cada nucleo agricola, a estrada de ferro nao teve influéncia e éles se mantiveram imalterados desde a época d2 Thiinen. Os anéis de segunda categoria que se localizam em torno de mercados locais isolados, entretanto, foram tao profundamente modificados que quase nao pode ser reconhecidos, e esta modificagio é tanto mais intensa quanto mais densa fér a réde ferrovidria. Uma wmica estrada de ferro age, conforme verificou de maneira genial Friedrich List, nos Estados Unidos da América do Norte, da mesma maneira que um rio navegavel, mas um rio que nao devasta as margens, qu2 é tio facilmente percorrido nas montanhas como nos vales e que no inyerno nfo fica coberto de gélo. A estrada de ferro permite conseguir nas regides interiores todas as vantagens existentes nas regides cos~ teiras e tudo tende a ampliar o circulo de utilizagéo e de seu mercado (ebenda, pag. 18). Os anéis sio transformados em faixas paralelas, como s2 pode obser- var atualmente ao longo da“estrada siberiana e deve-se levar em conta nao sdmente a distancia do local de producdo para o mercado mas também a déste locai até a estrada de ferro. Entre a propriedade agricola e a estacdo da estrada de ferro, ainda hoje o trafego é realizado em grande parte através de estradas rurais, pelo emprégo de férga animal, e assim as sucessivas faixas econdmicas se sucedem para fora, numa seqiiéncia rapida. Quando, entretanto, diversas estradas de ferro se retinem, constituindo uma réde fechada, ent&éo os anéis e faixas também se interceptam e forma-se final- mente um emaranhado de areas econdémicas que dificilmente pode s2r decifrado. & éste caso, provavelmente, que se toma em considzrac&o quando se afirma que as estradas de ferro desfizeram o principio de Thiinen. Esquece-se, porém, qu? sao relativamente poucas as 4reas da superficie da terra qu3 possuem uma réde ferrovidria tio densa, que na grande maioria dos paises existe apenas uma réde ferrovidria relativamente esparsa e que em grande parte do Orlente Préximo e da Asia central, como também nos trépicos, as estradas de ferro praticamente ainda faltam. Ai, o principio de Thiimen ainda goza de inteira validez. Estas regides von Beckerath denominou de “regiées intermediarias estacionarias, de certa maneira econémicamente escravas”, nas quais a fcrmag&o dos pregos ¢ as condigdes econémicas se formam dentro da superposigao da regiao produtora e do mercado; elas ficam ao lado das grandes regides onde as relagées comerciais nacionais e internacionais sz manifestam (ob. cit., pag. 565). Mas, também nestas Wtimas o principio de Thiinen ainda pode ser empregado, quando se retine sob 0 conceito do “Estado Isolado Mundial”. De fato, éste “Es- “© Friedrich List: Mitteilungen eus Nordamerika. Hamburg 1829, pég. 30. 290 BOLETIM GEOGRAFICO tado Isolado” de maior grandeza apar2ce hoje expresso com mais evidéncia e é mais facil de reconhecer do que no tempo de Thien, uma vez que a sua drea aumentou consideravelment: e a crescente industrializagao e aglomeracdo da populagéo na Europa ocidental e central criou um importante centro de consumo, ao qual se relaciona, como regido produtora, téda a area mundial englobada pela moderna réd2 de intercomunicagées. A par da estrada de ferro, aparece como meio de transporte aperfei¢cado neste “Estado Mundial” a navegacao de vapor, que funciona mais rapido, mais barato e com mais seguranga do que a navegagao de vela e que permite agora também os transportes em grande massa de além-mar para a Europa. Ela possibilita que os anéis do “Estado Isolado Mundial” de certa maneira transponham os mares e se estendam do outro lado dos mesmos nos paises novos, com o que as estradas de ferro novamente se transformam. . Se, desta maneira, a expansio e 0 crescimento espacial do “Estado Isolado Mundial" tornam-se possiveis, por outro lado esta extensio torma-se uma n2- cessidade diante do forte crescimento demografico dos estados industriais da Europa ocidental e central. Com isso, cresce fortemente a procura de produtos agricolas, ao mesmo tempo que esta procura se dirige cada vez mais para os produtos animais e horticolas, que antes do aperfeigoamento da técnica do con- gelam2nto nio podiam ser importados dos paises de além-mar, Na Europa, por- tanto, es precos dos produtos animais elevam-se, enquanto os dos cereals baixam. Do seu centro na Europa norte-ocidental, o “Estado Isolado Mundial” esten- de-se principalmente em direcao sudeste. No anel mais interno, a horticultura estende-se de ambos os lados do canal, enquanto a criagéo intensiva, na forma da rotacaéo do campo de cultura-pastagem, engloba pouco a pouco tédas as regides costeiras do mar do Norte e do Baltico. Neste sistema de atividade, as plantas forrageiras ocupam uma porcentagem relativamente alta das terras cul- tivadas por varios anos e 9, cultura dos cereais reduz-se considzravelmente (com- pare no mapa esquematico 3). Um _ segundo anel abrange, segundo Beschorner, a parte sudeste da Ingla- terra, téda a Bélgica e os Paises Baixos, além da maior parte da Franca, Ale- manha, Austria, Tchecoslovaquia, Iugoslavia_e sul da Suécia. Aqui a rotacao de culturas na forma perfeita ou em transicdes para a economia de pastagem- -campo de cultura é o sistema de atividade predominante. Uma drea em pousio, como acontecia no tempo do sistema dos trés campos, nado é mais observada, com excec4o apenas dos solos excepcionalment2 arduos. A terra é alternativa- mente cuitivada com cereais e com raizes e tubérculos (batatas, cenouras), de maneira que a agricultura e a criagéo se mantém numa proporedo estavel. Em virtude da grande disponibilidade de adubos, esta ultima contribui para a inten- sificagdo dos sistemas. A ficresta de maneira alguma desapareceu inteiramente déste segundo anel mesmo nas areas planas, embora nestas Ultimas ocorra apenas ond: aparecem solos arenosos pouco férteis (florestas de coniferas). A oeste do Reno, entretanto, ha grandes formacées de florestas latifoliadas baixas que exi- gem, em virtude de seu ciclo econémico mais curto, maior soma de trabalho e fornzcem além de casca para extracio de tanino, varas finas e lenha que nao comportam um transporte longo e caro. Madeiras de lei, ao contrario, j4 desde a Idade Média, nestas regides oceanicas vém importadas de regides longinquas (Cadela Central 2 Norte da Europa) e é nestas regides afastadas e pouco ade- quadas & agricultura que o anel da silvicultura europeu se localiza atualmente. Um terceiro anei, constituido da antigamente tio difundida economia dos trés campos, é encontrado (segundo o mapa d2 Beschorner), na Espanha central e nordeste, no sul da Franca, na ‘peninsula baleAnica, em partes da Huneria, Rumania e Polonia, bem como na Russia central e nordeste, penetrando pela Sibéria a dentro. Aqui a cultura de cereais figura em primeiro plano e ocupa, na forma perfeita do sistema, dois tergos da area agricola, enquanto um tergo permanece em pousio, pratica que deve compensar a caréncia de adubos. O fato déste sistema d2 atividade extensivo ocorrer ainda hoje em solos férteis e clima- ticamente favorecidos (Galicia e Hungria) é a melhor prova de sua dependéncla econdmica. O sistema ainda mais extensive dos dois campos, no qual 50% da 4rea cabem aos cerzais e 50% permanecem em pousio é encontrado no extremo sul da Espanha, na Hungria e nas estepes pénticas. Localmente ocorre também TRANSCRIGOES 294 no sistema de campo unico no qual 100% da 4rea se encontram ocupadas pelos cerzais. Um quarto anel, o mals periférico, no sentido de Thimen, isto é, represen- tando a criagio extensiva como forma de economia independente, sé é encon- trado atualmente nas estepes do mar Caspio, sendo condicionado por um fator climatico ( aridez). Juntamente com o pastor2io némade, que ali ocorre, éste sistema em breve estaré banido do solo europeu. Pode-se, portanto, verificar uma evidente queda da intensidade de NW para SE na agricultura européia, embora no mesmo sentido, pelo menos até a estepe pontica, as condicdes naturais tendem antes a melhorar do que a piorar para as pr&ticas agricolas. Se, apesar disso, entretanto, vamos verificar um decrés- cimg no rendimento por hectare de NW para SE, isto deve ser reputado a causas purament2 econémicas e, neste caso, nao se deve pensar somente no custo de transporte, salaérios e tributos, mas em todo o complexo resultante do nivel cul- tural mais elevado no NW e de seu paulatino decréscimo para SE e S. Tomando 0 maior rendimento d2 trigo na Europa em 1928, que foi de 34,3 dz por hectare nos Paises Baixos, como um indice 100 obtém-se para os outros paises os se- guintes valores: de NW para SE de NW para SW Paises Baixos 100 Paises Baixos 100 Alemanha 65 Bélgica 82,8 Tchecoslovaquia 54,2 Franga 42,6 Hungria 412 Espanha 22,4 Rumania 28,6 Portugal 13,1 Russia 216 © centro de maior intensidade de produg&o agricola nZo se localiza _mais, portanto, como acontecia ha 100 anos atras, na Inglaterra e-sim nos Paises Baixos e na Bélgica. A partir déste centro, a intensidade da producao agricola dzcresce para todos os lados, também para NW em diregio @ Gra-Bretanha e Irlanda, conforme mostram os valores ‘seguintes, calculados da mesma forma que os precedentes: Direcio do centro para NW: . Paises Baixos 200 Irlanda 12,3 Grd Bretanha 67,1 Ainda mais evidentes seriam ésses valores se féssem dados separadamente para as diferentes regides da Gra-Bretanha. “ Mas nao é sdmente por motivos econdmicos (e politicos), mas também por causas climadticas que a agricultura, a partir do centro de intensidads, torna-se rapidamente extensiva para NW, fazendo com que a importancia da agricultura decres¢a cada vez mais em comparacao com a pecuaria. Enquanto a Irlanda da mesma forma que a Dinamarca, ainda estd no anel mais interno, mandando anualmente centenas de milhares de cabecas de bovinos, ovinos e suinos para a Inglaterra, vamos encontrar na Escécia, com os seus prados e brejos, a criacao d2 carneiros como principal ramo de atividade, constituinds esta, além do mals, a unica atividade nas Faroe e na Islandia, Ficam elas no anel mais externo de Thiinen condicionado aqui, da mesma forma que nas estepes do mar CAspio, pelo clima (temperatura) 2 pelo afastamento. O anel de Thiinen mais externo, com a sua forma de economia da criagdo extensiva, foi também aquéle que primeiro atingiu os paises de além-mar. Com a ind2pendéncia dos Estados Unidos da América do Norte, transpunha éle, em tins do século XVIII, os Apalaches, estendendo-se rapidamente pelas planicies interlores da América do Norte. Por volta de 1820, éle salta para o hemisfério sul comegando, sob a forma de criacéo dz carneiros, quase simultineamente no La Plata, no Cabo e no,sudeste da Australia. Todas estas regides sdo de campos naturais, nos quais esta forma de atividade encontrou condigdes naturais favo- raveis ao seu desenvolvimento. Os extensos campos que constituem um pasto 282 : BOLETIM GEOGRAFICO barato e o clima saud4vel, tanto para o homem quanto para a criagio, foram as causas pelas quais esta forma de atividade saltou por cima dos trépicos e fol estabelecer o seu ane] na regiao subtropical do hemisfério sul. Nao se dava o fato, porém, de que © solo e 0 clima nfo facultassem outra forma de atividade além do pastoreio como por muito tempo se supds. As condicées atuais mostram, ao contrario, que nos primsiros tempos, nas citadas regides de criacdo, esta forma de atividade constituia um anel econémico condicionado pela grande distancia dos mercados, que fornecia 14 e couros para a Europa, dois produtos, portanto, que mesmo no tempo da navegagiio de vela ofereciam possibilidades de transporte e de concorréncia. Um pouco mais tarde que a criagdo extensiva comegou também, com o cres- cimento da populacdo, a desenvolver-se nas regiGes costeiras do hemisfério sul a agricultura, sob forma da cultura de arado européia. Com isso, a criagdo ex- tensiva come¢ou a ser deslocada ientamente para as regides mais interiores. Comecaram, portanto, a formar-se em t6rno das cidades principais, que se loca- lizam todas ao longo da costa e que sig ao mesmo tempo portos, novos anéls econdémicos, formando os primérdios de “Estados Isolados” de segunda grandcza. Por volta de 1850, igualmente, a cultura por arado penetrava nas prairies norte-americanas, deslocando as atividades de pastoreio sempre mais para oeste. Em virtude da ampla disponibilidade de terras, a forma de atividade era exclu- sivamente o sistema de um ou de dois campos, e o trigo a cultura quase qu2 exclusiva. O solo e o clima eram, nestes campos, excepcionalmente favoraveis a esta cultura, ndo havia a penosa necessidade do desflorestamento para pre- pard-la e, a0 mesmo tempo, os pastos naturais ofereciam abundante forragem para os animais. A conseqiiéncia era que o trigo podia ser produzido por um preco de custo tio baixo que, mesmo diante da grande distancia das costas dos percaigos da ‘navegacao de vela, éle podia oferecer concorréncia ao trigo pro- duzido na Europa, Em primeiro lugar, por volta de 1860, sio as prairies da Amé- rica do Norte’ que entram a abastecer a Europa de cereais, seguindo-se, em 1880, os pampas argentinos e, ao mesmo tempo, o sudeste da Australia. Também aqui a estrada de ferro faz o anel da cultura de cereais avangar rapldamente para o interior. Simultaneamente com a cultura de cereais se Iniciou principalmente na Argentina, a cultura da alfafa, bem como de outras plantas forrageiras, que asso- ciaram novamente a criacgio com a agricultura, intensificaram o seu sistema de produc&o, que passou a ser de carne e mantciga em lugar de la e couros“. A técnica do congelamento possibilitou entdo levar éstes produtos facilmente de- terioraveis para o outro lado dos trépicos, dos paises do h2misfério sul para a Europa. Na regido costeira do pampa argentino, no sudeste da Australia e na Nova Zelandia, de clima fresco e timido, a criagio intensiva forca atualmente a cultura de cereais para o interior, da mesma forma que esta, em época anterior, levou a criagdo extensiva a deslocar-se neste sentido. Finalmente, o aglomera- mento da populagéo nas grandes cidades portudrias e 0 aperfzicoamento do consumo, trouxeram, como consegiiéncia, a formacio do anel mais interno da economia livre, que produ pera o consumo das cidades leite, frutas e legum2s. Principalmente em térno de Buenos Aires se formou desta maneira um quadro econémico que, de modo surpreendente, lembra o “Estado Isolado” teérico, com @ modificacao imposta pela presenga de um grande rio navegdvel. De qualquer maneira, somente o principio de Thiinen fornece a chave pata a comprzensao tedrica do esmerado mapa econémico da Argentina, publicado por F. Kiihn“, Acima de tudo, as “‘zonas econémicas do pampa, segundo os ramos de atividad? predominantes”, em um mapa anexo, permitem diretamente uma interpretaio no sentido de Thiinen. Além disso, 0 carater de planura do pampa e o seu solo relativamente uniforme concordam, como talvez em nenhuma outra parte da terra, tao bem com as premissas fundamentais do “Estado Isolado”. Mas, tanto os anéis econémicos da Argentina, como os do sul da Africa ou da AustrAlia nao correspondem a “Estados Isolados” Independentes. Hles perma- necem ainda inteiramente a servico da economia européia, sendo estados vassalos ., 7 Leo Watbel: “Die Viehzuchtgeblete der sildlichen Halbkugel”, in: Geographisehe Zeit- Schrift 1920, pigs. 54-74. “ Potermanns Mitteilungen 1930: TRANSCRICGOES 203 do “Estado Isolado Mundial Europa”, sendo influenclados pelo mesmo em sua din&mica. Que também aqui ccorr2m rupturas de anéis, demonstra o exemplo da Nova Zelandia. Bste pais, que em téda a terra é 0 mais distante da Europa, encontra-se hoje em dia inteiramente sob o signo da criagio intensiva, fornecendo manteiga, leite, queijo e carne para a Europa e pertence, portanto, como a Dina- marca, Holanda e Irlanda, ac anel mais interno da mesma. Nos Estados Unidos da América do Norte, entretanto, com o aumento de populagio e com a industrializacdo, desenvolveu-se um grande Estado que se lib2rtow do dominio econémico da Europa, figurando atualmente com caracte- risticas proprias ao lado do grande Estado europeu, ao qual promove forte concorréncia em todos os mercados. Como ambos os grandes Estados estao ligados aos paises ultramarinos por portos maritimos, os seus anéis econémicos nao demonstram uma dupla influéncia. J4 no caso dos vizinhos continentais dos USA, o Canad4 e 0 México, o caso é diferent2 e a0 tongo de seus limites nota-se uma nitida orientagao para os mercados dos Estados Unidos e, com isso, um afastamento dos mercados europeus. A maneira, segundo a qual os anéis econémicos nos USA se agrupam em térno dos portos da costa atlantica e a partir dai s2 estenderam, sob influéncia das condigoes naturais, remo ao oeste, transformando-se em figuras retangu- lares, ja foi claramente elucidada por Engelbrecht, em 1883, O mapa das “agricultural Regions” dos USA, de O. Baker, mostra claramente a disposigao das regides agrarias no espaco compreendido entre a costa atlantica e 0 centé- simo meridiano. Também a questéo de como se modificam sa condigdes do “Es- tado Isolado” no caso d2 0 mesmo encontrar-se cercado por um deserto, em lugar de uma floresta cultivavel, foi esclarecida por Engelbrecht em relacgao aos USA, verificando o mesmo que os anéis internos ultrapassam uniformemente os ext2riores. Sobretudo os produtos da pecuaria, como 1a, carne, queijo e manteiga, passam a ser necessariamente preduzidos nas regiées agricolas (Cornbelt!) “. ° Para além do meridiano 100, desenvolveram-se na grande regifo drida, em torno de niicleos de mineragdo e de oasis fluviais, “Estados Isolados” locais, e, na costa do Pacifico, formou-se um anel interno inteiramente novo que produz em‘ parte, para o consumo local das grandes cidades de rapido desenvolvimento, ficando, entretanto, em parte também, a servigo dos mercados da costa atlan- tea, em virtude das estradas de ferro e do aperfeicoamento da técnica do trans- porte. Os Estados Unidos sofreram assim, no curto espaco de um século, uma transformacéo que, na Europa, prolongou-se através dz varios séculos. “SO- mente aqui”, afirma Friedrich List, “tornou-se claro o desenvolvimento em de- graus sucessivos da economia. politica”. Um processo que na Europa exigiu uma série d2 séculos desenvolve-se aqui, sob os nossos olhos, ou seja, a passagem do estado selvagem para o da criagdo, déste para a fase agricola e, finalmente, desta ultima para o estaglo da manufatura e do comércio. Aqui se pode observar como o rendimento cr2sce paulatinamente do nada para uma situacdo de grande importancia”®, Esta sucessio cronologica das formas de economia e de suas correspondentes paisagens econémicas (formagdes econémicas) assémelha-se inteiramente as sucessoes da Fitogeografia, com a diferenga apenas de que, nesta uitima, o povoa- mento 2 a transformacdo de uma formacio vegetal processa-se em periodos de tempo muito mais longos (Pfeifer, ob. cit, pag. 323). Para finalizar, desejo fazer mencio ainda, de w’a maneira muito peculiar, segundo a qual o principio de Thiinen se exerce nas regides baixas tropicai Como as formas econémiecas das regides temperadas por motivos climatologicos © sociais n4o sao ali possiveis, nao puderam desenvolver-se nestas regides “Estados Isolados”, segundo o esquema habitual. Apesar disso, entretanto, o principio de Thiinen surge ali, apenas com refzréncia a outras formas de economia. Ao anel mais interno corresponde aqui o sistema da plantage, intensivo em apli- cacao de trabalho e de capital, e qu2 se desenvolveu principalmente nos trépicos “® Yearbook of the Department of Agriculture 1921, pag. 416. ~ Fulings Landwirtschaftliche Zettung 1804, pgs, 533-536. 204, BOLETIM GEOGRAFICO americanos desde 0 século XVI, estendendo-se como forma colonial de economia européia ao longo das regides litoraneas. Em torno dz cada porta, se desenvol- viam as plantages em forma de anel ou de faixa, enquanto no restante da costa, no espago compreendido entre os mzsmos, continuava intacta a vegetacdo na- tural ou mantinham-se inalteradas as formas de cultura rotineiras dos nativos. Um segundo anel se desenvolvia diretamente atras das plantages (e em parte, como por exemplo, no nordeste do Brasil, em terrenos pertenc2ntes 4s mesmas) constituido de fazendas de criacdo, sendo que os animais eram empregados parte para trabalho (engenhos de aciicar) e parte para o abastecimento de carne nestas plantages. Os demais géneros alimenticios para o grande numero de tra~ balhadores (como arroz) eram importados e com isso 0 anel da cultura de cereais ficava eliminado. As terras de pastagens entretanto, eram uma imperiosa neces- sidade e, onde faltavam, eram derrubadas as matas, transformando-as em pas- tos artificiais (potreros), pela semeadura e plantio de gramineas. Algumas das savanas do oeste da india, como os pens da Jamaica, podem ser explicadas desta maneira, sendo portanto econdmicaménte condicionadas. Nos campos de pasta- gens naturais dos Zanos da Venezuela e dos campos do Brasil, ao contrario, a pecudria desenvolveu-se independentemente das plantages da regiao costeira, penetrando assim profundamente para o interior. Mas, mesmo no Ambito da zona de plantage tropical, pod2-se reconhecer certa disposigao em anéis, conforme j4 foi referido por Wilhelm Roscher™. A maior soma de trabalho e de capital é exigida pela cultura de cana-de-agucar. Ela predomina, por isso, “nas regiGes mais cultivadas, nas quais, em virtude da proximidade de grandes vias fluviais ou pelas ligacdes politicas, ha maiores faci- lidades em obter capitais, trabalhadores e possibilidades de colocar os produtos, isto é, ao longo do litoral e nas Indias ocidentais”. Menos intensivo é 0 cultivo do anil, café e cacau, ¢ o mais extensivo de todos o do fumo e do algodao. Estas duas ultimas culturas esgotam muito 0 solo “e deslocam-se, por isso, quando o pais sofre um desenvolvimento geral, cada vez mais para o interior, ainda mais que a preparacéo do produto, da mesma forma que seu transporte, é relativamente facil e sempre vidvel desde que haja procura do produto”. Se no Ambito das regides de plantage do sudeste da Asia, atualmente, tam- bém € possivel distinguir anéis semelhantes, escapa ao meu julgamento. Nao deixa de ser, entretanto, muito significativo que, na regiao tropical mais afas- .tada, as ilhas dos Mares do Sul, além da copra, nenhum outro produto seja produzido na forma de plantage? E ainda de que ali as plantages regridem muito, cultivando uma planta que crescz nativa, sendo por isso objeto iguaimente das culturas dos nativos? B finalmente ainda que o produto desta planta culti- vada pode ser, com relativa facilidade, beneficiado e tornado apto a suportar transportes demorados? Além da grande distancia do mercado consumidor, acresce ainda o fato de que o numero reduzido e a pequena capacidade de trabalho dos nativos de alguns arquipélagos (por ex., das Salom&c™) sao o motivo pelo qual faltam nos mares do sul culturas do tipo plantage, com maior intensidade de trabalho. Assim, 0 “Estado Isolado” de Thiinen demonstra ser a chave da geografia agraria. Ele nos possibilita discernir entre as causas intrinsecas inerentes & economia e atuantzs na organizacdo agrogeografica da Terra e as causas refe- rentes 4s condigdes naturais. O forte contraste entre as forcas endégenas e exdgenas torna-se (em sentido figurado) claro na g2o0grafia econémica, e somos levados a tentar elucidar a sua influéncia na individualizacdo das paisagens eco- némicas da Terra. Mesmo quando nao chega a haver ou nunca houve ‘Estados Isolados” no sentido mais rigoroso, ainda assim o principio de Thiinen se de- monstra, como téda verdadeira teoria, excelente para analisar a verdade dos fatas, para impor a ordem numa imensidade de mintcias, para perc?ber mais profun- @amente os mesmos e chegar 4 proposic¢io de problemas. N Das nationale System der politischen tkonomte. Tubingen 1851. Pretéclo, pig. XIII = Nationalikonomtk des Ackerbaues. Stuttgart 1882. 10 ed., pig, 185. Contribuicado a Ciéncia Geogrdfica As Altas Superficies de Aplainamento . do Brasil Sudeste Aziz Nacte An’SABER Professor do Geografia Fisica na Faculdade de Filosofia de Campinas. O estudo das antigas superficies de aplainamento inscritas nos mais elevados planaltos eristalinos do Planalto Atlintico brasileiro constitui um dos mais im- portantes capitulos de nossa geomorfologia. Nao se trata apenas, no caso, de comprovar a existéncia de velhos peneplanos so2rguidos e transformados em planaltos de diversos graus de rejuvenescimento. Mas, trata-se, principalmente, de observar 0 comportamento dos nucleos de escudos pré-cambrianos, muito rigidos, que estiveram por um enorme espago de tempo geolégico em posigéo de area erosiva. Realmente, tais blocos macicos e salientes, long: de se compor- tarem como embasamento de sustentagéo para as formactes geolégicas paleo, meso 2 cenozdicas, tiveram uma permanente aptidao para restar na forma de velhos planaltos cristalinos, fornecendo sedimentos para as bacias sedimentares que os ladeavam (“bacia sedimentar do Parand e bacia sedimentar do Sao Francisco”) . Ness? sentido, os planaltos cristalinos do Brasil Sudeste constituem um dos mats perfeitos tinos de old lands conhecidos, j4 que além de ser em nucleos anti- quissimos das porgdes emersas da crosta da terra, nio perderam seu caract2ris- tico de macicos antigos salientes, reagindo sucessivamente aos ciclos erosivos pretéritos, através de l:vantamentos e arqueamentos epirogénicos ciclicos. Desta forma, tais nicleos do Escudo Brasileiro, restaram a escapo de quaisquer inva- sde3 marinhas por quase téda a escaia do tempo geoldgico (“eon fanerozdico”) . Varias vézes foram parcialmente arrasados, mas em réplica isostatica, quase imediata, voltaram A posiefio de planaltos, sofrendo sucessivas retomadas incom- pletas de erosdo. Relevos noliciclicos foram elaborados em fungao dessas prolon- gadas fases erosivas, acompanhando de constantes soerguimentos e de retomadas Parciais de processos de erosion e rejuvenescimento. Nos trabalhos de Morais Régo (1932), Preston James’ (1933 e 1933a), Emmanuel De Martonne (1940; 1943-44) e Rui Osdrio de Freitas (1947, 1951 e 1951a), encontram-se as observa- gdes e discuss6es pioneiras sdbre as aludidas superficies de aplainamento e sobre os relevos policiclicos déles oriundes. Modernamente 0 estudo das superficies de aplainamento antigas vem pres- tando uma colaboracao inesperada e altamente valicsa 4 geologia historica. Isto porque tais superficies aplainadas representam paleoplanos ou pen2planos ant’ gos soerguidos, relacionados com arranjos pretéritos das massas continentais e oceanicas. FE, em funcao désse fato, constituem slementos objetivos importantes para a revisao de muitas concengdes paleogeograficas, originalmente baseadas tao somente em considzracdes estratigréficas. Desta forma, na trama comvlexa das restauragées paleogeograficas, onde 4 estratigrafia, a paleotologia, a tecto- nica, e muitos outros camnos das ciéncias da Terra intervém obrigatoriamente, passa a haver um lugar important: para a geomorfologia. Animados nelos rumos novos que o estudo das superficies de aplainamento antigas vem tomando e, com a finalidade de rever alguns problemas fundamen- Revista das Faculdades Campinetras — Ano I — Dezembro de 1954 — N.° 4 — Canipinas — Estado de Sip Paulo. : 296 BOLETIM GEOGRAFICO tals da geomorfologla do Brasil Sudeste, teceremos consideragdes sObre as duas mais altas e importantes superficies aplainadas antigas da porcdo sudeste do Planalto Atlantico brasileiro. O problema da datagdo da superficie dos campos. — A superficie dos cam- pos (1800-2000 metros) constitui uma espécie de teto dos planaltos cristalinos de “Austro-Brasilia” e foi sem duvida a nartir dela que se realizaram os ciclos e epiciclos erosivos responsaveis pelo estabelecimento dos niveis mais baixos do Planalto Atlantico. Processos epirogénicos positives, arqueamentos de vuito e deslocamentos de blocos falhados se fizeram atuar nesse velho peneplano cris- talino, soerguido, contribuindo para sua “compartimentagao” e para a elaboracao do quadro gerai do relévo das terras altas do Brasil tropical atiantico. Comentando o problema de sua cronogeologia, lembrava Ds Martonne (1943, p. 537) que ela devia ser antiga, “se bem que, sem dtivida, mais recente que a sup?rficie pré-permiana”. Ainda nas conclusées gerais de seu importante tra- balho, ao tratar das quatro superficies de erosio que distinguira no Brasil tropical atlantico, insiste De Martonne no problema (1943, p. 544): “Resta a alta superficie dos campos, cuja idade nada permite fixar. Duas hipdteses po- deriam ser consideradas: ou bem a superficie estéve, no Cretdceo, em relagio com o arenito Bauru, sendo a superelevagao devida aos movimentos tercidrios; ou bem éle derivaria da superficie pré-permiana, cujo declive diminuiria para © centro de um abaulamento.” Rui Os6rio de Freitas (1951, p. 16), que procurou simplificar demasiada- mente o nimero das superficies de ercsio do Planalto Brasileiro, investe dura- ments nas criteriosas observacGes pioneiras do grande sdbio francés, dizendo: *Entretanto, Martonne nao explica porque admite esta superficie mais antiga que a do peneplario cretaceo e mais recent: que a pré-permiana, embora reco- nhega que ela se acha falhada e elevada nelo rej2ito das falhas. Considerando-se a usura do escudo cristalino para fornecer a extensissima e volumosa sedimen- tacio er2tacea, parece-nos impossivel haver sido preservada uma superficie de erosdo de idade tao antiga, como sugere De Martonne. Seria mais justo admiti-la como restos do peneplano cretéceo sobrelevados por falhamento, consoante a altitude com o rejeito das falhas, uma vez que tais superficies peneplanadas se acham dentro do peneplano cretdceo e nas zonas de intenso diastrofismo epeirogénico.” . - A Nosso ver, se se pudesse considrar como definitiva a datacio de jurdssica para as intrusdes alcalinas do macico do Itatiala e da ilha de Sao Sebast'ao, ficarla sobremodo facilitada a datac&o da superficie dos campos, tao criterio- samente identificada por Emmanuel Ds Martonne. A fase de peneplan‘zacdo responsavel pela génese daquela superficie de erosdo ficaria compreendida entr? © triassico e o jurassico, fato de grande significagio sob o nonto de vista pura- minte paleogrdfico. De passagem, lembramos que a datacho de triassico é das mals sugestivas, mesmo porque se poderia pensar em sistemas erosivos arréicos e endorréicos (Ab’Saber, 1950-51, p. 63} e em remotos processos de “p2dipta- nagao” para explicar a génese de’uma das mais tipicas, homogéneas e elevadas das superficizs de erosio inscritas nos planaltos cristalinos do Brasil Sudeste. Pensando dessa forma, poder-se-ia dizer que as primeiras rédes de drenagem regionais — posteriores & fase drida e arréica do triassico — t2r-se-iam esbogado no jurassico, se diluido durante as fases aridas e semi-aridas do cretaceo e se redefinido durante o pal2égeno. O hiato correspondente ao jurdssico na se- qiiéncia estratigrafica da bacia do Parana talvez se explique por uma moderada fase de epirogénese positiva durante ésse periodo. Ou, em outras palavras, tanto para o Brasil Meridional quanto para a bacia do Sdo Francisco, teriam domi- nado extensiva, pésto que moderadamente, condicdes erosivas sébre condigdes deposicionais, durante o periodo jurassico A ésse tempo, por outro lado, os grandes stocks de intrusivas alcalinas teriam perfurado o teto das formacd?s granitico-gnaissicas e criado saliéncias exdticas no relévo senil do peneplano triassico (?) . Seriando os fatos desta forma, pensamos poder explicar o carater pré-cre- tacico da superficie dos campos, rzpondo em seus devidos térmos o alto critério que presidiu as consideracdes pioneiras de De Martonne. CONTRIBUIGAO A CI£NCIA GEOGRAPFICA 297 Faz necess&rio, apenas, lembrar que a superficle tridssica ou trias-jurassica, a despeito da provavel retomada de eroséo dos meados do mesozéico, continuou evoluindo no cretécio como saliéncia de sedimentos para as extensas freas sedi- mentares da época. ‘Achamos oportuno relembrar algumas das consideragdes de Morais Régo (1932, pp. 7-8) sdbre o ciclo erosivo post-tridssico e o abaixamento cretacico: “Por ocasio do abaixamento eocretacico, nado se encontrava completamente peneplanizado o pais, Assim indicam as ondulagdes da superficie de contacto entre o arenito Bauru e as camadas mais antigas da série Sio Bento. Tendo em vista a posigio das formacées marinhas da época eocr2tacea, é plausivel ad- mitir a drenagem dirigida para oeste ou sudoeste. Dai, veio, por férga do abai- xamento, a inundac&o (sic), fatéra da sedimentacdo cretacea”. Nao foi uma simples escavacko durante o jurdssico que teria preparado o campo para a sedi- mentacao terrigena do arenito_Botucatu, Com muita razio diz Rul O. de Freitas (1981, p. 24) que “o cretdceo continental depositou-se, quando o pais se achou em um nivel t2cténico bem inferior ao atual, na disposigao de uma legitima bacia tectonica, para garantir tal sedimentacio”. Se assim nao fésse, nao teria sido possivel a superimposi¢ao hidrografica centripeta post-cretacea generalizada, que $2 processou na bacia sedimentar do rio Parana. A matriz sedimentéria das formagées cretacicas continuou sendo as porgées salientes dos escudos, ow seja, os nucleos dos velhos planaltos cristalinos ave cireundavam as bacias gondudnicas brasileiras. Tais blocos rigidos insubmersos tinham a capacidade de se ressalientar ciclicamente devida a sua constante aptiddo para a epirogénese positiva, por meio de arqueamentos em forma de abébada, Isso significa téo sémente que a superficie dos campos, de idade tridssica ou jurassica, p2rmaneceu elevada, através de exaltacio moderada du- rante o cretéceo, sofrendo desnuda¢ao e fornecendo sedimentos para as extensas formacées cretéceas da época. Note-se que a in2xisténcia, até entdo da fachada atlantica, ampliava em muito a 4rea de extensdo dos macicos antigos fornece- dores de sedimentos em térno da bacia do Parana. Fig. I — Esque geomorfolégico de Emmanuel De Martone (1940), construldo para relacionar as diferentes superficies de splainamento antigas ‘do Brasil Sudeste, tendo como base um corte ideal L — W no estado de Sio Paulo, da serra ¢a Mentiqueira & cuesta de Botucatu. As letras maifis- las dos plenos altimétricos dos relevos pretéricos signifieam: C— supcr- ficle dos cnmpos; E— superficte das cristas médias (eocénica); P— designa a superficie pré-glacial ou pré-gondwanica, nao estudada no presente tra- batho (designada um tanto erroneamente ‘de pré-permiana por De Marto- ne}; N— refere-se A superficle de crosdo neogénica, a mais recente delas tddas. Relagdes entre a-alta superficie dos campos e a superficie das cristas mé- dias. — A superficie das cristas médias’ que guarda grande int2résse para a explicagio do nivel altimétrico dos macigos antigos que enquadram a regido de SAo Paulo, foi entalhada apés o soerguimento de conjunto que afetou o nucleo central da superficie dos campos. Nos fins do mesozoico, quando se repronun- ciaram as concavidades e-as zonas deprimidas no dorso das veihas sinclinais do Planalto Brasileiro, as saliéncies dotadas de maior positividade na ossatura dos escudos sofreram uma exaltacao moderada. N&o se houvesse processado tal arquea- 1 © histérleo da identificagho da superficie de aplelnamento de 1100-1300 metros no estado de S8o Paulo foi o seguinte: baseado nas verificagées pionelzas de Harder (1915) na serra do Esplnhaco, Morals Régo estendeu para Sio Paulo 0 concelto de uma pengrianizacéo anti-pllocénica, dando A superficie corresptndente o titulo de “peneviano eocénico”. Mals tn-de, De Martonne (1940), além de criar a “euperficie dos Altos Campos” (1 800-2 000 metros), ratificow ag tdentificngées antertores sObre o nivel de | 100-1300 metros, colocande a fase erosiva respons «wel or sua elaboragio no “paleogeno” e dando-lhe a designacio geogrifica de “superficie das cristas modins", Recentemente Fe nando FM. de Almeida, em tratalhos pinda néo nnblicetos, ven Bropugnando pela designagso de “superficie do Japl", em relagho s0 nivel de 1100-1300 metros em aul. 298 BOLETIM GEOGRAPICO mento duplice e normal — “positivo” nos escudos e “negativo” nas baclas — nao teria havido fonte de sedimentac&o para as nossas formacées detriticas, dominantemente terrigenas, do cretaceo. Realmentz, os sedimentos arenosos que foram ter as bacias cretécicas “endorréicas", foram oriundas de um rebaixa- mento desnudacional do nivel da superficie dos campos a ésse tempo sobrzelevada. As fiutuacées climaticas no sentido de maior ou menor aridez e os desniveis mo- derados existentes entre as duas sup2rficies, contribuiram para a sua preservagaéo através de periodos tao extensos na escala do tempo geolégico. Pensamos que a homogeneidade da superficie das cristas médias se ligou apenas & borda das bacias cretacicas; dai o fato de ela ser limitada e possuir fragado e extensao muito irregulares. Ao contrario da superficie dos campos que coroa apenas os nicleos mais salientes de Austro-Brasilia, a superficie das cristas médias bordeja irregularmente ésse teto geral soerguido, postando-se em nivel intermedidric. fortemente dissecado ¢ reiuvenescido. Fla foi como aue o campo preferido pelos diversos epiciclos de eros4o rzmontante da erosdo fiuvial Post-cretacea, servindo de anteparo na preservacio mais prolongada da velha superficie dos campos. A nosso ver, até onde se estend: hoje o nivel das cristas médias no estado de Séo Paulo (110-1250 metros), estendeu-se nos fins do mesozdico a esfera geral de influéncia pen2planizadora dos bordos externos das bacias cretacicas. A aparente semi-aridez do clima daquele perfodo teria forgado, ainda uma vez, a intervengdo de processos similares aos da p2diplanacdo na génese cretdcica. Por um lado, essa superficie de erosio nivelava-se perfeitamente com as camadas superior2s das bacias creticicas e, por outro, com os sopés das ladeiras mode- radas que davam acesso ao nivel da superficie dos Campos. Desta forma, o nivel das cristas médias comportou-se em Sao Paulo, como uma espécie de planicte costeira das bacias sedimentares cretaceas, as quais eventualmente possuiram fases lacustres. Deveria possuir largura muito variével, interpenetrando-se para © interior des macigos antigos e ocasionando o rebaixamento progressivo, paste que irregular, da superficie dos campos. A drenagem, com toda a certeza, se irradiava dos altos nivels para as bacias sedimentar3s terrigenas, sendo muito provavel que, na época, os rios que provi- nham da regido da Bocaina féssem tributarios das lagunas cretAcicas, passando da superficie dos campos para a superficie das cristas médias, entre a atual regléo do Alto Paraiba e a do Alto Tieté. N&o haveria, até essa época, nenhum compartimento de relévo que lembrasse aquilo que virla a ser um dia a regio de Sao Paulo. O nivel das cristas médias Passava um tanto acima dos mais altos picos da serra da Cantareira do Jaragua, do Bonilha, do Itaneti e da Taxaquara. Sdmente se pode pensar em uma drenagem mais extensa em relagho ao Tieté primitivo, provindo da Bocaina e cruzando 4reas da regiao de Sao Paulo, caso se imaginem os taivegues de tal réde hidrcgrdfica pretérita, passando entre 3 e 4 centenas de metros acima do nivel atual do Tieté-Pinheiros. Na regido do Alto Paraiba, a drenagem cretdcica estaria entre 500 ou 600 metros acima dos talvegues atuais, podendo, assim, transpor folgadamente a d4tea de relévo, onde hoje existem divisores entr2 o Alto Paraiba e o Alto Tieté. Foram os falhamentos responsaveis pela génese do horst da Mantiqueira. e pela fossa do Paraiba qu: vieram complicar posteriormente essa drenagem post-tridssica gonduanica, forjando a mais intrincada réde hidrografica po- ligena do sudeste do Brasil, que é o vale do Paraiba. Tal réde foi construida & custa de bracos antigos da drenagem das bacias do Paran& e do Sdo Francisco e de tr:chos novos ligados As imposicdes tecténicas da importante familia de falhas post-cretdcicas, que afetcu o relévo do Brasil Sudeste. Conclusées. — Os dois niveis mais elevados das velhas superficies dz aplai- namento do Brasil Sudeste constituem, sem duvida, os altimos peneplanos gond- uanicos elaborados nas saliéncias principais do Escudo Brasileiro no decorrer do mesozdico, ao mesmo tempo em que as massas continentais regionais se esten- diam muito para teste, posto que em niv2] tecténico baixo (Freitas, 1951a). Tais superficies de aplainamento antigas foram construidas segundo os niveis de base do eixo geral da bacia sedimentar do rio Parané e dentro de uma paleogeografia de massas continentais e oceanicas muito diferentes da atual. - Até ésse tzmpo nao existiam o vale do Paraiba, nem tampouco as serras da Man- CONTRIBUIGAO A CIENCIA GEOGRAFICA 299 tiquelra e do Mar, acidentes ésses que s6 foram criados pela familia de falhas atlantica post-cretacea depois da elaboragio da “superficie das cristas médias”. O so2rguimento e os falhamentos que afetaram a regido, apés a formacio da superficie das cristas médias, é que deixaram oportunidades para o estabele- cimento de rédes hidrograficas “postcedentes”, as quais forjaram os espa¢os novos d2 suas areas de drenagem, em detrimento dos extensos espagos outrora pertencentes As drenagens gonduanicas. Algumas das rédes postcendeantss ali es- tabelecidas tiveram origem muito complexa, como € 0 caso do rio Paraiba do Sul, um dos mais p2rfeitos exemplos de rio poligeno do territério brasileiro (Gui- maraes, 1943). Soerguidas as duas superficies de aplainamento estabelecidas na porcao su- deste de Austro-Brasilia, elas se transformaram em “abobada” principal do Pla- nalto Brasilziro (1100-1300 metros, e, 1800-2000 metros), a respeito de ocuparem uma posigéo marginal e assimétrica no corpo geral do grande planalto. Tal como a Borborema, e numa escala bastante amplada, os planaltos cristalinos-do sudeste do Brasil constituem as cabeceiras principais da drenagem do Planalto Atlantico brasileiro. Dai s2 irradiam, nésto que irregularmente, rios pertencentes aos quadrantes mais diversos: tributarios do Parana, Sdo Francisco, Doce, Pa- raiba do Sul e, rios isolados e curtos, da vertente atlantica da serra do Mar. BIBLIOGRAFIA Ap’SAser, Aziz Nacib 1950-51 — “Sucessio de quadros naleogzograficos no Brasil do triassico ao quaternario”. — Anudrio da Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae da Univ. Cat. de S40 Paulo. 1950-51, pags. 61-69. Sdo Paulo. Aumetpa, Fernando F. M. de * 1951 — “A prepésito dos “Relévos policiclicos na tecténica do Escudo Brasi- leiro”. — Boletim Paulista de Geografia, n° 9, outubro de 1951, pags. 3-18. Sao Paulo. 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Rvettan, Francis 1952 — “O Escudo Brasileiro e os dobramentos de fundo”. — Faculdade Nacio- nal de Filosofia da Univ. do Brasil. Departamento de Geografia (Curso de especializagéo em geomorfologia) . Rio de Janeiro. Anualmente o Conselho Nacional de Geografia realiza um concurso de monografias de aspeetos geograficos municapais, com direito a prémios. Concorra com os seus ¢studos Reograticos, seus levantamentos, sua documentacao. Rios que Somem José Cartos P. GRANDE Do Conselho Nacional de Geografia I Quem observa um mapa da Asia, de preferéncia da Asia Central, encontra registados nao poucos rios que nfo aleangam o mar. Depois de um curso as vézes bastante longo, ou terminam em um lago com superficie molhada variével, ou as vézes séca mesmo, ou éles vao diminuindo aos poucos e somem, deixando, se tanto, um leito séco. + Assim, o rio Tarim, no extreme ocidental da China, é o rio principal com uma bacia de 900000 quilémetros quadrados e um curso de cérca de 1600 qui- l6metros, de uma vasta regido desértica. Nio obstante o seu volume d’Agua aumentado pelos seus nao poucos afluentes, vai éle bifurcando-se e minguando, até terminar no Lop Nor, um lago que varia de tamanho conforme a quantidade de agua que recebe. SupGe-se que toda essa regifio vem sofrendo uma grande alteracao climAtica, que faz os rios encurtarem o seu curso, abandonarem seus leitos, os lagos minguarem, © clima desértico, que causa éste fendmeno, faz-se sentir ali em uma ex- tenséo de mais de 4500 qutlémetros de leste a oeste, desde o Koko Nor até o mar Caspio ¢ além, e desde 0 sopé sul dos montes Urais até quase 4 borda do golfo Pérsico. O mar Céspio recebe, entre outros cursos d’égua, os rios Ural e o Volga, éste o mais volumoso rio da Europa, e, no entanto, a sua evaporacio é muito ‘superior a tamanha massa d’4gua. O nivel désse “mar” (maior, é ver- dade, que 0 Baltico) Ja se acha a 28 metros abaixo do que chamamos “nivel do mar” e tende a baixar mais. Demonstra a existéncia de numerosos iagos entre- meados que, em tempos idos, se acharam ligados, ao menos o lago Aral (mais propriamente, “‘mar”), ao mar Negro, através do Céspio e o mar de Azov. Julga-se que essa extensa regifo desértica, desde 0 Gobi ao Taklamakan fol o berco da humanidade que, premida por diversos periodos de séca extrema, se pés em movimento para povoar o globo terrestre. O Bden da Biblia seria entao o curso superior e médio do Tarim, efetivamente de grande fertilidad Q fenémeno dos rios que somem é muito comum no continente australiano. Da Great Dividing Range (“grande serra divisora”), bem perto da costa leste do Continente Novissimo, descem numerosos rios perenes que, no entanto, véem minguar e desaparecer a sua dgua antes de alcancarem o leito do Darling, a coletor da grande regido e que, por sua vez, raramente contribui com alguma. agua para o rio Murray, éste perene. Este mapa da Australia parece-se um tanto. com 0 do nosso Nordeste; cheio de rios nio perenes; anenas ndo temos, no nor- deste oriental, os lagos periddicos. Semelhantes condigdes climaticas fazem que também nao tenha sangra- douro o lago Chad, que divide a Nigéria da Africa Ocidental e Equatorial Fran- césa. £ alimentado ésse lago velo Shari, com mais de 700 quilémetros de curso outros cursos d’agua perenes. # visivel a progressiva diminuigdo de seu volume e superficie. Em épocas que vao longe, aleangou os macicos de Tibesti e Burku. Na América do Nort:, encontramos numerosos rics que somem, em uma regio que se estende desde o estado de Utah através da Idaho e Nebraska até a California, No estado de Idaho, o mais interessante caso é o do Big Lost River, o “grande rio perdido", porque some em uma regiao desértica, 0 que acontece: B.G.—3 392 HOLETIM GEOGRAFICO com mais quatro cursos d’agua que para ali se dirigem. O mesmo aiftida se 44 com os rios perenes que afluem ao grande Lago Salgado (“Great Salt Lake”), no estado de Utah. No mesmo estado ainda, o rio Sevier termina, apés um curso de mais de 250 quilémetros, ingloriamente no lago do mesmo nome do qual nfo se conhece sangradoure; a 4gua que lhe aflui, evapora. Também o estado de Nevada abrange diversos rios que somem. O mais importante, mais extenso e de maior bacia é o rio Humboldt; temos também os qu? abastecem o lago Pyramid, 0 White river (rio Branco), 0 Duck-Creek, 0 Steptoe Creek, o rio que comega e finda no Railroad Valley, e outros mais. Na California salienta-se o rio que aflui ao Death Valley (vale da Mort2) e néle desaparece; o Amargosa River, cuja agua de fato, tem um gésto amargo- -salobro. Ali também se encontra o mais baixo ponto dos Estados Unidos, com mais de 88 metros abaixo do nivel do mar. Também no continente sul-americano existem vastas regides dridas que contribuem para o desaparecim2nto dos rios que nelas se aventuram, Alguns poucos déles encontramos no Chile. Descem rios perenes da cordilhelra dos. Andes e perd:m-se no “salar” de Atacama e outras regides desérticas menores- 20 longo da grande cordilheira. © Desaguadero e outros rios menores, formando uma bacia de superficie consideravel, perfazem.o sistema hidrografico do lago Titicaca, que com sua massa liquida divide o Peru da Bolivia. Trata-se realmente de um mar medi- terraneo, embora pareg¢a minusculo com os seus duz2ntos quilometros de exten- sio — contam as lendas e a tradic&o indigena e as pesquisas cientificas con- firmam, que éle j4 foi maior, um verdadeiro mar. Nao é 9 D2saguadero um rio que some, no sentido estrito, mas & semelhanca dos rics Syr e Amur no mar Aral e dos rios Volga e Ural no mar Caspio, alimenta um Cepésito d’4gua que devido & sua evaporacéo maior que o volume d’agua que recebe vai diminuindo no correr dos séculos. No extremo sudozste da Bolivia, encontramos o rio Lipez, com um curso de mais de 250 quilémetros de extensio. Com regular volume d’4gua vai diminuindo, pois, vencidos quatro quintos de seu curso, nao lhe chega mais tributario algum. Ao passar pela linha férrea de Potosi a Antofagasta, ja se acha reduzido a rio insignificante que por fim se perde nas Pampas Salinas. ag Na Argentina, ao longo da encosta orlental dos Andes, hé uma extensa faixa com rios que ali nascem e apés um curso mais ou m2nos comprido, ou findam em uma “laguna” sem saida, ou definham e acabam naquela regido desértica. Temos ali muitos rios que jamais alcangam o mar. Citd-los todos seria um nao acabar de nomes. Em grande parte se trata de cursos d’4gua pequenos, como no antigo territério de Los Andes. £ interessante o rio Pumilla, que da vida & cidade de Antofagasta de la Sierra e logo adiante acaba na lagoa d2 Antof-gasta, Outros rios sao ainda mais extensos, como o rio Belén, que termina no campo de Belén, depois de s2rvir 4 cidade homénima; o rio Salado que, como o antece- dente, se forma na provincia de Catamarca, possibilita a vida de diversas loca- lidades como Tinogasta, Almogasta e termina no "desaguadero” do rio Salado. Mencionarzmos ainda a bacia hidrogréfica do “Mar Chiquita” (provincia de Cordoba), alimentado pelo rio Dulce, de seus seiscentos quilémetros de curso, e outros menores. Sem desaguadouro, ao m2nos aparente — embora menos provavel, talvez haja infiltracao nara a bacia do Parané — ésse “mar pequeno” de seus ... dois mil quilémetros quadrados, nao transborda. Pelo contrario, dos muitos lagos ao seu rdor, indicados nas cartas, pode deduzir-se que, em tempos ides, fol bem maior. Também na provincia do Rio Negro, e principalmente na sua parte sul e na faixa setentrional da provincia de Santa Cruz, ocorre 0 fenémeno dos rios qu? somem. Temos ali o arroio Comanilleo e¢ o rio Perdido que se salientam entre muitos outros cursos d’4gua menores, que nascem e somem. Também o Brasil possui rios que definham absorvidos pelas areias nao de deserto, mas do préprio leito do rio; nao os ha que d2spejem em lagoas sem CONTRIBUIGAO A CIBNCIA GEOGRAFIOA 303 sangradouro (isto € outro capitulo). & verdade que muitos rios do Nordeste tém nascentes perenes, estas 2xistem em bom numero nas encostas da chapada do Araripe, por exemplo, mas n3o chegam a formar rios. Mas de algum modo tem o Brasil rios que somem, da maneira qu? expusemus linhas atras. Quem, por exemplo, observa o rio Agu, verifica que éste, no seu curso su- perior, que se chama Piranhas, conduz boa quantidade d’agua. Entretanto, ao atravessar o estado do Rio Grande do Norte, sem receber um afiuente condu- zindo agua (no clima séco da regiao é freqiiente a ‘miragem”), reduz o seu volume e assim, na cidade de Acu, se ndo seca de todo, é um filete d’agua, que passa em um leito de quase s:tecentos metros de largura. Vimos, em nossa longa peregrinacdo através dos continentes, que os “rios ‘que somem” constituem um fendmano bastante comum nas regides desérticas do Velho e do Novo Mundo. Todavia, possui o Brasil também rios que somem, mas nao em fungdo do clima desértico. Entre as desembocaduras dos rios Piria e Preguicas, no nord2ste do estado do Maranhfo, existem varios rios que ao menos aparentemente nao desAguam no oceano Atlantico. O maior déles € o rio Negro, com cento e tantos quilé- metros de curso. O vento nordeste quase constante vem interruptamente empurrando massas enormes d2 areia terra a dentro, formando faixas de dunas de quinze a vinte quilémetros de largura. Nesse paredao arenoso esbarram os modestos cursos d’dgua que menciona- mos acima; estancam, alargam-se para 500, 600, 700 metros, e certamente in- filtrando-se no vasto areal, somem... It Quem observa 9 mapa do municipio fluminense de Campos, verifica um fenémeno inter2ssante, menos pronunciado 4 margem esquerda do Paraiba, sublndo pela margem esquerda do Muridé e aleancgando Paraiba abaixo o rio Muritiba (j4 no municipio de S40 Joao da Barra, mas bastante nitido e reiterado & margem direita do rio principal 2, juntamente com o Muriaé, construtor da terra goitacdé, até emendar na lagoa Feia e vagar préximo da beira do oceano. £ que ali sio inimeros os cursos d’4gua que alcancam o pantanal existente e desaparecem sem vestigio ... Assim, 0 rio Imbé, com suas nascentes pouco ao sul e proximo da pequenina cidade de Trajano de Morais, j4 percorreu seus sessenta quilémetros e 44 arre- banhou as aguas dos rios Opinio, Mocoté, Bandeirant2s, e Mundo, éste com o avantajado cérrego do Azangado, quando atinge a margem do brejal a montante da lagoa de Cima e ... some, dilui-se nesse pantanal. & verdade que t2mos a Supor que as Aguas do rio Imbé vazem para a referida lagoa, cujo sangradouro forma o rio Urarai. Bste, por sua vez, continua, ora b2m visivel, ora quase imperceptivel no pantano, em o qual submerge até aicancar a margem da, lagoa Feia, & qual entrega suas Aguas. Falamos nos rios Muriaé ¢ Paraiba como construtores da baixada dos Goi- tacases. Ef2tivamente, mostra-nos o grande gedlogo e historidgrafo patricio Alberto Ribeiro Lamego, em seu excelente livro OQ Homem e o Brejo, que essa part? do atual territério fluminense foi, em épocas geolégicas relativamente pouco remotas — porque no pericdo terciério — fundo de mar. De pouco a pouco, o trabalho em conjunto do Muriaé, antes o rio mais volumoso, e do Paraiba, que ja ent&o captara o curso superior do Tieté, entulhou essas rasouras maritimag que hoje sao a baixada dos Goitacases. Desigual 0 fundo do mar, nao péde ser perfeito o trabalho dessa colmatagem gigantesca. E assim, nos lugares mais fundos, encontramos hoje as lagoas, a maior delas a Fzia, e muitas outr2s, uma Finlandia fluminense; e os lugares mais rasos sfio os extensos pantanais, E ossim vemos o rio Préto sumir-se no brejal, entre os morros do Itararé e Matutu, sem duvida restos de ilhas em priscas eras. Sdmente uma légua 304 BOLETIM GEOGRAFICO adiante é que sai do pantanal um curso dagua que em parte canalizado, acaba por desembocar no sangradouro da lagoa de Cima. Tambérm o rio de Quimbira ou Urubu alcanga, apés mais de duas léguas de curso, a beira do pantano a montante da lagoa de Cima e ai desaparece. Pas- sivelmente ajuda a engrossar as aguas do rio Ururai, sangradouro dessa lagoa. Eo mesmo acontece com mais de uma dizia de pequenos cursos d’4gua, entre os .quais se salienta o rio da Prata, alguns tao curtos que mal tém tempo de surgir, correr um quilémetro, pois, no muito trés, e dai sumir no pantanal que margeia dos dois lados 0 rio Macabu e pelo noroeste a lagoa Feia. Formacdo andloga a da terra goitaca teve o Pantanal de Mato Grosso. Também ali tivemos, em periodos que vao longe, um mar, interno neégte caso, de que faz lembrar o térmo geografico “Mar de Xaraés”, hoje desaparecido dos compéndios de geografia. . Sabemos que ali ndo estamos propriamente diante de um “pantanal”, que se define como Area permanentemente coberta de 4gua estagnada e lodosa. Contra ésse conceito, insurge-se a periodicidade do contérno do “pantanal”, que no periodo da estacio séca se reduz muito. - Retral-se entéo muito o “pantanal”, mas sobram areas em que os rios desa- parecem no brejai, sem que seja possivel indicar com seguranca o curso do rio nesse vasto Iencol de 4gua. E por isso que nao consideramos rigorosamente ver- dadeira a representagio dada pelo Conselho Nacional de Geografia aos rios do Pantanal que aparecem atravessando o pantanal com seu curso perfeitamente definido. Que isso nao se dé exatamente assim, testemunha um mapa que vimos ha tempos, com a subdivisio de terras da familia Rondon, ao longo do rio Negro, tributario do Paraguai, e do pantanal pelo qual rompe: o rio esta indicado su- mindo de fato, diluido no Ien¢ol d’agua. Embora néo com tamanha extensdo, reproduz-se copiosamente o fato de cursos d’4gua sumidos em brejais, por uma vasta regiao do pais, principalmente no interior. . Muitos ha que conhecem ésses pantanos que podem ter uma largura bem modesta mas também podem té-la de dois, trés quilometros. Atravessd-los é uma temeridade, um suicidio, Representam, antes de tudo, um sorvedouro para 0 gado sertanejo que, no periodo séco, com os campos sem alimento a oferecer, procura, acossado pela fome, alguns fios de capim verde que o aliciam do brejo sem fundo, do qual sair, safar-se, é dificil. - Vimos, nos artigos antecedentes, falando de rios que somem na travessla de regides desérticas ou ainda absorvidos pelo areal de dunas. Nos pantanais, pelo contrario, os cursos dégua s&o diluidos pelo elemento liquido, mas nao obstante, somem. Se Ihe interessa adqnitir as publicagdes do Conselho Nacional de Geografia, escreva A HP Na Secretaria, Avenida Beira-Mar, 486 — Edificio Iguacu — Rio de Janeiro, que o aten- Gera pronta © satistaterlamente. Notas a Propésito dos Depésitos Conchiferos de Sio Lourenco, Boavista e Chacara do Vintém (Niterdi - Estado do Rio de Janeiro)” Antonio Tevxzira Guerra Do Conselho Nacional de Geozratia Ao norte do centro comercial da cidade de Niterdi, ergue-se uma pequena elevagdo de 25 a 30 metros de altura, onde foi construida outrora a aldeia de SAo Lourengo, por ordem de Mem de Sa (Fig. 1). A éste respeito escreveu o principe de Wied Neuwied, em seu livro Viagem ao Brasil, 0 seguinte: Quando Mem de Sa fundou Sao Sebastiao (Rio de Janciro), em 1567, mandou construir a aldeia de Sio Lourengo para os indios que se haviam distinguido nas lutas contra os franceses e seus aliados, os Tupinambas, contribuindo para a expulsio dos mesmos; colocou-os sob a direcéo de Martim Afonso. Os jesuitas introduziram ai os “Goitacases” recém-convertidos, para de novo povoar ésses lugares. Assim. os indios que atualmente habitam Sio Lourengo sao descendentes dessa tribo”*. Os dados historicos contidos no livro referido sao muito importantes para quem deseje compreender e elucidar o problema que diz respeito ao aparecimento do vasto jazigo conchifero que existe no alto dessa colina, como teremos oportu- nidade de estudar mais adiante. Fig. 1. — A histérica igreja de Sao Lourengo. (Foto do autor), Na cidade de Niterdi, quando se procura estudar a paisagem do ponto de vista fisico, observa-se uma série de niveis, os quais sio dz grande significacao geomorfoldgica. ~ “AS presentes notas resultaram de duas excursies feltas, na regiie, pelo professor Anténlo Teixeira Guerra, da Faculdade Fluminense de Filosofia, e seus alunos. 2 Principe de Wied Neuwied — Viagem ao Brasil, "511 pégs., ties. 308 BOLEZTIM GEOGRAFICO Examinando-se alguns désses baixos niveis, com excecéo do de Sdo Lourenco, em nenhum dos outros encontramos tal amontoado de conchas cuja espessura é por vézes superior a 2 metros. © estudo désse jazigo, do ponto de vista geomorfoldégico, pode ser feito com seguranca, enquanto do ponte de vista arquolégico hi um sério problema ‘que nao pode ser esquecido, qual 0 remeximento, possivelmente completo, de todo o material. Por conseguinte, a quase totalidade do jazigo foi remexida pelo homem para fazer a construcao das casas, que ai encontramos. No que diz res- peito a paisagem da regiao, esta foi completamente transformada com as edifi- cacées recentes. No livro de Maximiliano, principe de Wied Neuwied, publicado em 1820, lé-se 9 seguinte: “No alto da colina, as cabanas dos indios se espalham no meio de laranjeiras, bananeiras e ouiras plantas carregadas de deliciosos frutos. Aqui um _paisagista teria motivos para aperfeicoar o seu pincel, diante da rica vege- tagao dos tropicos e das cenas campestres duma natureza sublime”*. Estudando-se com minticia o material, observa-se que ainda existe néle grande quantidade de objetos de ceramica dos indigenas e ossos humanos mis- turados, as vézes, com cacos de telhas, pedacos de tijolo, etc. NITEROI | “CENTRO Fig. 2 — Na figura acima localizamos os tres sambaquis estudados nas presentes notas. Muito interessante sdo as, palavras de Maximiliano, principe de Wied Neu- wied, ao descrever alguns aspectos da aldeia dos indios de Sao Lourengo: “Os habitantes estavam ocupados, em suas cabanas, na fabricacdo de potes de argila cinzento-2scura, os quais tomam uma cér avermelhada, quando passam pelo fogo; estavam sentados no chao. Fabricam grande vasos, utilizando-se apenas das m4os, sem empregar a roda, e alisam-Ihes a superficie por meio de pequenas conchas que umedecem na béca. Os homens trabalham a servicgo do r2i na con- feccdo de vasilhas”*. Tendo em vista a quantidade de ceramica que se encontra no depésito conchifero de Sao Lourengo, vamos transcrever mais dois tr2chos do livro, por fazer referéncia aos utensilios entéo usados: “grandes vasos de barro, chamados “talhas”, onde se cons2rva a dgua fresca, encontram-se também aqui, como alias, em todo o pais; sfo feitos de argila porosa através da qual a 4gua filtra lentamente, de sorte que, evaporando-se na superficie externa do vaso, refresca. o interior” (p. 38). Mais adiante: “alguns potes dz barro para a cozinha (“janelas”), culas, ou cabacas, que fazem as vézes de pratos, diversas bagatelas para vestimenta e ornam2ntacao, algumas vézes 0 fuzil ou arco e as flechas para caga, compdem o resto dos pertences” (p. 38). Apés a série de informagdes que colhemos no interessant trabalho de Maxi- miliano, passaremos a estudar 0 sambaqui de Sao Lourenco. & preciso primeira- mente r2ssaltar que n&o encontramos nos escritos de Wied Neuwied, que dizem respeito & aldeia de Sao Lourenco, nenhuma informacao sdbre as conchas que deveriam ai existir & época de sua viagem. Estranhavelmente. Seria que as mesmas Ihe passaram despereebidas em virtude da grande quantidade de tarra existente no jazigo? Ou seriam elas postzriores 4 sua passagem pela regiao? Nao = Maximiliano, Principe de Wied Neuwied — Qb. cit., (pag. 35). * Maximillang, Principe de Wied Neuwled — Ob. cit., (pig. 36). CONTRIBUIGAO A CIENCIA GEOGRAFIGA 307 acreditamos na segunda hipotese‘. Dificil, no entanto, 2 comprovaciio, se nio encontrarmos referéncias em outros viajantes da época, que tenham percorrido a referida area. E assim podemos argumentar, uma vez que nem os objetos que por acaso venham a s2r descobertos podem dar informagoes precisas, tendo em vista o remeximento sofrido por aquéle depdsito conchifero. & possivel aventar, como dissemos, duas hipdteses: 1) O jazigo conchifero existia no local e passou despercebido ao citado autor. 2) 0 acumulo de conchas foi posterior & sua passagem pela regio. Alias, reafirmamos, esta ultima é muito pouco provavel. Agora passaremos a considerar 0 depdsito conchifero de Sao Lourengo, de acérdo com os ensinamentos fornecidos pela geomorfologia (Fig. 2). Varios indicios nos levaram a coneluir que, outrora, a atwal colina onde se ergue a igreja de S40 Lourenco era na quase totalidade capeada de conchas, que nao foram depositadas por agentes naturals e, sim, levadas pelos indigenas. Fig. 3. — Aspecto partial de uma face do sambaqui de S40 ‘Lourengo (Trav. da Fonte) — Foto do autor. O caracteristico mais importante, que nos levou a tal afirmativa, nao é produto de simples deducio, mas de um estudo comparativo com o material de outros sambaquis e terragos, que tivemos oportunidade de estudar em outros pontos do litoral brasileiro. Aqui nao seré a estrutura do material, mas, sim, sua.natureza, e os restos de carvao vegetal, ceramica, e ossos humanos, que nos levaram a acreditar na existéncia d? um antigo sambaqui, hoje sensivelmente destruido e profundamente remexido (Figs. 3 e 4). Embora o jazigo conchifero esteja assim destruido, h4, no entanto, um traco qu2 reputamos da m4xima importdncia, por nos facultar a afirmativa de que nao se trata de um antigo “terraco” mas, sim, de um sambaqui. Trata-se do seguinte: nos terracos, cérca de 80%, ou mais, do material depositado se constituem de arzia, e boa parte das conchas aparecem completamente tritu- radas, além de que a finura do material denuncia origem natural. No entanto, © que observamos é o aparecimento de grande quantidade d2 terra vegetal, ob- jetos de cerimica e praticamente a auséncia de ar2ia e conchas partidas, como se encontrariam normalmente se fosse um jazigo natural. Ademais, nas varias + A professéra Marina de Vasconcelos, da endelra de Antropologia da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, que teve a genttieza de le- as notas que ora pubiicamos, diright-nos uma missiva na qual digo seguinte: “Realmente, causa estrenheza a austnely de informagées te Neuwled sobre a existéneta de jazigo conchifero na aldeia de Sio Lourengo, ¢ sem dlivida a conchelra j6 devia existir ao tempo do Viasante eruditu, quér me pa.eer que, mais impressfonado pelo lado humano do problema -- cerimicn, cm t6das as suas formas © mesmo outros utensilios da vide diaria dos indigenas, tivesse delxado de menciona: as conchas". 308 BOLETIM GEOGRAFICO ladeiras da colina, estudamos os afloramentos conchiferos, em diversos cortes feitos, e em nenhum déles encontramos uma esiratificacio natural. Isto nao pode, porém, ser invocado como argumento, uma vez que o homem jé trabalhou Fig. & — Foto tirada em frente & igreJa de SSo Lourenco (la- deira de Sio Lourenco) mostrando um contato de material argiloso.e uma pequena camada de conchas onde se encontra carvio ,e certo nimero de conchas partidas, . (Foto do autor) Fig. 5 — No alto do morro da Boa Vista (200 metros), en- contram-se fragmentos de conchas misturadas com areia Bfossa e fragmentos de feldspatos. Essa arela grosscira (gros angulosos) foi produzida ‘pela decomvosic¢io da Tocha local (gnaisse). Fazendo-se pequenas perfuracées de uns 025 m, encontram-se, no entanto, as conchas inteiras — (foto do autor). © jazigo para realizar construcdss, por conseguinte n&io podemos aSseverar até que ponto se tenha feito sentir o remeximento das conchas. A pouca distancia do local onde se ergue a velha igreja de Sao Lourengo, na direcdo de sudeste, no alto do morro da Boa Vista, cérca de 200 metros acima do nivel do mar, encontramos algumas conchas, em p2quena quantidade, levadas

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