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7 ley rac (1g um artigo de revisao CW ieee) Te rl A producdo de revises de literatura faz parte do cotidiano de todos os aca- démicos e pesquisadores. Constantemente, estamos elaborando revisdes pa- ra a seco de introdugao de trabalos académicos e projetos de pesquisa. Na maioria das vezes, pensamos na publicagao de artigos somente no final de nossa pesquisa, quando jé verificamos os seus resultados. Porém, vocé ja pa- rou para pensar que a sta revisao de literatura pode ser transformada em um artigo? Nao? Espero que ao final da leitura deste capitulo vocé comece a pen- sar nisso! objetivo aqui é apresentar a voces, leitores, o que é um artigo de revi- sto de literatura (ARL) e abordar uma série de dicas para facilitar sua escri- ta, Para tal, seré utilizado como exemplo um ARL sobre violéncia sexual con- tra meninos no Brasil (Hohendorff, Habigzang, & Koller, 2012). De anteméo, saiba que escrever um ARL é um desafio; no ¢ facil, mas é recompensador. Além do conhecimento adquirido acerca do contetido do artigo, aprende-se muito com sua escrita. E esse aprendizado nos acompanhard na produgdo de muitos outros textos, tornando-os mais atrativos aos nossos leitores. Antes de tudo, caros leitores, perguntem-se: O que é um ARL? Caso voce no tenha chegado a uma resposta, aqui esto algumas. A American Psycho- logical Association (APA, 2012) indica que esse tipo de artigo caracteriza-se 40 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) por avaliagGes criticas de materiais que jé foram publicados, considerando 0 progresso das pesquisas na tematica abordada. Nesse sentido, os ARLs si0 textos nos quais os autores definem e esclarecem um determinado problema, sumarizam estudos prévios e informam aos leitores o estado em que s¢ encon- tra determinada drea de investigacao. Também identifica relagées, contradi- Bes, lacunas e inconsisténcias na literatura, além de indicar sugestdes para a resolugao de problemas. Trata-se de um desafio, nao é mesmo?! E um pro- cesso semelhante ao de organizar nossa mesa de trabalho. No infeio, temos a sensagio de que é impossivel arrumar aquele amontoado de papéis e objetos. Porém, basta que iniciemos essa organizagdo para percebermos que ela faci- litaré muito o nosse cotidiano. O mesmo vale para a produgao de um ARL: 0 inicio pode ser dificil, mas o seu resultado ser gratificante. Entéo, vamos em frente com nossa arrumacdo! A APA (2012) considera que os ARLs englobam, também, artigos de metanilise e de revisdo sistemética, sendo esse entendimento compartilhado por editores de importantes periédicos internacionais (Bem, 1995; Eisenberg, 2000). Porém, ha a considerago de que artigos de metandlise e de revisio sistematica sao distintos de ARL (Petticrew & Roberts, 2006). ‘A metandlise e a revisio sistemética podem ser entendidas como méto- dos de pesquisa. Quando se realiza uma metanilise, diferentes andlises es- tarfsticas so utilizadas para examinar um conjunto de dados empiricos ad- vindos de estudos j4 publicados. A revisio sistemética (ver Cap{tulo 3), por sua vez, equivale a um levantamento de estudos jé publicados a partir de um tema especifico com o intuito de busear respostas a determinadas questes (Petticrew & Roberts, 2006). Para tal, é necessério ter um problema de pes- quisa claro, definir uma estratégia de busca dos estudos, estabelecer critérios de inclusiio € exclusao dos artigos, além de realizar uma andlise criteriosa acerca da qualidade da literatura selecionada (Sampaio & Mancini, 2007). Por exemplo, tomando como base a estudo do tratamento psicolégico para criancas e adolescentes vitimas de violéncia, poderiamos produzir um ARL no qual seriam apresentadas as abordagens terapéuticas utilizadas, os principais resultados dos tratamentos e os métodos utilizados nesses estudos, tecendo uma andlise critica desse material. Caso realiz4ssemos uma revisio sistemética, precisariamos definir as bases de dados nas quais realizariamos a busca pelos estudos, os descritores ea sua abrangéncia (p. ex., por ano, local de publicagia, idioma, etc.). Nasso foco estaria em apresentar os dados des- sa busca: quantos artigos foram encontrados, onde e como os estudos foram feitos, bem como possiveis lacunas identificadas. J4 um estudo de metandlise envolveria analisar estatisticamente os resultados advindos dos estudos nos quais diferentes tratamentos foram testados. As diferencas entre os artigos de revisio de literatura, revisio sistemdtica e metandlise esto sintetizadas no Quadro 2.1 MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 41 QUADRO 2.1 Diferengas entre artigos de revisio de literatura, revisio sistemitica e metanalise he de literatura Metandlise Avalages crticas do Método de pesquisasimiiara — Métode de pesquisa no material a publicado ‘surrey, no qual os participantes qual sia investigados 0 sio os estudos -agrupamento de resutados ede diversos estudos por meio de andlises estatsticas Objetiva organizar, ‘Objetiva sumarizar pesquisas Objetiva exarinar integrar e aaliar estudos _prévias para responder ‘estatisticamente resuitaios relevantes sobre ‘questées, testar hipéteses ou de estucos prévios determinado tema reunir evidéncias Agora que ja sabemos que diferencia um ARL dos artigos de metanéli- se ¢ de reviséo sistemética, vamos as dicas acerca de sua escrita, Antes, cabe salientar que um ARI nao é 0 mesmo que a revisto de literatura que é pro- duzida em projetos de pesquisa e demais trabalhos académicos. Revisdes de literatura para projetos de pesquisa, dissertacoes e teses costumam ser dema- siadamente longas, realizadas com o intuito de mostrar ao leitor que a litera- tura existente sobre 0 t6pico de interesse foi revisada em sua totalidade. Isso pode resultar em um texto com muitas segdes (Bem, 1995) nas quais todo ¢ qualquer estudo e seu resultado é descrito detalhadamente. Entdo, a primei- ra dica 6: nado confunda revisées de literatura com ARL. Transforme sua re- visio de literatura em um artigo; arrisque-se! Depois disso, passe a escrever suas revisdes de literatura no estilo de artigos. Elas ficardio mais bem escritas, tornando-se atrativas aos leitores, possivelmente membros de sua banca, pa- receristas ou avaliadores de agéncias de fomento ficarfo muito satisfeitos em ter investido seu tempo na leitura de um texto de qualidade. utra dica importante ¢ estar ciente de que, provavelmente, vocé teré certa dificuldade em produzir seu primeiro ARI. Isso é natural, pois como to- do novo trabalho, sua execucao requer pratica. O importante é nao desani- mar, Tenha em mente que a cada texto produzido voce estar aprimorando suas habilidades e, com o passar do tempo, escrever um artigo parecerd me- nos dificil, Além disso, procure ler e escrever muito. A partir da leitura do que outros cientistas escreveram, vocé terd ideias para produzir seus préprios tex- tos (Trzesniak & Koller, 2009). Quanto mais familiarizado com ARLs ja publi- caclos, mais facil sera redigir o seu préprio artigo. 42 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) Com o intuito de facilitar 0 processo de produgdo de um ARL, a seguir serd apresentada uma espécie de roteiro passo a passo com dicas. Atente para © fato de que no so normas para a produgio do seu ARL, mas apenas uma sistematizagéo das principais etapas ¢ dicas. ETAPAS DE ELABORACAO DE UM ARTIGO DE REVISAO DE LITERATURA A produgio cientifica inicia com a defini¢ao e delimitagéio de um tema de pesquisa. 0 mesmo ocorre na producdo de um ARL. Entéo, antes de iniciar a producéio do seu ARL, pare por algum tempo e reflita sobre qual ser, especi- ficamente, 0 seu foco. Muitos de nés temos a tendéncia de escolher temas de- masiadamente amplos. Utilize a técnica da piramide invertida para Ihe auxi- liar. Essa técnica consiste em delimitar o tema de seu artigo gradativamente. Por exemplo, caso um pesquisador tenha interesse em estudar depressAo, ini- ciaré seu cone invertido com esse tema ¢ tentard delimitd-lo ao maximo, Nes- te processo, é aconselhavel formular questdes: pergunte a si mesmo(a) sobre quem vocé quer escrever (p. ex., homens, mulheres, criangas, adultos, idosos, etc.), sobre qual contexto/regidio/estado/pais vooé quer escrever, e se ha al- guma condi¢ao agregada (p. ex., seu foco de estudo possui alguma condigao ou viés que 0 delimitam?). Apés responde-los, vocé teré um tema com um fo- co especifico, facilitando a busca pelo material de consulta e a escrita do seu ARL. Veja na Figura 2.1 como fiearia o cone invertido nesse caso: “Tera de interesse Violéncia sexual ‘Quem? Vieléneia sexual entra meninos ‘Onde? Vieléncla sexual contra meninos no Brasil Héalguma concigdo agregada? Wooléncia sexual intrafamiiar contra menines no Brasil FIGURA 2.1 Exemplo de como definir e delimitar o tema de um ARL por meio da técnica da pirémide invertida. MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 43 Apés a definigio e a delimitagéo do tema de seu artigo, 6 hora de reali- zar a busca e organisacdo de materiais para a revisao de literatura. A primei- ra tarefa nessa etapa é identificar as palavras-chave relacionadas ao seu tema (cher, 2001), Apés a identificagdo dos descritores, consulte as principais ba- ses de dados. Para uma descri¢ao completa sobre descritores e consulta a ba- ses de dados, veja o Capitulo 3. Vocé deve estar se perguntande o porqué da definigio de descritores ¢ busea em bases de dadios, jé que estamos falando de um ARL e ndo de um artigo de revisdo sistematica (ARS). Lembre-se de que a busca de artigos em. bases de dados ¢ 0 “pontapé” inicial de qualquer trabalho cientifico e néio se- ria diferente em um ARL. A questio & que, ao produzir um ARS, os autores necessitam descrever detalhadamente essa etapa de busca por artigos em ba- ses de dados, pois esse ¢ o método de pesquisa empregado no artigo. Nesse sentido, um ARS se assemelha muito a um artigo empirico (ver Capitulo 4), pois possui as secdes de método e resultados, o que nao acorre com um ARL. Embora sejam utilizados descritores e bases de dados, o contetido de um ARL nao descreverd o processo de busca pelas publicagées consultadas. ‘Ao reunir material para a produgéo de um ARL, é aconselhavel também fazer uma busca por outras publicacées, tais como livros, reses e dissertacdes. Lembre-se, no entanto, que as revistas cientificas costumam exigir que grande parte das referéncias utilizadas em artigos submetidos seja de artigos j4 publi- cados. Assim, privilegie a utilizagio de artigas em detrimento de livros e de- mais materiais. Outra estratégia de busca € acessar a plataforma Lattes (lat- tes.cnpq.br) e fazer uma busca de curriculos a partir de determinado tema, verificando as publicagdes dos autores sobre a temdtica de interesse. Ao tealizar a busca de materiais para sua revisdio de literatura, leia aten- tamente 0 titulo e 0 resumo dos materiais encontrados. Nao esqueca de verifi- car se a fonte dos materiais que vocé esta consultando € confidvel, bem como a sua qualidade e relevancia. Salve apenas aqueles materiais que possuem algu- ma ligago com o seu tema de interesse. Crie pastas em seu computador, dividi- das conforme os diferentes aspectos de seu tema, Em seguida, realize a leitura detalhada de cada material, e produza um resumo com suas proprias palavras. Retina os resumos que possuem relacao entre si e aqueles que, apesar de abor- darem uma mesma questdo, apresentam vis6es/resultados contraditérios. A busca de materiais para sua reviséo de literatura também fard com que voce fique mais familiarizado com o tema que escolheu. Assim, é hora de elaborar o roteiro de seu ARI (Echer, 2001). A elaboragio do roteiro requer bom senso jé que, ao contrério dos artigos empiricos (ver Capitulo 4), os ARL nio possuem um formato preestabelecido, Tenha em mente que 0 artigo de- ve “contar uma histéria coerente”, ou seja, com inicio, meio e fim. E possivel organizd-lo a partir de modelos tedricos; pontos de vista do tema abordado (em, 1995), aglutinando ideias convergentes de autores diferentes ou obe- 44 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) decendo a uma ordem cronolégica (Echer, 2001) de publicages ou do conte- ido abordado. A Figura 2.2 apresenta um roteiro do ARL sobre violéncia se- xual contra meninos no Brasil. ———— Primeiro, o tema do Pardgrafo introcutério artigo € apresentado Dados epidemiolégicos Perceba que hi uma ordem cronolégea do cantedido: avioiénca sexval precisa ocerrer (cados epldemicligicos) para que Coracceristcas possamos saber com quern cocorre (caracterisicas) € 0 que ela acarreta (consequéncias) Consecutincias ‘Abordagem das Soetnce ore Discussio a FIGURA 2.2 Exemplo de roteiro para um artigo de revisio de literatura. PRIMEIRO, © TEMA DO ARTIGO E APRESENTADO Perceba que ha uma ordem cronolégica do contetido: a violéncia sexual preci- sa ocorrer (dados epidemiolégicos) para que possamos saber com quem ocor- re (caracteristicas) e 0 que ela acarreta (consequéncias). De posse do roteiro, chegou a téo esperada hora: a escrita do seu ARL. Simultaneamente, inicie 0 processo de escolha pela revista a qual o seu ARL serd submetido. Apés essa escolha, busque por ARLs jé publicados por essa revista e analise-os. Isso auxiliaré na escrita do seu artigo. Atente também pa- ra.as normas da revista (nimero maximo de paginas e de referencias) que in- fluenciardo diretamente na produgao de seu artigo. Preocupe-se com sua for- matacio geral somente ao final da escrita. Durante a escrita, ¢ importante estar atento ao uso da linguagem cient!- fica. Entende-se por linguagem cientifica 0 modo como os pesquisadores de- MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 45 ven se comunicar em seus textos. Trata-se de uma linguagem pautada pela clareza e objetividade. Antes de iniciar a producio do ARL, é necessario defi- nir qual é a mensagem que seu artigo ird transmitir. Guie sua escrita a partir de tal mensagem e busque transmiti-la aos leitores da forma mais clara e ob- Jetiva possivel. Bem (1995) alerta para o fato de que a maioria dos ARLs se caracteriza por ser um amontoado de citagées sem que haja uma clara men- sagem, um fio condutor que perpasse todo o contetido abordado. Qs autores de um ARL devem transmitir uma clear take home message (“mensagem clara para levar para casa”; Bem, 1995). Isso nada mais € do que o(s) autor(es) se posicionar a respeito do contetido abordado no ARL. Porém, no basta escre- ver “nossa opiniao é...”; 0 posicionamento dos autores deve ter respaldo na li- teratura, ou seja, nao basta apenas expor uma opinido sem demonstrar que a literatura existente certifica esse ponto de vista. Leia o trecho a seguir e tente identificar a mensagem. Estimativas indieam que uma em cada quatro meninas ¢ um em cada sels meninos experimentou alguma forma de violéacia sexual nainfncia ou adolesoéncia (Sanderson, 2005). Deacordo _Baseados na escassez comeste dado, meninas sio mals vtimizadas de que es menines, de lteratura sobre © porém, tal dferenga nfo grande 0 sufldente para justificar a 2, oSautores carénclade estudos sobre apopulagio masculinano Brasil, Noca- _buscaram, ao longo do $e que a temdcia da violéncla sexual masculina ainda carece Set, enfatlzara dela de maior visiblidade social a fim de que vtimas, profssionaise de que é necessario sociedade em geral possam percebé-la come um problema de _ Investir nessa cematica, sade piblica (Holmes, Offen, & Waller 1997) Antes de escrever, pare e pense em qual é a mensagem que vocé quer transmitir aos leitores. Apds definir isso, inicie a escrita de seu ARL. Nao se esqueca de que a linguagem cientifica prima pela clareza e objetividade. Seu ARL deve, entiio, obedecer a esses principios. Escrever de forma clara e objetiva consiste em escrever de forma simples e direta. Evite palavras desnecessirias, bem como a utilizagio de diferentes sinénimos para indicar um mesmo fenémeno/contetido. Utilize frases curtas e objetivas. O mesmo vale para os pardgrafos - cada um deve abordar uma ideia, e conclui-la, sem haver necessidade de retomé-la novamente em outra parte do texto, pois isso torna a leitura macante. Bem (1995) enfatiza que um ARL nao é um romance com flashbacks, mas uma pequena histéria com uma narrativa simples ¢ linear, Veja 0 exemplo a seguir: 46 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) ‘Atente para o ‘tamanho do pardgrafo © das frases — deve ser curtos e objetives, apresentando uma ideia e concluindo-a, Usize sempre © mesmo terme ~ l0 terrard ose ete 2 tyerama draco entre mencs de sf meses cee: a ee Ten paraamesma palavra pode confundir os leitores. Evitar 0 uso de jargées — terminologias especificas de uma determinada disciplina - também potencializa a clareza e a objetividade de seu ARL. Es- te geralmente possui uma audi€ncia maior que outros tipos de artigos, pois propicia aos leitores uma visio ampla sobre um assunto. Como nao é inco- mum que leitores de outras dreas de conhecimento consultem ARL, 0 uso de jargées pode dificultar o entendimento do seu conteiido. A Psicologia possui varios jarges — citando apenas alguns: complexo de Edipo, contingéncias, tendéncia atualizante — e, por vezes, sua utilizagio 6 necesséria. Quando no é possivel evitar seu uso, faca-o com cautela, definindo o termo utilizado de forma clara e concisa e, preferencialmente, exemplificando-o (Bem, 1995). Vocé deve tomar cuidado também com a forma como faz as citacdes du- rante 0 texto, Priorize a ideia, e nfo os autores. Assim, os sobrenomes dos au- tores devem aparecer entre parénteses, pois a énfase deve estar no contetido (Bem, 1995). Dessa forma, seu texto ficaré mais atrativo e claro aos leitores. Em vez de ler o sobrenome dos autores no corpo do texto, 0s leitores prefe- rem saber o que eles tém a dizer sobre 0 contetido abordado em seu ARL. As- sim, coloque os sobrenomes ao final da frase, entre parénteses. Compare os dois trechos a seguir: MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 47 De acordo com Kristensen (1996), at repercussées do abuso sexual clados pelos familiares, conforme salientou Almeida et: dda complexidade do abuso sexual e da ansied come Araiio (2002) e Pires Fitho (2007) lembram queé frequente que familas de vias desistam do atendimento. ‘As reperaussies do abuso sexual podem ang também a familia da pes ceerenae vitima. Sentimentos ane a revelagao do abuse, come panico, ralva, ——s a THOS {RPistensen, 1996: Pires Filho, 2007), além de saree dLvicar eoualdade do menino, dificulcades de estabelecer oo limites 20 flho abusato>s ste setomeum abusador podem OEEKt> ser experienciados pelos neida et al, 2009). Diante da fica mals objetivo e complexidade do abuso sexual e da ansiedad tomase ee frequente que familias de vias desistam do atendimen® (Aratjo, 2002; Pires Filho, 2007). ‘Osobrenome dos autores deve constar no corpo do texto somente quan- do se objetiva enfatizd-los devido a sua relevancia, ou seja, chamar atencio para determinado autor. Por exemplo, neste capitulo, por vezes, a citagdo de Bem (1995) foi feita no corpo do texto. Optou-se por citd-lo dessa forma por conta da relevancia desse autor e, especificamente, dessa publicagao com di- retrizes sobre produc de ARL. ‘Outro cuidado referente as citagdes diz respeito a sua quantidade, uma vez que artigos de ARL tendem a ter muitas citagdes. Aconselha-se, que lite- raturas menos importantes sejam omitidas (Bem, 1995). A escolha pelos arti- gos mais relevantes pode ser feita por meio de: a) anélise do numero de vezes que © artigo foi citado; b) periédico no qual o artigo foi publicado; ¢) autoria do artigo (i.e., autores destacados na area). E possfvel também solicitar aju- da para colegas mais experientes. Além disso, varias revistas cientfficas vém restringindo o mimero de referéneias que podem ser utilizadas na produc&o de um artigo. Esse ¢ mais um motivo para avaliar o que incluir em seu ARL, priorizando literaturas mais relevantes. 48 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) Ao escrever seu ARL, tenha em mente 0 chamado “efeito domin6”, isto 6, seu texto deve fluir de forma que cada nova ideia abordada seja conectada A ideia anterior. Evite o uso de metacomentérios (Bem, 1995), ou seja, frases que antecipam o contetido do artigo, Lembre-se que 0 pracesso de escrita de- ve ser invisivel ao leitor. Veja o exemplo a seguir: Este parlgrafe antecipa 0 contetido que ‘Apés a abordagem das caracteristicas da vio- ser abordado. Iso pode ser considerado léncia sexual contra meninos, & relevarte ue como um metacomentirio.. ‘a8 consequéncias dessa forma de violéncia sejam ‘conhecidas. Dessa forma, serao apresentadas as principals consequéncias que o+ estudos da drea indicam come comuns em meninos witimas, Fatores como a duragéo, frequéncia eas cond goes nas quaisa violénca sexual ocorreu (com ou sem apresenga de ameagas eu vialéncia), akém 5 a idade da vitima e do tipo de relacionamento Este pardgrafo conectae conteGde com os autores, sio indicados como mediadores ee ee doimpacto desta violencia parao deservolvimen- aanteriormente no ARL (caracteristcas 9 (Arafjo, 2002; Furniss, 1993: Kristensen, 1996; da violincia sexual - duragdo, frequérca, Sanderson, 2003). idade das viiras) com oconteido | -que seria abordado posteriormente ~ 3 consequéncias da violéncia sexual para as vitimas. ‘Agora vea a transigio entre os contexides ‘Sem 0 uso de metacomentérios. necessdrio lembrar da definigio de ARL enquanto se estd escrevendo um. Nesse tipo de artigo, os autores definem e esclarecem um problema es- pecifico, sumarizam estudos prévios e informam aos leitores 0 estado em que se encontra determinada drea de investigac4o. Além disso, buscam identificar relacdes, contradicées, lacunas e inconsisténcias na literatura e indicar suges- tes para a resolucio de problemas identificados (APA, 2012). Definir e esclarecer determinado problema consiste em descrever de for- ma clara e objetiva o tema que seré abordado no ARL. Geralmente essa defi- nigdo € feita no inicio do texto com 0 objetivo de situar o leitor acerca do que serd abordado no restante do artigo. E aconselhével justificar a escolha pelo tema abordado. Lembre-se de, ao escrever um ARL, utilizar 0 critério de rele- vancia também para a escolha de seu tema, Aborde temas pouco explorados MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 49 ou para os quais ainda néo hd um consenso. Lembre-se de que o principal ob- jetivo de qualquer trabalho cientifico é o avanco do conhecimento. Seu ARL deve contribuir com esse proceso. Leia o trecho inicial do artigo de ARL so- bre meninos vitimas de violéncia sexual no Brasil: Embora os estudos racionals abordem, aparentemente, a violéncia sexual contra criangas ¢ adolescentes independentemente do sexo das vitimas, ao se realzar uma andilse do piblico participante das Desquisas, constataese apredominincia de wtimas do sexo feminino. Diferentes aspectos, tis como mecanismos ¢ fatores relacionados & violéncia sexual (Drezett etal, 200! }:exploracio sexual (Cerqueira- -Santos, Rezende & Correa, 2010); sintomas psicopatolégicos (Ha- bigzang, Cunha, & Koller, 2010); contexto judicial (Dobke, Santos, & DellAgtio, 2010) e tratamento de vtimas (Lucinia, Valério, Barison, & Miyazaki, 2009; Habigzang etal, 2009; Padilha & Gomide, 2004) sao abordados nestes estudos. Por outro lado, o némero de estucas nacionais publicacos que abordam, especticamente, vitimas do sexo masculine & escasso. Ao se realizar um levantamento breve nao A ParEE desis ache sistemdtico de estucios brasileires sobre o tema em bases de dados YoCcOnsGERs Selnit nacionais (BVS Psie Scielo, Periédicos Capes), por exemplo, apenas 5 Uma publica (Almeida Perso, & Costa, 2005) ot encontrada, Qua) Sualustiicaha? Apés definir e esclarecer o problema de seu ARL, é necessdrio sumarizar estudos prévios. Busque mostrar aos leitores o estado em que se encontra 0 conhecimento sobre determinado tema. Tente responder aos seguintes ques- tionamentos: O que jé foi pesquisado? Quais os métodos utilizados? Onde os estudos foram feitos? Sumarizar estudos prévios evita que seu ARL se trans- forme em uma “colcha de retalhos”, na qual hé um amontoado de citagdes sem uma andlise do material abordado. Discuta as ideias, dados e conclusdes apresentadas no texto, E possfvel afirmar que a escrita de um ARL deve compreender dois pro- cessos: descrever e avaliar, Somente descrever os materiais consultados é in- suficiente, também ¢ necessdrio avalié-los a partir de seus métodos e resulta- dos. Ao realizar essa avaliacéio, vocé, futuro autor de um ARL, pode (e deve) fazer uma andlise critica. Porém, lembre-se de que essa andlise critica € dirigi- da ao trabalho, e no ao autor —At verbum not ad hominem (Bem, 1995). Nes- se processo, no esqueca de que seu texto precisa transmitir uma ideia clara, que deve ser o fio condutor do artigo, Veja o exemplo: 50 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) ‘A anilise de 2! | fichas de notificagio de atendimentos imediatos as ‘viimas de violéncia sexual, realizades no Conjunto Hospitalar de So- rocaba (So Paulo), entre abril de 2003 « marco de 2004, indicou que ‘a matoria das viimas (|90 casos) era do sexo feminine, enquanto 2 ‘casos envoleram meninos ou homens (Campos, Scher, Anjos, Lau- rentiz, Santos, & Peres, 2005), Os dacios cocumentais ‘Voléncia infanto-uvenilnotificados no Conselho Titelar e no| ‘Sentinela, no municipio de Itja (Santa Catarina), no periodo entre ‘© 2008, evidenciarars que 287 (84.40%) das notificagoes se refer ‘aabusos sexuais perpetrados. contra menins ‘contra meninos. (Machado, Lueneberg, Régis, & Nun meio da consultaa 2522 protocolos de atenci ‘estadual (Bahia) de denuncia e assisténcia 3 Percebao amontoado de citacées, formando rho periodo entre dezerbro de 200! se agosto de 2004. dos casos (26,36%) foi do sexo ferinino (ove & Ristu, 2008). © meio de eolota de dados predominante fo a andlise documenta, realzada por meio da consula. a expedientes judiais, prontudros, protocolose fichas de atendiments, Somente Um extudo utlizou um vestudos, tormands|——_nstrumento de tagem paraverifear aocorrénela de vokincia sexual ei ra ‘Assim, evidencia-sea maior iwestigagio de dados epidemioligicosem interessante, pois foi populace clinica, ou seja, em locals de atendimento as vias, tls ‘feita uma avaliagso do Como ambulat6rios, centros de referéacia, conselhos tutelares, pro» material consultado, _pramas publeos de atendiments e hespitas, enquanto que 6 estudo de populagées nio clinicas fol realzado somente em uma pesqulsa realzada em escolas paiblica (Polanczye et al. 2003). Independen- temence do melo de coleta de dados, todos os estudos reportaram Aomencionar essa _indices mals elevados de ocorréncia de violéncia sexual contra o lacuna falta de estudos exo ferinino, Porém, as malores diferengas foram percebicas em ‘com populacées nao estudos que utlizaram populacées clinica, encuanto que o estudo cdlinicas, 0s autores com poptlaglo-ndo clinica (Polanczyc etal., 2003) reportoua menor continua abordando _diferenca entre os sexos, sendo 59,39 feminine e 40.7% maseuiino. sua cleortake home message de que é necessirio investigar melhor atemética. ‘Yoja que nesse trecho hi ura sintese dos A partir da sumarizagio dos estudos prévios, é natural que os autores do ARL tenham um amplo conhecimenta sobre as publicagdes do tema aborda- do. Diante disso, é 0 momento de identificar relagdes, contradigbes, lacunas e inconsisténcias nessas publicagGes. Essa identificacao é feita a partir da and- MANUAL DE PRODUCAO CIENTIFICA 51 lise conjunta das publicagGes que compdem um ARL. E necessrio descrever © que hé em comum entre elas, o que diverge e indicar aspectos ainda nao investigados. Analise o exemplo a seguir e busque identificar se hé e como foi feita a identificagdo de relagbes, contradigGes, lacunas e inconsisténcias: Embora os estudos sobre consequéncias da wilénela sexual masculinaindiquem similaridades, tals como a presenga de ansiedade, problemas legals, problemas ce autoimagem e dividas quanto a. orientagio sexial (Holmes & Slap, 1998: Kristensen, 1996; Pinto junior, 2005), questées meto- cdolégicaslimitam a generalizagao dos seus resuitados, Por exemplo, alguns estudes recorreram & experiéncia clinica de profisionals que trabalhavamn com vitimas de violéncia sexual (Pires Filho, 2007: Tremblay & Turcotte, 2005), no tendo acesso cireto as vitimas, enquanto outros tiveram contato cirets (imelda et al, 2003: Collings, 1995: Dube et al, 2005: Kristensen: 1996: Lisak, 1994; Steever et al, 2001; Ullman & Filipas, 2005; Weiss, 2010). Nos estudos com profissionas, © resultado € limitado & percepcio destes sobre o que seus pacientes vivenciaram. Dentre aqueles que recorreram as viimas, a diferenga de idades entre os participantes € perceptivel, vyariande desde a infancia ¢ adolescncia (Almeida et ala 20095 Collings, 1995; Kristensen, 1996; Pinto Juntor, 2005); adolescéncia ¢ idade aculta (Steever et al, 2001; Weiss, 2010); ¢ somente adultos (Dube et a. 2005: Lisak, 1994: Ullman & Filips, 2005). Além disso, diferentes técnicas para coleta de dados foram utilizadas, tis como revisio sistemntica da literatura (Holmes & Slap, 1998; Peiffer & Salvagri. 2005); andlise documnental (Weiss, 20| 0); estudo de caso (Almeida et al, 2009); entrevistas e questionérios (Dube et al, 2005; Kristensen, 19%6; Lisak, 1994: Pinto Junior, 2005; Ullman & Filipas, 2005); ¢ instrumentos para verificar sintomatologia (Collings, 1995; Steever et a, 2001). Mesmo que a literatura indique consequéncias comuns a meninos e homens que safreram violencia sexual, cada caso € peculiar ¢ sofreinfivéncia de civersas variéveis, (Osestucos indicam tendéncias e esto limitados a questOes metodolGgicas. Assim, é necessério. atentar para individualidace de cada caso. Percebam, caros leitores, que inicialmente é feita uma relagio acerca das consequéncias da violéncia sexual contra meninos nos estudos revisados, Em seguida, hd uma problematizagio sobre lacunas metodolégicas (p. ex., dife- rentes técnicas de coleta de dados e fontes — profissionais e vitimas) que in- viabilizam a generalizacao dos resultados dos estudos revisados. Apés sumarizar os estudos ¢ indicar relagdes, contradigées, lacunas ¢ in- consisténcias, deve-se informar aos leitores do ARL o “estado da arte”, ou se- Ja, 0 que ja se sabe sobre o tema, quais as evolucdes conquistadas a partir das pesquisas e o que ainda é necessério investigar. Isto costuma ser feito no final do ARL, pois se assemelha a uma conclusdo, Em seguida, é necessério sugerir diregoes para resolver o problema abordado no texto: O que ainda é necess4- rio pesquisar? De que forma? Por que isso € necessdrio? Essas perguntas slo liteis nessa etapa da escrita de seu ARL, 52 KOLLER, DE PAULA COUTO & HOHENDORFF (ORGS.) Em suma, este ensaio teérico indica a necessidade de ineremento de estudes nacionais sobre a violEncia sexual contra © piblico masculine. Somente um artigo especffico sobre a temética foi ‘encontrado.em bases de dados brasileiras (Almeida etal. 2009), Além disso, demais publicagées (p. ex, dssertagio e livres) também séo em nimero reduzido. Aspectos como a vergonha a difculdade de meninos © homens em relatar a ocorréncia de violéncia sexual, bem como as sdficuldades relacionadas a prépria dentincia, podem contribuir para este panorama. Além disso, meninos e homens podem néo perceber as stuacées de violéncia sexual como tal ou consideré- as como comportamentos ce iniciacSo sexual e, assim, nao efetuarem a notificacio, Sendo os ‘casos em meninos e homens menos notificades e, assim, mantidos em segredo, o acesso a essa populagdo para a condusio de pesquisas pode ser diicaltado, ‘Mesmo, aparentemente, em menar némero, 08 casos de violéncia sexual masculina ocorrem e necessitam de atengio. Ao se estudar e

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