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1 Inser¢gao Profissional do Psicologo em Organizacgées e no Trabalho José Carlos Zanelli Bittencourt Bastos Nem sempre as pessous, em seu dia-a-dia se dio conta do quanto a vida de cada um € afetada por ca- racteristicas, eventos e processos que acontecem, caracterizam ¢ transformam o mundo do trabalho e Ses humanas voltadas para produzir bens e servicas socialmente demandados. Ao longo da his- t6ria, os processos de socializagio foram sendo de- legados a instituigées e organizagies sociais. Cada vez mais cedo as pessoas entram na escola e nela passam parte significativa de suas vidas preparando- se para ocupar um papel social. Criangas freqiientam creches ¢ orfanatos. Criangas,jovens, adultos e ido- S08 passam por postos de satide e por hospitais quan- do enfrentam problemas de satide. Pessoas ingres. sam em organizagées sociais para Iutarem por cau- sas coletivas ¢ atingirem objetivos relevantes para a comunidade, Idosos vivem em instituigdes especiais voltadas para 0 seu atendimento. Além disso, traba- Ihadores, ainda em proporgio significativa, passam © seu dia em organizagées, produzindo bens que to- dos consomem. Esse dia-a-dia & repleto de deman- das, desafios, expectativas, tensdes, realizagies, ale- gtias, softimentos que, inevitavelmente, se interligam ‘ese estendem para a vida fora do trabalho. As pesso- asperdem o emprego e, muitas vezes, perdem a pos- sibilidade de trabalhar. Hé algo que afete mais forte- mente a vida de um individuo ¢ da sua familia? Tal questionamento, por si, justifica a insergiio do psics- Jogo em organizagdes ¢ no trabalho. O wabalho e as organizagdes de trabalho esto presentes na vida de todos. Quanto do cotidiano de cada um nao é ou foi afetado diretamente pelo fur onamento dessas orga bem-estar, qualidade de vida ¢ problemas dos pelas pessoas no estio relacionados com ndmica das organizagdes e com a forma que o' Tho e a sua organizacao assumem na sociedade? Em face disso, a Psicologia, tradicional ocupou-se em compreender ¢ intervir sobre fe nos € processos relativos ao mundo do trabalhoe: organizagdes. De forma crescentemente explicita, da conta de que nio se pode reproduc cientifico e profissional, a separagao operada esfera trabalho e as demais esferas da vida pes A compreensio integral do ser humano, p depende de uma compreensiio da sua insergao mundo do trabalho e das rekagdes que sto criadss: interior das organizagdes em que trabalha, A idéia de organizagao, sob esse olhar, é ine clusiva e no esta, por decorréncia, restrita & pro dugio de bens no vasto mercado da compe: titividade globalizada; abrange também a presta go de servigos em sentido amplo, que vai, por exemplo, de hospitais a sindicatos. Além disso, atividades profissionais ultrapassam as fronteit das organizagdes em si, quando sfio exercidas no mereado informal de trabalho, no universo subemprego e do desemprego ou, Jidam com ocupages ou profissdes. Essa é a tarefa central ou a missiio que caracte- riza esse amplo espago de ago da Psicologia ~ ex- plorar, analisar, compreender como interagem as niltiplas dimensGes que caracterizam a vida das pessoas, dos grupos ¢ das organizagGes, em um mun- i crescentemente complexo e em transformaciio, sonstruindo a partir dai estratégias e procedimentos possam promover, preservar e restabelecer a lidade de vida e 0 bem-estar das pessoas. E objetivo central do capitulo examinar uma visio ampla de como se configura a frea da Psico- ogi’ Organizacional ¢ do Trabalho, como campo fe atuacio profissional, reconstruindo sua trajets- histérica, tanto no plano internacional como ional. Tal reflexdo se revela indispensavel para objetivo de refletir sobre as tendéncias inovado- que esto marcando o mundo do trabalho. Tendo em vista esse objetivo, 0 capitulo estd turado em quatro segmentos principais. O pri- io descreve o desenvolvimento histérico da Psi gia Organizacional e do Trabalho como area de ecimento € como campo de aplicagio, dando es relagdes entre caracterfsticas dos contextos icais ¢ demandas que se apresentam, tanto no ce- internacional como nacional. Essa perspectiva ica procura fortalecer a compreensao de como iturou c modelo classico de atuagao e produ- de conhecimento neste espago de agiio da Psico- i. O segundo segmento apdia-se em uma ripida 0 das transformagGes em curso no mundo do ho, visando descrever as tendéncias de mudan- forma como a Psicologia Organizacional e do 0 esté redefinindo suas teméticas, seus pro- entos de investigacio e, especialmente, suas Klades profissionais. A terceira parte volta-se para erigio do campo atual da Psicologia Orga- ional e do Trabalho, buscando revelar a ampli- le das questoes que ocupam pesquisadores ¢ pro- is, 0s diferentes Ambitos de aniilise implica- Na sua atuacdo € as necessitias interfaces que ir6i com outros dominios do conhecimento hu- Reflexdes sobre a identidade deste psicélogo, eo futuro da Psicologia Organizacional e do Tra Oe uma sintese encerram o capitulo. ISTITUIGAO HISTORICA E VAGAO CLASSICA O desenvolvimento da Psicologia Orga- nal ¢ do Trabalho no Brasil acompanhou, ompasso subordinado, as ocorréncias mundi elativas & drea. Isso pode ser visto em uma Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 467 breve reconstituigio hist6riea ¢ revisio das priti- cas tradicionais no contexto internacional e, po: teriormente, em uma sintese do desenvolvimento dos fatos histéricos ¢ praticas no mbito nacional. Desenvolvimento internacional aparecimento da Psicologia Organizacional edo Trabatho esté claramente associado a crescente industrializagao que ocorreu nos pafses dominantes, do cendio ocidental, no fim do século XIX e inicio do século XX. Coincide com o despontar da prépria Psicologia como campo geral de estudos e aplicagao. A busca de critérios e procedimentos para aten- der, principalmente, as finalidades de avaliagio ¢ selegdio de empregados para as indiistrias em expan- siio ¢ de militares para os exércitos fez com que os métodos e as teorias tivessem seus primordios na drea, O desempenho no trabalho e a eficiéneia organiza. ional constituiram, desde o prinefpio, preocupagdes que orientam as atividades dos psicGlogos nas orga- nizagdes. Um psicélogo pioneiro na érea, Walter Dill Scott, em 1903, publicou um livro sobre a Psicolo- gia daPublicidade: The theory of advertising. Uma década depois, em 1913, Hugo Miinsterberg publi- cou 0 que pode ser considerado © primeito com- péndio da drea, intitulado Psychology and indus- trial efficiency. Ambos eram psicslogos experimen- {ais ¢ ensaiavam os primeiros passos na aplicagio dos conhecimentos da Psicologia. No caso do livro de Miinsterberg, o interesse localizava-s daquilo que viria a ser, por um longo perfodo, 2 atividade mais caracteristiea e dominante da Psico- logia aplicada ao trabalho: a selegao de pessoal e 0 uso de testes psicolégicos com a finalidade de maximizar 0 ajuste das pessoas aos cargos. As rafzes que vinculam a Psicologia com 0 mundo do trabalho siio encontradas no final do sécu- Jo XIX, fora dos Estados Unidos da América. Em 1889, Patrizi criou o Laboratério de Psicologia do ‘Trabalho cm Modena, Itélia, Kraeplin, na Alemanha, € Mosso, na Itélia, nos anos 90 do século XIX, in Yestigaram aspectos psicofisiolégicos associados & fadiga e a cargas de trabalho, Outro autor entre os pioneiros, Frederick Winslow Taylor, engenheiroem sua formagao basica, teve notavel influéneia sobre o campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho (Spector, 2002) ¢ em outras freas de conhecimento gue influenciam a Administragao. Desenvolveuo que em torno 468 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. ele chamou de Administragiio Cientifica, com 0 ob- jetivo de estabelecer prinefpios para orientar as pri- ticas organizacionais e aumentar a produtividade. O livro de Taylor que constitui difundida referencia desse perfodo, a partir de 1991, 6 The principles of scientific management. ‘A partir de idgias de Taylor, Frank ¢ Lillian Gilbreth (ele engenheiro, ela psicdloga) dedicaram- se a investigar a forma pela qual as tarefas sto exe- cutadas pelas pessoas, desenvolvendo 0 que veio a ser chamado de “estudo do tempo ¢ movimento” Esses estudos, cerne de uma perspectiva taylorista para maximizar a eficiéncia do desempenho no tra- balho, estiveram na base do campo denominado Fa- tores Humanos, voltado para analisar e projetar am- bientes de trabalho e tecnologias que levassem em consideragio as caracteristicas humanas. Depois, 0 avango do campo ocorreu de modo tao rapido quan- to as exigéncias dos acontecimentos do mundo im- puseram, como nas duas Grandes Guerras na primeira metade do século XX, quando os testes psicolégicos tiveram extenso uso e desenvolvimento, para aten- der as solicitagdes de selegdo de recrutas. A atribuigiio de sistematicidade aos processos deavaliagio © o reconhecimento progressivo das ela boragées cientificas da Psicologia auxiliaram as ati vidades dos psiedlogos dirigidas para a andlise de caracteristicas do trabalho que contribuiram para 0 aumento de eficiéncia organizacional. O ambito de atuagio foi sendo ampliado para outras atividades, como o treinamento dos empregados ¢ a andlise de fatores do ambiente que afetam 0 trabalho. As investigagdes de Elton Mayo na Western Electric Company, que ficaram largamente conheci- das como os estudos de Hawthorne (um bairro da cidade de Chicago), marcaram as décadas de 1920e 1930 revelaram a importincia de considerar os fa- tores sociais implicados em uma situagdo de traba- tho. As Ciéncias do Comportamento (com base na Psicologia, na Sociologia e na Antropologia), desde centao, algaram relevancia no mundo dos negscios, Mayo divulgou The human problems of industrial civilization, em 1933, uma obra que sinietizou as descobertas daqueles estudos e deu impulso & Era s Relagdes Humanas. O campo de aplica de 1930, principalmente nas organizagoes de traba- Iho dos Estados Unidos, centrava-se em estudos e intervengoes junto aos incentivos financeiros como, por exemplo, treinamento no trabalho, fadiga e mo- notonia, luminosidade e ventilagao, testes de adm sio, estudos de tempo e movimentos, turnos de tr trializados, profissionais ligados as Ciéncias do Compo to dirigiram-se para os incentivo niio-finan como lideranga e supervisio, relagdes interpess atitudes dos empregados, moral no trabalho, avs sao dos sindicatos para garantir os direitos dos trab Ihadores, foram se acentuando as inquietagdes praticas organizacionais puniti vase discriminats quecolocavam em risco a liberdade eos valoresp soais. Os dirigentes tiveram que rever procedim 108 administrativos de retribuigo ao trabalho que! ‘vavam em conta apenas as necessidades individ mais bisicas (fome, seguranga, satide etc). Paralel mente aos ais, de auto-estima e auto-realizagao foram trazid para a pauta administrativa. Na década de 1950, acompanhando as no vinham sendo propostas, ganhou destaque o es de Abraham H. Maslow, publicado em 1954, so titulo de Motivation and personality, no qual € pro p6e uma hierarquia das necessidades humanas. Po cos anos depois, despontow a reflexio de Dou; dores estabelecem para as pessoas, divulgada 1960 como Teoria X (tradicional) ¢ Teoria Y (emer gente), na obra The human side of enterprise. Asea racteristicas que relacionam sistemicamente os indi- viduos, 0s grupos ¢ a propria organizagio como um todo, sob o controle de fatores internos ¢ externos ao sistema organizacional, passaram a ter relevancia ma interpretagiio do comportamento humano. Questées iradicionais, como aquelas relativas a recrutamento, testagem, selegio, treinamento, andlise de tarefas, incentivos, condigies de trabalho e outras passaram a ser vinculadas ao sistema social da organizagao como um todo (Schein, 1982). A segunda metade do século XX foi mareada por intenso desenvolvimento tecnolégico © movimentos que culminaram no que tem sido comum chamar de novas priticas de ges- io; por exemplo, a gestiio da qualidade total, a cul- ¥ Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 469 ‘Muitos autores ¢ teorias administrativas, soci- oldgicas e psicolégicas foram ou tém sido desen- olvidas para ampliar os horizontes explicativos da 0 pesquisadores da Psicologia, merecem ser ibrados, além daqueles anteriormente referidos, briseo de omitir importantes contribuigées: Kurt in, Rensis Likert, Harold J. Leavitt, Elliott Emery, Eric L, Trist, Georges ren Bennis, Geert que suas produgdes extrapolam, via de regra, 0 fimbito do que é convencionado como conhecimento psicoldgico, O Quadro 15.1 apresenta as principais contribuigdes dos autores mencionados. Examinando essa ripida retrospectiva histérica deconstituicdo do campo da Psicologia Organizacio~ nal edo Trabalho, fica evidente que ele se desenvol- veu buscando dar respostas a desafios especificos postos pelos contextos sociais, econdmicos, politi- cose teenolégicos que marearam 0 século XX. Para uma visao de conjunto desse proceso, 0s Quadros 15.2, 15.3 ¢ 15.4 sintetizam a anilise realizada por Shimmin e Strien (1998) que, apesar de reconhecerem Hofstede Edgar H. Schein: E importante ressaltar a artificialidade em fazer recortes de estagios em um no século XX QUADRO 15.1 Principais contribuigdes de psicdlogos destacados na construgéio da Admit istragao AUTORES PRINCIPAIS CONTRIBUICOES Kurt Lewin Elliott Jaques “Frederick E. Emery; Eric L. Trist Warren Bennis Geert Hofstede Edgar H. Schein Dosenvolvou estudos exporimontais do comportamento de pequenos grupos. Deu origem aos Grupos T (de treinamento) ¢ aos Laboratérios Nacionais de Treinamento (EVA). Fundou 0 institute for Social Research (EUA), um relevante centro do investigagao da area. Revelou a importancia da participagao nos sistemas gerenciais. Realizou experiéncias em torno dos principios tundamentais da Psicolo- gia Organizacional Demonstrou a superioridade da comunicagao bidirecional nas relagées de subordinagao. Fundou 0 Tavistock institute of Human Relations (Inglaterra), um rele- vante centro de investigacao da érea. Aplicou métodos psicanaliticos ao estudo dos conflitos organizacionais, Deram origem a Escola Sociotécnica (|nglaterra), que coloca em relevo os contetidos do trabalho. Desenvolveram a idgia de que a um sistema técnico de trabalho cor respondem articulagdes socials variadas. Teceu criticas severas as bases psicoldgicas dos principios tayloristas. Aprofundou a perspectiva social e histérica da organizagao do trabalho, Destacou a responsabilidade da organizagaio em assegurar que o poten- cial das pessoas seja realizado, Foi um dos autores que mais impulsionaram os estudos sobre aprendi- ‘zagem organizacional. Fundou o Instituto de Lideranga (EUA) e desenvolveu a idéia da lideran- ‘ga como uma aptidao acessivel. Desenvolveua nogdio de gerenciamento ad hoc como antidote & burocracia, Colocou énfase na diversidade cultural @ influenciou fortemente os estu- dos de administtagao cultural Estabeleceu categorias que distinguem as culturas nacionais ¢ marcou 98 estudos transculturais. ‘Como um precursor, teve forte influencia no desenvolvimento do campo da Psicologia Organizacional. Estabeleceu pelo menos dois conceites inovadores: cultura corporativa e ancoras de carreira. Fontes: Scheid, 1990; Crainer, 1999. 470 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. QUADRO 15.2 Sintese da constituigdo histérica do campo ~ primeiro periodo Primeiro periodo: estabelecimento da profissao (até 1945) q Desafios e oportunidades + Respostas aos desatios Abordagens tedricas, . e métodos de trabalho Expansao colonial, crescimonto da industria © do comércio, emprego do vas fontes de energia, invengdo de novas méquinas, desenvolvimento de novos meios de comunicagao e transporte Avango das ciéncias naturais bioldgicas (Darwin) desafia crenge ‘estabelecidas sobre a natureza humana. Pressdo por reformas sociais, luta contra a exploragéo do trabalho humano (Marx) e por politicas piiblicas na satide e na educagao. Cresce a demand por educacao, Na industria, a progressiva mecanizagao demanda racionalizagdo. A produ- ‘gdo em massa ¢ a expansdo do mercado de consumo colocam o desatio da | produtividade crescente. Surgem as linhas de montagem, consolidando 0 | paradigma taylorista/fordista de organizagdo do trabalho. A Primeira Guerra Mundial coloca problemas praticos para os psicélogo {novas e especificas ocupagses e 0 impacto das horas de trabalho sobre 0 desempenho, no caso das fabricas de munigdo). © periodo de depressiio econémica (década de 1930). A emergéncia do nazi fascismo e a fuga de oérebros alemaes para os Estados Unidos (Kurt Lewin). A ‘Segunda Guerra Mundial coloca 0 desafio de selecao e treinamento de recrutas, Neste periodo, consolida-se a consciéncia de que a Psicologia pode contrl- buir para a solugao de importantes problemas préticos. Lahy (Franga) - um dos primeiros a utilizar testes para selegao de trabalna- | dores para postos de trabalho decorrentes dos avangos da tecnologia (dati- | légrafos, motoristas de trem, operadores de telefone) © laboratério de Harvard (Minsterberg) @ os testes vocacionais - surge a | Psicotéonica. Esse movimento cresce ¢ se espana em vaiios paises do continente ‘europeu. Vérios encontros cientifices sao realizados. Surge uma rece de entidades profssionais e as tentatives de demarcar terriérios de competéncias reconhecidas. ‘© campo nao se tomou exclusive de psicdlogos. Profissionais de outros do- minios (médicos ¢ engenheiros) se integram ao movimento. A psicotisica classica é utilizada para construgao de testes que avaliam o potencial de ajustamento de trabalhadores para postos especificos 5 testes de inteligéncia ¢ de caracteristicas vocacionais entram em cena nos processos seletivos. Cresce 0 niimero de testes de atitudes, interesses @ atributos de personalidade, Na Alemanha surge 0 interesse por analisar a estrutura profunda da persona- lidade ao lado das medidas psicométricas mais usuais. Situagdes quase reais @ avaliagdes ‘clinicas” s40 introduzidas nos processos seletivos. *Human’ Engineering’ — 0 desenho de equipamentos para o uso humano (incluindo armamentos que eram uma demanda dos periodos de guerra). Esse movimento associa-se as praticas decorrentes do modelo de admini tragao cientifica de Taylor. A andlise dos fatores socials ganha impulso inicial com os estudos de Hawthorne (década de 1920 8 1930). 0 “eteito de Hawthome’” torna-se foco de interesse para a pesquisa e para o trabalho de psicéiogos. Novo impulso vem da teoria de campo de Kurt Lewin e seu uso para os processos de dinamica de grupos. O foco nos pequenos grupos consolida-se como uma porspoctiva infiuente de anlise ¢ intorveneao. Junto com as demandas educacionais, cresce (também em fungo da guerra, devido ao ingresso de novos trabalhadores) a necessidade de aperfeigoar os métodos de treinamento no trabalho. Fonte: Criado a partir de Shimmin e Stein, 1998. Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 471 QUADRO 15.3 _Sintese da constituig&o histérica do campo — segundo periodo ‘Segundo periodo: expansdo e consolidagao pés-guerra (até a década de 1960) Desatios ¢ oportunidades + Respostas aos desatios . Abordagens tedricas . métodos de trabalho Pos-guerra ~ periodo de reconstrugao da economia, das cidades e de rein- tegragao dos veteranos de guerra a vida civil. Os avangos tecnoldgicos geraram novos trabalhos, novos produtos, novas formas de comunicagao de transporte. As pessoas mudaram suas ex- pectativas e aspiragdes. Ha o sonho de uma sociedade mais igualitaria Fim do colonialismo. Independéncia de coldnias africanas, A Guerra Fria, com 0 mundo dividido entre duas superpoténcias (comunis- mo e capitalism). Surge 0 “Estado de bem-estar social” ~ responsavel pela satide, pelos ser- vigos socials © polo apoio ao desempregado. Qualidade de vida © qualida- de de vida no trabalho passam a ser valores importantes. Expansdo industrial, crescimento do setor de servicos, populagao de imi- grantes e novos desatios de produtividade ressaltam a importancia do trel- namento geral e do treinamento gerencial. Crescem 0 interesse ¢ os recursos para a pesquisa das ciéncias comportamentais e sociais. A Psicologia se expande significativamente ea Psicologia Organizacional e do Trabalho acompanha esse crescimento, ‘Surgem e se fortalecem entidades especiticas em varios paises da Europa @ nos Estados Unidos. s psicdlogos organizacionais tormam-se consultores para uma gama de problemas organizacionals ~ desde 0 desenho do postos de trabalho, pas- ‘sando por selegao, treinamento, introdugao de novas tecnologias ¢ desen- volvimento organizacional. Interesse pelas questdes de estrutura funcionamento organizacional: Likert, em seus estilos de lideranga, aponta a importénoia da participagso @ da democracia. O comportamento gerencial torna-se 0 foco principal da atengao. Area se diversifica ~0 rotulo Psicologia Industrial, usado no Annual Review of Psychology antes de 1961, toma-se restritivo. Aparecem revisbes de varias subareas. Em 1967 aparece 0 primeiro capitulo de Psicologia Organizacional nesse importante periédico. A selego de pessoal continua sendo uma das principais atividades. Cresce a atengéo dada ao treinamento — a necessidade de novas habilida- des em {ungao das novas tecnologias @ o desenvolvimento de habilidades de superviso e gerenciamento, TWI (Training Within industry): promogao de estilos menos autoritarios é difundida em toda a Europa abrangida pelo Plano Marshall. Crescem as pesquisas sobre aprendizagem, aquisi¢ao de habilidades e ‘métodos de ensino. Na década de 1960 ressurge o interesse pela instru- ¢40 programada. A anélise do trabalho é uma técnica basica. Treinamento gerencial: os processos de dindmica de grupo e os treina~ mentos em sensibiidade (T-groups). ‘Na Inglaterra: o Tavistock institute of Human Relations possui uma orienta- 40 mais eclética, com influéncia da psicandlise. Daf surge o modelo de Pesquisa-agao que embasa o trabalho de mudanca organizacional. As pes- quisas levam aos conceitos de grupos de trabalhos semi-auténomos ¢ @ nogao de sistema sociotécnico. Fonte: Curado a partir de Shimmin e Stein, 1998, 472. Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. bo | Desatios e oportunidades Respostas aos desatios Abordagens tedricas e métodos de trabalho Abordagens tedricas © métodos de trabalho QUADRO 15.4 Sintese da constituigao istérica do campo — terceiro perfodo Terceiro periodo: novas diregdes e reorientagao (final da década de 1960 e década de 1970) Os indicios de transigzio de uma sociedade industrial para uma sociedade pis-in- dusttial. A crescents expansao do setor de servigos e 0 crescimento de organiza (@6es ndio vottadas para o luero, Ootimismo das décadas de crescimento pés-guerra code lugar a incerteza ea ‘questionamentes da ordem econémica, social e politica. As tons6es da Guerra Fria explodem em varios conflitos @ guerras localizadas (por exemplo Vietna). © equilibrio de poder entre as nagies vai se allorando. A crise de energi revela o poder dos paises produtores de petréleo ¢ isso aleta as decisdes geopoliticas das nagdes hegeménicas. Qs testes psicoldgicos sao fortemente atacados (nos Estados Unidos e na Europa). Eles © outras ferramentas de trabalho do psicéiogo organizacional so criticados por servirem a estruturas de poder e dominaedo. 0 interesso dos estudantes de Psicologia desioca-se mais fortemente para a clinica, ‘As tensSesna mundodo trabalho crescem: organizagSes buscam lures crescentes; hha fusdes @ reduco do nimero de empregos com os avangos tecnol6gicos. Os. ideais de humanizacao aparecem no movimento por ‘qualidade de vida no trabalho’ ‘Tomna-se mais visivel o sucesso aconGmico do Japao € 0 tipo de relacdes de trabalho Id prevalentes, Na Europa consolidam-se formas de co-gestao. ‘Surge mais fortemante para 0 psicdlogo o desafio de entender e lidar com quostdes que fogem ao ambito individual de analise. Ocampo amplia e diversitica, Em substituigdo & Divisao de Psicologia Industrial surge na APA a Divisio de Psicologia Industrial e Organizacional. O uso desse conceito mais amplo do campo se espalna por varios paises da Europa Ac lado da selerdo de pessoal, trabalhos emergentes lidam com desenvelvimento ‘organizacional, resolugao de confltos, desenho de trabalho e organizacdo, Na Escandindvia, experimentos inovadores surgem no campo da humanizagao do trabalho. A experiéncia da Volvo e a substituiclo da cldssica linha de montagem destacam-se. Crescem os estudos a respeito dos efeitos de varidvets organizacionais so- bre 0 comportamento dos individuos e a respeito dos impactos de ambientes, cada vez mais turbulentos sobre as caracteristicas organizacionais, O crescimento do campo produz areas de interlace com outras disciplinas. Emerge a necossidade de enfoques interdisciplinares e multiprofissionais. Cresco o debate sobre questies éticas que cercam o trabalho na area, Novos cédi- gosde ética protegemos clientes e eniatizam a responsabilidade social do psieslogo, desenvolvimento de teorias © a preocupagao com questées ‘metodolégicas tomam-se mais nitidos. O crescimento da érea e a interface com ‘outros dominios rovolam as inconsisténcias e a falta de integracao tedrica. Na solegao de pessoal, continua a separacao entre abordagens ostalisticas @ clinicas. Centros de avaliagao valem-se de varias técnicas, entro as quais simulagoes de aspectos reais do trabalho a ser executado. Os avangos tecnolégicos e os desenvolvimentos das ciéncias da cognigo consolidam-se em um campo interdisciplinar de “ergonomia cognitiva”. Estratégias de mudanga centradas nos individuos (T-groups, por exemplo) dao lugar a intervengGes mais abrangentes. Desenvolvimento organizacional & um rotulo para um conjunto ampio de estratégias voltadas para aprimorar 0 desempenho de pessoas e de organizagées de forma articulada. Os programas de qualidade de vida no trabalho coneretizam o desejo de hu- manizagao @ nascem sob a infiuéneia do pensamento de Maslow e Herzberg. Do grupo de Tavistock surge 0 modelo de grupos autnomos. Nessas vertentes, a idéla de controle da forea de trabalho dé lugar & necessidade de envolimento das pessoas com o seu trabalho. Fala-se em democracia no chao de fébrica, A domocracia industrial toma-se tépico de interesse, levando & andlise das Folagdes e dos papéis das entidades sindicais nas decisées organizacionais. Paicoiogos passam a ser, também, consullores de entidades de trabalhadores. As experiéncias de co-gestio e das cooperativas (na antiga lugoslavia, por exem- plo) passam a receber atenpao, Fonte: Criado a pattir de Shimmin e Strein, 1998, Psicologia, Organizagées ¢ Trabalho no Brasil 473 proceso que € continuo, diferenciam quatro gran- des periodos nessa historia. Vamos nos deter nos tts primeitos, jd que 0 tiltimo ~ desenvolvimentos te- centes ~ seri abordado mais adiante neste capitulo. Acada periodo,o conjunto de priticas profissi- onais vinculava-se a uma base ow a antecedentes so- ciais e culturais que nao podem ser negligenciados e o seu desenvolvimento advém de tentativas de cons- truir novos conceitos ¢ ténicas para lidar com os _desafios que emergem a cada momento. Assim, para cada perfodo, 0 quaciro esté estruturado em trés seg- ‘mentos. O primeiro indica elementos do contexto mucrossocial, politico, econdmico e cultural que co- locam desafios e oportunidades para a emergéncia de respostas no campo cientifico ¢ profissional, O “segundo indica, de forma concreta, ages e produtos ‘que responderam a esses desafios. O terceiro seg- ‘mento descreve as abordagens te6ricas, os procedi- ‘mentos e métodos que caracterizam, dominantemen- te, 0 trabalho do psicdlogo naquele periodo. Desenvolvimento da psicologia organizacional e do trabalho no brasil A preocupagio dos colonizadores com o que ‘era percebido como écio ¢ preguiga dos nativos, no Brasil, pode ser encontrada em escritos dos tempos da Coldnia. Qutras preocupagdes sobrevieram para ‘controle do processo produtivo, cm decorréncia da expansiio das atividades laborais que visavam aten- ‘der is demandas do crescimento dos ambientes ur- banos. A elite, éclaro, sempre visou a submissao dos ‘trabalhadores (sobretudo indios e negros) aos valo- res € a0 poder dominante, ‘Até quase 0 final do século XIX, a economia brasileira era essencialmente escravocrata, Com 0 ‘aumento do fluxo migratério e a chegada dos imi- grantes curopeus, deu-se inicio ao cultivo do café foram incrementadas as manufaturas e pequenos ne- _u6cios, sobretudo nas regides Sul e Sudeste. Uma figura proeminente nesse perfodo foi o Visconde de Maus, cuja diversidade nos setores de atuagio e ra 2o{vel sucesso nos empreendimentos fez atrair capi- tal estrangeiro. Contudo.o modelo e os pressupostos deconducao dos processos laborais continuavam as- sentados na desc onfianga, na forte hierarguia de con- trole ¢ na exploragao das relages de trabalho, Em suma, um prolongamento do controle escravocrata. Mais estrangeiros acorreram ao Pais nas duas prim siras décadas do século XX. Muitos deles fica- ram nos emergentes centros urbanos, com destaque para a cidade de Sao Paulo. Conjugados aos la- vradores, que deram inicio ao movimento migrat6- rio da zona rural, passaram a constituir a mao-de- obra necessiria d industrializagzio nascente. A Psicologia aplicada ao trabalho surge no ceni- rio brasileiro nessa época, associada a tentativas de racionalizagiio e & procura de um cardter cientificoe inovador no controle dos processos produtivos. Na esteira das idéias postuladas pela Administragiio Cien- tifica de Taylor, os interesses voltaram-se para as, possibilidades de uma maior eficiéncia econdmica, sob 0 argumento de melhoria das condigdes do tra- balho operdrio. Naquele perfodo, Léon Walther trou- xe a Psicotécnica para o Pais, que foi acolhida como instrumental para a viabilizagdo das propostas tayloristas. Posteriormente, Henri Piéron desenca- dcow os estuddos dos testes psicol6gicos, também em um curso sobre Psicotécnica, ministrado na Escola Normal de So Paulo. As primeiras aplicagbes de testes ocorreram em 1924, no Liceu de Artes e Off- cios de So Paulo, sob a diregio de Roberto Mar (Antunes, 1998). As aplicagies de testes psicolégicos ou, m: apropriadamente, do exame psicotécnico, com a fi- nalidade de selecionar empregados, expandiu-se ra- pidamente, em especial nas empresas ferrovidrias, A psicotécnica vinha sendo desenvolvida desde a fase pioneira da Psicologia por alguns pesquisadores, entre eles, Hugo Mansterberg, discipulo de Wundlt, primei- ro na Alemanha e depois nos Estados Unidos (Zanelli, 2002). Externo ao circuito sulista, em 1925, no Re- cife, Ulysses Pernambuco, um neurologista e psiqui atta, criou o Instituto de Psicologia de Pernambuco, que passou a ser denominado, a partir de 1929, Insti- tuto de Selegio e Orientagao Profissional de Pernam- buco, uma organizagao que proxluziut numerosas pes- quisas aplicadas (Antunes, 1998; Pessoti, 1988). Instituto de Organizagao Racional do Traba- Iho (DORT), criado em 1930, veio atender a uma expectativa, entio jé remota, entre os empresirios paulistas ¢ serviu para treinar profissionais psicotée nicos, em sua maioria engenheiros dedicados aos pro- blemas de ajustamento humano ao trabalho, ¢ passou aterconsiderivel penetragdio nas empresas. IDORT. feve importancia crucial na difusdio das aplicagdes da Psicologia ao trabalho no Brasil. A difusdio das ativi- dades de insergiio do psicGlogo aos contextos de tra- balho no Pais reproduza busca de racionalizagio que se generalizou na sociedade, sobretudo pela crenga 474 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. na aplicagdo de test:s psicolégicos, com claro e res- tito objetivo econsmico de aumentar a produtivida- dedas empresas. Isso impulsionou nao apenas a drea, mas campo de atuagiio da Psicologia como um todo, que ganhou legitimidade. A Psicologia, uma jovem ciéncia na primeira metade do século XX, passou a figurar entre as disciplinas que forneciam apoio e le gitimidade aos métodos administrativos e suas cor- respondentes priticas. Quando a profissio foi reco- nhecida legalmente, na década de 1960, 0 campo da Psicologia aplicada ao trabalho ja estava consolidado. Outras instituigdes, com as quais a Psicologia de algum modo conviveu, também foram criadas € construiram o desenvolvimento da frea no Pais: As- sociagiio Brasileira para Prevengiio de Acidentes, Conselho de Higiene e Seguranga do Trabalho, Insti- tuto de Administracao, Fundacio Genilio Vargas, Es cola Livre de Sociologia e Politica, Centro Ferrovi rio de Ensino e Seleciio de Pessoal, Estrada de Ferro Central do Brasil, Companhia Metropolitana de ‘Transportes Coletivos (CMTC), Servigo Nacional da Industria (SENAL) ¢ Servigo Nacional do Cométcio cp (SENAC). Também 0 Laboratério de Psicologia da © Col6nia de Psicopatas do Engenho de Dentro élem- Grado nessa construgao, ao pesquisar os processos de selego de aviadores para a Aviagio Militar, soba tq goordenagao de Waclaw Radecki (Antunes, 1998). _ Ocorreu uma expansao das organizagées pro- dutivas brasileiras apds a Segunda Guerra Mundial, com a instalagao de multinacionais © aumento da competitividade, Entretanto a mao-de-obra continu- ava, em grande parte, desqualificada. As atividades administrativas mantinham-se centradas na produc, enquanto a qualidade dos produtos, tanto pela desatenciio gerencial como pelas dificuldades de na- tureza tecnol6gica, deixaya a desejar. As preocupa- Wes com a formagiio profissional s6 comegaram a ganhar forga a partir desse momento, atraindo tam- bém os profissionais vinculados & Psicologia. No periodo em que Getilio Vargas esteve no poder, foram regulamentados direitos e beneficios 20s trabalhadores. A gestao presidencial de Juscelino Kubistchck, chamada fase desenvolvimentista, me- rece destaque porque acarretou a vinda de montadoras internacionais ao Brasil. Esses dois eventos tiveram impacto nos modelos de gestio empresarial e nas re- lagdes de trabalho porque compoem a moldura de Teconfiguragao do cenério nacional. A partir daf, sur- giram efetivamente os primeiros investimentos na qua- lificagaio dos trabalhadores e as preocupagdes com métodos de gestZio mais apropriados as condigde caracteristicas da realidade brasileira, embora: evidente o quanto continuam sendo reproduzi elaboragées originadas nos paises colonizado Roberto Mange, Emilio Mira y Lopez, Katzenstein e Oswaldo de Barros Santos so nom freqlientemente citados como profissionais psiedlo gos daquele perfodo. Ao mesmo tempo que man nham interesses voltados para a aplicagao da Psi¢ logia ao trabalho, foram autores de textos que p tiram a difusio do conhecimento na area, ei muitas vezes trabalhassem em instituigdes ext ‘ircuito universitério formal (Pessoti, 1988). Pela influéncia que teve na formagao dos logos brasileiros, é necessdrio mencionar um de um autor norte-americano, Joseph Tiffin, pub cado em primeira edigo no ano de 1942: Indust em tal revisio, o livro foi waduzido e utilizado, forma ampla e duradoura, nos cursos de Psicol brasileiros, a partir do final da década de 1960, Asatividades do psicélogo brasileiro até asdéea das intermedi forte tnica na sclecao de pessoal, As atividades, até eno, para grande parcela dos profissionais, no ultra: passavam orecrutamento, a scleciio,o treinamento,a anilise ocupacional e a avaliagio de desempenho. As décadas seguintes foram marcadas pela importagao tecnolégica e de muitos modismos ad- ministrativos. A concorréncia foi se tornando cada vez mais acirrada, enquanto a informética domina- va progressivamente os procedimentos de gestio, influenciando fortemente os meios para as trocas comerciais, a disseminagio de conhecimento e para as relagdes de trabalho. Em um importante estudo realizado na década de 1980, 0 Conselho Federal de Psicologia tragou uma ampla descrigao da atuagao do psicélogo no Brasil, apontando dificuldades que cercavam exer Cicio profissional e sinais de que transformagdesem curso estavam comegando a delinear novos fazeres ou novas priticas nos diversos subcampos da Psico- logia. O Quadro ncipais informa- ges sobre o que faziara, em grande parte, 0s psic6- logos organizacionais ¢ do trabalho. Os resultados desse amplo estudo revelam, cla- ramente, o predominio de um nticleo clissico de ati- vidades que tradicional mente define 0 espago de atua- gio do psicdlogo nas organizagées como vinculado Psicologia, Organizagées e Trabalho no Bras L475 QUADRO 15.5 Atividades mais freqdentes entre os psicdlogos organizacionais ¢ do trabalho no Brasil na década de 1980 Incidéncia Mais de 40% dos psicdlogos organizacionals Entre 30 @ 40% dos psicslogos organizacionais Entre 20 e 30% dos psicélogos organizacionais Menos de 20% dos psicélogos organizacionais Fonte: CFP, Quem ¢ 0 psicdlogo brasileiro? 1988. As agdes de recrutamento e selegao. A esse niicleo se “agregam outras fungdes elissicas da rea de gestio pessoas: treinamento ¢ avaliaggio de cdesempenho. perceptivel, contudo, 0 aparecimento em percen- is significativos, de algumas atividades que podem ‘Serconsideradas “modernas” ou, pelo menos, nio vin- culadas tio estreitamente ao modelo mais tradicional trabalho do psicélogo nessa rea. Entre elas: pla- ejamento € execuctio de projetos, os diagnésticos acionais ¢ as fungGes de assessoria ¢ consultoria, Tais atividades configuram um tipo de insereo pro- fissional diferenciado por ampliarem o nivel de inter- Jo frente aos problemas organizacionais, levan- o-0 a lidar com problemas mais complexos ¢ glo- is das organizagies, Outra informagao importante que surge dessa sma pesquisa refere-se A trajetdria da carreira en- 08 psicslogos organizacionais, Quando sio com- pronsionais, hi uma diminuigdo de atividades icas (recrutamento, selego, aplicagiio de testes, lise de fungio e treinamento) e o aumento da in- ia de atividades administrativas, de plancja- ‘Mento, consultoria, supervistio e assessoria. Analisando 0 conjunto de informagées que des- eviam a atuacio do psicélogo organizacional até Atividade desenvolvida + Selegao de pessoal + Aplicagao de tastes * Recrutamento ‘+ Acompanhamento de pessoal + Treinamento + Avaliagao de desempenho * Anélise de fungao/ocupacao * Planejamento e execucdo de projetos + Desenvolvimento organizacional * Triagom + Cargo administrative * Assessoria * Analise de cargos ¢ salarios + Aconselhamento psicoligico * Diagnéstico situacional + Supervistio de estagios académicos + Oriontagao e treinamento paraprofissionais + Psicodiagnéstico + Consultoria 0s anos 80 do século XX, verifica-se a pertinéncia de algumas conclusdes de diferentes autores + Havia um forte viés tecnicista na atuagio do psicdlogo frente aos problemas organi- zacionais que, de forma similara outros pro- fissionais que atuavam na frea de gestio de pessoas, o tornam presa ficil de modismose consumidor acritico de modelos € pacotes para solugao dos problemas. Como afirma Malvezzi (1979), esse viés consolidava a imagem c 0 esterestipo do psicslogo como agente de reproducao do sistem: + O dominio das atividades de recrutamento eselegio via utilizagdo de testes psicoligi- cos constitufa 0 trago mais caracteristico de uma atuagao limitada, sendo a ele atribuida parte do deserédito ¢ 0 subemprego vivido pelo profissional (Figueiredo, 1988), * Tratava-se de uma “atuagio limitada” (Bastos, 1988): cra reduzido o némero de psicélogos que rompiam os estreitos limi- tes que definiam tradicionalmente suas res- ponsabilidades nesse dominio, deixando de contribuir mais efetivamente para a ampla diversidade de problemas que cercam as 476 Zanclli, Borges-Andrade, Bastos & cols. pessoas no mundo do trabalho e das orga- nizagoes. * 0 psicdlogo organizacional nio se diferen- ciava efetivamente de outros trabalhadores que se submetem a um trabalho fragmenta- do e que niio possuem uma visio da totalida- de do contexto em que se inserem (Zanell 1992), Faltava-lhe, portanto, uma visio mais clara do produto final do seu trabalho. A critica a esse modelo clissieo de atuagio na ‘rea preparou e ajudou a consolidar linhas inovadoras de atuagio, Essas linhas nascem, também, das trans- formagées em curso no mundo do trabalho, Nadécada de 1990, com a abertura do mercado ¢ 0 aumento intenso da competitividade imternacionalizada, as or- ganizagdes brasileiras ea realidade de trabalho passa- Tam aexigirnovas competénciase formasde trabalho. Surgiu'em 2001, sob o financiamento inicial do Consetho Federal de Psicologia (CFP), apés debates entre os membros do Grupo de Trabalho em Psicalo- gia Organizacional e do Trabalho (GTPOT), otigina- dos principalmente em simpdsios da Associagao Na- ional de Pesquisa ¢ P6s-Graduagio em Psicologia (ANPEPP), o primeiro niimero da Revista Psicolo- gia: Organizagées e Trabatho (rPOT) — primeito pe- riddico da area no Brasil. Também no Ambito das re- alizagées associndas a0 GTPOT, registrou-se for mente, no final do ano 2001, a Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho, com a finalidade de agregar os profissionais da érea no Pais Para a compreensao da dinmica que tem con- duzido a um conjunto novo de fazeres, priticas ¢ conhecimentos no campo, é ttil examinar, ainda que de forma répida, as transformagdes que estio reconfigurando 0 mundo do trabalho ¢ exigindo no- vas formas de pensar ¢ agir sobre 0 que pode ser chamado de fendmenos organizacionais e atividades laborativas na passagem do século XX para o XXI. TRANSFORMAGOES NO MUNDO DO TRABALHO E PRATICAS EMERGENTES NA PSICOLOGIA. ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO. O mundo do trabalho contemporineo compre- ende os processos caracteristicos do modo produti- vo que vem sendo utilizado desde os tiltimos anos do século XX, incluindo as relagdes de trabalho instituidas dentro das novas priticas de gestio. As transformagées tém acarretado o restabelecimento das politicas de gestio de pessoas, com conseqt cias para 0 ambiente extensivo de trabalho, € e denciam elementos indispensiveis para o psicélo go refletir sobre sua pritica tradicional e buscar; ternativas para 0 exercicio profissional. Mundo do trabalho contemporaneo As mudangas intensas do mundo contem; neo tém provocado impactos na dimensio social e, claro, na dimensio humana individual, como ja foi discutido no Capitulo | deste livro, Alguns t6pi que mais tém se modificado dizem respeito ao desen- volvimento da tecnologia eletronica ¢ dos meios ‘comunicagio, aos mecanismos de controle social mais, sutis, ao desenvolvimento da biotecnologia, a frag mentagio das grandes religides, & ampliagio do pa- pel social da mulher, as alteragdes na configuragio do nicleo familiar, ao fortalecimento dos movimen- tos de conscientizago de defesa ambiental, d retracao do Estado e consolidagio das corporages transna- ionais, \ difusio da hegemonia politico-ideok’gica, 40 aumento da produtividade atrelado ao desempre- goestrutural, } intensificagio da economia globalizada dos niveis de consumo, 3 expansio da violéncia fi- sica cm fungio direta do aumento da pobreza e do ayango da sociedade do conhecimento (Zanelli, 2002). As atividades de trabalho sto fundamentais na construgao das interagdes humanas. Isso nos permite afirmar que as transformagdes no mundo do trabalho, ao longo dos séculos, acarretam dife- rentes formas de subjetivacio (desenvolvimento emocional ¢ cognitivo das pessoas) e de constitui- io dos agrupamentos humanos ¢ da sociedade como um todo. No plano psicolégico, além da es- fera profissional, as pessoas so afetadas em seus valores, auto-estima e projetos de vida. As aceleradas mudancas na tecnologia, acom- petigdo internacionalizada, as novas demandas dos clientes ¢ a remodelagem nas relagdes de trabalho silo temas recorrentes na atualidade ¢ impem direcionamentos para a gestio organizacional. Con- cepgdes administrativas tradicionais, como estilos de lideranga, racionalizagio de processos e hierarquizagao organizacional estio dando lugar a novos conceitos, como capital intelectual, zestiio do conhecimento, aliangas estratégicas, ética empre- sarial, organizagées virtuais, tempo ocioso e outros. A histéria do mundo do trabalho durante o sé- culo XX colocou em proeminéncia dois momentos: Psicologia, Organizagdes e Trabalho no Brasil 477 © fordismo, introduzido por Henry Ford, a partir de 1913, que deu inicio a produgio em série, na trilha e aperfeigoamento da administragio cientifica; €0 toyo~ tismo, da fabriea japonesa Toyota, a partir de 1945, ‘uma forma de organizagio do trabalho que se difun- div rapidamente, O fordismo éum modelo de produ- 20 © gestio calcado em um sistema de inovagies técnicas eorganizacionais, levando em contaa época, com 0 objetivo de elevar a produgdo ¢ 0 consumo em massa. Assenta-se no distanciamento entre a con- cepsio e a execugao, no trabalho simplificado fragmentado, em ciclos operat6rios curtos, com pouca formagio ¢ treinamento dos trabalhadores. Trés dé- cadas depois, o toyotismo passou a explorar as con- tribuigdes cognitivas do trabalhador, em busca de maior competitividade da empresa. Deu infeio a pro- dugio vinculada a demanda, ao trabalho operdrio em equipe ¢ em niimero minimo, a0 aproveitamento mé- ximo do tempo de produgo, aos estoques mfnimos, A horizontalizagio do proceso produtivo, a tercei- rizagdo eao controle e gestdo da qualidade total (Bas- tos, 1992). sil, durante as décadas de 1950 a 1970, foi fomentada uma conformagio socioeconémica, com base em forte incentivo ao desenvolvimento do parque industrial, que fez crescer a oferta de empregos. Entretanto na década de 1980 deterioraram-se as condigdes dos empregos eenfraqueceram-se as possibilidades de dis- tribuigdo de renda mais equilibrada. O néimero de competidores pelas vagas de emprego aumentou, acentuadamente, no transcurso da década de 1990 inicio do novo século. Em muitos segmentos, ha de- manda por maior qualificag0, embora o nivel de pre- paro exigido niio corresponda a uma necessidade ob- jetiva das fungdes. Disso derivam sentimentos de frus- trag3o para quem prende-se as chances de sobrevi- véncia esperadas no emprego. As reconfigurages organizacionais e do traba- 1ho, com o aumento do desemprego edo subemprego, io fonte de tensio psicossocial, tanto em suas con- seqfiéncias para o individuo como para a comunida- de. Novos arranjos organizacionais sio arquitetados em busca de estruturas organizacionais mais flexi- veis. Surgem as organizagées cm redes ¢ as redes intra-organizacionais. As estruturas burocriticas pe- sadas ganham mais leveza com o corte de niveis hie- rirquicos. A terceirizagio passa a ser uma pritica disseminada com forte enxugamento dos trabalha- dores centrais. As organizag&es passam acontarcom grupos de trabalhadores que possuem acesso dife- renciadoa beneficios ea politicas de desenvolvimen- to. Os processos de trabalho, sob forte impacto das inovagées tecnolégicas, alteram a relagao do indivi- duo com a atividade laboral e passam a exigir novas competéncias ¢ habilidades. Os postos de trabalho se tornam mais fluidos e menos precisamente defini- dos. Os grupos ou, idealmente, as equipes de traba- Iho e, € claro, os individuos sao pressionados a do- ‘minarem uma gama cada vez mais ampla de tarefas € adesenvolverem competéncias miiltiplas. Novos mo- delos de gestao sao construidos tendo em vista a ne- cessidade de mantere ampliar niveis de produtivida- deem um contexto cada vez. mais competitivo. Para os que conseguem permanecer nas organi- ages, cresce a solicitagdo de alinhamento dos ob- Jetivos e valores individuais aos objetivos e valores organizacionais e o discurso sobre a relagdo indivi- duo-organizagiio passa a ser o de parceria, A sobre- vivéncia da organizagao é proclamada como respon- sabilidade de todos: impde-se agregar valor as ope- rages, Por outro lado, 0 aperfeigoamento dos pro- ‘cessos € 0s avangos tecnoldgicos, que substituem o homem no trabalho pesado e repetitivo, levam ao de- semprego; ao passo em que se multiplicam as con- tratagdes de mio-de-obra tempordria € as tere rizagoes. trabalhador, pela ameaga do desemprego € pela continua solicitagto de engajamento e partis pagio, vé-se forgado a incorporar ou, no minimo, instigado a aderir aos valores, crengas e propdsitos da organizagao, Face as solicitagdes de eficiénei flexibilidade internas, de conexdo com os eventos do ambiente em que se insere a unidade'de trabalho ede agdes de melhoria continua nos processos, ha um aumento do desgaste fisico e psicol6gico, Ampliando 0 foco, é possivel observar a orga- nizago imersa em um contexto composto pelo macroambiente e, mais especificamente, por outras. onganizages de seu ramo de atuagio. Todas com- partilham clientes, provedores, competidores, agen- tes da comunidade e outros. Para fazer frente as mu- dangas, realizam replanejamentos, revisdes internas constantes ¢ integram sistemas que regulam os pro~ cessos gerenciais, operacionais ¢ informacionais, sob uma estrutura organizativa ¢ uma estratégia (Zanelli, 2002). Os ditigentes sfio cobrados para obterem qua- lidade dos produtos, atenderem as necessidades dos clientes ¢ as expectativas dos acionistas. A rapidez, i, Borges-Andrade, Bastos & cols. de respostas que antecipam ou direcionam as mu- dangas tem sido a grande ambicao dos dirigentes. Para tanto, precisam estar atentos & maneira como, sdo organizadas as atividades, o grau de integracao entre as politicas, a estratégia geral, a estrutura, a tecnologia utilizada e 0 alinhamento das ages hu- manas. Nessa sucessiio de deveres, os dirigentes per- cebem as organizagdes cada vez. mais sujeitas pres- so de um intenso desenvolvimento tecnolégico as mudangas nas regras do mercado. ‘Ao mesmo tempo, cresce 0 apelo por um ba- Jango equilibrado entre vida profissional e familiar, sobre étiea, transparéneia ¢ busca de justica, de di- reito de expresso e de desenvolvimento para todos os participantes da comunidade organizacional, E essencial —até pelo que apregoam os novos modelos de gestiio — que o administrador disponha condi emancipadoras e participativas, que respeitem e pro- movam a pessoa no Ambito do trabalho. g 3 ve * x he Sa ' “ee dling Nl ell iN = ll SS eases Wie \ GA if Programe: ae My ‘ oY fe x #° EP pee ra a yee ah F a oe 8 (SLOPE ew eLedioc FIGURA 15.1 Estrutura do campo de atuagao do psicdlogo organizacional e do traballio e seus subcampos. WY yo i Lg panera IN oo :, Daa Transformagées nas praticas do psicélogo organizacional e do trabalho Como qualquer pratica social, a atuagio do psi e6logo organizacional e do trabalho nao fica imune as transformagdes do contexto e ao desenvolvimer da cigncia, No cenitio de inicio do século XI, per ccebe-se, quando se toma como comparagao 0 ntel bésico de atividades desenvolvidas pelo psicdlogo nos anos inaugurais de consolidagao da profissao, que a amplitude e 0 escopo da sua atuagao tém sido efetivas mente alargados. Essa ampliagao ird dade de intere4mbios mais fecundos com outros do- minios da Psicologia e com outras freas disciplinates. ‘Ao examinar as transigdes que marcam 0 campo. da Psicologia Organizacional e do Trabalho no Brasil, Bastos (1992), apoiado em uma reviszio ampla da lite= ratura produzida no Brasil, estrutura tal campo da. for- ‘ma como se vé na Figura 15.1. Representa a estrutura — a inl hp Niveis de intervengao Téenicas/ ® procesimentos @ Estragiashticns @ Pottticas Psicologia, Organizagoes ¢ Trabalho no Brasil 479 do campo de atuagaio do psicélogo organizacional e do trabalho em varios subcampos (aciministragdo de pes- soal, qualificagao/desenvolvimento, comportamento organizacional, condigdes e higiene do trabalho, rela ges de trabalho e mudanga organizacional). Cada um desses suhcampos € integrado por um conjunto de ati- vidades profissionais cuja disposigZo na figura esta or- ganizada das mais tadicionais ou elissicas até as mais recentemente incorporadas as preocupagdes ou interes- ses do psicdlogo organizacional, Outro elemento importante que estrutura a Fi- ura 15.1 € a concepeo de que todas as atividades implicam em diferentes nfveis de intervengao. Um primeiro nivel, mais superficial, é 0 téenico, em que 0 profissional se responsabiliza por intervir em pro- ‘cessos a partir de instrumentos e procedimentos co- hecidos © ou disponfveis. Um segundo nivel — o estratégico —inclui a possibilidade de o profissional participar da formulagio de estratégias que incorpo- fam aquela atividade espeeffica. Finalmente, o ter- Ceito nivel, indica a possibilidade de intervengiio no plano da formulacao de politicas globais part a or- ‘ganizacio, que se descobram em agdes estratégicas etéenicas congruentes. Como se observa na Figura 15.1, atividade de pesquisa em contextos organizacionais e frente a pro- blemas de trabalho é vista como uma atividade fun- dante de todo 0 campo, basica para quaisquer niveis ‘de intervencao e para quaisquer atividades nos seus vrios subeampos de atuagiio. Assim representada, a pesquisa é vista como indissociavel de uma pratica _profissional competente e cticamente responsével. A partir da representagio apresentada, Bastos (1992) descreve um conjunta de movimentos inova- yes na. pritica do psieélogo organizacional e do ‘trabalho que se encontra sintetizado no Quadro 15.6. Astransformagdes observadas sao agrupadas em trés indes movimentos: dentro de cada atividade, no interior do subcampo e, finalmente, um movimento ral entre os mbitos de intervengaio. Tais movimen- refletem a produgao cientifica e a pritica nstrufdas na década de 1980, perfodo fértil em re- es sobre o significado social da atuacio profi al do psiodlogo no Brasil. Caraeterizam, também, realidacle vivida até os anos 80. inicio dos anos 90 século XX ¢, pelo dinamismo com que a realida- se apresenta, em alguns dos seus aspectos, ja io eptiveis mudangas significativas. Observe-se com um pouco mais de detalhes ‘movimentos que esto reconfigurando a priti- a profissional do psicélogo organizacional e do tra- balho no Brasil. O primeiro deles ocorre no interior das priticas tradicionais e que constituem 0 niicleo central da representacao do que significa ser psics- Jogo organizacional. Embora continuem sendo pré- ticas desempenhadas ~ talvez ainda sejam aquelas que dominantemente ocupam a maioria dos profissi- onais da area — todas elas sofreram importantes tran- sigdes em fungio do desenvolvimento cientitico e das transformagGes nos contextos de trabalho. A and- lise do trabalho, atividade basica que fundamenta ‘muitas outras intervengdes no campo, tem recorrido, crescentemente, a uma multiplicidade de técnicas, face as transformagdes na natureza do trabalho hu- mano ¢ ao crescente impacto das novas tecnologias. A dinamica de evolucao do conhecimento e da téc nica, por outro lado, tem levado a que tais anilises deixem de ser meras descrigées do estado atual e in- corporem uma visio prospectiva, para capturar as mudangas que esto ocorrendo. As atividades de re- crutamento e selegao foram fortemente terceitizadas pelas empresas, sendo responsivel pelo crescente nit mero de consultorias ou pequenas empresas presta- doras de servigos que agregam psicdlogos autén>- ‘mos ou contratados, As transformagées ore: cionais ¢ a demanda de um novo perfil de trabalha- dor tém levado a inovagées no processo de selegio, diminuindo o peso de instrumentos tradicionais eam- pliando © espago de técnicas que permitem avaliar habilidades e competéncias interpessoais, por exem- plo, O campo de rreinamento e desenvolvimento ex- perimenta um forte creseimento pela demanda de edu- cagiio continuada e pela conseiéneia de que 0 conhe- cimento e a permanente atualizagaio é fator primor- dial de competitividade organizacional. Outra ten- déncia importante ¢ a de tornar o trabalhador um’ agente ativo dos processos de desenvolvimente de suas competéncias profissionais ¢ pessoais, Finalmen- te, a atividade de avaliacdo de desempenho, de for: ma congruente com as transformagdes em todo 0 sis- tema de gestio de pessoas, experimenta transforma- bes que a levam a ter um papel mais central nesse sistema, incorporando avaliagdes de diferentes ato- res (nao apenas do supervisor ou do chete), se vincu- Jando mais estreitamente ao desempenho de equipes ce grupos, além de incoxporar uma dimenso que tam- bém considera o potencial de cada trabalhador e nio apenas o seu desempenho real. O segundo movimento inovador caracteriza-se como um alargamento do cargo. Ou seja, a insergio 480 Zanclli, Borges-Andrade, Bastos & cols. QUADRO 15.6 Movimentos inovadores na Psicologia Organizacional e do Trabalho Anilise do trabalho Recrutemento e selogaio Treinamento Avaliagao de desempenho Administragao de pessoal Qualificagao, Condigoes de trabalho e Relagdes de trabalho Mudangas organizacionais Movimento 1: praticas consolidadas ¢ tradicionais sao renovadas nos seus procedimentos | Movimento 2: novas praticas sao incorporadas, ampliando as propostas de interven¢ao Movimento 3: amplia-se o nivel de intervengao frente aos problemas organizacionais e do trabalho *+ Novas tecnologias demandam habilidades que requerem novos mé | todos de andlise (influéncia de elementos cognitivos). + Assume um cardter prospective ~ as mudangas sao intensas. *+ Diminui o peso dos testes psicolégicos e novos instrumentos sao usados. * Cresce 0 interesse pelo processo pré-selegdo: a importancia de ex: pectativas realisticas. * O-conhecimento ¢ a aprendizagem sao fatores de competitvidade: | a8 ages de treinamento se ligam a mudangas culturais e tecnolégicas. mais amplas. + Autogerenciamento do proceso de crescimento e desenvolvimento ossoal 0 profissional. * Ampliam 0 seu escopo e deixam de ser feitas apenas pelo gerente ou | supervisor. * Sd vinculadas com o desempenho do grupoyequipe e da organizagéo. | * Avaliagao de potencia: vinculo com planos de desenvolvimento ecarreira. + Planejamento e entiquecimento de cargos * Movimentagao e desligamento de pessoas * Remuneragao e beneficios + Planejamento de recursos humanos + Desenvolvimento do carroiras © planos de sucessao Desenvolvimento gerencial Desenvolvimento de equipes Seguranga e preven¢ao de acidentes Ergonomia Satide ocupacional Programas de ajustamento e bem-estar Assisténcia psicossocial Programas de integragdo e socializagao Regulagao de contlitos, Mudangas nos padrées de gestéo Mudangas na organizagao do trabalho Programas de qualidade de vida no trabalho Programas de qualidade total * Do foco no individue ha um movimento consistente para entender e | intervir sobre questées organizacionais mais amplas. Consideragéo da gestio de recursos humanos integrada e estratégica. + Amplia-se 0 reconhecimento de que a pesquisa ¢ uma pratica indis- pensdvel para fundamentar as intervengdes organizacionais. Além de propiciarem 0 conhecimento da realidade, funcionam como estra- tégias de participagaio dos empregados. * Do plano das iécnicas (aplicar instrumentos para solugao de proble- mas especiticos) a atuagao evolu para 08 planos das faticas e estrar 18gias e, finalmente, para o plano da formulagao de polfticas para as. agées organizacionais. do psicélogo em equipes multidi cursos humanos conduziu a que novas atividades, até gressassem em cursos de especi entdio desempenhadas por outros profissionais, tam- mestrados em administragio, 0 que pode expli bém fossem incorporadas ao leque de competéncias em parte, esse alargamento de competéncias. Na do psicdlogo. A inexisténcia de um sistema amplo — deadministragao de pessoal, surgem psiclogos: de especializaggio em Psicologia Organizacional edo _yolvidos com planejamento de cargos, moviment iplinares de re- rabalho, no Brasil, fez com que os psicdlogos jizagzio ou mi Psicologia, Organizagées ¢ Trabalho no Brasil 481 ¢gio de pessoal, remuneragio e beneficios e, até mes- mo, planejamento global das necessidades de recur- 30s humanos. No campo da qualificagdo, aparecem as atividades de desenvolvimento de carreiras, de- senvolvimento gerencial e desenvolvimento de equi- es, que expandem o conceito de treinamento clissi- co. Um subcampo cresce e se consolida de tal forma ‘que, neste inicio de século, ocupa parcela significati- va dos psiedlogos organizacionais ¢ do trabalho: as condigdes de trabalho e seus impactos na satide do wabalhador. A atengao a satide ocupacional © & ergonomia se destaca nesse dominio. Apesar disso, 05 psicdlogos atuam em menor proporgao nas ques- t0es de acidentes de trabalho, problemas de ajusta- mento e bem-estare na assisténcia psicossocial a tra- balhadores. O crescimento desse campo faz.com que ele ultrapasse os limites convencionais da Psicolo- gia Organizacional — ao extrapolar os “muros” das indistrias, o psicdlogo passa a lidar com categorias ‘ocupacionais diversas que vivem a situagio de de- semprego ou de afastamento do trabalho em fungao de problemas de satide, o que requer novos modelos, novos conhecimentos e novos procedimentos de atu- aco, O crescimento desse subcampo, novamente co- loca o psicélogo fremte uo desatio de uma compreen- so mais ampla do que esté ocorrendo no mundo do trabalho e de seus impactos nas organizagdes e nos trabalhadores, impulsionando contatos interdiscip! nares coma Sociologia do Trabalho, Teorias Organi- zacionais, Economia, entre outros. Outra vertente de ampliagio das atividades do psicdlogo organizacional se di no campo das relagdes de trabalho. As transi- g@es vividas pelas empresas tem levado a uma aten- gio especial ao fendmeno cultural a As necessirias transformagGes dos padres e pressupostos que defi- nem a cultura organizacional, Essa atengdo coloca o desafio de ages voltadas para a socializagiio ¢ inte- aragio, para a regulagao de conflitos ¢ para a prepa- ragio de novos padrdes de ago gerencial necessati- 6s, visando os novos modelos de organizagyio do tra- balho e de estruturacao das organi Finalmen- te, 0 proprio processo de mudanca organizacional constitui abjeto privilegiado do estudo e das inter= vengoes do psicétogo. O terceiro movimento tem um carter diferen- te:ele destaca transigdes que esto configurando uma intervengio do psicdlogo em Ambitos mais comple- x05 da propria organizagio. O psicdlogo passou a contribuir para as decisoes em nivel estratégico (Bas- tos, 1992; Zanelli, 1994). Se administrar tornou-se equivalente a coordenar capacidades para construir comunidades de acdo, em busca continua de padroes coletivos de desempenho, a dimensio psicoldgica ou comportamental adquiriu novas demandas de siste- matizagio e responsabilidades. O psicdlogo passou a prestar servigos de assessoria ou consultoria inte- ‘grada aos procedimentos de mudanga implementados pela organizagio, em um esforco para acompanhar as ransformagdes & sua volta e as reagdes internas da comunidade organizacional, Mais do que acom- panbar, a preocupagio volta-se, no que se relaciona com a perspectiva psicoldgica, para firmar uma dire- Go, construir um movimento seqdencial e relacio- nar as partes com o todo. Sobretudo atento para pa- drGes auto-reprodutores que tendem a perpetuar 0 que esti estabelecido que no mobilizam e nic pro- vocam as transformagies necessarias. O psicdlogo, para colaborar com os processos administrativos, depende de conhecer 0 processo t0- tal de trabalho, ter consciéncia das atribuigGes indi- viduais e das unidades, bem como de articular visio, missio, valores, metas e estratégias organizacionais. Pretende aumentar a capacidade estratégica, conso- lidar predisposigdes para mudangas ¢ fortalecera for- magiio de equipes de alto desempenho. Simultanea- mente, visa desenvolver a capacidade gerencial de refletir ¢ questionar as proprias finalidades, a forma de realizar os processos c a rapidez.com que os utiliza Nessa dimensio, é preciso compreender as interagdes sociais, sempre permeadas pelos confli- tos de interesses, que levam a reter recursos e parti- cipar de articulagses politicas, formando coalizdes para conquistar e ampliar o poder. E necessario or- ganizar as ages, fornecer treinamento apropriado, incentivar a formagiio de equipes ¢ recompensar justamente, como condigoes preliminares para que a disposico para mudangas passe a ser um elemen- to definidor da cultura organizacional. Atuar com base nesses prineipios requer per- sisténcia do psicdlogo e integragao multipro- fissional. Requer ter presente que, se as organiza- ‘g6es propdem participacio, elas precisam comba itarismos, privilégios, preconceitos e injus- tigas, aceitando as diferengas e conciliando tena mente os multiplos interesses, com vistas ao bem coletivo. Isso pressupde trabalhar com mudanga: a partir do que existe. Pressupde, ainda, compreen: der a organizagio como um fendmeno psicossocial, 482. Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. em todas as suas implicagSes — uma construgio his- (rica e social. Enfim, entender a organizagio como uma aposta de sobrevivéncia, com as implicagdes Gticas da natureza do lucro, quando € 0 caso de or- ganizagdes com fins lucrativos, © no que tange a busca de retribuigto justa ao esforgo no trabalho. Também no segmento interno das organiza- Bes, os psicdlogos tém analisado as implicagdes da construgiio psicossocial em suas influéncias so- bre a satide do trabalhador. As politicas e diretrizes que se estabelecem acabam afetando os valores 0s padrdes de comportamento que se propagam no local de trabalho e acarretam, em maior ou menor grau, 0 desgaste fisico e psicolégico. Os prejuizos para a satide do trabalhador, de proporgdes epidé- micas no mundo de hoje, tém suas causas, em uma anilise macro, nas tendéncias econdmicas e teenol6- gicas. Repassadas para o Ambito organizacional, fogem ao controle das comunidades locais € sio comandadas por uma busca desesperada de resul- tados para a sobrevivencia. Nas organizagdes que visam fins lucrativos, em grande parte, imperam valores que desprezam a qualidade de vida. Os dirigentes em nivel central, também em or- ganizagdes que nio estio diretamente voltadas para © lucto, por razdes diversas, mostram dificuldades para préticas participativas ou mesmo consultivas, embora as novas propostas de gestio recomendem com veeméncia o compartilhamento das decisdes. O que se observa, com freqiiéncia, é a delegagao dos problemas e niio a redistribuigdo de poderes para resolvé-los. O distanciamento entre as exigéncias do am- biente de trabalho e as expectativas e necessida- des do trabalhador tem levado a varias difieulda- des na vida das organizagoes, com prejuizos dbvi- 8 para sua satide e com mais sofrimento. Entre as dificuldades, talvez a mais encontrada, em todo lugar, é a que revela uma sensagio de sobrecarga pelo excesso de trabalho, Também sao queixas fre- giientes: a falta de controle sobre o prdprio traba- Iho, de recompensa justa, de unidio entre as pesso- as ¢ de equlidade (Maslach e Leiter, 1999). Isso faz retornar As mudangas necessdrias, bem além do Ambito individual, mas na perspectiva da cons- trugdo coletiva do que constitui uma organizagio. No segmento externo ds organizagdes, os psi- cGlogos tém se dedicado as consequiéncias do traba- Iho informal ¢ aos efeitos sobre quem se encontra excluido ou sobre quem pretende reingressar nc cuito das atividades formais de trabalho. Tamb carreiras, entre tantas outras que focam a relagdo individuo como trabalho e ocupagtio, nao ‘mente no interior de organizagdes. sentimento de inadequagio social e pela anga das perspectivas de sobrevivéncia. A exclusi posto de trabalho ou a incluso forgada em. dades caracterfsticas do subemprego, ou transferéncia para uma posigio inferior aq pessoa ocupava no mercado de trabalho, tém in plicagdes Sbvias na auto-estima, por sentimen de falta de valia, de incapacidade € de incomy tncia, Vale observar que tais implicages possuen muitos pontos de coincidéncia com o estado p colégico que advém da aposentadoria. Ocorre que 0 desemprego é um fendmeno fendmeno complexo © que comporta 0 exame de miltiplas reas disciplinares, com as perspecti de varias reas de conhecimento. Diversas si0, por tanto, as explicagies ¢ buscas de determinantes para © fato de mesmo os paises desenvolvidos, tendo crescimento econdmico, manterem taxas de desem- progo clevadas, segundo seus padrdes hist6ricos, Fala-se em desemprego estrutural, produto do ace-_ Ierado desenvolvimento tecnolégico — claramente, um poupador do trabalho humano, Discute-se, tam- bém, como politicas macroeconémicas potencia- lizam a crise do emprego. Cabe ao psicdlogo ter uma compreensiio ampla do cendrio de transforma- Bes que marcam © momento atual, no qual o de- semprego é um subproduto importante para que possa atuar junto a populagio de desempregados € subempregados ¢ resgatar sua capacidade de mobi- lizar recursos para sua reinsergao no mercado de trabalho, Por fim, em qualquer opgio de exercicio, a pritica do psicdlogo exige busca de ética admi- nistrativa ¢ politica, visio de mundo caleada em: jorosidade, pesquisa, criticidade, flexibilidade, competéncia e disponibilidade para interagir em ‘equipes multiprofissionais. Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 483 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO: UMA VISAO GERAL DA AREA DE CONHECIMENTO E DO CAMPO DE INTERVENCAO ©o idere-se que a denominagio Psicolog Organizacional © do Trabalho inelui larga abrangéncia, uma vez. que busca compreender 0 comportamento das pessoas que trabalham, tanto em seus determinantes ¢ suas conseqiiéneias, como nas possibilidades da construgao produtiva das agdes de trabalho, com preservacio méxima da natureza, da qualidade de vida e do bem-estar hu- mano. Essa visto da area de conhecimento ¢ do campo de intervengio tem orientado muitos pro- fissionais, dentro ou fora das universidades. No senso comum, de algum modo, todas as pes- s0as elaboram teorias para entender o comportamento ¢, se nio fosse assim, seria impossivel interpretar a ago no cotidiano da convivéncia humana, Isso tam- bém ocorre quando as pessoas observam 0 compor- tamento humano em organizagdes de trabalho ou, simplesmente, quando observam outras pessoas tra balhando, em qualquer que seja o contexto. A Psico- Jogia (¢ outras areas de conhecimento), ao procurar compreender 0 comportamento humano no contexto de trabalho, também elabora teorias. Contudo tais teorias diferem das do senso comum, & medida que as interpretagdes silo feitas com a preocupagao de obter consisténcia ldgica na articulagaio dos concei- tos, com base em observagdes cuidadosas ¢ em siste- mitica utilizagio dos procedimentos de pesquisa ou de intervengao. Isso é proprio do que é conhecido como disciplina cientifica ou como rea de conheci- (0 cientifico © suas decorrentes atividades de aplicagio. Também nesse ambito, sempre existem razbes que explicam 0 comportamento, bem mais complexas do que os modelos do senso comum ten- dem a estabelecer. Uma representaco esquemitica de como se articulam fendmenos que integram 0 campo da Psi- cologia Organizacional e do Trabalho pode ser exa minada na Figura 15.2, construfda a partir das idgias desenvolvidas por Drenth, Thierry Wolff (1998), De um modo muito simples, o conceito de com- portamento, transposto para a area da Psicologia Organizacional e do ‘Trabalho, pode ser apreendido como 0 fazer humano no ambiente de trabalho, Nao serestringe, portanto, aquilo que pode ser observado Psicologia do trabalho * Mercado de trabalho + Andlise de trabalho (cargas) + Desemprogo + Desempenhotfatores. + Saide/estresse no trabalho Trabalho Comportamento/ Fazer humano Gestao de pessoas * Recrutamento, selegéo + Educaedo e treinamento * Avaliagao de desempenho + Planos de carreira * Desenvolvimento gerencial Psicologia organizacional + Motivagdo, satistacao * Gestio, poder ¢ conilito * Cultura organizacional + Processos de mudanga * Lideranga, processos decisérios Ambitos de andlise * Atitudes, percepgdes, emogdes + Individual + Grupal + Organizacional + Ambiental FIGURA 15.2 Interfaces pertinentes ao campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho. 484 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. diretamente, incluindo estados subjetivos, intengdes, motivagées, crengas e valores. Esse fazer humano implica uma unidade complexa que articula, no pla- ‘no pessoal, as dimensdes cognitiva eafetiva em seus clementos implicitos explicitos; unidade que inte- gra, em cada aco especitica, fatores individuais, sociais e culturais. Vale destacar, desde jé, que ocom- portamento humano no trabalho se torna foco de in- teresse em diferentes niveis ou Ambitos de andlise — cleé tomado como objeto de estudo e de intervenco nos dimbitos individual, grupal ¢ organizacional. O interesse pela ago humana, no entanto, ins- ereve-se no interior de dois outros fendmenos: o tra- balho e a organizagao. Como trés vértices de um tri- Angulo, as interfaces entre esses fendmenos constitu- em a superficie que delimita trés subcampos dentro da frea, O foca de interesse em compreender e lidar com as questGes que relacionam 0 comportamento lumano eo trabalho (emprego efor tarefas) consti- tui o subcampo denominado Psicologia do Trabalho ‘que, entre varios outros objetos de investigagiio e de intervengao, estuda a natureza dos processos de or- ganizacio do trabalho e seus impactos psicossociais, especialmente sobre a qualidade de vida e a satide do trabalhador, tanto individual quanto coletivamen- te. Esse subcampo preocupa-se em entender como desempenho humano no trabalho & afetado por fato- res pessoais, ambientais e pela forma como o traba- Iho esté organizado. No entanto vai além do trabalho em organizages ao tomar como foco de interesse a questo do desemprego, afastamento do trabalho por aposentadoria c seus impactos, assim como todo 0 proceso de preparagio para a inserciio no trabalho. O segundo subcampo—a Psicologia Organiza- ccional emerge das interagGes entre comportamento no trabalho ea organizagao. O interesse central, nes- se subcampo, é entender e lidar com os processos psicossociais que caracterizam as organizagées de trabalho como conjuntos de pessoas cujas agoes pre- ccisam ser coordenadas a fim de atingir metas ¢ obje- tivos que definem a missiio de uma organizagéo. Os exemplos que constam na Figura 15.2constituem uma pequena amostra de um universo bem amplo de fe- némenos, tomados para investigagiio e para interven- G0 na Psicologia Organizacional. De forma sintéti- ca,a contribuigao da Psicologia para a compreensao dos fen6menos organizacionais envolve o exame de como 0s processos microorganizacionais (atitudes, crengas, valores, percepgdes, construgio de signifi- cados, emogies, etc.), apoiados na diversidade indivi- dual, articulam-se e de que modo, a partir dessa at Cculatio, emengem os processos macroorganizacion: (estruturas, cultura, poder, politicas, etc.) que, por: vez, constituem 0 contexto que configura, limita e afeta os proprios processos microorganizacion Finalmente, 0 terceiro subcampo surge darela Jo entre a ago humana e a organizagiio prop mente dita, enfocando o conjunto de politicas e pri s que revelam a estratégia utiizada para org «10 individual e a coletiva de forma cor apoiadas em concepgGes e politicas gerais, define as formas como a organizagao capta, integra, 2 desenvolve e retém os seus membros. Verifica: das suas contribuigdes € que, sobretudo, asseguren niveis adequados de qualidade de vida no trabal O exame da Figura 15.2 ¢ a descrigio de co Psicologia Organizacional e do Trabalho estées turada hoje, como Area de estudo ¢ campo de in gio, necessitam do destaque de trés caracteristicas: a) H&uma ampla diversidade de fenémenos que suscitam interesse de pesquisa e de- mandam intervengies do psicélogo or ganizacional e do trabalho. Aamostra de temas ¢ fendmenos utilizados para. descrever cada subcampo nao deve levar a vé-los como espagos de ago separados. Muitos dos t6pi- cos podem ser analisados e estudados sob prismas oriundos dos trés subcampos. Esse 60 caso, porexem plo, da avaliagio de desempenho: mais do que uma ferramenta de gestio (com fundamentos e procedi- mentos desenvolvidos e a desenvolver), ela implica em anailise do trabalho e das condigoes em que este é executado, Implica, também, os processos psicos- sociais que tal agtio desencadeia nas organizagoes, com claras repercussGes na dindmica das relagées interpessoais ¢ intra-organizacionais, Os trés subcam= pos contribuem com anilises de facetas distintas de qualquer um dos t6picos que venham a serdestacados. Noinicio do século XXI, nas atividades de pes- quisa e de intervengiio do psicdlogo organizacional Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 485 € do trabalho em todo mundo, revelam-se estudos que exploram fendmenos em variadas situagées: se- legao de empregados, treinamento, avaliagao de de- sempenho, carreira, rotatividade, lideranga, motiva- io e comprometimento, estresse ¢ satide, valores ¢ cultura, diferengas de género no trabalho, desempre- g0 e outros. Vinculado a universidades, a empresas ua consultorias, 0 psiedlogo investe boa parte de seu tempo em coletas ¢ anilises, relat6rios, apresen- tacdo de resultados e interpretagies, instrugées, ori- entagdes e atividades administrativas. Busca anal sar tarefas e contextos de trabalho, fomecer elemen- tos para sulugSes de problemas, colaborar no plane- jamento de programas, implementar e acompanhar mudangas ¢ outras atividades ligadas ao fazer huma- no, seja no ambiente fisico das organizagées de tra- balho, seja fora deles. b) O dominio da Psicologia Organizacional edo Trabalho envolve varios Ambitos de anilise e de intervengio. As organizagées so sistemas com miiltiplos niveis de complexidade e ambitos de abrangén Quaisquer produtos ou resultados organizacionais podem ser examinados e avaliados como afetados por caracteristicas e processos que ocorrem em qua- tro ambitos: + Individual —as caracteristicas que diferen- ciam as pessoas em termos de personalida- de, atitudes, valores, crencas, aptiddes, ha- bilidades, competéncias © os processos psicossociais bisicos (percepgao, motivagao, aprendizagem ¢ outros) constituem fatores explicativos para a aco humana no trabatho e para os resultados que ela produz. A titulo de exemplos: a qualidade do desempenho, satisfagiio no trabalho e o nivel de estresse podem ser atribuidos & conjugagao de fato- res inseridos nesse ambito, que prioriza papel do individuo ea sua hist6ria particular como determinantes mais criticos. + Grupal — os processos que configuram a dinimica dos grupos e das equipes nos con- textos de trabalho constituem um segundo Ambito de exame no qual sto encontrados importantes elementos que ajudam a com- preender os mesmos produtos humanos ¢ organizacionais, Estilos de liderangas, pro- cessos de comunicagio, confflitos, exereicio de poder, normas grupais, entre outros, so fatores que interagem com fatores individu- aisna determinagdo da qualidade do desem- penho, dos niveis de satistagao, da rotati- vidade, do estressee de outros resultados de interesse do campo. + Organizacional ~ as arquiteturas organiza- cionais © suas caracteristicas estruturais, a dinamica cultural e politica, o modelo de or- ganizagio do trabalho, o desenho das tare- fas, sao exemplos de elementos que confi- guram a organizagdo como uma unidade glo- bal e cujas caracterfsticas interagem com os processos grupais e individuais na determi- nagio dos mesmos resultados. + Contextual ou ambiental -a érea dos estu- dos organizacionais trabalha, cada vez mais, ‘com um quarto émbito de exame. As organi- zagdes nao podem ser vistas como unidades agindo em um vacuo social. Pelo contririo, as caracteristicas ambientais — mudangas tecnoldgicas, politieas, sociais, culturais, eco- ndmicas—constituem o entorno maior, intera- gindo com decisdes no Ambito organizacional que afetam e so afetadas pelos processos micro e meso, Tradicionalmente, a Psicologia limitou-se a estudar ¢ intervir no ambito microorganizac:onal (aqui equivalente aos Ambitos individual e grupal). Em um movimento crescente, os dois Ambitos adi- cionais passaram a ser vistos como indispensiveis para uma compreensio integral dos processos organizacionais e, em decorréncia disso, para 0 de- senvolvimento de estratégias de intervencZo mais, adequadas & complexidade desse sistema, Se for considerada a trajetéria hist6rica do campo, pode ser constatado que, tanto no plano da pesquisa quanto no campo da intervengio, 0 desenvolvimento se deu na diregio de incorporar niveis mais complexos da realidade da organiza- io e do mundo do trabalho. Qualquer que seja 0 fendmeno, o tema ou pro- blema escolhido, nao pode ser abordado cien- mente ou softer intervengdes em contextos es- peciicos se forem levados em conta apenas os fato- res individuais implicados, como nos primeiros mo- delos de intervengio confiados aos psicdlogos. Ni veis elevados de estresse, por exemplo, no podem 486 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. ser explicados apenas por caracteristicas de perso- nalidade, desconsiderando padrdes de relagées entre chefia e trabalhador, estruturas de poder, eargas de trabalho, organizagio do processo produtivo, pres- supostos culturais e, até mesmo, politicas macroeco- némicas que fragilizam o trabalho e geram insegu- ranga. Da mesma forma, um desempenho insat fat6rio nio pode ser creditado e trabalhado apenas no plano de habilidades e competéneias do indivi- duo, desconsiderando dinamicas grupais, mudangas tecnalégicas, caracteristicas estruturais e culturais que singularizam uma determinada organizagio ou, até mesmo, as politicas governamentais relativas 4 edu- cago em geral ¢ & qualificagio do trabalhadot. Isso faz com que todo esse dominio amplo de conheci- mento partilhado por varias dreas disciplinares se torne patriménio comum para um conjunto de pes quisadores ¢ profissionais preocupados como traba- Iho humano com os contextos ¢ as condigdes em que ele ¢ realizado. Esse movimento, que toma o campo difuso amplo, nao se dé isento de tensdes e contlitos. Impli- caquestionar a identidade historicamente construida € a possibilidade de o psicslogo organizacional e do trabalho perder caracteristicas distintivas frente a outros profissionais que atuam nesse amplo espago de ago. Em alguns casos, tal movimento, de forma exagerada, negligencia, perde de vista ¢ até abando- na a perspectiva do fendmeno psicolégico ou o am- bito individual que classicamente Ihe foi confiado nessa divisio do trabalho. A Psicologia desaparece no meio de explicagies socioldgicas, antropoldgi- cas, politieas e econdmicas. Os psicdlogos acabam aprendendo a reproduzir discursos e ficam incapaci- tados para agir frente a problemas concretos ea indi- viduos e grupos singulares. Por outro lado, movimen- tos para reafirmar a importincia do sujeito em todo esse processo se fortalecem, em uma tensiio conti- nua que revela as dificuldades do campo em equacionar, ainda nesse momento, a classica dicotomia entre individuo e organizagao ou entre in- dividuo e sociedade. Mais do que nunca, impée-se a necessidade de um conhecimento multidisciplinar © de uma intervencao multiprofissional para os fend- menos que configuram tal campo da Psicologia. ¢) A Psicologia Organizacional e do Traba- Iho, para cumprir a sua missio como area de conhecimento e campo de intervengio, requer, necessariamente, estreita interface com outras dreas © campos. Modelos tesricos ¢ seus correspondentes pro- cedimentos metodoldgicos tratam, nas ultimas déca- das, de considerar o fato de que, ao longo do tempo, tanto o individuo como o contexto de trabalho mu- dam, sob a influéncia de fatores diversos. Face a tais complexidades ¢ dinamicidade, os estudos ¢ as in- tervengdes da Psicologia Organizacional e do Tra- balho tém se tornado visivelmente interdisciplinares. Foi analisado, nos capitulos 2 ¢ 3 deste livro, que 0 estudo ¢ a compreensio das organizagdies de trabalho requerem oaporte de conceitos ¢ metodolo- gias de distintas areas disciplinares. Nenhuma dea cientitica especifica possui o monopélio no tratamen- to de um determinado fendmeno; pelo coniratio, 0 mais comum € que um mesmo fendmeno seja objeto de anilises de distintas dreas cientificas. Assim, para o psicdlogo atuar de forma abrangentee tecnicamente competente requer 0 aportede conhecimentos ¢ pers- pectivas de andlises que provéem de varias discipli- nas. Ou seja, para compreender os problemas orga- nizacionais € do trabalho, 0 psieslogo depende de resultados cientificos de uma vasta gama de pesq sadores e, para tanto, estabelece interfaces com a So- ciologia, a Antropologia, as Ciéncias Politicas e ou- las, como fica exemplificado no Qua- A Psicologia Geral e, mais diretamente, a Psi- cologia Social fornecem os elementos de base para suas atividades profissionais. No entanto as demais disciplinas é que vio permitir a compreenstio dos pro- blemas relativos 20 contexto de trabalho e das orga- nizagdes nos méiltiplos Ambitos que os constituem. Finalmente, vale destacar que as atividades que caracterizam a insergao do psicdlogo nas organiza- ges ¢ no mundo laboral esto ligadas ao exercicio da investigagao cientifica, em ambientes académi- 0s OU Nao, € A pritica de intervengdes no contexto extensivo do trabalho, formal e informal. Atuando como pesquisadores, consultores ou empregados em organizagdes, os psicdlogos, em sua maioria, apli- cam as descobertas de pesquisas na area e interagem continuamente com outros profissionais Seu exercicio profissional, muitas vezes, centra- se em encontrar respostas para problemas de inter- vengiio, o que pode evar a uma idéia de superposigio da pesquisa com a intervengao. Isso apenas une 0 escopo de atividades do pesquisador com 0 do Psicologia, Organizagéecs ¢ Trabalho no Brasil 487 QUADRO 15.7 Principais contribuigées da Psicologia e de disciplinas paralelas nos estudos das organizagées de trabalho Areas ou subareas Principais contribuigées Psicologia geral Psicologia social Sociologia Adi istragao Antropologia Ciencias pollticas Economia Educagao ‘Aprendizagem, motivagao, personalidade, percepcéio, emacdes, to- mada de docisdo individual, mensuragao de atitudes, estresse. ‘Mudanga comportamental, mudanga de atitude, lideranga, comunicacao, processos grupais, tomada de dacistio em grupo, cognigao social, Dindrica de grupo, equipes de trabalho, comunicacao, comportamento intergrupal Poder, politica, contlito. Dinamica do mundo do trabalho. Emprego desemprego. Proceso de trabalho. Organizagao do trabalho. Qualifi- cagao e desqualiticagao da forga de trabalho. Teoria das organizagoes, tecnologia organizacional, mudanga organizacional, cultura organizacional. Ambiente organizacional. Es- tratégias organizacionais. Diversidade cultural: Valores e atitudes comparadas. Andlise transcutural. Cultura organizacional, Contos, politicas intra-organizacionais, poder. Dinamica produtiva. Impactos de novas tecnologias. Produtividade, Emprego e desemprego. Politicas macroeconémicas, Qualificagao para 0 trabalho. Aprendizagem em contexto de trabalho. Tecnologias instrucionais. aplicador e deve ser visto no sentido das qualifica- ges necessérias ao profissional, qualquer que seja sua opgio de exercicio, em que pesem claras dis ges entre pesquisa e intervencio. A pesquisa-agio, criada por Kurt Lewin, é um exemplo elissico de recurso metodol6gico para, ao mesmo tempoem que se respeitam os postulados do método cientifico, iden- tificar um problema relevante e buscar envolver a comunidade organizacional para encontrar solugGes, agir ¢ avaliar as conseqiiéncias dos procedimentos empregados em todo processo de investigacio ¢ PERSPECTIVAS DO CAMPO E DESAFIOS PARA A CONSTRUGAO DE UMA IDENTIDADE DO PSICOLOGO ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO BRASILEIRO Algumas reflexdes conclusivas de Katzell e Austin (1992), apds uma anidlise retrospectiva do desenvolvimento da Psicologia Organizacional nos Estados Unidos da América, sio pertinentes por reconhecerem avangos e identificarem desafios que cercam a atuagio profissional em geral, levando em conta que os autores se apiam em uma reali- dade especifica, mas que teve e continua tendo um impacto significativo no desenvolvimento da érea em todo o mundo, Algumas das conclusdes desses autores que, a0 que parece, melhor se aplicam a realidade do campo no Brasil: a) A Psicologia Organizacional e do Traba- Iho consolidou-se como uma disciplina ci- entifica, passando a contribuir para oavan- co do conhecimento sobre o comportamen- to humano, no geral e em contextos espe- cificos de trabalho, A publicagio de ma- nuais importantes e cada vez mais volu- mosos revela o crescimento dessa area de conhecimento ¢ deixa clara a sua estreita relagdo com outros dominios da Psicolo- gia e demais ciéncias sociais aplicadas. b) A Psicologia Organizacional passou a dar crescente contribuicao para a pratica de gestio das organizagGes, quer pela inser- Gio de profissionais, quer pela produgao de conhecimentos indispensaveis a tal empreendimento. ©) Nos seus aspectos substantivos, hd temas ¢ técnicas que foram superados, outros que reaparecem ciclicamente ¢ alguns modismos que sio comuns a todo o campo da gestiio. Despontam, contudo, algumas tendéncias consistentes: uma maior preocupagao com 488 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. ‘endmenos grupais e organizacionais quan- do comparados com variaveis individuais ¢ do trabalho; um maior peso de conceitos ¢ técnicas cognitivas ecomportamentais; uma maior atengio a varidyeis afctivas ¢ motivacionais; um maiorreconhecimento da complexidade € multideterminagio de ati- tudes ¢ comportamento no trabalho; um in- teresse por t6picos relativos a altos niveis de gestao: processos decisGrios e estratégi- as quando comparados & atengo anterior 20 nivel de supervisio e de gestiio de pesso- as; uma maior atengéio aos produtos da vida laboral © seus impactos fora do trabalho: estresse, relagio entre familia e trabalho, carreiras, etc. Finalmente, o conjunto de té&- nicas profisssionais tem permitido no ape- has uma atuagao como especialista ou con- sultor, mas também como pesquisador e como agente de mudanga. 4) Certamente, existem problemas que acom- panham importantes realizagSes do psicé- Jogo organizacional e do trabalho, Entre alguns deles: 0 uso, ainda nos dias de hoje, de técnicas ¢ concepgdes pouco conheci- das ¢ de validade incerta; a existéncia de psicdlogos que sio apenas teendlogos, atu- ando sem a necessiria base cientifica; a grande atengao dada, coletivamente, para questdes triviais; 0 fato de que, freqtiente- mente, a atuagio profissional ainda é orien tada mais pelas respostas ja conhecidas do que pelo exame cuidadoso das situagdes. Tais problemas se devem, entre outros fa- tores, as deficiéneias de formagio c treina- mento do psic6logo organizacional Tantoos conhecimentos e habilidades necessé- rios ao psiedlogo para atuar no campo profissional brasileiro, quanto sua identidade e imagem tém sido continuamente debatidos desde a década de 1950 (Zanelli, 2002). Contudo, ao longo de mais de meio século, as atividades realizadas pelos psicdlogos em organizagées de trabalho tém sido precariamente consolidadas. Ao examinar as atividades potenciais (aquelas que vio além do escopo das atividades tradicionais), 0 cendrio ainda é incipiente. Em outras palavras, 0 psicélogo ainda niio é incluido no ambito profissional das organizagbes e do trabalho pela maior parte da populagio (incluindo os dirigentes) ou ¢ vi to, algumas vezes, como o profissional restrito a se- legio de pessoal. Nesse ponto, sempre & bom lem- brar que cabe aos profissionais desse campo a res- ponsabilidade de tornar claramente conhecidas as Possibilidades de suas contribuigSes. Os determinan- tes de tal situacao podem ser atribufdos a diversos fatores, mas parte das explicagdes esti nas deficién- cias da formagio do profissional psicSlogo. As competéncias necessérias para a formaciio do psicd- logo organizacional e do trabalho continuam sendo desenyolvidas insuficientemente na preparagiio dos ‘graduandos dos cursos de Psicologia para atuar nes- se campo. Entre os conhecimentos necessérios para tal exercicio siio admitidos t6picos como os processos de trabalho, o fendmeno organizacional, as priticas de gestdo, 03 modelos de diagnéstico ¢ intervengio, 08 procedimentos de avaliagiio ¢ assim por diante, Entre as competéncias, tem sido comum alertar para uma formagio dirigida nao apenas para intervenges, como se fossem desvinculadas dos fundamentos da pesquisa (ver Capitulol6, neste livro). Também se destaca a necessidade de distinguir entre as ativida- des tradicionais do campo e aquelas que caracteri- zam o profissional como agente de mudangas em ni- vel estratégico, seja como consultor interno ou ex- temo nas organizagées. Como tal, além das compe- ‘éncias técnicas, espera-se que o psicdlogo desen- volva também as competéncias pessonis, interpes- soais ¢ politicas como, por exemplo, a de sensibili- zar os membros da equipe multi ou interprofissional (¢ os demais integrantes da comunidade) da pertinéncia de suas propostas. Com a mesma rele- vaneia, espera-se que saiba avaliar e comunicar os resultados de suas intervengGes. Qutras competénci- as siio requeridas para ocupar posigdes de direcio ¢ supervisiio, muitas vezes solicitadas nesse campo de aluagdio. Enfim, entender o fendmeno psicolégicoem suas relagdes com 0 contexto, tanto mediato como imediato, ¢ 0s limites do conhecimento especializa- do é fundamental para trabalhar nesse campo. A falta de identificago do psicélogo com as atividades caracteristicas do campo é atribufda em parte a um viés que ainda perdura na categoria. Tra- ta-se da visio do exerefcio como profissional liberal ede um modelo médico de atuagio, como ficou co- nhecido, em atividades chamadas “de consult6rio”. Mais do que isso, o modelo leva a colocar as causas dos problemas no prdprio “paciente”, dificultando a ampliagao das atividades para o plano do estabeleci- Psicologia, Organizagées e Trabalho no Brasil 489 mento de politicas e diretrizes dos padres de com- portamento da coletividade — com claras possibili- dads de natureza preventiva, Ao mesmo tempo, para © estudante socializado no ideal proposto pelo mo- delo, a pritica da Psicologia nas organizagbes, cujo ceme 6 0 comportamento organizacional (portanto, coletivo), quando ocorre, € vivenciada como frus- trante ou acaba por conduzi-lo a uma percepgao de simesmo como “nao psiedlogo”. Portanto, ointeres- se pelas atividades especificas, os valores e as com- peténcias compativeis com o que ¢ exigido no con- texto do trabalho so elementos essenciais da identi- dade do profissional nesse campo de atuagio. ‘Uma maior insergao do psicdlogo e uma ampli- ago das atividades possfveis no campo profissional, aliada a uma prolongada auséncia, no Pats, de orga- es de referéncia, de veiculos de divulgagio das produgdes e de programas de pés-graduagao clar mente voltados para a drea de conhecimento, até bem pouco tempo estavam vinculados 3 falta de identida- de do segmento e sua baixa expressividade dentro do conjunto da categoria. Atualmente, a Psicologia Organizacional e do Trabalho esta incluida pelo me- nos em algumas Tinhas de pesquisa nos programas de pés-graduacio em Psicologia de alguns estados brasileiros (ver Capitulol6, neste livro). A criagio de uma revista cientitica (Revista Psicologia: Orga- nizagdes ¢ Trabatho) e de uma sociedade (Socieda- de Brasileira de Psicologia Organizacional e do Tra- allio), no ano de 2001, podem contribuir para o for- talecimento da identidade dos psicdlogos brasileiros nesse segmento de atuagao e resultar em maior integragio, clareza de propdsitos e seguranga no exer- cieio profissional Ao tempo em que a Psicologia Organizacional edo Trabalho consolida-se como um dominio pré- prio, com instituigdes e grupos voltados para o de- senvolvimento do conhecimento produzido e apri- moramento das ferramentas para atuagao, vale res- saltar o reconhecimento de que habilidades, antes previstas como especificas daqueles que se inseri- am nesse dominio, estio sendo vistas como neces- Sirias 4 formagao bisica do proprio psicdlogo. ‘A ampliagio do modelo de atuago do psicdlo~ ‘goe sua crescente insergiio em organizagées ¢ insti- tuiges (especialmente aquelas voltadas para os ser- vigos de satide) tornam indispensével que, indepen- dente do dominio especifico de atuagao, todo psics- logo seja capaz de analisar e compreender 05 pro- cessos organizacionais imbricados no contexto em que atua. Mesmo que tais processos nie eriam oalvo da sua atuagdo técnica, compreendé-los e avaliar os seus impactos nos fendmenos sobre os quais interfe- re toma-se, cada vez mais, um requisito para uma atuago profissional éticae tecnicamente responsivel. EM SINTESE O aparecimento da Psicologia Organizacional edo Trabalho, no mundo ocidental, coincide com 6 despontar da prépria Psicologia como campo geral de estudos e aplicagio. No cenfrio brasilei- ro, a Psicologia aplicada ao trabalho comegou a surgir associada a tentativas de racionalizagio e 4 procura de um cardter cientifico e inovador no controle dos processos produtivos. Os desafios especificos postos pelos contextos sociais, econémicos, politicos e tecnolégicos, que marcaram a trajet6ria humana no século XX, influ- enciaram a constituigdo do campo da Psicologia Organizacional ¢ do Trabalho. O desenvolvimento dos conceitos ¢ das técnicas para lidar com os desa- fios continuamente estiveram vinculados a uma base ‘ou a antecedentes sociais e culturais. A Psicologia, uma jovem cigncia na primeira metade do século XX, passou a figurar entre as disciplinas que forneciam apoio e legitimidade aos métodos administrativos € suas correspondentes priticas, voltada para a com- preensiio ¢ intervengiio nos fendmenos e processos relativos ao mundo do trabalho e das organizagdes. No Brasil, o desenvolvimento do campo acom- panhou, em compasso subordinado, as ocorréncias mundiais relativas 3 rea, Sua evolugio persistiv e, quando a profissio foi reconhecida legalmente, na ‘écada de 1960, 0 campo da Psicologia aplicada ao trabalho j@ estava definido. Contudo, ao longo de mais de meio século, as atividades realizadas pelos psicélogos em organizagdes de trabalho tém sido precariamente consolidadas. Ao examinar as ativi- dades potenciais (aquelas que vio além do escopo das atividades tradicionais), 0 cenério € incipiente. O psicdlogo ainda é visto como o profissional res- trito & selegio de pessoal ou, quando muito, ao tre namento e avaliag’o de desempenho. ‘As aceleradas mudangas na tecnologit petigao internacionalizada, as novas demandas dos clientes ¢ a remodelagem nas relagées de trabalho sio transformacdes que tém acarretado o restabele- cimento das politicas de gestio de pessoas, com con- seqiiéncias para o ambiente extensivo de trabalho. acom- 490 Zanelli, Borges-Andrade, Bastos & cols. idenciam elementos indispensaveis para o psicd- logo refletir sobre sua pritica tradicional e buscar alternativas para o exercfcio profissional, de modo a intervir na gestdo atento 1 maneira como so organi zadas as atividades, ao grau de integragiio entre as politicas, & estratégia geral, 4 estrutura, 3 tecnologia utilizada e ao alinhamento das ages humanas. A tarefa central ou a missiio da Psicologia Organizacional e do Trabalho pode ser resumidaem explorar, analisare compreender como interagem as miiltiplas dimensdes que caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizagdes, em um mun- do crescentemente complexo ¢ em transformagio, ‘Tem a finalidade de construir estratégias e procedi mentos que possam promover, prescrvar e restabele- cer a qualidade de vida e bem-estar das pessoas. A contribuigao da Psicologia para a compre- ensiio dos fendmenos organizacionais envolve 0 exame de como processos microorganizacionais (atitudes, erengas, valores, percepgdes, construgao de significados, emogaes etc.), apoiados na diver- sidade individual, articulam-se ¢ de que modo, a partir dessa articulagao, emergem os processos macroorganizacionais (estruturas, cultura, poder, politicas, etc.) que, por sua vez, constituem o con- texto que configura, limita e afeta os prdprios pro- cessos microorganizacionais, Entender 0 fendme- no psicolégico nas organizagées de trabalho en- volve varios ambitos de andlise e de intervengao (por exemplo: 0 técnico, 0 estratégico e 0 das po- Iiticas globais da organizagio). Requer, necessari- amente, estreita interface com outras reas de co- nhecimento e campos de atuagao, Alguns movimentos estio reconfigurandoa pré- tica profissional do psiedlogo organizacional e do trabalho no Brasil. O primeiro deles ocorre no interi- or das praticas tradicionais e que constituem o ni- cleo central da representagio do que significa ser psicdlogo organizacional, influenciadas pelo desen- volvimento cientifico e pelas transformagdes nos contextos de trabalho. O segundo movimento inova- dor caracteriza-se como um alargamento do cargo, ou seja, a insergo do psiclogo em equipes multi- disciplinares de recursos humanos conduziu a que novas atividades, até ento desempenhadas por ou- {ros profissionais, também fossem incorporadas a0 leque de competéncias do psicslogo. O terceiro mo- vimento destaca transiges que esto configurando ‘uma intervengo do psicdlog>em Ambitos mais com- plexos da propria organizagao. O psicdlogo passou a contribuir para as decisbes em nivel estratégico. bbém no segmento interno das organizagbes, 0s psi- cdlogos tém analisado as implicagdes da const psicossocial em suas influéncias sobre a satide do. trabalhador. As politicas e diretrizes que se estabele cemacabam afetando os valores eos padres de: portamento que se propagam no local de trabalho, acarretam, em maior ou menor grau, o desgaste co € psicol6gico. No segmento externo as organiza es, 0s psicélogos tém se dedicado ais conseqiiénci- as do trabalho informal e aos efeitos sobre quem se encontra excluido ou sobre quem pretende reing no circuito das atividades formais de trabalho. As interfaces entre o comportamento, traba- Iho e a organizagao constituem trés subcampos den tro da Psicologia Organizacional ¢ do Trabalho: a interface entre o comportamento humano e otrabalho. (emprego e/ou tarefas) constitui o subcampo denomi= nado Psicologia do Trabalho. © segundo subcampo- ‘emerge das interagoes entre comportamento no trae balho e a organizagdo: a Psicologia Organizacional. O terceiro subcampo surge da relagao entre a agao- humana ea organizagio propriamente dita, enfocando © conjunto de politicas ¢ praticas que revelam a es- tratégia utilizada para organizar a acao individual ea coletiva de forma congruente com os seus objetives e missiio: as priticas de gestiio de pessoas. ‘Trés caracterfsticas so notadas nesse campo, ‘com implicagdes para as atividades de pesquisa: hd uma ampla diversidade de fendmenos que suseitam interesse de pesquisa e demandam intervengdes do psicdlogo organizacional e do trabalho; o dominio da Psicologia Organizacional e do Trabalho enval- ve virios ambitos de andlise e de intervengio; aPsi- cologia Organizacional e do Trabalho, para cum- prir a sua misso como drea de conhecimento ecam- po de intervengdo, requer, necessariamente, estrei- {a interface com outras dreas e campos. Por fim, mais alguns aspectos merecem ser relembrados: soba influgneia das transformagdes do con- texto social e do desenvolvimento da cién- cia, a amplitude € 0 escopo da atuago do psic6logo organizacional e do trabalho tém. sido efetivamente alargados e colocam a ne- cessidade de intereimbios mais fecundos com outros dominios da Psicologia e com outras areas disciplinares; Psicologia, Organi ‘Ges ¢ Trabalho no Brasil 491 — épreciso compreender as interagSes sociais, sempre permeadas pelos conflitos de inte- resses, que levam a reter recursos e partici- par de articulagées politicas, formando coa- lizdes para conquistar e ampliar o poder; — em qualquer opedo de exereicio, a pratica do psicélogo exige busca de ética adminis- trativae politica, visdio de mundo caleada em rigorosidade, pesquisa, criticidade, flexibi- lidade, competéncia e disponibilidade para interagir em equipes multiprofissionais; ~ ointeresse pelas atividades especificas, os valores e as competéncias compattveis com © que € exigido no contexto do trabalho siio elementos essenciais da identidade do profissional nesse campo de atuagio; ~ habilidades, antes previstas como especifi- cas daqueles que se inseriam nesse domi- nio, esto sendo vistas como necessirias 2 formagiio basica do proprio psicdlogo. 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