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Tempo (e espacgo) no futebol Décio de Almeida Prado ‘Ao Flavio, em meméria das horas de alegria e sofrimento compartilhadas em torno de um ‘campo de futebol. Comecarei, pedantemente, j& que vou abordar um assunto frivolo, a ndo ser para uns tantos fandticos entre os quais me incluo, por defiir quanttativamente os meus dois termos. espaco, em relagao a um campo de futebol, significa um quadrikitero de 105 metros de comprimento por 68 de largura. Esse & 0 padrdo ideal, 0 Gnico aceito nos campeonatos mun- dlais. Mas as regras internacionais permitem signficativas variagdes. Em casos-limites, jogando- se com os méximos e os minimos admissiveis por ii, poder-se-ia ter, soja um quadrado de 90 por 90 metros, seja um retngulo de 120 por 45 metros. Ambos, na pratica, seriam ridiculos, nao ha- vende provavelmente jamais sido concretizados, por uma questo menos de tamanho que de pro- Porgdo. Se 0 campo expande-se e retrai-se com certaliberalidade, o gol mantém medidas rigidas @ invariéveis: 7,32 metros de extensao por 2,44 de altura (tanscricéo métrica dos originals 28 por 8 pés ingleses). © tempo divide-se em dois meio-teripos, de 45 minutos cada um. Mas como, a0 con- trio do que acontece no bola-ao-cesto, computa-se normalmente o tempo corrido, isto 6, sem descontos das paraisagées forgadas, tém-se em verdade uma reduce considerével da durac&o real da partida, Algumas medi¢des feitas indicam que no se joga habitualmente muito mais do que a melade desses te6ricos 90 minutos, sobretudo se houver um ndmero grande de faltas. {Que concluséo trar desses dados iniciais? Surpreende & primeira vista — ou surpre- enderia se jd nao estivéssemos to acostumados — a disparidade existente entre a enorme exten- 'sé0 do campo, mais de sete mil metros quadrados em condigGes ideals, @ a relativa exiglidade do gol. Parece muito campo para pouco gol, como se a inteneo de quem regulamentou 0 jogo fosse ificutar ao maximo a obtencdo de pontos (aqui também em oposigdo ao bola-ao-cesto). Essa suspeita intensifica-se, e na minha opinido confirma-se, quando se observa mais alguns fatos, ‘Todo esporte 6 um desafio que o homem lanca no sé aos outros homens, mas tam- bém a si mesmo. O desatio préprio do futebol, a sua marca distintiva, a sua singularidade, esté em ‘que nele se permite 0 uso de todas as partes do corpo, excelo as mais eficazes do ponto de vista {fsico. Aprender a jogar futebol 6 aprender a controlar a bola sem o auxilio das maos, daquilo que, ccontrapondo o homem &s demais espécies animais, constitui a sua forca e a sua destraza, O fu- tebol propde, em suma, que se mangje a bola com os pés, poder-se-ia afirmer, se néo se calsse desse modo em grave contradicao Iéxica, se @ palavra manejar jd ndo contivesse etimologica- ‘mente a parte do corpo humano que se deseja exclu e condenar. (ra, 0 futebol abre uma excecdo a esse principio fundador, a essa regra geral. Ao jo-

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