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Eni P. Orlandi ANALISE DE ~ DISCURSO * Principios Procedimentos Pontes INDICE Prefiicio. 9 1.0 Discurso A linguagemem Questao.. 15 Um Novo Terreno e Estudos Preliminares 17 Filiagdes Teéricas. 19 Discurso. 20 IL. Sujeito, Histéria Linguagem A Conjuntura Intelectual da Anilise de Discurso 25 Dispositivo de Interpretagio... ‘Um Caso Exemplar. Condigdes de Produgao e Interdiscurs 30 Ideologia e Sujeito.. 5 0 Sujeito e sua Forma Histéric Incompletude: Movimento, Deslocamento ¢ Ruptura... IIL. Dispositivo de Andlise O Lugar da Interpretacio....... ie Ae OD 50 As Bases da Anilise 62 ‘Uma Questo de Mét 65 Textualidade e Discursividade. 68 Autor e Sujeito: O Imaginario e 0 Real 2B Fungiio-Autor. 14 A Anillise: Dispositivo e Procedimentos.. O Dito € 0 Nao-Dit = Tipologias ¢ Relagdes entre Discursos.. Marcas, Propriedades e Caracteristicas: 0 formal, © discursivo e 0 conteudista, BIBLIOGRAFIA. 7 82 85 89 o1 95 PREFACIO [Nao penso que exista realmente uma introdugo para a andlise de discurso. Por outro lado, trata-se, em geral, para as introdugdes, de supor-se uma unidade, ou uma homogeneidade, para um texto cientifico, 0 que também € enganoso. Haver sempre, por mais estabelecida que jé seja a disciplina, muitas maneiras de apresenti-la e sempre a partir de perspectivas que mostram menos a variedade da ciéncia que a presenca da ideologia. Entdo, diante da insisténcia de solicitagdes, tanto de alunos, como de editores, de que eu deveria fazer uma introdugi0 2 andlise de discurso, resolvi escrever outra coisa. Inspirei-me em meus cursos de introdugaio ~ que mesmo que tenham no programa mais ou menos os mesmos itens so a cada ano um, enfatizando diferentes t6picos, explorando diregdes diversas — para escrever o que eu diria que é um percurso que pode compor uma série de pequenas “aulas” de andlise de discurso, sobre pontos variados que julgo interessantes na constituigio desse campo de conhecimentos, ou nesse campo de questdes sobre a linguagem, que é a anilise de discurso. Problematizar as maneiras de ler, levar 0 sujeito falante ou 0 leitor a se colocarem questdes sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestagdes da linguagem. Perceber que ‘no poclemos niio estar sujeitos a linguagem, a seus equivocos, sua opacidade, Saber que ndo ha neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbélico € irremedivel e permanente: estamos comprometidos ‘com 0s sentidos ¢ 0 politico. Nao temos como nao interpretar. Isso, que é contribuicdo da andlise de discurso, nos coloca em estado de reflexdo e, sem cairmos na ilusdo de sermos conscientes de tudo, permite-nos a0 menos sermos capazes de ‘uma relagiio menos ingénua com a linguagem. ‘Com as novas tecnologias de linguagem, & memsria carnal das Iinguas “naturais” juntam-se as varias modalidades da meméria metélica, os multi-meios, a informatica, a automagio. Apagam-se os efeitos da hist6ria, da ideologia, mas nem por isso elas esto menos presentes. Saber como os discursos funcionam é colocar-se na encruzilhada de um duplo jogo da meméria: 0 da memsria institucional que estabiliza, cristaliza, ‘€, a0 mesmo tempo, o da meméria constituida pelo esquecimento que € 0 que torna possivel o diferente, a ruptura, 0 outro. Movimento dos sentidos, errancia dos sujeitos, lugares provisérios de conjungao e dispersio, de unidade e de diversidade, de indistingao, de incerteza, de trajetos, de ancoragem ¢ de vestigios: isto € discurso, isto € o ritual da palavra. Mesmo o das que nao se dizem. De um lado, € na movéncia, na provisoriedade, que os sujeitos e os sentidos se estabelecem, de outro, eles se estabilizam, se cristalizam, permanecem. Paralelamente, se, de um lado, ha imprevisibilidade na relagdo do sujeito com o sentido, da Jinguagem com o mundo, toda formagao social, no entanto, tem. formas de controle da interpretacdo, que so historicamente determinadas: hé modos de se interpretar, nfo é todo mundo que pode interpretar de acordo com sua vontade, hi especialistas, hd um corpo social a quem se delegam poderes de interpretar (logo de “atribuir” sentidos), tais como 0 juiz, 0 professor, 0 advogado, 0 padre, etc. Os sentidos estio sempre “administrados”, nao estio soltos, Diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbélico somos instados a interpretar, havendo uma injunco a interpretar. Ao falar, interpretamos. Mas, ao mesmo tempo, os sentidos parecem jé estar sempre Id. Cabe entdo perguntarmos como nos relacionamos com a linguagem em nosso cotidiano, enquanto sujeitos falantes que somos (pai, mie, amigo, colega, cidadaos etc), enquanto profissionais, enquanto professores, enquanto autores e leitores. E sobre isso que pretendemos falar nos capitulos que formam este livro. Que, como todo discurso, fica ineompleto, sem inicio 10 absoluto nem ponto final definitivo, Uma proposta de reflexaio. Sobrea linguagem, sobre osujeito, sobre ahistériac a ideologia. Que tampouco tem a pretensdo de fazer de todo mundo especialistas em andlise de discurso, mas que, através do contato com os principios e os procedimentos analiticos que aqui expomos, podertio se situar melhor quando confrontados com a linguagem ¢, por ela, com 0 mundo, com os outros sujeitos, com os sentidos, com a histéria. I I. 0 DISCURSO A Linguagem em Questo Ha muitas maneiras de se estudar a linguagem: concentrando nossa atengio sobre a lingua enquanto sistema de signos ou como sistema de regras formais, e temos entio a Lingifstica; ‘oucomo normas de bem dizer, por exemplo, e temos a Gramética normativa, Além disso, a propria palavra gramética como a palavra lingua podem significar coisas muito diferentes, por isso as graméticas e a maneira de se estudar a lingua sio diferentes em diferentes épocas, em distintas tendéncias e em autores diversos. Pois & justamente pensando que hé muitas maneiras de se significar que os estudiosos comegaram a se interessar pela linguagem de uma maneira particular que é a que deu origem & Anilise de Discurso. A Anilise de Discurso, como seu préprio nome indica, nao trata da lingua, nfo trata da gramatica, embora tadasessas coisas Ihe interessem. Ela trata do discurso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prética de linguagem: com 0 estudo do discurso observa-se © homem falando. Na anilise de discurso, procura-se compreencer a lingua fazendo sentido, enquanto trabalho simb6lico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua histéria. Por esse tipo de estudo se pode conhecer melho: aquilo que faz do homem um ser especial com sua capacidade de significar € significarse. A Andlise de Discurso concebe a linguagem ia entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediagao, que € 0 discurso, torna possivel tanto a permanéncia e a continuidade quanto o deslocamento e a transformagio do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbélico do discurso est na base da produgao da existéncia humana. Assim, a primeira coisa a se observar & que a Andlise de Discurso nio trabalha com a lingua enquanto um sistema 15 abstrato, mas com a lingua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produgao de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada forma de sociedade. Levando em conta 0 homem na sua hist6ria, considera os Processos e as condigdes de produciio da linguagem, pela andlis da relagdo estabelecida pela lingua com ca eujeltos a0 A fn € as sitagdes em que se produz o dizer. Desse modo, para encontrar as regularidades da linguagem em sua produgao, 0 analista de discurso relaciona a linguagem a sua exterioridade. Tendo em vista esta finalidade, ele articula de modo particular conhecimentos do campo das Ciencias Sociais e do dominio da Lingiistica. Fundando-se em uma reflexiio sobre a histéria da epistemologia e da filosofia do conhecimento empitico, essa articulagéo objetiva a transformagio da prética das ciéncias sociais e também a dos estudos da linguagem, Em uma proposta em que 0 politico € o simbélico se confrontam, essa nova forma de conhecimento coloca questies para a LingUifstica, interpelando-a pela historicidade que ela apaga, do mesmo modo que coloca questdes para as Cigncias Sociais, interrogando a transparéncia da linguagem sobre a qual elas se assentam. Dessa maneira, os estudos discursivos visam pensar o sentido dimensionado no tempo e no espago das priticas do homem, descentrando a nogio de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da Lingiifstica. Em conseqiiéncia, ndo se trabalha, como na Lingiifstica, com a lingua fechada nela mesma mas com o discurso, ae um objeto s6cio-hist6rico em que o lingiistico intervém como pressuposto, Neme trabalha, por outro lado, com a hist6ria ea sociedade como se elas fossem independentes do fato de que elas significam, Nessa confluéncia, a Anilise de Discurso critica a pratica das Ciencias Sociais ¢ a da Lingiifstica, refletindo sobre a maneira como a linguagem est materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na lingua. 16 Partindo da idéia de que a materialidade especifica da ideologia € 0 discurso e a materialidade especifica do discurso éa lingua, trabalha a relagio Iingua-discurso-ideologia. Essa relagao se complementa com o fato de que, como diz M. Pécheux (1975), néo ha discurso sem sujeito e nao hé sujeito sem ideologia: o individuo € interpelado em sujeito pela ideologia ¢ € assim que a lingua faz sentido. Conseqiientemente, o discurso € 0 lugar em que se pode observar essa relagio entre lingua ¢ idcologia, compreendendo-se como a lingua produz sentidos por! para os sujeitos. Um Novo Terreno e Estudos Preliminares Embora a Anilise de Discurso, que toma o discurso como seu objeto préprio, tenha seu inicio nos anos 60 do século XX, Oestudo do que interessa a ela - 0 da lingua funcionando para a produgdo de sentidos e que permite analisar unidades além da frase, ou seja, o texto - jd se apresentara de forma nfo sistematica em diferentes épocas e segundo diferentes perspectivas. ‘Sem pensarmos na Antigiiidade e nos estudos retéricos, temos estudos do texto, em sua materialidade lingiistica, em M.Bréal, por exemplo, no século XIX, com sua semantica hist6rica. Situando-nos no século XX, temos os estudos dos formalistas russos (anos 20/30), que j4 pressentiam no texto uma estrutura, Embora 0 interesse dos formalistas fosse sobretudo literdrio, os seus trabalhos, buscando uma I6gica interna do texto, prenunciavam uma anélise que nao era a anéilise de contetido, maneira tradicional de abordagem. A aniilise de contetido, como sabemos, procura extrair sentidos dos textos, respondendo a questio: o que este texto quer dizer? Diferentemente da andlise de contetido, a Andlise de Discurso considera que a linguagem nao é transparente. Desse modo ela no procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. ‘A questo que ela coloca é: como este texto significa? 1 Ha af um deslocamento, jé prenunciado pelos formalistas Tussos, onde a questo a ser respondida nao é 0 “o qué” mas 0 “como”. Para responder, ela nao trabalha comos textos apenas como ilustragdo ou como documento de alge que ja esta sabido em outro lugar € que o texto exemplifica. Ela produz um ‘conhecimento a partir do proprio texto, porque o vé como tendo uma materialidade simbélica propria e significativa, como tendo ‘uma espessura semantica: ela o concebe em sua discursividade. Ainda em termos de precursores, outra forma de andlise bem sucedida, que ja pesquisava o texto, é a do estruturalista americano Z. Harris (anos 50). Com seu método distribucional, ele consegue livrar a anélise do texto do vigs conteudista mas, para fazé-lo, reduz.o texto a uma frase longa. Isto é, caracteriza sua prética te6rica no interior do que chamamos isomorfismo: estende 0 mesmo método de anilise de unidades menores (morfemas, frases) para unidades maiores (texto) e procede a ‘uma analise lingiistica do texto como o faz na instdncia da frase, perdendo dele aquilo que ele tem de especifico. Como sabemos, © texto ndo é apenas uma frase longa ou uma soma de frases, Ele € uma totalidade com sua qualidade particular, com sua natureza especifica, Considerando 0 texto como unidade fundamental na andlise da linguagem, temos no estruturalismo europeu 0 inglés M.A.K.Halliday. Ele considera 0 texto como uma Passagem de qualquer comprimento que forma um todo unificado, pensando a linguagem em uso. Segundo sua Proposta, que trata 0 texto como unidade semantica, o texto do € constitufdo de sentengas, cle é realizado por sentengas, © que, de certo modo, inverte a perspectiva lingilistica. Suas Contribuigdes so valiosas mas, & diferenca da Anilise de Discurso, ele nao trabalha com a forma material, ou com a ideologia como constitutiva ¢ estaciona na descrigao, Filiagdes Teéricas Nos anos 60, a Anilise de Discurso se constitui no espago de questdes criadas pela relagdo entre trés dominios disciplinares que so ao mesmo tempo uma ruptura com o século XIX: a Lingiifstica, o Marxismo e a Psicanilise. AA Lingtistica consttui-se pela afirmagzio da nfo-transparéncia da linguagem: ela tem seu objeto préprio, a lingua, e esta tem sua ordem propria. Esta afirmagao ¢ fundamental para a Anélise de Discurso, que procura mostrar que a relagio linguagem/ pensamento/mundo nio é univoca, no é uma relagdo direta que se faz termo-a-termo, isto €, ndo se passa diretamente de tum a outro. Cada um tem sua especificidade. Por outro lado, a Anélise de Discurso pressupde 0 legado do materialismo hist6rico, isto é, o de que hé um real da hist6ria de tal forma que 0 homem faz histéria mas esta também nio Ihe é transparente. Dai, conjugando a lingua com a histéria na producdo de sentidos, esses estudos do discurso trabalham 0 que vai-se chamar a forma material (nfo abstrata como a da Lingiistica) que é a forma encamada na histéria para produzir sentidos: esta forma € portanto lingiiistico-histérica, Nos estudos discursivos, ndo se separam forma e contetido e procura-se compreender a lingua no s6 como uma estrutura mas sobretudo como acontecimento. Reunindo estrutura e acontecimento a forma material € vista como 0 acontecimento do significante (lingua) em um sujeito afetado pela historia. Ai entra entio a contribuigdo da Psicandlise, com 0 deslocamento da nogdo de homem para a de sujeito. Este, por sua vez, se constitui na relagao com o simbélico, na hist6ria, Assim, para a Andlise de Discurso: a. a lingua tem sua ordem propria mas s6 é relativamente aut6noma (distinguindo-se da LingUfstica, ela reintroduz.a nogo de sujeito e de situagiio na andlise da linguagem); b. a histéria tem seu real afetado pelo simbélico (os fatos reclamam sentidos); 19 . 0 sujeito de linguagem é descentrado pois é afetado pelo real da lingua e também pelo real da hist6ria, ndo tendo o controle sobre 0 modo como elas 0 afetam, Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia As palavras simples do nosso cotidiano ja chegam até nés carregadas de sentidos que nao sabemos como se constitufram € que no entanto significam em nés e para nds. Desse modo, se a Andlise do Discurso é herdeira das trés regides de conhecimento - Psicandlise, Lingiiistica, Marxismo - noo é de modo servil e trabalha uma nogio - a de discurso - que nao se reduz ao objeto da Lingiifstica, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicandlise. Interroga a Lingiiistica pela historicidade que ela deixa de lado, questiona © Materialismo perguntando pelo simbélico e se demarca da Psicandlise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada a0 inconsciente sem ser absorvida por ele. As nogdes de sujeito e de linguagem que esto na base das, Cigneias Humanas ¢ Sociais no século XIX ja nao tém atualidade ap6s a contribuicao da Lingiiistica e da Psicanélise. Por outro Jado, tampouco a nogdo de lingua (como sistema abstrato) pode ser a mesma com a contribuigio do Materialismo, A anilise de discurso, trabalhando na confluéncia desses ‘campos de conhecimento, irrompe em suas fronteiras e produz um novo recorte de disciplinas, constituindo um novo objeto gue vai afetar essa formas de conhecimento em seu conjunto: este novo objeto € 0 discurso. Discurso A nogio de discurso, em sua definigdo, distancia-se do modo como 0 esquema elementar da comunicagio dispGe seus elementos, definindo 0 que € mensagem. Como sabemos esse esquema 20 elementar se constitui de: emissor, receptor, cOdigo, referente € ‘mensagem. Temos entio que: 0 emissor transmite uma mensagem (nformagao) ao receptor, mensagem essa formulada em um e6digo referindo a algum elemento da realidade ~ o referente. Cujo esquema é: Mensagem ig0 Bi= = GR Referente dlise de Discurso, ndo se trata apenas de transmissio, deinformagio, ‘nem hi essa linearidade na disposigao dos elementos dda comunicagio, como se a mensagem resultasse de um processo assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um cédigo, ¢ 0 receptor capta a mensagem, decodificando-a. ‘Na realidade, a lingua nao é s6 um cédigo entre outros, nic hé essa separagiio entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa seqiiéncia em que primeiro um fala e depois 0 outro decodifica etc. Eles estiio realizando ao mesmo tempo o processo de significagdo e nao esto separados de forma estanque. Além disso, a0 invés de mensagem, 0 que propomos é justamente pensar af 0 iscurso. Desse modo, diremos que niio se trata de transmissiio de informacao apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que poe ‘em relagio sujeitos e sentidos afetados pela lingua e pela hist6ria, temos um complexo processo de constituigao desses sujeitos € producio de sentidos endo meramente transmissfio de informagao. Sio processos de identificagzio do sujeito, de argumentagio, ig subjetivago, de construgdo da realidade ete, Por outro lado, tampouco assentamos esse esquema na idéia de comunicagio. linguagem serve pra comunicareparanio comunicar. As relapses de Tinguagem so relagGes de sujeitos ede sentidose seus efeitos io miiltiplos e variados, Daf a definigdio de discurso: 0 discurso| ‘feito de sentidos entre locutores. Também nao se deve confundir discurso com “fala” na continuidade da dicotomia (lingua/fala) proposta por F. de a Saussure. O discurso nai corresponde & nog de fala pois nao se trata de opd-lo a lingua como sendo esta um sistema, onde tudo se mantém, com sua natureza social e suas constantes, Sendo 0 discurso, como a fala, apenas uma sua ocorréncia casual, individual, realizagao do sistema, fato hist6rico, a-sistematico, com suas varidveis etc. © discurso tem sua regularidade, tem seu funcionamento que é possivel aprender se no opomos 0 Social € 0 hist6rico, 0 sistema e a realizagao, o subjetivo a0 objetivo, o processo ao produto, A Andlise de Discurso faz um outro recorte teérico relacionando lingua e discurso. Em seu quadro teérico, nemo discurso € visto como uma liberdade em ato, totalmente sem condicionantes lingifsticos ou determinagées hist6ricas, nem a Iingua como totalmente fechada em si mesma, sem falhas ou equivocos. As sistematicidades lingiifsticas — que nessa Perspectiva nio afastam 0 semantico como se fosse externo — So as condi¢des materiais de base sobre as quais se desenvolvem os processos discursivos. A lingua é assim condigao de possibilidade do discurso. No entanto a fronteira entre Itngua e discurso € posta em causa sistematicamente em cada prética discursiva, pois as sistematicidades acima referidas, ndo existem, como diz M. Pécheux (1975), sob a forma de um bloco homogéneo de regras organizado 8 maneira de uma maquina légica. A relagdo € de recobrimento, nao havendo Portanto uma separaciio estivel entre eles, 22 SUJEITO, HISTORIA, LINGUAGEM 23 lise de Discurso intura Intelectual da Ar A Conj A proposta intelectual em que se situa a Anilise de Discurso 6 mareada pelo fato de que a nogo de leitura & posta em suspenso. Tendo como fundamental a questo do sentido, a Anilise de Discurso se constitui no espago em que a Lingiiistica tema ver com a Filosofia e com as Ciéncias Sociais. Em outras palavras, na perspectiva discursiva, a linguagem ¢ linguagem porque faz sentido. E a linguagem s6 faz. sentido porque se inscreve na hist6ria. Para trabalhar o sentido - definido nao como algo em si mas como “relagio a”, segundo Canguilhen (1980) - a Andlise de Discurso retine trés regides de conhecimento em sua articulages contraditérias: a. a teoria da sintaxe e da enunciagao; b. a teoria da ideologia e c. a teoria do discurso que € a determinagao hist6rica dos processos de significag30, Tudo isso atravessado por uma teoria do sujeito de natureza psicanalitica. A articulagdo dessas trés regides nos estudos do discurso & que resulta na posi¢ao critica assumida nos anos 60 em relagao Anogio de leitura, de interpretagdo, que problematiza a relagao do sujeito com o sentido (da lingua com a hist6ria). Dispositivo de Interpretagio Nessa conjuntura, toda leitura precisa de um artefato tedrico para que se efetue: Althusser escreve sobre a leitura de Marx, Lacan propée uma leitura de Freud que é um aprofundamento na filiago da Psicandlise, Barthes considera 2 leitura como escritura, Foucault propde a sua arqueologia. A leitura mostra- se como nio transparente, articulando-se em dispositivos te6ricos (E. Orlandi, 1996). Este conjunto de trabalhos produz condigdes intelectuais propicias & abertura de um espago para a existéncia de uma disciplina como a Andlise de Discurso que teoriza a interpretagao, isto é, que coloca a interpretago em questo. Nesse sentido, 0 estudo do discurso distingue-se da 25 Hermenéutica. A Anilise do Discurso visa fazer compreender como os objetos simbélicos produzem sentidos, analisando assim os proprios gestos de_interpretagio que cla considera como atos no dominio simbélico, pois eles intervém no real do sentido, A Andlise do Discurso nfo estaciona na interpretagio, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos Processos de significagio. Também nao procura um sentido verdadeiro através de uma “chave” de interpretago, Nao hé esta chave, hi método, ha construgio de um dispositivo teérico, Nao hi uma verdade oculta atras do texto. Ha gestos de imerpretago que 0 constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender. Dat termos proposto que se distinga a inteligibilidade, a interpretago e a compreensao. A inteligibilidade refere o sentido 8 lingua: “ele disse isso” ¢ inteligivel. Basta se saber portugues Para que esse enunciado seja inteligivel; no entanto nao é interpretavel pois nd se sabe quem é ele e o que ele disse. A interpretagio € 0 sentido pensando-se 0 co-texto (as outtas frases do texto) o contexto imediato. Em uma situagao “x” Maria diz que Antonio vai ao cinema. Jofo pergunta como ela sabe e cla responde: “Ele disse isso”. Interpretando: “ele” é Antonioe “oque” ele disse € que vai ao cinema. No entanto, acompreensdo & muito mais do que isso. Compreender € saber como um objeto simbGlico (enunciado, texto, pintura, misica etc) produz sentidos. E saber como as interpretagdes funcionam. Quando Se interpreta jd se estd preso em um sentido. A compreensio Procura a explicitagto dos processos de significacao presentes RO texto € permite que se possam “escutar” outros sentidos que all estio, compreendendo como eles se constituem. Porexemplo, nas palavras de Maria, pode-se compreender que ela nio quer it, ou que Antonio é quem decide tudo, ou que ele esté indo em outro lugar etc, Em suma, a Andlise de Discurso visa acompreensio de como um objeto simb6lico produz sentidos, como ele esté investide de significdncia para e por sujeitos. Essa compreensio, por sua vez, implica em explicitar como o texto organiza os gestos de 26 IT I-Se interpretagdo que relacionam sujeito e sentido. Produzem- assim novas priticas de leitura. i ante Face ao dispositivo tesrco da interpretago, hi uma parte ue da responsabilidade do analistae uma parte que deriva da sui sustentagao no rigor do méiodo e no aleance te re ‘Analise de Discurso. O que € de sua responsabilidade formulagdo da questo que desencadeia a andlise. a lo Cada material de andlise exige que seu analista, de acordo com a questio que formula, mobilize coneeitos que outro analista no mobilizara, face a suas (outras) questoes, Uma analise no igual a outra porque mobiliza coneitos diferentes isso ia a descri¢io dos materi tem resultados cruciais na ea mesmo analista, als, formolando uma apenio alters; também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo di recortes conceituais. ‘ i ja Por isso distinguimos entre o dispositivo te6rico da interpretacio, tal como otematizamos,¢0 dispositive analiticg “eonstruido pelo analista a cada andlise. Embora 0 aoa te6rico encampe o dispositivo analitico, oinclua, quando nos teferimos ao dispositivo analitico, estamos pensando no Aispositivo te6rico ja “individualizado” pelo analista em uma aniliseespetfica, Da dizermos que 0 dispesitivo tesrco € 0 smo analiticos, nao. O que ‘mas 0s dispositivos anal ; = Bo cispo itivo analitico € a questo posta pelo analista, a naturezs do material que analisa e a finalidade da andlise. Gostarfamos de aereseentar que como a pergunta ie responsabilidade do pesquisador, éessa responsabilidade ‘que organiza sua relagio com 0 cease Taba ae dio de “seu” dispositive analitico, nstrugiio de “seu” disposit | mnobilizagto desses ou aqueles conceitos, esse oa aac i is ele se compro rocedimento, com os quai pmpromele 8 i Yio. Portanto, sua prética de ; solugiio de sua questio. r us feu trabalho com a interpretagiio, tem a forma de sitivo analitico. Por seu lado, como dissemos, o dispositivo teérico, que objetiva mediar o movimento entre a descrigio¢ a interpretacio, Sustenta-se em principios gerais da Anélise de Discurso enquanto uma forma de conhecimento com seus conceitos e método. Ele se mantém inalterado, segundo a teoria do discurso, na construgdo dos diferentes dispositivos analiticos. Feita a andlise, e tendo compreendido 0 processo discursivo, os resultados vao estar disponiveis para que o analista os interprete de acordo com os diferentes instrumentais teéricos dos campos disciplinares nos quais se inscreve e de que partiu. Nesse momento € crucial a maneira como ele construiu seu dispositivo analitico, pois depende muito dele o aleance de suas conclusdes. Desfeita a ilustio da transparéneia da linguagem, e exposto & materialidade do processo de significago ¢ da constituigdo do Sujeito, o analista retorna sobre sua questo inicial. Ela esta assim no inicio, como elemento desencadeador da anilise e da construgao do dispositive analitico correspondente, e, no final, ela retorna, gerindo a maneira como o analista deve referir os resultados da anilise 4 compreensio tedrica do seu dominio disciplinar especifico: 0 da propria Andlise de Discurso, se for © caso, ou da Lingiiistica, mas também o da Politica, da Sociologia, da Antropologia, etc, dependendo da disciplina a que se filia 0 analista. Todos esses elementos — a natureza dos materiais analisados, a questao colocada, as diferentes tcorias dos distintos campos disciplinares — tudo isso constitui 0 dispositivo analitico construfdo pelo analista. Dai deriva, penso eu, a riqueza da Anilise de Discurso ao permitir explorar de muitas maneiras essa relagio trabalhada com o simbélico, sem apagar as diferengas, significando-as teoricamente, no jogo que se estabelece na distingdo entre o dispositive tedrico da interpretag2o e os dispositivos analiticos que Ihe correspondem. ‘Um caso exemplar Epoca de eleigdes no campus universititio. Logo naentrada, vé-se uma grande faixa preta com o seguinte enunciado em 28 eee ma largas letras brancas: “vote sem medo!”, acess Aoi explicagiio sobre o fato de que 0s votos niio seriam iden 4 Logo abaixo, 0 nome de entidades de representagio de funcionérios ¢ professores. A faixa negra tra em si una meméria, Sea obserwamos do node vista da cromatograia pola, negrotem sido a cor do Fyscismo, dos conservadores, da“direta” em sua expresso po ten Sado, as palavras “sem medo”, que pafecem apoiar tro lado, as palavras “sem e oi ttre sua pongo, tazem doiseeitosaelasapensos 1 Langa a suspeita sobre algum dos candidatos (que esti oe ee Fala “medo”, sug io votassem nele... ¢ 2. Falam em sugetindo Fico, unaaneara Outoetio de segue tandsmtanciona ea niie modo mais indireto, 60 de que, se ess sen san procz os acima, signfic ue produ os dois efeitos acima, a 2 fan posyocontalgum doseandaos que as zm so gue amezartosleitoes. Logo las dexam de er neti é um prinef 1. O que resumi ue € um prinefpio ético eleitoral i eiixanegra mobilizaos sentidos do medo. Argumenta contra, no entanto faz presente a questo do medo. Rest dizer que exlicitamente as poses em jog0 nes cia las todas de esquerda, igdes universitdrias eram ¢) i Ganvem. Desse modo, 20 fazermos essa ea rocurando ir além do estamos propondo, estamos procurando ir além do gus se ; na superticie das evidéncias, Ou se} diz, do que fica na super Ou see: ode : ais © que a mobilizagao des undo & de esquerda, mas 0 q so des daquclas palaveas pode mostrar além das aparéncias z difrase dessa_ Parase perceber iso, basta que produzaros uma parse dessa feixa, Seria ent0 uma fuixa brancaeserita em vermelo: “vote com coragem!”. Ness outromado de diz outas alavise es in i las produzindo outros efeitos de sentidos. ‘cores seriam mobilizadas p efeitos desetios A ligada his ante a posigGes revoluci . cor vermelhaestéligada historicamer : s transformadoras, Sobre fundo branco, as palavras “com coragemt fazem apelo a vida, ao futuro, & disposigdio de luta. Contrapondo agora as duas faixas, podemos ver (ler) su ferentes filiagdes de sentidos remetendo-as a memséri 29 cil rials ue mostram que 05 sentidos no estio s6 nas S, fos, mas na relago com a idad ean * exterioridade, nas Gancigdes em que cles sio produzidos e que nio dependem s6 Gielen dos sujeitos. Mesmo que se autodenominassem pekauerda 0s sujeitos que produziram o enunciado da faixa arate Vote sem Medo!o faziam de uma posiglo na hst6ria que ‘inha sentidos da direita e da rey ai pressio da liberdade de votos i a ; votos (queles mobilizando o moralismo embutido nessas acusagdes aurbufam a “alguém” do outro lado, que seriam os Perendomaeres. enquanto eles se colocavam na posigdo de S...). Sem que isto estives j salvadore se em suas intengées, m: teterminados pelo modo como eram afetados pela gan pela ist6ria, seu gesto de interpretago produzia todos esses efeitos. Os dizeres nao so, como diss 20 0, Ssemos, apenas mens decodificadas. Sifts de sends que sto produes rece digtes rare us esto delgums fermapresentes no modo comose liz, deixando vestigios que 0 analista de discurso Si pas qe pede asi pa compen se uzidos, pondo em relago o dizer com sua i ae er dizer ¢ exterioridade, suas Gondor de produ. Eses sents tém a ver como que € dito ali nas Smuts Iga. sim ‘como com o que no é dito, e poderit lito € nao foi. Desse_ S marget ize db texto amin five pare dle. eS TINBENS odie, Condigdes de Produgio e Interdiscurso que so pois as condigées di f digdes de produgio? Elas compre fundamenaimente 08 sujeitos e a situagio. Também cacadns arte da produgio do discurso. A maneira como a meméria “aciona”, faz valer, as condigd é oo igdes de produgio é fundamental, como ! Poses considerar as condigdes de produgio em sentido saul ¢ femos as cicunstinias da enunciagdo: & 0 contexto de rstoce As consideramos em sentido amplo, as condigdes incluem 0 contexto sécio-hist6rico, ideoldgico, 30 No exemplo acima, 0 contexto imediato € 0 campus onde a faixa foi colocada, os sujeitos que a “assinam"” (entidades de funciondrios e docentes), o momento das eleigdes ¢ 0 fato do texto ter sido escrito em uma faixa e niio em outro suporte material qualquer. O contexto amplo é 0 que traz para a considerago dos efeitos de sentidos elementos que derivam da forma de nossa sociedade, com suas Instituigdes, entre elas a Universidade, no modo como elege representantes, como organiza o poder, distribuindo posigdes de mando e obediéncia. E, finalmente, entra a hist6ria, a produgdo de acontecimentos que significam na maneira como cores como o negro esti elacionado ao fascismo, a direita, ¢ 0 vermelho ao comunismo, 2 esquerda, segundo um imaginério que afeta os sujeitos em suas posigdes politicas. ‘A meméria, por sua vez, tem suas caracteristicas, quando pensada em relagdo ao discurso. E, nessa perspectiva, ela € tratada como interdiscurso. Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. Ou seja, € 0 “que chamamos meméria discursiva: o saber discursive que torna possivel todo dizer e que retorna sob a forma do pre- construfdo, 0 jé-dito que est na base do dizivel, sustentando ‘cada tomada da palavra, O interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam 0 modo como o sujeito significa em uma situactio discursiva dada. No caso que analisamos, tudo 0 que jé se disse sobre voto, sobre eleigdes, sobre cleitores e também todos os dizeres politicos que significaram, em diferentes ‘candidatos, os sentidos da politica universitaria estdo, de certo modo, significando ali. Todos esses sentidos ja ditos por alguém, em algum lugar, em outros momentos, mesmo ‘muito distantes, tém um efeito sobre o que aquela faixa diz. ‘Sao sentidos convocados pela formulagio: vote sem medo! ‘Que pressupde, entre outras coisas, na experiéncia politica ue temos, que as pessoas tem medo de votar, no yotam livremente, etc. Experigncias passadas, de ditaduras, de governos autoritérios sao presentificadas por esse enunciado. 'S6 que, como ele proprio vem escrito em uma faixa negra, 31 acaba por trazer, ele também, essa meméria, ao invés de rompé-la colocando-se fora dela, falando com “outras” palavras, H4 uma forte contradico trabalhando esse texto. Apesar da alegada consciéncia politica de esquerda, alguma coisa mais forte - que vem pela hist6ria, que nao pede licenga, que vem pela memsria, pelas filiagdes de sentidos constituidos em outros dizeres, em muitas outras vozes, no jogo da lingua que vai-se historicizando aqui e ali, indiferentemente, mas marcada pela ideologia e pelas posigGes relativas ao poder - traz em sua materialidade os efeitos que atingem esses sujeitos apesar de suas vontades. O dizer nao é propriedade Particular. As palavras no so s6 nossas. Elas significam Pela histéria © pela lingua. O que € dito em outro lugar também significa nas “nossas” palavras. O sujeito diz, pensa Que sabe 0 que diz, mas nao tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele. Por isso é indtil, do ponto de vista discursivo, perguntar para o sujeito © que ele quis dizer quando disse “x” (ilusio da entrevista in loco). O que ele sabe nao é suficiente para compreendermos Que efeitos de sentidos estio ali presentificados. O fato de que hi um jé-dito que sustenta a possibilidade mesma de todo dizer, é fundamental para se compreender 0 funcionamento do discurso, a sua relagao com os sujeitos ¢ com a ideologia. A observa do interdiscurso nos permite, no exemplo, remeter o dizer da faixa a toda a uma filiagio de dizeres, a uma meméria, e a identificé-lo em sua historicidade, em sua significancia, mostrando seus compromissos politicos e ideolégicos. Disso se deduz que hé uma relagdo entre 0 jé-dito € 0 que se est dizendo que € a que existe entre o interdiscurso ¢ 0 intradiscurso ou, em outras palavras, entre a constituiggo do sentido € sua formulagao, Courtine (1984) explicita essa renga considerando a constituigdio ~o que estamos chamando de interdiscurso — representada como um eixo vertical onde terfamos todos os dizeres jé ditos - ¢ esquecidos — em uma 32 ; ; es eszatiiag de emunciados qu, em sen cojunto, represent F oe 0 dizfvel. E terfamos o eixo horizontal > seria o eixo da formulagio, isto €, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condigdes dadas. A formulagdo,entio, est determinada pela relagfo que estabelecemos com 0 interdiscurso: no exemplo dado, 0 “Vote sem Medo” seria composto pela sua formulae também s cidade, o saber discursivo que foi-se constitu aantonae da hstia& foi prodozindo dizeres, a meméria que ao long da hist efi produzindo dizeres, a memria que ou possivel esse dizer para esses sujeitos num determina Mhomento © que representa 0 eixo de sua consituigdo (interdiscurso).. 1 2 A consigd determina a formula, pois 6 podemos dizer Gformular) se nos colocamos na perspectiva do dizivel CGterscurso, meméra). Todo dae, na elias enconte ia is eixOs: Gria (constituic confluéncia dos dois eixos: 0 da meméria (constituigao) a atualidade (formulagio). E € desse jogo que tiram seus sentidos. Parafelamente, também o inerdscuso,ahistoricidade, que eterna agit que, da situago, das eondigbes de produto, scursi Pelo funcionam Jevante para a discursividade. | 2 BP tscursc suprime-e, porassimdizr aexterioiade come insereve i lidade. Isso faz. c inscrevé-la no interior da textual een a relagdo da historicidade (do dic) ist6ri s \d0), 0 interdiscurso storia (tal como se da no mun discus pectin coms diz M Pchoux (1983), as condigdes nas quis ‘um acontecimento hist6rico (elemento hist6rico descontt ioe exterior) é suscetivel de vir a inscrever-se na continuidade interna, no espago potencial de coeréncia proprio a uma ‘meméria. a ei i interdiscurso e © qu reciso no confundir o que € inter e texto. © interdiscuso € todo 0 conjunto de formulagoes tas ej esquecids que determinam oque dizemos. Para inhaspalavrastenham sentido € preciso que els fagam sentido. E isto 6 efeito do interdiscurso: € preciso que 0 que foi 33 dito por um sujeito especifico, em um momento particular S¢ @pague na meméria para que, passando para o “anonimato”, possa fazer sentido em “minhas” palavras. No interdiscurso, diz Courtine (1984), fala uma voz sem nome. Ao falarmos nos filiamos a redes de sentidos mas no aprendemos como fazé-lo, ficando ao sabor da ideologia e do inconsciente. Por que somos afetados por certos sentidos £ ndo outros? Fica por conta da historia e do acaso, do jogo da lingua e do equivoco que constitui nossa relagao com eles, Mas certamente 0 fazemos determinados por nossa relagao com a lingua ¢ a historia, por nossa experiéncia simbdlica e de mundo, através da ideologia, Por isso a Andlise de Discurso se propde construir escutas que permitam levar em Conta esses efeitos ¢ explicitar a relagdo com esse “saber” due nao se aprende, ndo se ensina mas que produz seus efeitos. Essa nova prética de leitura, que é a discursiva, Gonsiste em considerar o que é dito em um discurso e 0 que € dito em outro, o que dito de um modo e o que é dito de Outro, procurando escutar o nao-dito naquilo que é dito, como tuma presenca de uma auséncia necesséria. Isso porque, come vimos pelo exemplo acima, s6 uma parte do dizivel é acessfvel ao sujeito pois mesmo o que ele no diz. (e que Imuitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras Se tanto 0 interdiscurso como o intertexto mobilizam 0 que chamamos relagdes de sentido, que explicitaremos i frente, no entanto 0 interdiscurso é da ordem do saber discursivo, meméria afetada pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto o intertexto restringe-se a relago de um texto com outros textos. Nessa relagdo, aimtertextual, oesquecimento nd estruturante, ‘como 0 € para o interdiscurso, Esquecimentos Segundo M. Pécheux (1975), podemos distinguir duas formas de esquecimento no discurso 34 © esqueimento miro dois que ¢ a ode da enuci: to falaos faznos de uma ancien de ou, 2 longo de oso dizer. oman se fais paaistes qu dea ae 0 ner sempre pot ser outro. Ad falamos “sem meds por exemplo,peamos dizer “com corage” ob Tivvement te Io signifeaem aoso dizrenem sempre temosconsccia dis, Exe "“esuocimento” produz em nos aimpressto da realidad do pensamento, Esa impress, qu €denominaa isso referencia nos fz credit que hums rela deta ene opesament. 2 Neer aecom aqelpalnas alo pum. ueco pois lito com aquela s ci felis Elcsbeere ca eloa0 “tee places Mees amos sre ele, recoremes seta marge de fansis paraffstioas, para melhor especifcar oque dizemos. Eochamado na ‘enunciativo e que alesta que a sintaxe significa: 0 nado de dizer nio ¢ indiferente aos sentidos. ti também O outro esquecimentoé esquecimentonimero um, tam bea chamado esquecimento ideoldgico: ele & da instinci neo onsciene¢ resulta do modo pelo qual somes af bee Jdeologia. Por esse esquecimento temos ails de seraorigem so que dizemos quando, na reaidade,retomamos sentidospre~ : imico: istentes. cimento reflete 0 sonho a ‘existentes. Esse esque: i rae estar n nical absolut da linguagem, sexo primeiro homem, izendo as primeiras palavras que pnlficria a pease tame! Na realidade, embora snte © que queremos. se realize sm nds, os sentidos apenas se representam como erigiani de s A inados pela maneira nos: eles so determinados om nserevemos na lingua e na hist6ra e€ por isto que significam niio pela nossa vontade. . > - a Quando naseemos os iscursos j esto em processo ends ¢ eniramos nesse processo. Eles nfo se orginam em n6s, ira c dio haja singularidade na mane no significa que nao r ee lingua e a hist6ria nos afetam. Mas no somos 0 en las se realizam em nés em sua materialidade. Essa 35 fetes meas para que haja sentidos e sujeitos. Por me Os que © esquecimento é estruturante. Ele & pare da constituigdo dos sujeitos e dos sentidos. Asilusdes nao fio “defeitos”, sfo uma necessidade para que a linguagem rea xe € na produgdo de sentidos. Os sujeitos : 20 s ificarem com o que dizem, se Constituirem em sujeitos. E assim que suas pal i ir sentido, asim qu les se signeam oman pastas existentes como se elas se originassem neles e é assim que idos e sujeitos estdio sempre em movimento, significando sempre de muitas ¢ variadas maneiras. Sempre as mesmas ma 40 mesmo tempo, sempre outras. creat Paréfrase e Polissemia ej Quando pensamos discursivamente a linguagem, € dif agar limites estritos entre 0 mesmo ¢ 0 diferente. Dat considerarmos que todo 0 funcionamento da linguagem se Senta na tensio entre processos parafristcos e processos palstasoas or rocessos parafrasticos sao aqueles pelos quais zer hi sempre algo que se mantém, isto &, o dizi ‘ isto é, o dizivel, cmnhy A. pardtrase representa assim retomo aos mesmos cspagos do dizer. Produzem-se diferentes formulagées do lizer sedimentado. A pardfrase es no diz . ti do lado da sala Ao passo que, na polissemia, 0 que temos é ‘amento, ruptura de proceso: io. Ela j Senses P 8 de significagio, Ela joga ebstt slo duas Forgas qu trabalbam continuamente odie, mod liscurso se faz nessa tensdo: > © 0 diferente. Se toda vez \ i pele, ferente, gue falamos, ao tomar a palavra, Produimos uma neatly ina rede de filiagio dos sentidos, ne , falamos com palavras ja ditas, E é ness: n 8 con . se jogo entre Bardfraseepolissemia, entre o mesmo e 0 diferente ente0j6 Alto ose dizer que os sueitos eos sentidos se movimentam, jazem seus percursos, (se) significam, ‘ 36 Se o real da lingua nao fosse sujeito a falha e o real da histéria nao fosse passivel de ruptura ndo haveria transformagio, no haveria movimento possivel, nem dos Sujeitos nem dos sentidos. E porque a lingua € sujeita ao ‘equivoco e a ideologia é um ritual com falhas que 0 sujeito, a0 significar, se significa. Por isso, dizemos que a incompletude é a condigdo da linguagem: nem os sujeitos them os sentidos, logo, nem o discurso, j& estdio prontos facabados. Eles esto sempre se fazendo, havendo um trabalho continuo, um movimento constante do simbélico ¢ da historia. E condigo de existéncia dos sujeitos e dos sentidos: constituirem-se na relagdo tensa entre pardfrase e polissemia. Daf dizermos que os sentidos ¢ os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem sempre o so. Depende de como ‘sio afetados pela Iingua, de como se inscrevem na historia. Depende de como trabalham ¢ sio trabalhados pelo jogo entre /pardfrase e polissemia. F desse modo que, na andlise de discurso, distinguimos 0 ‘que é criatividade do que é a produtividade. A “criagdo” em ‘sua dimensio técnica € produtividade, reiteragdo de processos jf cristalizados. Regida pelo processo parafristico, a produtividade mantém o homem num retorno constante 20 ‘mesmo espaco dizivel: produz. a variedade do mesmo. Por fexemplo, produzimos frases da nossa lingua, mesmo as que ‘nfo conhecemos, as que no havfamos ouvido antes, a partir de lum conjunto de regras de um nimero determinado. J4 a ‘iatividade implica na ruptura do processo de producio da Jinguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir 0 diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os tidos na sua relagdo com a histéria e com a lingua. Irrompem. sim sentidos diferentes. Nese modo de considerar a produgdo de sentidos, nao se analiza a nogo de criatividade. O que vemos com mais quiéncia - por exemplo, se observamos a midia - € a tividade e ndo a criatividade. As novelas obedecem, em 37 Sera, um estrito processo de produgao, dominado pela “produtividade”’ assistimos a “mesma” novela contada mista € muitas vezes, com algumas variacdes. Para haver criatividade € preciso um trabalho que ponha em conflito 0 é produzidoeo que vai-se instituir. Passagem do irrealizado ao Possfvel, do nao-sentido ao sentido. Decorre dai a afirmagio de que a parsfrase & a matriz do sentido, pois nao hd sentido sem tepeticio, sem sustentagdo no saber discursivo, ¢ a polissemia é a fonte da linguagem uma vez que ela é a prépria condigdo de existéncia dos discursos Pois se 0s sentidos — e os sujeitos ~ ndo fossem miiltiplos, nao Pudessem ser outros, no haveria necessidade de diver, A Polissemia é justamente a simultaneidade de movimentor distintos de sentido no mesmo objeto simbdlico. Esse jogo entre parafrase e polissemia atesta o confronto entre gsimbdlicoe o politico. Todo dizer é ideologicamente marcado, E na lingua que a ideologia se materializa. Nas palavras dex Sujeitos. Como dissemos, o discurso é 0 lugar do trabalho da lingua e da ideologia, Podemos agora, compreendendo a relagdo da parfrase com a polissemia, dizer que, entre o mesmo e o diferente, o analista se propde compreender como o politico ¢ o Lingtiistico se interrelacionam na constituigdo dos sujeitos ¢ CA Produgdo dos sentidos, ideologicamente assinalados, Como 0 sujeito (e os sentidos), pela repetigao, estio sempre tangenciando o novo, o possivel, o diferente. Entre o efémero §.0 ue se eternaliza, Num espago fortemente regido pela simbolizagao das relagdes de poder. Um exemplo interessante € 0 que diz respeito aos sentidos de *colonizagio” ¢ seus efeitos em nés, entre a repetigao e a fiferenga. Esses sentidos se constituitam ao longo de uma historia a que ja no temos acesso e que “falam’” em née «& Orlandi, 1990). Isto é a meméria, o interdiscurso, Por ours lado, a cada vez que dizemos “colonizagio” ou que nos Significamos em relacao a essa histéria, esses sentidos retornan, 38 mas, 20 mesmo tempo, podem drivar para outros sos, de nificago (E. Orlandi, 1993), produzindo novos seis, efeitos do jogo da lingua inscrito na materialidade da . ipacio: Relagées de Forca, Relacdes de Sentidos, Antecipac: Formagies Imaginarias / ek: AAs condigbes de produgio, que constituem os discuss, funcionam de acordo com certos fatores. Um le see ‘chamam dos, Segundo essa nogio, 108 relagdo de sentidos. ‘ discuso que ni se relacione com outros. Em outras palavas : um discurso aponta p resultam de relagdes: um 1 Be sctecn, assim como para dizer futures. Todo discurso visto como um estado de um processo discursivo mais amplo, {eontinuo, Nao, desse modo, comego sbeclaionem pont al ra 0 discurso. Um dizer tem relagao com out izados, imaginados ou possfveis. ‘ Por outro lado, segundo o mecanismo da antecipagio, todo Sujeito tem a capacidade de experimentar, ou melhor, de slocar-se no lugar em que o seu interlocutor “ouv% — Hivras, Ele antocipa-sc assim a seu interlocutor quanto 20 Sentido que suas palavras produzem. Esse mecenismo regu a 1a que o sujeito dire jumentagao, de tal forma que u » de our, segundo oeeto que pena product em st vine, Este espectro varia amplamente aioe are et it simplice até aqui i terlocutor que é seu c 2 tro extremo, ele prevé como adversério absoluto. Be ineira, esse mecanismo dirige o processo de argumentag: jisando seus efeitos sobre o interlocutor. Finalmente, temos a chamada relagdo de orcas. Seam et ogo, podemos dizer que oluga a partir do qua ala. sjeto onstitutivo do que ele diz, Assim, se 0 sujeito fala partido agar de professor, suas palavras significam de modo di es pave se falasse do lugar do aluno. O padre fala sar que suas palavras tem uma autoridade doterminada junto ficis ete. Como nossa sociedade € constituida por relagdes 39 hicrarquizadas, séo rel: desses diferentes lugares, que se Afi ala do professor vale (significa) mais do que a do alues formagao social, Eat ea me ordem) e 0 mecanismo im: objeto do discurso, gees asin a imagem da posigdo sujeito loc ie falar assim?) mas ta ou pa ‘ambém da inter ioe (aie eee Para me fala assim, ou para que eu lhe 2), "mM a do objeto dc Ihe falando, do que ele me fala?) ‘Epots eh cepa i : zindtio, ei aera dos sujeitos, assim como do le uma conjuntura s6cio-histérica. utor (quem sou Posigao sujeito Na relago discursiv. : 7 a, SIO as i diferentes posigdes. E isto se faz de no discurso no é 0 operirio visto e 40 imagens que constituem as tal modo que o que funciona mpiricamente mas 0 operirio lagdes de forga, sustentadas no poder fazem valer na “comunicagao” enquanto posigdo discursiva produzida pelas formagdes ‘imaginérias. Daf que, na andlise, podemos encontrar, por ‘exemplo, 0 operdrio falando do lugar do patrio. No caso que analisamos acima — 0 da faixa Vote sem Medo — podemos dizer {que nao importam os locutores empiricos (de esquerda) que a “escreveram mas a posigo (moralista) que eles ocupam, 0 que faz valer (significar) seu dizer de um modo determinado. E assim “que as condiges de produgdo esto presentes nos processos de Jdentificagio dos sujeitos trabalhados nos discursos. E as {identidades resultam desses processos de identificagdo, em que 9 imagindrio tem sua eficécia. No exemplo Vote sem Medo, temos que considerar, nas circunstancias da enunciagio, a sm que se faz do dirigente sindical ¢ dos docentes, em posigdes, mas também a imagem que eles fazem dos litores, mobilizando um dizer que remete a sentidos cuja méria 0s filia a discursos de que a faixa negra é um vestigio. 0 indica a diregio (politica, ideol6gica) dessa formulagao. Pensando as relagGes de forgas, a de sentidos e a antecipagtio, ob o modo do funcionamento das formagdes imaginérias, podemos “ter muitas ¢ diferentes possibilidades regidas pela maneira como a agio social esté na hist6ria. Em nossa formagio social, se porexemplo a Universidade, pdemos explorar algumas ssas possibilidades: a imagem que o professor tem do que seja um aluno universitétio, a imagem que um aluno tem do que seja “um professor universitério, aimagem que se tem de um pesquisador, imagem que 0 aluno (0 professor, o funcionério) tem de um Reitor, imagem que 0 aluno (0 professor, o funcionério) tem de um dirigente de um diret6rio académico, a imagem que o aluno (0 "professor, o funcionirio) tem de um dirigente de uma associago de professores universitérios ete. Mas, pelo mecanismo da ntecipagio, também temos, por exemplo: a imagem que odirigente al tem da imagem que os funcionérios tm daquilo que ele “vai dizer. E isto faz com que ele ajuste seu dizer a seus objetivos politicos, trabalhando esse jogo de imagens, Como em um jogo de “xadrez, é melhor orador aquele que consegue antecipar 0 maior 41 niimero de “jogadas”, % may gadas * ou Seja, aquele que mobiliza melhor o jogo expec eet dos sujeitos (no cas, eleliores), rando- , com NC mn” (sostariam de, deveriam ete) ouvin SHE eS “auerem" Tudo isso vai contri vai contribuir para a constituigdo das condig&es em que o disc ISO se produz e portanto para seu processo de funciona i do renamento da linguagem. Ele €eficaz, Ele nao "brotas ‘ “Se No modo co f tase Mo as relagdes i insrevem aa histra eso regidas, em uma soiedade oes a arsstsPor relagdes de poder. imagem que temos de mn Fenton Ror exemplo, no ca do cu. Ela se consi nessa simbélico com o polit a conto © politico, em pro lgam discursose insiuiges, esse modo ane reteans iieito na posigo de lex" aueu 1 Professor de es “x” quanto um de dreita fale “y". que nem serrpre verge verdade discursividad c les e, explicitando lacie : © modo como os s: seu. far _Produaidos, compreender melhor o oa esata a to dizer em si mesmo que o sentido € de ita, nem tam, es d D Ipouco je quem diz. E preciso referi-lo as suas Smee deen ic lucdo, daqueles que as empregam. Elas “tiram” seu sentido dessas posigiies, isto 6, em relagdo as formagées ideoldgicas nas quais “essas posigoes se inscrevem, ‘A nogio de formagiio discursiva, ainda que polémica, € basica ‘na Andlise de Discurso, pois permite compreender 0 processo de produgdo dos sentidos, a sua relago com a ideologia € 'bém dé ao analista a possibilidade de estabelecer .gularidades no funcionamento do discurso. "A formacio discursiva se define como aquilo que numa ago ideolégica dada — ou seja, a partir de uma posigo ‘em uma conjuntura s6cio-hist6rica dada - determina o que le ¢ deve ser dito. Daf decorre a compreensio de dois pontos passaremos a expor. ‘A. O discurso se constitui em seu sentidos porque aquilo que sujeito diz se inscreve em uma formagio discursiva ¢ nlio para ter um sentido e nfo outro. Por af podemos perceber jue as palavras nao tém um sentido nelas mesmas, elas derivam sentidos das formagies discursivas em que se inscrevem. formagdes discursivas, por sua vez, representam no discurso formacies ideoldgicas. Desse modo, os sentidos sempre so terminados ideologicamente. Nao hé sentido que no o seja. que dizemos tem, pois, um trago ideol6gico em relagio a tracos ideol6gicos. E isto nao esté na esséncia das palavras na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ogia produz scus efeitos, materializando-se nele. O estudo discurso explicita a maneira como linguagem e ideologia se iculam, se afetam em sua relagdo reciproca. ‘As palavras falam com outras palavras. Toda palavra é pre parte de um discurso. E todo discurso se delineia ‘a relagdo com outros: dizeres presentes e dizeres que se jojam na meméria. ‘As formagées discursivas podem ser vistas como sgionalizacdes do interdiscurso, configuracdes espeefficas dos iscursos em suas relagGes. O interdiscurso disponibiliza 43 dizeres, determinando, pelo j4-dito, aquilo que constitui uma formagdo discursiva em relagao a outra. Dizer que a palavra significa em relagdo a outras, é afirmar essa articulagao de formagdes discursivas dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade material contradit6ria, Os sentidos nao estao assim predeterminados por Propriedades da lingua. Dependem de relagdes constitutdes has/pelas formagdes discursivas. No entanto, & preciso nio Pensar as formagdes discursivas como blocos homogéneos funcionando automaticamente. Elas so constituidas pela Contradi¢ao, so heterogéneas nelas mesmas e suas frontei, sao fluidas, configurando-se e reconfigurando-se continuamente em suas relagdes Chegamos entio nogio de metéfora que é imprescindivel na anilise de discurso. Ela nao é considerada, como na etérica, como figura de linguagem. A metéfora (cf. Lacan,1966) é aqui definida como a tomada de uma palavra por outra, Na andlise de discurso, ela significa basicamente “iransferéncia”, estabelecendo 0 modo como as palavras significam, Em principio nao ha sentido sem metéfora, As palavras no tem, nessa perspectiva, um sentido proprio, preso a sua Iiteralidade. Segundo Pécheux (1975), 0 sentido € sempre uma Palavra, uma expresso ou uma proposi¢do por uma outra Palavra, uma outra express20 ou proposigdo; e € por esse relacionamento, essa superposicdo, essa transferéncia (meta. Phora), que elementos significantes passam a se confrontar. de ‘modo que se revestem de um sentido. Ainda segundo este autor, © sentido existe exclusivamente nas relagdes de metdfora (ealizadas em efeitos de substiwigdo, pardfrases, formagio de Sin6nimos) das quais uma formagio discursiva vem'a ser historicamente o lugar mais ou menos provisorio, B. E pela referéncia a formagiio discursiva que podemos compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem significar diferentemente Porque se inscrevem em formagdes discursivas diferentes. Por 44 ie exemplo, a palavra “terra” nao significa o mesmo riven tim agricultor sem terra e para um grande propitro rua significa diferente se aescrevemos com letra: _ pee he ss miniscula terra etc. Todos esses us: eee igdes de produgao diferentes podem ser apes ae formagGes discursivas. Eisso define em ~~ ~ ‘trabal tho do analista: observando as condigdes de ee 7 ificando o funcionamento da meméria, ele deve om uma formagao discursiva (e nfo outra) para compreen ti ji esta dito. sentido do que ali est f ie A evidéncia do sentido, que, na realidade é a : K6gico, no nos deixa pereeber seu caréter'm ail 8 toricidade de sua construgdo. Do mesmo modo podsion sr que a evidéncia do sujeito, ou melbon bus ean renee 5 ue “eu” sou “eu”), apaga 0 ee Be sentiticayo: © sujeito se constitui ae Hclecdo 1ue se da ideologicamente pela sua insrigdo * i 1a SOCIE! io discursiva — que, em um a , Fssa, Rare sob a forma de sujeito de direito ee Bs for it historicamente, a0 i-sujeito corresponde, historic i eapitalxn ao meso tempo determined por conighes Iernas e autonomo (responsavel pelo que diz), um su} seus direitos e deveres. e Sujeito ; ‘lise de Discurso € re-significar Fos ie clog a ane da consideragdo da linguagem. re asim de uma definigdo discursiva de ideologia a suraremos expor a seguir. ; 0 fato mesmo da interpretagdo, ou melhor, o Sa te ete sentido sem interpretagio, atest a presenga da ideologia. io ha sentido sem interpretagdo e, além disso, eae objeto simbolico o homem é levado a interpreta ocando-se diante da questio: 0 aque isto quer dizer? Nesse ovimento da interprelagio o sentido aparece-no 45 evi i i evideocin como se ele estivesse ja sempre I4. Interpreta-se ¢ a0 Naturationn nee @interpretago,colocando-annograu zero, Simbblice Por eae Braduzo na relagio do histrico e do nbélico. inismo — ideol6gico ~ de a sin Qo : igico ~ de apagamer letpretacio, hi transposigZo de formas materiaisem cute, no tivessem sua espessura, sua opaci : ; ssura, pacidade — pa icepetaas or determinagdes historicas que se meted produzirevige i niutalizadas. Este 6 0 trabalho da ideologia: Com sen ec deneias,colocando o homem narelagdo imagingia igdes materiais de existéncia, inconsciente so estruturas-funcioname a — es lamentos, M, Pécheux ai =u crater comum é a de dissimular sua ita de evidenchag a etsPtio funcionamento,produzindo.um tecido como “ue uta ietivas"y entendendo-se “subjetivas” nao ‘am o sujeito” mas, mais fortemente, como “nas A evidéncia d ‘0 ~ a que faz com que uma palavra lo sentido — a que fa designe uma coisa - apaga o seu carter mater fpninanes as Pelavras Fecebem seus sentidos de formagdes Same aelstes, Hi €0 efeito da determinagao ists “apg ta sone se Suet pea eologa Esse 0 paadono pelo qu Senet ncia: sua interpelacdo pela ideologia. 46 __ Siio essas evidéncias que dio aos sujeitos a realidade como tema de significagdes percebidas, experimentadas. Essas idéncias funcionam pelos chamados “esquecimentos”, que ‘eferimos anteriormente. Isso se da de tal modo que @ bordinagiio-assujeitamento se realiza sob a forma da .omia, como um interior sem exterior, esfumando-se a inagao do real (do interdiscurso), pelo modo mesmo com jue ele funciona. Assim considerada, a ideologia ndo € ocultagdo mas fungao relacdo necesséria entre linguagem e mundo. Linguagem e yundo se refletem no sentido da refrac, do efeito imaginario ‘um sobre 0 outro. A relagdo da ordem simbélica com o mundo se faz de tal Jo que, para que haja sentido, como dissemos, € preciso que Iingua como sistema sintético passivel de jogo — de equivoco, jeita a falhas — se inscreva na hist6ria. Essa inscri¢dio dos tos lingtifsticos materiais na historia é que € a discursividade. sentido é assim uma relagio determinada do sujeito ~ fetado pela lingua - com a histéria. £ 0 gesto de interpretagao realiza essa relaco do sujeito com a lingua, com a historia, ‘0s sentidos. Esta é a marca da subjetivagdo e, ao mesmo ‘tempo, o trago da relagiio da lingua com a exterioridade: nao hé iscurso sem sujeito. E nao hd sujeito sem ideologia, Ideologia inconsciente esto materialmente ligados. Pela lingua, pelo ‘processo que acabamos de descrever. Para pensarmos a ideologia, nessa perspectiva, pensamos a ‘interpretagiio. Para que a lingua faga sentido, € preciso que a historia intervenha, pelo equivoco, pela opacidade, pela espessura material do significante. Daf resulta que a interpretagdio € necessariamente regulada em suas possibilidades, em suas condigdes. Ela ndo € mero gesto de decodificagio, de apreensio do sentido. A interpretagio nao é livre de determinagGes: no € qualquer uma e ¢ desigualmente distribufda na formagao social. Ela € “garantida” pela meméria, sob dois aspectos: a. a meméria institucionalizada (0 arquivo), 47 7 {rabalho social da interpretagio onde se separa quem te a 3 ay direito a ela; b. a meméria constitutiva (o aiearne — hist6rico da consttuigdo do sentido ( l, retivel, o saber discursi © ; v0). O gesto intrpetapto se faz entre a memséria institucional (0 rinvoya retin memra (interdiscurso), podendo assim tanto : locar sentidos. Ser ir Et Significa ser (necessariamente) imével, nada nao agindrio, 0 sujeito s6 tem acesso a parte do que diz. Ble & naterialmente dividido desde sua constituigao : ele é sujeito dee Sujeito d. Ele € sujeito a lingua cd hist6ria, pois para se constitu, ara (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. Ele & assim ado, pois se no sofrer os efeitos do simbolico, ou seja, Se no se submeter & lingua ¢ & historia ele niio se constitui, ele fala, ndio produz.sentidos. ‘Devemos ainda lembrar que osujeito discursivo € pensado como go” entre outras, Nao € uma forma de subjetividade mas um gar” que ocupa para ser sujeito do que diz, (M.Foucault, 1969): a posigdo que deve e pode ocupar todo individuo para ser sujeito que diz. O modo como o sujeito ocupa seu lugar, enquanto Zo, nao Ihe é acessfvel, ele ndio tem acesso direto dexterioridade (interdiscurso) que o constitu. Da mesma maneira, a lingua também o € transparente nem o mundo diretamente apreensivel quando trata da significagio pois vivido dos sujeitos ¢ informado, {ituido pela estrutura da ideologia (M, Pécheux, 1975). ei ¢ Aldeologia, por sua vez, nesse modo de a conceber, nio nual Gao conjunto de representagdes, como visio de 10 ocultagao da realidade, Na mundo ou idade. Nao ha alié Felidae sem ideologia. Enquanto prética significante, a iceologia aparece como efetodarelagao necesséra do suelo Som i lingua © a com a histria para que haja sentido, E sone naa uma relagao termo-a-termo entre linguagem/ raeeroeeetsamento essa rlagao toma-se possvelporgue a I fervém com seu modo de funci imaginatio. Sao assim as imagens que permitem ava ne Palavras “colem” com as coisa m que as Gissomos, © nom 88 £0l8as. Por outro lado, como ‘Nese sentido € que 0s sujeitos so intercambisveis. Quando it ideologia que faz com que haja falo a partir da posigiio de “mae”, por exemplo, 0 que digo deriva sentido, em relagdo & formagio discursiva em que estou screvendo minhas palavras, de modo equivalente a outras falas também o fazem dessa mesma posigao. Quando, ao abrir a a para um filho altas horas da madrugada, a mie fala “Isso si0 oras?” ela esté, na posigdo-mie, falando como as mies falam. te. Podemos até dizer que ndo é a mae falando, é sua icdo. Ela af esté sendo dita. E isso a significa. Isso Ihe da tidade. Identidade relativa a outras: por exemplo na posigao de professora, de atriz etc. © trabalho ideolégico é um trabalho da meméria_€ do esquecimento pois é s6 quando passa para o anonimato que 0 dizer produz scu efeito de literalidade, a impressio do sentido- Id: € justamente quando esquecemos quem disse “colonizagio”, ‘quando, onde e porqué, que o sentido de colonizagio produz ‘seus efeitos. Da mesma forma, é sob o modo da impressiio do sentido-Ié, com a meméria jé trabalhada pelo esquecimento, 49 signifi i Signifique produzindo 0 efeito de evidéncia do sentido Bree 428 impress do sujito sera origem do que iz, E alham, ambos, a ilus 2 Eten a ilusGo da transparénci inp ans hn tm Zeros aulltos so transparentes eles im sua materialidade se.con em processos em que a linguz ‘deologia concorrem conjuntamente. *Hist6riae a Nio é vigente, na Anilise de Discurso, de sujeito empiricame: inci icamente coincident Atravessado pela linguagem e pela hist a nogio psicolégica fe consigo mesmo. ‘6ria, sob 0 modo do 48 que 0 dirigente sindical e o dos docentes assinam uma faixa negra com palavras que falam em voio e medo, inscrevendo-se na filiago dos sentidos produzidos pelo fascismo, tendo a ilusio que os sentidos ali significam segundo sua vontade imediata. O dizer tem hist6ria. Os sentidos ndo se esgotam no imediato, Tanto € assim que fazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores. Nao temos controle sobre isso. Mas tentamos, Faz entrada, assim, em nossa reflexdo, a nogiio de contradigao junto a de equivoco. O Sujeito e sua Forma Histérica A forma-sujeito histérica que corresponde a da sociedade atual representa bem a contradigdo: é um sujeito a0 mesmo tempo livre € submisso, Ele é capaz de uma liberdade sem limites ¢ uma submissio sem falhas: pode tudo dizer, Contanto que se submeta a lingua para sabé-La, Essa é a base do que chamamos assujeitamento. Tomando em conta a relagao da Iingua com a ideologia, podemos observar como, através da nogao de determinagio, 0 Sujeito gramatical cria um ideal de completude, participando do imagindrio de um sujeito mestre de suas palavras: ele determina o que diz. No entanto, nem sempre ele se apresentou com essa sua caracteristica, que & propria ao que chamamos Sujeito-de-direito ou sujeito juridico, que é 0 da modemnidade. Nao podemos reduzir pois a questo da subjetividade ao lingilistico; fazemos entrar em conta também sua dimensio hist6rica e psicanalitica. Embora a subjetividade repouse na Possibilidade de mecanismos lingilisticos especificos, nao se pode explicé-la estritamente por eles. Para nfo se ter apenas uma concepeio intemporal, a-histérica ¢ ‘mesmo biol6gica da subjetividade —reduzindo.o homem ao ser natural ~€ preciso procurar compreendé-la através de sua historicidade. E af ppoclemos compreender essa ambiguidade da nocao de sujeito que, se determina o que diz, no entanto, € determinado pela exterioridade na ‘sua relago com os sentidos, como dissemos mais acima, 50 me la Haroche (1987) mostra-nos que a forma-sujeito religioso, i iioivs Ga Tose Malis repesentou na oc a-sujei : ete ee acre soci, 0 suet eve de omarse proprio proprietario, dando surgimento a0 sujeito-de-direito contre responnabiidede: X subordinagioexplieta home ao discurso religioso dé lugar & subordinagio, menos licita, do homem as leis: com seus direitos € oo = fia de um sujeito livre em suas escolhas, 0 sujei nia, de liberdade isivel porque preserva a idéia de autonomia, d Heid, de nfo determinagio do suelo. # ua fora de Cn s terfstica do forma jeitamento mais abstata e caracterstica do formalismo fdieo, do capitalismo, Por seu lado, a injungio no tradigZo é a garantia da submisso do sujeito ao saber. S| de-direito se acrescentar que a nogiio de sujeito-« sae ndvun © seo nfo wom i é de uma estrutura soc idade psicoldgica, ele é efeito i ee i .. Em conseqiiéncia, erminada: a sociedade capitalista. i A jet 10 tempo, processo: sterminagdo do sujeito mas h4, ao mesm« individualizagao do sujeito pelo Estado. Este proceso € damental no capitalismo para que se possa governar. Submetendo 0 sujeito mas ao mesmo tempo apresentndo“> ‘como livre ¢ esponsével, 0 assujeitamento se fz ees jue © discurso aparega como instrumento (limpi ne epsamento.e um reflexo (justo) da realidade, Na transparénei fa Linguagem, € a ideotogia se Bases as ss ue do sentido e do sujeito. 8 siitotes nogio elieraldaeo semi eral naconeepio lingUfstica imanente, € aquele que uma paliyaaitem independentemente de seu uso em qualquer contexto, Das ‘cariter bdsico, discreto, inerente, abstrato e geral. . st se levamos em conta, como na Anilise de Discurso, a ideologia, somos capazes de aprender, de fornia critica, a ilustio que esté na base do estatuto primitivo da literalidude: o fato de que ele é produto hist6rico, efeito de discurso que sulie as determinagoes dos modos de assujeilamenty das diferentes formas-sujeito na su historividade e emi relagao as diferentes formas de poder. 0 falante niio opera coma literalidade como algo fixo e irredutivel, uma vez que nao hé um sentido tnico e prévio, mas um sentido instituido historicamente na relago do sujeito com a lingua e que faz parte das condigdes de producao do discurso, A literalidade € uma construgdo que o analista deve considerar em relago ao processo discursivo com suas condigdes. Se a ilusdo do sentido literal - ou do efeito referencial, que representa a relagao imanente entre palavra e coisa, considerando que as “estratégias” retoricas, “manobras” estilfsticas nfo sao constitutivas da representagio da realidade determinada pelos sentidos de um discurso - faz o sujeito ter a impressdo da transparéncia, é tarefa do analista de discurso expor o olhar leitor 3 opacidade do texto, como diz M-Pécheux (1981), para compreender como essa impressio é produzida e quais seus efeitos Incompletude: Movimento, Deslocamento ¢ Ruptura A condigio da linguagem é a incompletude. Nem sujeitos nem sentidos estio completos, jé feitos, constituidos definitivamente. Constituem-se e funcionam sob 0 modo do entremeio, da relagdo, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbélico, pois a falta é também o lugar do possivel. Entretanto, niio é porque o processo de significagiio é aberto que nao seria regido, administrado. Ao contrario, € pela sua abertura que ele também esté sujeito & determinacao, & institucionalizacao, a estabilizagao e A cristalizagdio. Esta é ainda uma maneira de referir a linguagem aos limites moventes e tensos entre a parifrase e a polissemia. 52 Ao dizer, 0 sujeito significa em condigdes determinadas, impelido, de um lado, pela lingua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiéncia, por fatos que reclamam sentidos, € também por sua meméria discursiva, por um saber/poder/ dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formagées discursivas que representam no discurso as injungdes ideoldgica Sujeito A falha, ao jogo, ao acaso, e também & regra, a0 saber, & necessidade. Assim o homem (se) significa, Se 0 sentido e 0 sujeito poderiam ser os mesmos, no entanto escorregam, derivam para outros sentidos, para outras posigdes. A deriva, 0 deslize € 0 efeito metaférico, a transferéncia, a palavra que fala com outras Entre o jogo e a regra, a necessidade e 0 acaso, no confronto do mundo e da linguagem, entre o sedimentado ¢ 0 a se realizar, na experiéncia e na histéria, na relagdo tensa do simbélico com © teal € © imagindrio, o sujeito e o sentido se repetem ¢ se deslocam. O equivoco, o non-sens, 0 irrealizado tem no processo polissémico, na metéfora, o seu ponto de articulacio. Em termos tedricos, isso significa que trabalhamos continuamente a articulagao entre estrutura e acontecimento: nem o exatamente fixado, nem a liberdade em ato. Sujeitos, a0 mesmo tempo, a lingua e & hist6ria, ao estabilizado e ao irrealizado, os homens e os sentidos fazem seus percursos, mantém a linha, se detém junto as margens, ultrapassam limites, transbordam, refluem, No discurso, no movimento do simbélico, que nao se fecha e que tem na lingua e na hist6ria sua materialidade. Quando dizemos materialidade, estamos justamente referindo 3 forma material, ou seja, a forma encarnada, no abstrata nem. empirica, onde ndo se separa forma e contetido: forma lingufstico-hist6rica, significativa. A linguagem nio € transparente, os sentidos nio sto contetidos. E no corpo a corpo com a linguagem que 0 sujeito 33 (Ge) diz, E 0 faz nfo ficando apenas nas evidéncias produzidas pela ideologia, dos sentidos: eles nio retornam apenas, eles se Projetam em Outros sentidos, constituindo outras possibilidades dee sujeitos se subjetivarem, Pela natureza incompleta do sujeito, dos sentidos, da linguagem (do simb6lico), ainda que todo sentide ce filie a rare ade de constituigdo, ele pode ser um deslocamento nessa Dat termos proposto a distingso de trés formas de repetigao: pagahe Petis%o empitica (mnemdnica) que & a do efeito Papagaio, s6 repete; b. a repeti¢do formal (técnica) que € um outro modo de dizer 0 mesmo; svinebetisio hist6rica, que é a que desloca, aque permite 0 mevimento porque historiciza o dizer eo sujeto, fared fluir odiscurso, nos seus percursos, trabalhando 0 equivoco, a falha, strom ssindoas evidéncias do imagindrioe fazendo oinealionts itromper no jé estabelecido, 34 SSS ait ida, produaida peta ideologin, representa satura Be iscosc'dos suite prod pelo pagent de sn sstlidade, ou sea, pela sua des-hstoricizaco. espe pcessos de identificagdo regidos pelo imaging Bvaziados de sua hstoridade Processos em que percese 2 ficando-se s6.com (nas) i jentanto ie, © possivel pela interpretacdo out sempt lize, deriva, trabalho da metéfora. 35. Ill. DISPOSITIVO DE ANALISE r da Interpretaco te das caracterfsticas que evocamos acima ¢ dos itos que apresentamos, cabe comecar a refletir sobre ivo da andlise. Se a linguagem funciona desse modo, 10 deve proceder 0 analista? Que escuta ele deve ibelecer para ouvir para ld das evidencias e compreender, olhendo, a opacidade da linguagem, a determinagdo dos pela hist6ria, a constituigdo do sujeito pela ideologia elo inconsciente, fazendo espago para o possivel, a Jaridade, a ruptura, a resisténcia? ‘Como dissemos mais acima, a proposta € a da construgao de dispositive da interpretagio. Esse dispositivo tem como racteristica colocar 0 dito em relago ao nao dito, 0 que 0 eito diz em um lugar com o que € dito em outro lugar, o que dito de um modo com o que é dito de outro, procurando ouvir, ilo que o sujeito diz, aquilo que ele no diz mas que constitui falmente os sentidos de suas palavras. ‘A Anilise de Discurso ndio procura o sentido “verdadeiro”, mas real do sentido em sua materialidade linglifstica ¢ hist6rica. A ologia no se aprende, 0 incoasciente nao se controla com 0 - A propria lingua funciona ideologicamente, tendo em sua ‘esse jogo. Todo enunciado, dirdM. Pécheux (idem), giisticamente descritivel como uma série de pontos de deriva ossivel oferecendo lugar & interpretacao. Ele € sempre suscettvel ser/tomar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o lugar da nterpretagdo, manifestacdo do inconsciente ¢ da ideologia na odugdo das sentidos ¢ na constituigaio dos sujeitos. E também mrelaco A interpretaczio que podemos considerar 0 interdiscurso exterior) como a alteridade discursiva: “é porque hi o outro nas jedades e na historia, diz M. Pécheux(1990), correspondente a te outro linguajeiro discursivo, que ai pode haver ligagdo, ificagdo ou transferéncia, isto é, existéncia de uma relagao indo a possibilidade de interpretar. E € porque ha essa ligagao gue as filiagbes histéricas podem-se organizar em memérias, € a8 Jagdes sociais em redes de significantes”. 59 ieee i tos eel) el | ‘Temos afirmado que no hd sentidos “literais” guardadosem | algum lugar ~ seja 0 cérebro ou a lingua—e que “aprendemos” usar. Os sentidos e os sujeitos se constituem em processos em que ha transferéncias, jogos simbolicos dos quais nao temos o controle e nos quais 0 equivoco ~ 0 trabalho da ideologia e do inconsciente ~ estio largamente presentes As transferéncias presentes nos processos de identificagiio dos sujeitos constituem uma pluralidade contraditoria de filiagdes hist6ricas. Uma mesma palavra, na mesma lingua, significa diferentemente, dependendo da posigdo do sueito € da inserigdo do que diz em uma ou outra formagio discursiva. O analista deve poder explicitar os processos de identificagio pela sua andlise: falamos a mesma lingua mas falamos diferente. Se assim &, o dispositivo que ele constr6i deve ser capaz de mostrar isso, de lidar com isso. Esse dispositive deve poder levar em conta ideologia ¢ inconsciente assim considerados, © dispositive, a escuta discursiva, deve explicitar os gestos de interpretagio que se ligam aos processos de idemtficayao dos sujeitos, suas filiagdes de sentidos: descrever a relagao do Sujeito com sua meméria, Nessa empreitada, descrigao e interpretagio se interrelacionam. E é também tarefa do analista distingui-las em seu propésito de compreensii Podemos mesmo dizer momentos da andlise que a interpretagdo aparece em dois 2. em um primeiro momento, é preciso considerar que a interpretacdo faz parte do objeto da anilise, isto é, 0 sueito que fala interpreta e o analista deve procurar descrever esse Besto de interpretacdo do sujeito que constitui o sentido submetido & andlise; b. em um segundo momento, é preciso compreender que nao hd descrigdo sem interpretagao, entdo o préprio analista esta envolvido na interpretagao. Por isso € necessétio introduzir-se um dispositivo te6rico que possa intervir na oo analisa, ito com io do analista com os objetos simbélicos que luzindo um deslocamento em sua rela¢ pe eae i s| Lo vai f io: esse deslocamen : ie rine earemeto da deserigio com 8 interpretagSo. la ita Oque se espera do dispositive do anal a eee ber oe sigdo neutra m: i ae da interpretagio€preiso que clestravesseoefeitode Se rencia de ln jagem, da literalidade do sentido © 48 are do sujelto, Esse dispositivo vai assim investir = Hdade da linguagem, no descentramento do sigh en Be crcrarorieo. isto , no equivoco, na fa ialidade. No trabalho da ideologia. ° Tapa consinsdo pelo analista. Lagrem pe Se most : fe do cenit astuacurmeclepoe pt a ‘itua, compreende, © Ov! iterpretagao = raebjeos Simbtco que é seualvo. Ele piermacait Bi at) exp (ese ofits da ntepeao io Porisog av que o alsa de dicuro, 2 diferenga do bemeneu cla se asec oo Hr he pei conemplao proceso de produgio iminar os efeitos de evidéneia produzidos Ri: igh oa Fe eae sem pretender colocar- Sa erpretagao fora da historia, fora da lingua 0 fae ae disposi teico de formato sr tia aaron dessa lusBes, mas a tirar provello dels, Bo fa flimediogao rica. Para que, no funcionamento do discur = Reread efeitos, ele nfo refita apenas no sentido do a erongte sagem, da ideologia, mas reflita no sent “ aac’ Isto significa colocar em suspenso a inerpretagio Ponteraplar, Que, na sua origem grega, tem a ver com des ve momento em que o her6i contempla antes da luta: . sua tarefa, Ele a pensa. 6 nm ress caso tata-se da teoria, no sentido de que ndo handle da andlise, trabalhanse, a intermitencia entre deseroang ; intermiténcia ent incre creo erm te decane analista. Eassim que oanalistade discuso ‘encaraalinguagem a is em conta, cle constr finalmente seu dispositivo » que cle particulariza, a partir da questi: a face aos materiais de andlis sneileol sie ic € que constituem seu cor ae ee wise compreender, em funglo do dominio cientico a i ele vincula seu trabalho. Com esse dispositi medida de praticar sua andlise, te Sse auspice » © € a partir dese dispositi ue cle interpretard os resultados a que ele chegar pela andi 4 do discurso que ele empreendeu. a Para isso € preciso que ele compreenda como o di iscurso As Bases da Anilise Um dos primeiros pontos a consid perp lerar, se i € aconsttuigdo do corpus (E, Orlandi, 1998). nS A delimitaga di ' A delimitagdo do corpus ndo segue critérios empiricos ae) Ins te6ricos. Em geral distinguimos 0 corpus rntal € de arquivo, Quanto a nat i eae u iatureza da linguagem, mos Aandlise de discurso interessa i levemo ju 88a-Se por priticas Aiscursivas de diferentes naureas: imagem, rom: fea = a letra, etc, ue ance bjetiva, nessa forma de anélise, a exaustividade gue chamamos horizontal, ou seja, em extensio, nem a completnde, Ouexaustividade em relagZo ao objeto empirico, a" . a eS incsgotivel Isto porque, por definigao, todo discurso ane sibeleee na relag2o com um discurso anterior e aponta para outro. Nao hi discurso fechado em si mesmo mas um Processo discursive do qual se podem estados diferentes. reat rere oz ena ele a) | | ‘A exaustividade almejada — que chamamos vertical - deve considerada em relagdo aos objetivos da andlise e & sua itica. Essa exaustividade vertical, em profundidade, leva a seqtiéncias tedricas relevantes e nfo trata os “dados” como ras ilustragdes. Trata de “fatos” da linguagem com sua jemGria, sua espessura semantica, sua materialidade ifstico-discursiva. ‘Assim, a construgdo do corpus ¢ a andlise esto intimamente : decidir o que faz parte do corpus ja ¢ decidir acerea de lades discursivas. Atualmente, considera-se que a melhor ira de atender & questo da constituigdo do corpus é nstruir montagens discursivas que obedegam critérios que 1rrem de princfpios te6ricos da andlise de discurso, face aos jetivos da andlise, e que permitam chegar sua compreensio. isses objetivos, em consondncia com 0 método ¢ os jimentos, nfio visa a demonstragZo mas a mostrar como discurso funciona produzindo (efeitos de) sentidos. E af nfo podemos evitar uma distingio produtiva que existe tre discurso e texto, Esta, por sua vez, traz necessariamente sigo a que existe entre sujeito e autor. _ Ottexto é a unidade que o analista tem diante de si e da ual ele parte, O que faz ele diante de um texto? Ele 0 remete iatamente a um discurso que, por sua vez, se explicita em suas regularidades pela sua referéncia a uma ou outra formacdo discursiva que, por sua vez, ganha sentido porque deriva de um jogo definido pela formagdo ideolégica ‘dominante naquela conjuntura, A dificuldade esta em que nao hd um contato inaugural com o discurso (ou discursos), com 0 material que é nosso objeto de anilise. Isto porque ele no se dé como algo jé discernido e posto. Em grande medida o corpus resulta de uma construgao do proprio analista. 63 A andlise € um processo que comega pelo préprio estabelecimento do corpus e que se organiza face a natureza do material & pergunta (ponto de vista) que o organiza. Daf a necessidade de que a teoria intervenha a todo momento para “reger” a relagao do analista com o seu objeto, com os sentidos, com ele mesmo, com a interpretagao. Consegiientemente, também nao dizemos da anélise que ela € objetiva mas que ela deve ser o menos subjetiva Possivel, explicitando 0 modo de produgdo de sentidos do objeto em observagio, Por isso mesmo, concluida a andlise, o que podemos avaliar €acapacidade analitica do pesquisador, pela habilidade com que cle pratica a teoria, face a sua responsabilidade tedrica, Portanto, ¢ sta capacidade de escrita— explicitagdo da andlise ~ para interpretar os resultados de seu processo de compreensio do discurso que analisou. Uma vez analisado, o objeto permanece para novas e novas abordagens, Ele niio se esgota em uma desctigo. E isto no tem a ver com a objetividade da anélise mas com o fato de que todo discurso é parte de um processo discursive mais amplo que recortamos e a forma do recorte determina o modo da anilise ¢ 0 dispositivo tedrico da interpretagio que construimos. Por isso 0 dispositivo analitico pode ser diferente nas diferentes tomadas que fazemos do corpus relativamente a questio posta pelo analista em seus objetivos, Isto conduz a resultados diferentes, Por exemplo, se analisamos um texto do século XVII, Pensando 0 discurso jesuitico na colonizagao do Brasil, vamos Propor um dispositive que mobiliza nogdes que nio serio as mesmas se considerarmos 0 mesmo texto em funcdo de uma andlise que visa compreender como neles se encontram tragos do discurso machista, por exemplo. Os textos, para nds, nao Sao documentos que ilustram idgias pre-concebidas, mas ‘monumentos nos quais se inscrevem as miiltiplas possibilidades de leituras. Nem tampouco nos atemos aos seus aspectos formais 64 ja repetigo € garantida pelasregras da lingua ~ pols nos sua materilidae, queé lingusticohistériea logo nfo a egras mas as sus condigoes de produ em relasio mmemria, onde intervém a idsologia, 0 ineonsciente © i falha, 0 equivoco. O que nos int : aiereae emi mas 0 Seu fupcionamento no siseuso, E este ‘cionamento que procuramos descrever e compreender. Ima Questo de Método éa tre ial fundamental que € a que se faz.ent uma passagem inicial fun t rfc lingtistica (o material de linguagem bruto: coletado, Kamo existe) €0 objeto discursivo, este sendo defini rela ja rimeiro tratament de que 0 corpus ja recebeu um pi tame tise superficial, feito em uma primeira instancia, pelo sta, ¢ ja se encontra de-superficializado. izacio? Em que concerne esse processo de do-superfcializagio? i amos material e na andlise do que chamami erialidad lls o como se i, o quem diz em qe eens a em sua sintaxe e enquant _ Isto é, naquilo que se mostra em s r ES, de enunciagdo (em que o suit se mareano que iz), sistas \dermos © m sndo-nos pistas para compreen oc surso que pealsatons se textaliza, Observames iso em i imagem que se tem de de formagGes imagindrias (a i se tem de im iversitéri te, de um candidato a reitor, itor universitério, de um docente, de Be ncsn social te) em suas relagdes de sentido ede forgas (de que lugar fala“x", “y”,etc), através dos vestigios que deixam no fio do discurso. Com isto procuramos dar conta do chamado esquecimento _nmero 2 (do dominio da enunciago) que da impressio de i ito s6 poderia ser dito daquela maneira. ue aquilo que € dito s r apelin imei de andlise, trabalham “esse primeiro movimento i satibo i llusio: construimos, a pi de desfazer os efeitos dessa ilust 3 a pe i is oem que analisamos material bruto, um objeto discursivo pos it € dito em outros, em ito nesse discurso ¢ o que tr0s, © otis afetados por diferentes memérias discursivas. 65 Co obscrmatt parecer afo modo de funcionamento do discuso, Tat gelato que existe entre diferentes superficies Tneufstieas face ao mesmo processo discursive. Com 10s arelagio do discurso com as formagées discursives, an gable dliseursivo nd ¢ dado, ele supde um trabalho do analisine paras chegaracle preciso numa prea etapa de fetes era superficie lingiifstica (0 corpus bruto), 0 side empitic, de um discurso concreto, em um objeto tstco, Fo Gum objet lingisicamente de-speticializao,podurido per gta primeira abordagem anata qe trata enicamente a Fase illdade™ do pensamento, ilusio que sobrepde are at A partir desse moment, estamos em medida de analisar reveeamente a dscursividade que € nosso objetivo porque ja Produ acabado, no qua esivamos press ecajor ieee F ado, no qual es presos, e cuj it eum lingistica € ideologicamente, A andlise: ‘a vin iustamente deslocar 0 sujeito face a esses efeitos. Esse €jdum capa ye ne fe compreensio que se sustenta em uma primeira lise praticada pelo dispositivo analitico. No ilo grenela ue apresentamos, construfmos 0 objeto euro, coloando oextoexposo no campus Vote Sen edo Vince om 0 texto por nds formulado como contaponto eae a ssa jd é uma ‘construcao da andlise e desfaz. pedo quanto tal para fazer aparecer o proceso. Com io, jfestamos nos colocandotericamenteem guarda, do ista dos efeitos do discurso, e produzind eae vai organizando 0 corpus. cnieaea Nosso i con Gsto Ponto de pata é 0 de que a anise de discuso visa smpreender como un objeto simbslico preduz sentdos, A {aformacdo da superficie linglistica em um objeto dscursivo Go Brimeiro passo para essa compreensio.Inciase 0 trabalho de andlise pela configurag20 do corpus, delineando-se » fazendo recortes, na medida mesma em que se vai 6 idindo um primeiro trabalho de andlise, retomando-se sneeitos € nogdes, pois a andlise de discurso tem um dimento que demanda um ir-e-vir constante entre teoria, sulta ao corpus andlise. Esse procedimento dé-se ao longo todo 0 trabalho. ‘Comegamos por observar 0 modo de construgdo, a truturagio, o modo de circulagao c os diferentes gestos de ftura que constituem os sentidos do texto submetido & lise. A partir desse momento estamos em condigdo de senvolver a andlise, a partir dos vestigios que af vamos icontrando, podendo ir mais longe, na procura do que jamamos processo discursivo. No exemplo que tomamos, s6 podemos compreender o que é sse modo peculiar de significar do discurso politico iversitdrio, se aprofundarmos a andlise ¢ atingirmos, em uma sgunda fase, 0 processo discursivo. Nessa nova passagem, yora do objeto para o processo discursivo, passamos ao mesmo smpo do delineamento das formagdes discursivas para sua fagdio com a ideologia, 0 que nos permite compreender como ‘se constituem os sentidos desse dizer. No caso de Vote Sem ‘Medo, é nesse passo que vemos, na rede de filiago de sentidos suas relagdes desenhadas pela ideologia, o compromisso desse dizer com a meméria do fascismo, como um efeito que os r6prios locutores podem até mesmo des-conhecer mas que esté 16 com sua eficécia. Entre as intimeras possibilidades de formulacdo, os sujeitos dizem x ¢ nao y, significando, produzindo-se em processos de identificagio que aparecem ‘como se estivessem referidos a sentidos que ali esto, enquanto _produtos da relagio evidente de palavras e coisas. Mas, como dissemos, as palavras refletem sentidos de discursos j4 realizados, imaginados ou possiveis. E desse modo que a hist6ria se faz presente na lingua. Processos como parifrase, metéfora, sinon{mia so presenga da historicidade na lingua. Dito de outro modo, esses processos atestam, na lingua, sua capacidade de historicizar-se. 61 Fatos vividos reclamam sentidos 0s sujcilos se movem entre o real da lingua eo da histéria, entre w acaso ea necessidade, 0 Jogo ea regra, produzindo gestos ae interpretaco, De seu lado, © analista cnconira, no texto, as pistas dos gestos de interpretagiio, que se tecemt na historicidade. Pelo seu trabalho de aniilise, pelo dispositive que constr6i, considerando os provessos discursivos, ele pode explicitar o modo de constituigaio dos sujeitas e de produgio dos sentidos. Passa da superficie lingiiistica (corpus bruto, textos) para o objeto discursivo e deste para o processo discursivo. Isto resulta, para o analista com seu dispositivo, em mostrar o trabalho da ideologia. Em outras palavras, é trabalhando essas etapas da anilise que ele observa 0s efeitos da lingua na idcologia e a materializago desta na lingua. Ou, 0 que, do ponto de vista do analista, € 0 mesmo: é assim que ele apreende a historicidade do texto. Destaca-se af a textualizagao do politico, entendido discursivamente: a simbolizagao das relagdes de poder presentes no texto. Textualidade cursividade Quando falamos em historicidade, nao pensamos a histéria refletida no texto mas tratamos da historicidade do texto em sua materialidade, O que chamamos historicidade € 0 acontecimento do texto como discurso, 0 trabalho dos sentidos nele, Sem diivida, hé uma ligago entre a histéria externa e a historicidade do texto (trama de sentidos nele) mas essa ligaga0 nio é direta, nem automitica, nem funciona como uma relagao de causa-e-efeito, Nao vemos nos textos os “contetidos” da histéria. Eles siio tomados como discursos, em cuja materialidade esté inscrita a relagio com a exterioridade. Entre a evidéncia empirica ¢ 0 céleulo formal exato, trabalhamos, na Andlise de Discurso, em ivel, menos Gbviae menos demonstravel, ‘mas igualmente relevante, que € a da materialidade historica da linguagem. O texto, referido a discursividade, € o vestigio mais 68 importante dessa materialidade, funcionando como unidade de anilise. Unidade que se estabelece, pela historicidade, como unidade de sentido em relagao a situagao. pode ter desde uma s6 letra até muitas frases, enunciados, pdginas etc. Uma letra “O”, escrita em uma porta, ao lado de ‘outra coma letra “A”, indicando-nos os banheiros masculino € feminino, é um texto pois é uma unidade de sentido naquela situagdo. E isso refere, em nossa meméria, o fato de que em nossa sociedade, em nossa hist6ria, a distingsio masculino! feminino € significativa e é praticada socialmente até para distinguir lugares préprios (e impréprios...). Por isso esse “O” tem seu sentido: tem sua historicidade, resulta em um trabalho de interpretacdo, Do mesmo modo, “Vote Sem Medo” tem seus sentidos, dos quais apontamos alguns, Mas um texto pode s também, todo um livro, que faz. sentido na situagio literaria, apresentando-se como um romance, por exemplo, Portanto € aextenso que delimita o que é um texto. Como dissemos, 6 0 fato de, ao ser referido a discursividade, constituir uma unidade em relagio a situagao. Ser escrito ou oral também ndo muda a definigdo do texto. Como a materialidade conta, certamente um texto escrito ¢ um oral significam de modo especffico particular a suas propriedades materiais. Mas ambos sao textos. Se o texto é unidade de andlise, s6 pode sé-lo porque representa uma contrapartida & unidade te6rica, 0 discurso, definido como efeito de sentidos entre locutores. O texto é texto porque significa. Entdo, para a andlise de discurso, 0 que interessa nao ¢ a organizagio lingilistica do texto, mas como 0 texto organiza a relago da Iingua com a hist6ria no trabalho significante do sujeito em sua relagdo com o mundo. E dessa natureza sua unidade: linguistico-hist6rica. Consideramos o texto nao apenas como um “dado” lingufstico (com suas marcas, organizagao etc) mas como “fato” discursivo, o trazendo a meméria para a consideragao dos elementos submetidos & andlise. Sio 0s fatos que nos permitem chegar & ‘meméria da lingua: desse modo podemos compreender como 0 texto funciona, enquanto objeto simbslico. Como os textos sio fatos de linguagem por exceléncia, os estudos que nao tratam da textualidade nao alcangam a relagio com a meméria da lingua. Para compreender - como se propée a andlise de discurso - 0 leitor deve-se relacionar com os diferentes processos de significagio que acontecem em um texto. Esses processos, pot sua vez, so fungao da sua historicidade. Compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, é compreendé-lo enquanto objeto linguistico-hist6rico, & explicitar como ele realiza a discursividade que 0 constitu Os textos individualizam — como unidade ~ um conjunto de relagdes significativas, Eles so assim unidades complexas, constituem um todo que resulta de uma articulagio de natureza lingu{stico-hist6rica. Todo texto é heterogéneo: quanto 8 natureza dos diferentes materiais simbélicos (imagem, som, grafia etc quanto & natureza das linguagens (oral, escrita, cientifica, literéria, narrativa, descricao ete); quanto as posig&es do sujeito. Além disso, podemos considerar essas diferengas em fungio das formagées discursivas: em um texto niio encontramos apenas uma formagio discursiva, pois ele pode ser atravessado por vérias formagées discursivas que nele se organizam em fungdo de uma dominante, Segundo 0 que pensamos, 0 discurso é uma disperstio de textos ¢o texto € uma dispersao do sujeito. O sujeito se subjetiva de maneiras diferentes 20 longo de um texto. Hi pontos de subjetivagao ao longo de toda a textualidade. O discurso luniversitario, por exemplo, se constitui de uma dispersio de textos: os de professores, de alunos, de funciondrios, de administradores, textos burocraticos, cientificos, pedagégicos etc. Toda essa textualidade faz parte do discurso universitério, Inclusive os das eleiges de cargos de diregao, reitoria etc. 70 outro lado, mesmo textos ainda nfo eseritos ou ditos 0 vira compor esse conjunto de textos que compoem € discurso universitéio, Daf que D. alagiepe : ault (1969), diré que © discurso ), retomando Foucat d que o diseurso € i jo modo de inscriga dispersio de textos cuj bo ren i i im espago de reg r lite definir como wi ago de regularidades i ints inciativo-discursivas. iativas, dirfamos enui < . rso universivario” ndo é tanto enviar a um enofania de \s efetivos mas a um conjunto virtual, a dos textos yeis de serem produzidos conforme as coergOes de Unt iva. De tal modo que um texto con Jo discursiva, De tal mi C : »0*Vo Medo” afinado no campus na 6poca das eleiydes para i sital leve is curso universitério & faz parte do disc te im também outros enunc! conta. Assim tamb rns eauneladas aus 62 ‘as condigdes histérico-i irem nas mesmas condig selene z se discurso € se con: ém fazem parte desse cate iivamente As coergdes da formagao em que se inscrever fe so em. discurso, por prinefpio, no se fecha. B um n OTE en Elenio é um conjunto de textos mas uma ps ee ‘ to IS sideramos o discurso no conjunt que consideram curso i ay eten it lade na histéria, coma stituem a sociedade na renga de que ftica discursiva se especifica por ser uma pritica simbdlica ah io 6 Im sujeito néo produz s6 um discurso; um discurso nio aum texto. os mo vimos acima, na dispersdo de textos que constituem discurso, a relagio com as formagdes discursivas é :ntal, por isso, no procedimento de andlise, ae ; iscurso e eselarecer as rela remeter os textos ao discul = com as formagses discursivas pensando, por sua vez, a . Este € 0 percurso que constitu destas com a ideologia. i iferentes etapas da anélise, passando-se da suprfii i iscursivo. Correspont : {stica ao proceso discur resp nent, pela anise dos esquecimentosechegamos mas per dos sentidos na observacao das posigdes dos sujeitos. n Podemos entio concluir que a andlise do discurso nao esti interessada no texto em si como objeto final de sua explicagao, mas como unidade que Ihe permite ter acesso ao discursa, © trabalho do analista é percorrer a via pela qual a ordem do discurso se materializa na estruturago do texto (e a da lingua na ‘deologia). Isso corresponde a saber como odiscurso se textualiza, © texto, como dissemos, 6a unidade de andlise afetada pelas condigdes de produgdo e é também o lugar da relagio com a Tepresentagdo da linguagem: som, letra, espago, dimensio Girecionada, tamanho, Mas é também, ¢ sobretudo, espago Significante: lugar de jogo de sentdos, de trabalho da linguagem, de funcionamento da discursividade. Como todo objeto simbélico, ele é objeto de interpretagio. O analista tem de Compreender como ele produz sentidos, o que implicaem saber fanto como ele pode ser lido, quanto como os sentidos estio rele, Na anilise de discurso, nlo se toma o texto como ponte de partida absoluto (dadas as relagdes de sentidos) nem de chegada. Um texto é 36 uma pega de linguagem de um proceso discursivo bem mais abrangente e é assim que deve ser considerado, Ele € um exemplar do discurso, Feita a anilise, ndo é sobre o texto que falar o analista mas Sobre o discurso, Uma vez. atingido o processo discursivo que & Tesponsdvel pelo modo como o texto significa, o texto ou textos Particulares analisados desaparecem como referencias especiticas para dar lugar & compreensio de todo um processo discursivo do qual eles ~ e outros que nem conhecemos sto parte, Eles tampouco estdo relacionados apenas aos processos discursivos que eram objeto daquela andlise em particular ¢ Permanecem abertos a novas andlises. O que temos, como Produto da andlise, éa compreensio dos processos de produgio de sentidos e de constituigtio dos sujeitos em suas posigdes A mediagdo de um dispositive analitico, da teoria e dos objetivos do analista do ao texto seu estatuto como unidade de analise. Os textos, enquanto objetos que se constituem em materiais da Anélise de Discurso, sio provisérios. A duragao 2 texto se dé de um lado, empiricamente, porque so ‘ituidos de materiais tangiveis, ¢, de outro, na ayers cles permanecem (so acondicionados a ae Perera institucionalizada. Feita a andlise, no en ai ica einde dos textos, Uma vez. atingido proseaso sivo este € que dé a0 analista as indicagdes de qu cle daita para compreender a produgio dos sentidos. Os textos cessi Jixam de ser seus objetos. jeito: nario e O Real tor e Sujeito: O Imagindi ; a relagio isting ‘amos propondo estabelecem uma te tenos diuro qe tem us conapare mae eto, O sujeito, driamos, es so aim cm oar est para o texto Seago do ilo como texto ada dispersdo, no entanto a auoria impli: n disciplina, organizagao, unidade. ae im como defnimos o discuso como efit de sentido ente Bsc cnsldramos, ans conrapartida,otextosomosend> Fi podemos,empircanentrepesetarcomo endo en ei ein umnspets lings ohana es Jim também consideramos © sujeito como reslando da pelago do inviduo pela ieolosia, mas o autor, no entant, be nino de unidade e delimita-se na prtica social com Mungo espeifica do sujeio. — Como diz Vigna (1979), oscuro ndotemcomo fungio constitu a aT ik Necelao oe funn deeds gar apemanéeiade unaceta reeset Pasi dics, a ase de to ico un ro wal eye, mie rf s Frater rem ss Ct ita oo COND 0 a ch it stit autor ao const 1 daunidade €0text0,0 sujeito se constitu como; ; feria estoscomt ompletude imaginérias. i ui él c faz p a Andie de Discurso como um seu principio. Stated da reflexdo distinguir algo que faz te mn distinggo B entre real e imaginério. O = . O que temos, fitcurso, € a descontinuidade, a dispersdo, ai . 0 equivoco, a contradic ras tml ain . constitutivas i com tant 10 do sentido. De outro lado, a nivel das face mules, ssentagdes, em termos de real do € texto, sujeito e autor, Trata-se de considerar agindvia) na dispersio aus de consider unidade inazindria) na disperso (al de Teeth. sper ds textos do sujet de our, unidade an dlcumesi dade do aut ‘Assim, mesmo seo prprio do discurso Sisto € su incomplete, su ded, e que um ext se Ufteroetnco ois pode seratetado por distin fommagdes iscunivay, citrents posites do eto ele 6 reid ela fore do main da imi ascents uma relago de dominnciadeuma foro. deamon tte cinsinin Ese és um feo Cee po inanstiooquetne nado deli Fungdo-Autor Pode fo di A oemos eno dizer que a autora € uma fungo do suit. A shaeio-sutor, que ¢ uma fungao discursiva do sujeito, esuelecese a ado de outs fungces, estas enunciativas, que Figg itcutor © © enunciador, ta como as define O. Ductot Goh locator €aguele que se representa como “eu” no S lor € a perspectiva que esse “eu” ‘eu constréi. ae Sue 8 fungo-autordiscursva tal como a concebemos? ts resfoner vamos fzerum contro por Focal (71) doit Foucault idem), bs processosintemos de controle Bese ae sd a tuo de princpios de eassificagto, de ordenag, de distribu, visando domesticar a dimensio sramantecimento ¢ de acaso do discurso. Normatizando-e, amos. Tal controle pode ser observado em nogies como i de disciplina, e, 4 7 justamente, na de autor. Essas tém um papel multiplicador mas tm também fungao itiva e coercitiva. O autor € entdo considerado como principio de agrupamento discurso, como unidade e origem de suas significagdes, como de sua coeréncia, ‘Mas para Foucault (ibid) o prinefpio da autoria nao vale para ‘nem de forma constante: ha discursos, como as conversas, eitas, decretos, contratos, que precisam de quem os assine , segundo Foucault, néio de autores. Em meu trabalho desloquei essa nogio de modo a considerar, iferena de Foucault, que a propria unidade do texto ¢ efeito sursivo que deriva do prinefpio da autoria. Dessa maneira, ibufmos um alcance maior e que especifica 0 prinefpio da ttoria como necessério para qualquer discurso, colocando-o origem da textualidade. Em outras palavras: um texto pode ndo ter um autor espectfico mas, pela fungiio-autor, sempre imputa uma autoria a ele. Retomamos entio Foucault (idem): 0 prinefpio do autor limita acaso do discurso pelo jogo de uma identidade que tem a da individualidade e do eu, E assim que pensamos a “qutoria como uma fungdo discursiva: se 0 locutor se representa “como eu no discurso e o enunciador é a perspectiva que esse eu ‘assume, a funcdo discursiva autor € a fungiio que esse eu assume fenquanto produtor de linguagem, produtor de texto. Ele é, das dimensdes do sujeito, a que esté mais determinada pela ‘exterioridade — contexto sécio-hist6rico — e mais afetada pelas ‘exigéncias de coeréncia, ndo contradigdo, responsabilidade etc. Sendo a autoria a funcdo mais afetada pelo contato com 0 social e com as coergées, ela estd mais submetida ds regras das instituigdes e nela sio mais visfveis os procedimentos disciplinares. Se o sujeito é opacoe o discurso ndio é ransparente, ‘no entanto o texto deve ser coerente, néo-contraditério ¢ seu autor deve ser visivel, colocando-se na origem de seu dizer. do autor que se exige: coeréncia, respeito as normas 1 estabelecidas, explicitagdo, clareza, conhecimento das regras ‘extuais, originalidade, relevancia e, entre outras coisas, unidade, nlo-contradi¢ao, progresstio e duragio de seu discurso, ou melhor, de seu texto. Essas exigéneias tém uma finalidade: elas procuram tomar o sujeito Visivel (enquanto autor) com suas intengGes, objetivos, diregio argumentativa. Umsujeito visivel é calculével, identificdvel, controlével. ‘Como autor, 0 sujeito ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade & qual ele deve se referir, ele também se remete a sua interioridade, construindo desse modo sua identidade como autor. ‘Trabalhando a articulago interioridade/exterioridade, ele “aprende” a assumir © papel de autor e aquilo que ele implica. A esse proceso, chamei (E. Orlandi, 1988) assungio da autoria. Segundo ela, o autor é © sujeito que, tendo 0 dominio de certos mecanismos discursivos, Tepresenta, pela linguagem, esse papel na ordem em que est inscrito, na posigdo em que se constitu, assummindo a responsabilidade pelo que diz, como diz etc, No basta falar para ser autor. A assungao da autoria implica uma {nsergo do sujeito na cultura, uma posicdo dele no contextohistdrico- social. Aprender a se representar como autor & assumir, diante das insténcias institucionais, esse papel social na sua relago com a Tinguagem: constitur-se e mostrar-se autor (E. Orlandi, 1988), O sujeito precisa passar da multiplicidade de representagées Possiveis para a organiza dessa dispersio num todo coerente, apresentando-se como autor, responsdvel pela unidade ¢ coeréncia do que diz Essa representacdo do sujeito, ou melhor, essa sua fungdio, tem seu plo correspondente que € 0 leitor. De tal modo isso é assim que cobra-se do leitor um modo de leitura especificado ois ele esté, como o autor, afetado pela sua inserg40 no social ena histéria. O leitor tem sua identidade configurada enquanto tal pelo lugar social em que se define “sua” leitura, pela qual, alids ele € considerado responsével. Isso varia segundo a forma histérica, tal como para a autoria: ndo se é autor (ou leitor) do ‘mesmo modo na Idade Média e hoje. Entre outras coisas, porque 16 diferente nas diferentes €pocas, te 0 modo de capatiyio do Se tas Al individualiza (se identifica) n jet nos modos como ele st indi = isego com as diferentes instituigbes, em diferentes formagées tials, omadas na hist6ria, Trabalham af as diferen lo confronto do politico com o simbélico. relagdo com a interpretagao é sim como também € diferent 'A Anilise: Dispositivo e Procedimentos oy 0s procedimentos da Andlise de Discurso tem a nogio de funcionamento como central, levando oanalista.acompreendé-lo pel : hservagio ds process e mecanismos de costiga de setidos ¢ ilo langando mio da pardfase e da metifora como element ip Fenrieat Tum certo grau de operacionalizago dos conceites. Vamos au etomaro que jreferimos no item Uma Questo Ge Método, a saber, que a andlise se faz por exapas gue rrespondem 2 tomada em consideragio ene a i feridas a seu funcionamento,¢ vamos a procedimentos que dio forma ao dispostivo. $0 andlise tém, como seu correlato, 0 percurs Esa cape oe du tentoao discus, no conto com OCP que nos faz, passar do ‘ material empirico. = Elas esto assim dispostas em sua correlagio: I Etapa: ‘Superficie Lingiistica Texto oe Bape: Passagemdo —Objeto Discursivo — Formagio Discursiva ’ parao 3 Btapa: Processo Discursivo _ Formagiio Ideol6gica cura mei lista, no contato com o texto, procul Na primeira etapa, o anali > com o etn, proc iscursividade ¢ incidindo um primeiro lance de andl rata caseamnenenant e ir \imero st jestd considerado o esquecimento niimero Bc nciacio, desfazendo assim ailuso de que aquilo que = dito s6 poderia s-Io daquela maneira, Desnaturaliza-se arelag palavra-coisa. n Nesse momento da anélise é fundamental 0 trabalho com as paréfrases, sinon{mia, relagdo do dizer e no-dizer etc. Esta etapa prepara o analista para que ele comece a vislumbrar a configuragao das formagées discursivas que estdo dominando a pratica discursiva em questéo. O que ele faz € tornar visivel o fato de que ao longo do dizer se formam familias parafrésticas relacionando 0 que foi dito com © que no foi dito, com o que poderia ser dito etc. Estes outros dizeres ai observados dao as delimitagdes das formagées discursivas que intervém, fazendo as palavras significarem de maneira x ou y Na segunda etapa, a partir do objeto discursivo, o analista vai incidir uma anélise que procura relacionar as formacées discursivas distintas - que podem ter-se delineado no jogo de sentidos observado pela andlise do proceso de significagio (paréfrase, sinonimia etc.) - com a formago ideolégica que rege essas relagdes. Ai é que ele atinge a constituigao dos Processos discursivos responsaveis pelos efeitos de sentidos produzidos naquele material simbdlico, de cuja formulacao 0 analista partiu. Ao longo de todo o procedimento analitico, 40 lado do mecanismo parafrastico, cabe 20 analista observar ‘© que chamamos efeitos metaféricos. A definigio do efeito metaférico permite-nos, pondo em elagdo discurso ¢ lingua, objetivar, na andlise, 0 modo de articulagao entre estrutura ¢ acontecimento, O efeito metaférico, nos diz M. Pécheux (1969), é 0 fendmeno semiintico produzido Por uma substituigao contextual, lembrando que este deslizamento de sentido entre x ey & constitutivo tanto do sentido designado por x como por y. Como esse efeito é caracteristico das linguas (naturais), por oposicio aos eédigos ¢ as I{nguas artificiais, podemos dizer que no ha lingua sem esses deslizes, logo nao hé lingua que no ofereca lugar interpretagao, Em outras palavras, a interpretagZo € constitutiva da propria lingua. E onde esté a interpretagio est a relagdo da lingua com a histéria para significar. 8 A metéfora é constitutiva do processo mesmo de producao de sentido e da constituigio do sujelto, Falamos do vi 0 desvio mas c da metéfora nao vista como transferéncia, Na representagio abaixo podemos obasetar 0 trabalho produzido pelo deslize (a deriva), pelo efei metaférico, lugar da interpretagao ¢ da historicidade. abcd a e,bed a efed a efgd a efgyh resentagdo, o ponto de partida (a, b, ¢, d) € 0 ponto Be chose fg, através dos deslizamentos de sentidos ~ efeitos metaforicos ~ que se deram de préximo em préximo, sio totalmente diferentes. Mas essa diferenca € sustentada em um mesmo ponto que desliza de préximo em prdximo, o que nos leva a dizer que ha um mesmo nessa diferenga. © processo de produgio de sentidos est necessariamente sujeito ao destize, havendo sempre um “outro” possivel que © constitu. Como dissemos, 0 deslize de a para ¢ faz parte d sentido de a e de e. Tanto 0 diferente como o mesmo sio produgZo da hist6ria, so afetados pelo efeito metaforico. a representagao dessa figura, vemos af a historicidade F oresennda pos deslizes produzidos ns relagdes de parfase que instalam o dizer na articulagio de diferentes formagoe discursivas, submetendo-os 2 metéfora (transferéncias), aos deslocamentos: possiveis “outros”. Falamos a mesma lingua 9 ‘mas falamos diferente. Dizemos as mesmas palayras mas elas podem significar diferente. As palavras remetem a discursos que derivam seus sentidos das formagdes discursivas, regides do interdiscurso que, por sua vez, representam no discurso as formagoes ideol6gicas. Como dissemos, o interdiscurso significa justamente a relagdo do discurso com uma multiplicidade de discursos, ou seja, ele é um conjunto nao discernivel, nio representavel de discursos que sustentam a possibilidade mesma do dizer, sua meméria. Representa assim a alteridade por exceléncia (0 Outro), a historicidade. Desse modo € que temos dito que a historicidade deve ser compreendida em andllise de discurso como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos ¢ também que cles se transformem. 0 efeito metaférico, o deslize - proprio da ordem do simbélico ~ lugar da interpretagao, da ideologia, da historicidade. Essa é a relagdo entre a lingua e 0 discurs lingua é pensada “como sistema sintético intrinsecamente passivel de jogo ea discursivdade como inscrigao de efeitos lingiiisticos materiais na hist6ria” como diz M. Pécheux (1980). Efeitos materiais na historia, deslizes, pardfrase, metdfora. Eis um conjunto de nogdes que sustentam a possibilidade da andlise. Num retorno continuo do objeto de andlise para a teoria, num movimento constante de descriga0 € interpretagio, o analista tece as intrincadas relages do discurso, da lingua, do sujeito, dos sentidos, articulando ideologia e inconsciente. Este modo de conceber o deslize, 0 efeito metaférico, como parte do funcionamento discursivo, liga-se 4 maneira de se conceber a ideologia. Pensando-se a interpretacdo, esse efeito aponta-nos para 0 “discurso duplo e uno”. Essa duplicidade faz referir um discurso a um discurso outro para que ele faga sentido; na Psicandlise, isso envolve o inconsciente, na Andlise de 80 Discurso, envolve também a ideologia. Essa duplioidades esse equivoco é trabalhado como a questio ideolégica fundamental, pensando a relagdo material do discurso lingua ¢ a da ideologia ao inconsciente. E nesse lugar, em que lingua e histéria se ligam pele equivoco, lugar dos deslizes de sentidos como efeito metaférico, que se define 0 trabalho ideol6gico, o trabalho da interpretagio. Como esse efeito que constitu os sentidos constitui também os sujeitos, podemos dizer que a metéfora esta na base de constituigdo dos sentidos e dos sujeitos. Estas caracteristicas dos mecanismos discursivos, esses efeitos ¢ articulagdes devem estar presentes no modo como 0 analsta constr seu dispositivo de modo a que deslocamento produzido pelo dispositivo em seu olhar leitor trabalhe « interpretagio enquanto exposigio do sujeito a historicidade (ao equivoco, a ideologia) na sua relagao com o simbélico. Nas condigdes de produgio desse dispositivo deve ainda entrar a questio feita pelo analista pois ela é que o orienta na construgao do fato que ele vai analisar, determinando assim as caracterfsticas do material simbélico que ele submeterd A sua observagio. No exemplo analisado teriamos: Vote Sem Medo a 9 Vote Com Coragem ‘Onde podemos observar os deslizes ( sem “com; medo & coragem) tendo como condigdo de produgo o campus © como uestio do analista: sendo as posigoes em jogo autodenominadas de esquerda, de que posicdo (politica académica, partidéria) material (real) estdo falando esses sujeitos? Que efeitos de sentidos so af produzidos, que propriedades esto sendo constitufdas (atribudas) para os eleitores’? 81 0 Dito e 0 Nao Dito Se as novas maneiras de ler, inauguradas pelo dispositive te6rico da andlise de discurso, nos indicam que o dizer tem relagdo com 0 no dizer, isto deve ser acolhido metodologicamente e praticado na andlise, © nao-dizer tem sido objeto de reflexio de alguns lingistas dos quais tomo como exemplar o trabalho desenvolvido por O. Ducrot (1972). Distinguindo, na origem de sua reflexao, como diferentes formas de ndo-dizer (implicito), 0 pressuposto e o subentendido, este autor vai Separar aquilo que deriva propriamente da instdncia da linguagem (pressuposto) daquilo que se dé em contexto (subentendido). Se digo “Deixei de fumar” 0 pressuposto é que eu fumava antes, ou seja, ndo posso dizer que “deixei de fumar” se ndo fumava antes. O posto (0 dito) traz consigo necessariamente esse pressuposto (nio dito mas presente). Mas 0 motivo, por exemplo, fica como subentendido. Pode- se pensar que € porque me fazia mal, Pode set também que no seja essa raziio. O subentendido depende do contexto. Nao pode ser asseverado como necessariamente ligado 20 dito. Essa teoria ~ a da semantica argumentativa — desenvolveu-se aprofundando certas nogdes, modificando outras, mas mantém o fato de que o nao-dito € subsididrio ao dito. De alguma forma, o complementa, acrescenta-se. De todo modo, sabe-se por af que, ao longo do dizer, hé toda uma margem de néo-ditos que também significam. Na anillise de discurso, hi nogdes que encampam o nio-dizer: a nogdo de interdiscurso, a de ideologia, a de formacio discursiva. Consideramos que hi sempre no dizer um nio-dizer necessério. Quando se diz “x”, 0 ndo-dito “y” permanece como uma relagio de sentido que informa o dizer de “x”. Isto é, uma formagio discursiva pressupde uma outra: “terra” significa pela sua diferenga com “Terra”, “com coragem” significa pela sua relagdo com “sem medo” etc. Além disso, 0 que jé foi dito mas 4 foi esquecido tem um efeito sobre o dizer que se atualiza em 82 ‘uma formulagio, Em outras palavras, 0 interdiscurso determina ointradiscurso: 0 dizer (presentificado) se sustenta na meméria (auséncia) discursiva. lembrar que hi outra forma de se trabalhar onao-dito na andlise FE dioxin Tatese do slncio (E. Oran, 1993), Este pode ser pensado como a respiragdo da significagio, lugar de recuo nevessério para que se possasgnifcur, para que osentido farasentido. Eosiléncio ‘como horizonte, como iminéncia de sentido. Esta éuma das formas de siléncio, 2 que chamamos siléncio fundador:siléncio que indica que o sentido pode sempre ser outro, Mas hi outras formas de siléncio que atravessam as palavras, que “falam” por elas, que as calam. sse modo distinguimos osiléncio fundador (que, como dissemos, Pe oan si iiqn) coslenciamenioos politicado siléncio ue, por sua vez, se divide em : iléncio consttutivo, pois uma palavrt apaga outras palavras (para dizer & preciso nao-dizer: se digo “sem ‘medo” no digo “com coragem”) eo siléncio local, que é a censura, aguilo que € proibido dizer em uma certa conjuntura (é 0 que faz.com que 0 sujeito nfo diga o que poderia dizer: numa ditadura nao se diz.a ppalavra ditadura nfio porque nao se saiba mas porque nao se pode dizé- Jo). As relagGes de poder em uma sociedade como a nossa produzem sempre a censur, de tal modo que hi sempre siléncio acompanhando aspalavras. Daf que, naanélise, devemos observar o que na esti sendo dito, oque nfo pode ser dito, etc, Emnosso exemplo,cabe perguntar: 0 {que Vote Sem Medo silencia, 0 que ele no deixa dizer? Essas reflexdes podem levar a seguinte questio: se 0 niio- dizer significa, entdo o analista pode tomar tudo o que nd foi dito como relativo ao dito em andlise? Nao hai limite para isso? Esta 6 uma questiio de método: partimos do dizer, de suas condigdes ¢ da relagdo com a meméria, com o saber discursivo para delinearmos as margens do ndo-dito que faz 0s contornos do dito significativamente. Nao é tudo que niio foi dito, é s6 0 nao dito relevante para aquela situacio significativa. Nao é pois uma questo de tudo ou nada, nem de critério positivo. Hé recortes que mostram o ndo-dizer que constitui 0 processo discursivo em questo em cada uma de nossas andlises. 83 Mas isso significa também que € preciso que a teoria eo método explicitem de que no-dizer estamos falando, de como © consideramos e quais so os procedimentos para sua andlise. ‘0 indicadores das diferengas entre, por exemplo, uma posigtio pragmética, uma posigdo enunciativa e uma posigiio discursiva. Nao é do mesmo nio-dizer que estamos falando em cada uma dessas teorias. E a maneira de analisar 0 nfio-dito, em cada uma delas, difere e da como resultado conclusdes diferentes, com conseqiiéncias diferentes a respeito de nossa compreenstio dos sentidos e dos sujeitos em sua relagdio com 0 simbdlico, com a ideologia, com o inconsciente, _ Este é um ponto crucial nas diferentes formas de anilise da linguagem, pois, de certo modo, estao articuladas: a. as diferentes concepgdes de lingua (sistema abstrato, material ou empirico; sujeito a falhas, um todo perfeito, um sistema fechado em si mesmo} b. diferentes naturezas de exterioridade (contexto, situagio empirica, interdiscurso, condigdes de produgio, circunstincias de enunciagiio); c. diferentes concepg6es do nio-dito (implicito, siléncio, implicatura etc). No caso que analisamos, como dissemos, ao dizer “Vote Sem Medo” estamos silenciando outro dizer “Vote Com Coragem” que produziria sentidos em outra dirego, de acordo com outra meméria, significando outra posigdo dos sujeitos etc. Além disso, saindo dessa famflia parafrastica, hd outros dizeres que af no so ditos € que significariam diferentemente: por exemplo, expor o programa do candidato em relago a possiveis politicas educacionais como em uma faixa que dissesse “Vote no candidato x, Vote na Escola Pablica”, ou “Vote no candidato y, Vote a favor da privatizagao”.... Esses seriam textos que fariam presentes outras discursividades, que engajariam os candidatos. em politicas universitérias mais definidas. Isso s6 para dar um exemplo de como 0 que nao € dito, o que é silenciado constitui 84 igualmente o sentido do que € dito. As palavras se acompanham de siléncio e sio elas mesmas atravessadas de siléncio. Isso tem que fazer parte da observagao do analista. Entre o dizer ¢ 0 no dizer desenrola-se todo um espago de interpretagdo no qual o sujeito se move. E preciso dar visibilidade a esse espago através da andlise baseada nos conceitos discursivos e em seus procedimentos de andlise. A eleigdo do reitor naquele campus certamente foi decidida menos pelo que foi dito e muito mais pelo que no foi dito mas foi sugerido, ou calado (censurado) eficientemente. O enunciado “Vote sem Medo”, na medida em que evoca, sugere, o enunciado “Sem Medo de Ser Feliz”, prdprio da formagio discursiva do PT, beneficia-se dessa relagdo, sem dizé-la, produzindo um efeito que torna mais complexa a carga significante de “Vote sem Medo", conjugando sentidos de discursividades equivocas. Mais carregada € essa equivocidade, se pensamos que 0 confronto politico no campus € entre grupos de esquerda. O discurso, niio esquegamos, ¢ efeito de sentido entre locutores. Tipologias e Relagées entre Discursos Sio muitos 0s critérios pelos quais se constituem tipologias na andlise de discurso. Uma das mais comuns é a que reflete as distingSes institucionais ¢ suas normas. Temos entio 0 discurso politico, o jurfdico, o religioso, o jomalistico, o pedagégico, médico, 0 cientifico. Com suas varidveis: 0 terapéutico, 0 mistico, 0 didatico etc, Também as diferengas entre disciplinas podem estar na base de tipologias: 0 discurso histérico, sociolégico, antropolégico, 0 biolégico, 0 da fisica etc. Hi ainda diferengas relativas a estilos (barroco, renascentista ete), a géneros (narrativa, descrigao, dissertagdo), a subdivisdes no interior dos ja categorizados (em relagao ao politico: neo-liberal, marxista etc) e assim por diante. Nao terminarfamos nunca de expor as ramificagdes de tipos e subtipos, variedades etc. Pois bem, ao analista a tipologia pode até ser itil em alguns ‘momentos mas nio faz parte de suas preocupagdes centrais. 0 85 que caracteriza o discurso, antes de tudo, ni é seu tipo, é seu modo de funcionamento. Os tipos resultam eles mesmos de funcionamentos cristalizados que adquiriram uma visibilidade sob uma rubrica, uma etiqueta que resulta de fatores extra- discursivos, l6gicos, psicolégicos, sociolégicos ete. que interessa primordialmente ao analista sao as propriedades internas ao processo discursivo: condigées, remissio a formagGes discursivas, modo de funcionamento. Certamente 0 fato de um discurso ser politico, estabelece um seu regime ¢ validade e cabe ao analista detectar essa ordem, esse regime. Mas ele ndo o faz, pela classificagiio a priori — discurso politico ~ mas pela observacao de seu funcionamento. Discursos, a priori, no tidos como politicos, podem estar funcionando como tal. Assim € que ao invés de estacionar nas macro-caracteristicas, derivadas de tipologias jd estabelecidas, procurei estabelecer um critério para distinguir diferentes modos de funcionamento do discurso, tomando como referéncia elementos constitutivos de suas condigdes de produgao e sua relagao com 0 modo de produgaio de sentidos, com seus efeitos. Distingui assim (E. Orlandi, 1989): a. discurso autoritério: aquele em que a polissemia é contida, o referente est apagado pela relagdo de linguagem que se estabelece € 0 locutor se coloca como agente exclusivo, apagando também sua relago com o interlocutor; b. discurso polémico: aquele em que a polissemia é controlada, o referente € disputado pelos interlocutores, € estes se mantém em presenga, numa relagio tensa de disputa pelos sentidos; c. discurso liidico: aquele em que a polissemia esté aberta, 0 referente esté presente como tal, sendo que os interlocutores se expdem aos efeitos dessa presenca inteiramente nio regulando sua relagdo com os sentidos. E interessante fazer algumas observagdes a uma tipologia como esta que propomos. Primeiramente, ela obedece 0 86 princfpio discursivo pois nao se faz a partir de categorizagoes aprioristicas e externas mas internas ao funcionamento do pr6prio discurso: a relagdo entre os sujeitos, a relaco com 08 sentidos, a relagdo com o referente discursivo. Além di importante dizer que as denominagGes ltidico, autoritério, polémico nao devem levar a pensar que se esti julgando os sujeitos desses discursos; ndo € um juizo de valor, é uma descrigiio do funcionamento discursivo em relagio a suas determinagdes hist6rico-sociais e ideol6gicas. Nao se deve assim tomar, por exemplo, 0 Itidico no sentido do brinquedo mas do jogo de linguagem (polissemia) e nao se deve tampouco tomar pejorativamente 0 autoritério como um trago de cardter do locutor, uma questéo moralista, mas uma questio do fato simbélico (a injungao a pardfrase). As ilagdes feitas a partir da compreensao do funcionamento sio resultado das interpretagdes do analista ¢ devem estar apoiadas em um quadro tedrico de referéneia, Dito isso, é preciso acrescentar que uma sociedade como a nossa, pela sua constituigdo, pela sua organizagdo e funcionamento, pensando-se o conjunto de suas préticas em sua materialidade, tende a produzir a dominancia do discurso autoritério, sendo 0 liidico 0 que vaza, por assim dizer, nos intervalos, derivas, margens das priticas sociais e institucionais. O discurso polémico é possivel e configura-se como uma pritica de resisténcia e afrontamento. Por outro lado, ndo hé nunca um discurso puramente autoritério, lidico ou polémico. O que hé séo misturas, articulagdes de modo que podemos dizer que um discurso tem um funcionamento dominante autoritario, ou tende para. autoritério (para a pardfrase) etc. Alids, um modo de se evitarem essas categorizacoes € dizer, em relagio aos modos de funcionamento discursivo que apontei acima, que o discurso em anélise tende para a pardfrase, ou para a monossemia (quando autoritério), tende para a polissemia (quando liidico) e se divide entre polissemia e pardfrase (quando polémico). Assim se evitam 87 as etiquetas definidoras, que sao interpretadas m carga ideol6gica que palavras como “autoritétio” que pela sua remissio a um funcionamento discursivo. Resta dizer que ha relag6es de miltiplas e diferentes naturezas entre diferentes discursos e isso também & objeto de andlise: relages de exclusio, de inclusio, de sustentagao miitua, de oposicdo, migragdo de elementos de um discurso para outro, etc. Hd casos em que esta relagiio € flagrante, sendo bastante vistvel, como nesse texto produzido por um doente mental, afetado por dois discursos, 0 do terapeuta e 0 da igreja (Os exemplos foram coletados por Ana Elisa Bustos Figueiredo, na realizagfio de seu doutorado “ A Doenga Mental ¢ as Religides Pentecostais”, realizada no IPUB, na UFRJ) : “ Eu tenho muita dor de cabeca; de noite eu no durmo; eu choro; eur sonho que minha mie tinha morrido ontem (...) eu choro de noite; eu fico agoniado; eu sonho com Iemanj (...) Eu tenho uma doenga na cabega; a cabega me d6i; eu choro. A Igreja me ajuda; minha cabega pra de chorar.(..) ‘Quando eu t6 If esses caboco nio me perturba; eu tenho fé em Deus. (...) Eu quero também tomar meu remédio pra mim ficd bom.”. Ou na desse outro, vivendo as mesmas condigées: * Eu ‘vou internar por causa do pobrema da Igreja em mim (..) Quando a Pomba Gira baixa eu caio; a gente chora na Igreja; é o Espirito Santo; ele mostra as coisas (..)”. Pelo procedimento analitico, em que trabalhamos com pardfrases (repetigdo) e metéfora (deslize), vemos que hd Tecortes que mostram essa repetigdo e deslocamento: Eu sonho que minha mie tinha morrido/ eu sonho com Iemanja eu tenho dor de cabega / eu tenho uma doenga na cabega eu choro de noite/ eu fico agoniado Esses caboco (nio) me perturba/ Minha cabega déi/ Minha cabega chora 88 Onde dor de cabeca, doenga na cabeca e caboco se substituem. ‘Temos ainda em posicao parafrdstica: choro de noite/fico agoniado/me perturba. E, numa posigdo sintética exemplar: minha cabega chora (pira de chorar), em que déi e chora se substituem flagrantemente quase como atos falhos. Ha uma sobreposigdo dos discursos religioso ¢ terapéutico em que o sujeito se significa, significando a “doenga mental” de distintas maneiras, em diferentes modos de subjetivar-se. Por essa sobreposigao, dor de cabega, doenga mental, caboco, deménio, se equivalem. A sobreposigo nao significa que sfo iguais os sentidos de “minha cabega d6i” /*“minha cabeca chora”. Hf ai deslizamentos = efeitos metaféricos — muito significativos (que cabe ao terapeuta interpretar, com os recursos tedricos dispontveis em seu dominio de conhecimento). Do mesmo modo, em *a Pomba Gira baixa, eu caio”/ “a gente chora na Igreja; 6 0 Espirito Santo”, Pomba Gira ¢ Espirito Santo se substituem num sincretismo religioso em que novamente duas variedades de discurso, no caso, religioso, se relacionam mutuamente, ‘Como dissemos, no texto que apresentamos como exemplo, as relagdes so até bastante visiveis. Em outros casos ser menos visivel, mas todo texto é sempre uma unidade complexa; nio ha texto, nfo hi discurso, que nao esteja em relagio com outros, que no forme um intrincado né de discursividade. Ea natureza dessas relagdes é importantissima para o analista, O leitor comum fica sob 0 efeito dessas relagdes; 0 analista (ou o leitor que conhece 0 que € discurso) deve atravess-los para, atris da linearidade do texto (seja oral, seja escrito), deslindando o novelo produzido por esses efeitos, encontrar 0 mado como se organizam os sentidos. Marcas, Propriedades e caracteristicas: 0 formal, 0 discursivo e 0 conteudista Ao olhar os textos, 0 analista defronta-se com a necessidade de reconhecer, em sua materialidade discursiva, 05 indicios (vestigios, pistas) dos processos de significagao 89 af inscritos. Ele parte desses indicios. No entanto, para praticar a andlise de discurso ~e nao a andlise lingiifstica ou a anélise de contedido ~ ele precisa ter em conta algumas distingdes tedricas ¢ metodolégicas. Como a Anilise de Discurso se constitui na relagio de pressuposigo com a LingUifstica e numa proximidade — porque se interessa pelo social e pelo hist6rico ~ com as Ciéneias Sociais, ela também tem de mostrar os meios pelos quais se demarca delas em sua pritica analitica. Diferencia-se da Lingiifstica, porque ndo trabalha com as marcas (formais) mas com propriedades discursivas (materiais) que referem a lingua 3 hist6ria para significar (relaco lingua-exterioridade). Em uma palavra, a andlise de discurso trabalha com as formas materiais que retinem forma- e-contetido. As marcas formais, em si, nao interessam diretamente ao analista, O que Ihe interessa € 0 modo como elas esto no texto, como elas se “encarnam” no discurso. Daf o interesse do analista pela forma-material que Ihe permite chegar as propriedades discursivas. Uma marca como anegagiio s6 interessa ao analista enquanto propriedade, por exemplo, do discurso politico polémico, tal como podemos observar no exemplo de Courtine (1975) “ Nao é de X que vem a violéneia € de Y”, que mostra a anterioridade de um discurso que afirmaria “E de X que vem a violéncia”. Pensando-se que X é 0 Socialismo e Y 0 Capitalismo, podemos antever 0 forte investimento nas relagdes de sentidos af estabelecidas: de quem afinal, vem a violéncia? Quais as posigdes-sujeitos que sustentam uma ou outra interpretagao (X ou Y)? Por outro lado, a diferenga da Andlise de Contetido, instrumento tradicional de andlise de textos das Ciéncias Sociais, no é pelo contetido que chegamos A compreensiio de como um objeto simbélico produz sentidos. O contetido “contido” num texto serviria apenas como ilustragdo de algum ponto de vista 90 4 afirmado alhures. No exemplo que demos mais acima, nfo é ‘© contetido da palavra “caboco” que interessa ao analista mas a forma material caboco, com sua meméria, com sua discursividade (mistico, religiosa), que, ao ser posta na relagao com cabega, com 0 demSnio, com a loucura, em um discurso como 0 que analisamos, produz seus efeitos de sentido. Nao atravessamos 0 texto para extrair, atrds dele, um contetido. Paramos em sua materialidade discursiva para ‘compreender como os sentidos — e os sujeitos ~ nele se constituem e a seus interlocutores, como efeitos de sentidos filiados a redes de significagio. E a isso que referimos quando. dizemos que na Andlise Lingiifstica c na Andlise de Contetido se trabalha com produtos ¢ na Andlise de Discurso com os processos de constituigdo (dos sujeitos e dos sentidos). Enunciagiio, Pragmatica, Argumentagio, Discurso HG uma proximidade e um trnsito constante entre esses campos de conhecimento. O que eles tem em comum € que ‘9s fatos de linguagem por eles tratados referem a linguagem a0 seu exterior. A Pragmética tem sido considerada de modo mais amplo muitas vezes incluindo a enunciagao, a argumentagio e 0 discurso. Ora, é preciso distinguirem-se af 05 Fatos e 0s métodos e teorias. Do ponto de vista dos fatos, 4 muito em comum, na medida em que todos esses campos, pelo modo como consideram a linguagem, distinguem-se de uma abordagem lingiiistica imanente. No entanto, ha diferengas bastante nitidas entre eles. A maneira como concebem 0 sujeito (na enunciagao, 0 sujeito € um sujeito origem de si; na argumentagdo 0 sujeito € 0 sujeito psico- social; na Andlise de Discurso, como vimos, 0 sujeito é lingufstico-hist6rico, constitufdo pelo esquecimento ¢ pela ideologia) e o modo como definem o exterior (na pragmatica o exterior € 0 fora e nao 0 interdiscurso) marcam as diferencas tedricas, de distintos procedimentos analiticos, com suas conseqiléneias priticas diversificadas. 91 Em suma, penso que o que faz a diferenga é a propria nogio de lingua trabalhada na andlise de discurso — como um sistema sujeito a falhas —e o da ideologia como constitutiva tanto do sujeito quanto da produgdo dos sentidos. CONCLUSAO Discurso ¢ Ideologia Fizemos um percurso em que iniciamos pela construgéo dos conceitos, a delimitag3o do campo do discurso~ enquanto objeto especifico ~ que se encontra entre a Linguistica e as Ciéncias Sociais, passamos pelo estabelecimento da metodologia ¢ chegamos aos procedimentos analiticos dela decorrentes. Desse modo, pensamos ter dado ao leitor uma base para o que eu chamaria de estabelecimento minimo de uma capacidade de leitura em Andlise de Discurso. ‘A partir dessa base, 0 leitor poder colocar-se na posi¢ao de analista e investir nos conhecimentos que poderdo expandir seu campo de compreensilo, Se ele assim pretender, ele pode aprofundar, caso contrério, ele teri ao menos a nogio de que a relago com a linguagem nao é jamais inocente, no é uma relagdio com as evidéncias e poderd se situar face & articulagio do simbélico com o politico. Dessa maneira ele poder compreender como 0 simbélico € 0 politico se conjugam nos efeitos a que ele, enquanto sujeito de linguagem, est (as)sujeit(ad)o. Inauguram-se assim novas priticas de leituras que problematizam as maneiras de ler. E em decorréncia, por que no, também se deslocam suas maneiras de produzir sentidos. A diferenga do que pensa a Pragmética, asseveramos que 0 sujeito discursive nao realiza apenas atos. Se, ao dizer,-nos significamos e significamos 0 préprio mundo, ao mesmo tempo, a realidade se constitui nos sentidos que, enquanto sujeitos, praticamos. E considerada dessa maneira que a linguagem & ‘uma pritica; nao no sentido de efetuar atos mas porque pratica sentidos, intervém no real. Essa é a maneira mais forte de compreender a praxis simbélica. O sentido é histéria. O sujeito do discurso se faz (se significa) na/pela hist6ria. Assim, podemos compreender também que as palawras nao estZo ligadas as c diretamente, nem s40 0 reflexo de uma evidéncia. E.a ideologia que torna possfvel a relagdo palavra/coisa. Para isso tém-se as 95 condigées de base, que ¢ a lingua, e 0 proceso, que é discursivo, onde a ideologia toma possivel a relagio entre 0 pensamento, a linguagem e 0 mundo. Ou, em outras palavras, retine sujeito e sentido, Desse modo o sujeito se constitui e 0 mundo se signi Pela ideologia, Assim como, parafraseando a Psicandlise, se pode considerar que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, na Anilise de Discurso, consideramos que a ideologia se materializa na Jinguagem, Ela faz parte do funcionamento da linguagem. E assim que a Anélise de Discurso permite compreender a ideologia - ¢ o seu funcionamento imagingrio e materialmente articulado ao inconseiente - pelo fato mesmo de pens‘-la fazendo intervir a nogao de discurso. Se pensamos a ideologia a partir da linguagem, e néo sociologicamente, podemos compreendé-la de maneira diferente, Nao a tratamos como visio de mundo, nem como ocultamento da realidade, mas como mecanismo estruturante do processo de significago. Pelo que pudemos expor, a ideologia se liga inextricavelmente & interpretacZo enquanto fato fundamental que atesta a relagfio da hist6ria com a lingua, na medida em que esta significa. A conjungao lingua/hist6ria também s6 pode se dar pelo funcionamento da ideologia. E € isto que podemos observar quando temos 0 objeto discurso como lugar especifico em que se pode apreender o modo como a lingua se materializa na ideologiae como esta se manifesta em seus efeitos na propria lingua. Ao se propiciar a tomada em considerago do imaginario na relagio do sujeito com a linguagem, dé-se um novo lugar’ ideologia e compreende- se melhor como se constituem os sentidos, colocando-se na base da andlise a forma material: acontecimento do significante em um sujeito afetado pelo real da hist6ria. Acontecimento que se realiza na/pela eficdcia da ideologia. B assim, podemos dizer que esse percurso que apresentamos ao leitor abre uma perspectiva de trabalho em que a linguagem niio se dé como evidéncia, oferece-se como lugar de descoberta. Lugar do discurso. 96 BIBLIOGRAFIA CANGUILHEN, L. (1980). Le Cerveau et la Pensée , Paris, MURS. COURTINE, J. J. (1982). “La Tocque de Clementis”, xerox, sd. COURTINE, J. J.(1984). “Définition d“Orientations Théoriques et Méthodologiques en Analyse de Discours”, in Philosophiques , vol.IX, n. 2, Patis. DUCROT, O. (1972). Dire et ne pas Dire, Herman, Paris. FOUCAULT, M. (1971). L “Ordre du Discours, Gallimard, Paris FOUCAULT, M. (1971). 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