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quinta-feira, 22 de abril de 2010

A Super Parcialidade da Superinteressante sobre Chico Xavier

Carlos Antonio Fragoso Guimarães,


Jáder Sampaio e Alexandre Moreira-Almeida

De muitas formas e meios, um mesmo instrumental, a depender de como é


utilizado, por ajudar ou prejudicar certas coisas. A mesma luz que pode ser usada para
clarear e esclarecer caminhos pode ser usada para ofuscar e cegar, a depender da
intenção de quem a manipula. A imprensa é um destes instrumentais que, em boas
mãos, esclarece, mas muitas outras é usada como mais um meio de manipulação de
fatos para se enquadrar em um modelo existente, a priori, nas concepções de quem
assina uma reportagem.

Dizemos isto por uma questão muito simples: nós, os ocidentais, estamos cada
vez mais desacostumados de pensar. Apesar de termos orgulho de nossa civilização
científica, preferimos que a responsabilidade crítica e reflexiva fiquem nas mãos de
certos “especialistas”, entre os quais, os chamados “formadores de opinião”, que
inclui, entro outros, jornalistas e empresas de comunicação e imprensa.

Que a indústria da imprensa, ao menos em seus setores mais poderosos, é


exatamente isto, uma indústria ou um comércio que busca o lucro, por vezes em cima
de polêmicas, por vezes em cima de deturpações, não chega a ser novidade. A cada
ano, exemplos disto explodem em diferentes mídias. Na TV, por exemplo, o triste caso
da Escola Base, ocorrido em 1994, bem ilustra, entre vários outros tal fato. Na ocasião,
professores e proprietários da referida escola foram, a partir de boatos e intrigas,
acusados injustamente pela maior rede de televisão do Brasil de terem abusado
sexualmente de uma aluna. Claro, uma acusação como esta, partindo de onde partiu,
logo atairia a atenção de redes concorrentes, pelo potencial de audiência do caso. Não
demorou muito e os meios legais acabaram provando que os acusados nada tinham a
ver com o que foi publicado, mas o descrédito, a desconfiança e os danos morais e
profissionais se abateram antecipadamente sobre aquelas pessoas, transformadas, de
fato, em vítimas, e nada foi feito contra a poderosa denunciante e demais redes que
seguiram a falsa acusação que, contudo, auferiram os lucros das vendas de jornais e
das audiências de TV.

Em 1982, a mesma poderosa organização, atrelada desde o início com o poder,


não importando de onde vinha, aliou-se aos militares para pro em marcha um dos
maiores processos de fraude já pensado contra a vontade de eleitores, ansiosos para
que as cinzas do golpe de 64 passassem o mais rápido possível. Na ocasião, o TER
estava informatizando as eleições. O candidato Leonel Brizola, recém anistiado, em
todas as pesquisas estava muito à frente dos candidatos favoráveis ou menos
potencialmente nocivos aos militares do poder. Esta seria a primeira eleição de âmbito
geral após o fim do bi-partidarismo imposto pelos militares, e que contaria com muitos
anistiados que, desde o início, se punham contra o regime de exceção, entre eles
Brizola, famoso desafeto do dono da grande organização de comunicação.

Segundo Ricardo Leal, uma incansável campanha nas ruas, empolgadas com o sonho
da resistência democrática ante a ditadura, levou toda uma militância forte junto aos
grandes centros industrias periféricos e municípios do Rio de Janeiro com grande
população, principalmente os da Baixada Fluminense. O candidato do PDT crescia
extraordinariamente em popularidade junto ao eleitorado sob olhos incrédulos dos
militares, da organização de comunicação em questão e de parcelas da elite de direita
reacionária. Segundos os dizeres de Ricardo Leal, sobre o ocorrido:

“Nos debates públicos, Brizola era um orador de primeira: tinha” timing


televisivo”, emoção nas palavras e experiência para atropelar os outros candidatos e
deixá-los sem discurso. Especialistas em pesquisas já prenunciavam um inevitável
crescimento do candidato pedetista até o dia das eleições. Estava na hora do “regime”
bolar uma maneira de conter o ímpeto brizolista , nem que fosse “por debaixo dos
panos”. Estava armado o “Circo Proconsult”.
“A Proconsul t(que tinha em seus quadros pessoas ligadas ao SNI) foi criada
exclusivamente para servir ao TRE do Rio de Janeiro naquela eleição. Era subsidiária da
Racimec (empresa que ganhou o monopólio das máquinas de loterias da Caixa
Econômica Federal nos anos 70)que posteriormente viraria GTEC(empresa envolvida
no escândalo Waldomiro Diniz).O Sistema Globo se baseou nos números da Proconsult
para divulgar os resultados parciais apurados. Já o grupo JB utilizou os números da
apuração manual registrados nos mapas das juntas de apuração.

“O que se viu, já no primeiro dia de apuração, foi um intrigante desencontro de


informações nos dois mais importantes jornais do Estado.Enquanto O Globo divulgava
Moreira Franco na liderança projetando uma vitória do mesmo com uma diferença de
60.000 votos sobre Brizola, o Jornal do Brasil divulgava Brizola na frente com
possibilidades de vencer o pleito com uma diferença de quase 200.000 votos.

“Enfurecido,com as primeiras suspeitas de fraude , o candidato do PDT aciona


seu staff de campanha para tentar evitar a consumação da farsa. Uma parte da
maracutaia, logo descoberta por Cesar Maia, era a seguinte: em zonas onde o PDT era
forte ,cédulas em branco eram preenchidas manualmente em favor do candidato do
“regime” a fim de alterar os boletins de informação que alimentariam a totalização
eletrônica. Mas o pior ainda estava para ser descoberto:os computadores da
Proconsult estavam programados para que a cada quantidade efetiva de votos
atingidos por Brizola, se abatesse automaticamente um percentual dos mesmos. Essa
“programação”ficou conhecida como Fator Delta.

“Matérias publicadas no Jornal do Brasil sobre o Fator Delta e da diferença dos


números apresentados pela Rádio JB dos próprios boletins das juntas apuradoras e os
apurados pela Proconsult ganham destaque na mídia nacional (apesar da Rede Globo
nada anunciar no primeiro momento) e aumentam a suspeita de fraude nas apurações
do Estado.O responsável técnico da Proconsult, Arcádio Vieira, em diversas entrevistas
tenta, em vão, explicar porque Leonel Brizola perdia tanto voto. Segundo Vieira o fato
da eleição não ser só para governador, mas também para senador e deputado e por
ser vinculada(todos os candidatos votados deveriam ser do mesmo partido)dificultava
a validade do voto dos eleitores “descamisados” que em sua maioria seriam eleitores
do PDT.

“Curiosamente depois das fracassadas tentativas de explicação de Arcádio ,os


números da apuração publicados em O Globo começaram a ficar parecidos com os do
Jornal do Brasil e Brizola seria entrevistado no Jornal da Globo onde teria
oportunidade de, finalmente, desabafar toda a sua angústia no veículo de seus
algozes,mas surpreendentemente respondendo a Armando Nogueira,
que(estranhamente humilde)dirigindo-se a ele como governador sugeriu que o mesmo
fizesse uma menção de desagravo a Proconsult, Brizola relaxou:”Em determinados
momentos na vida é preciso esfriar a cabeça antes de tomar qualquer atitude.Confio
na Justiça Eleitoral e tenho certeza que serei o próximo governador do Rio de Janeiro.

“Quase um mes depois do início das apurações, votos


recontados(manualmente)o TRE divulgava o resultado oficial das eleições para o
governo do Rio de Janeiro:Leonel Brizola 34,2% dos votos,Moreira Franco 30,6%,Miro
Teixeira 21,5%,Sandra Cavalcanti 10,7% e Lysâneas Maciel 3,1%. A diferença entre os
dois primeiros foi de aproximadamente 180.000 votos.

“As projeções manuais do grupo JB haviam derrotado,com folga, as projeções


tecnológicas do Sistema Globo.” (Ricardo Leal, “Etc&Tal”,
http://tudoglobal.com/etcetal/tag/eleicoes-1982)

A parcialidade de parte da impressa por vezes ostenta um preconceito classista,


especialmente de certos repórteres e "âncoras" de veículos de comunicação, passando ao
largo de qualquer aspecto ético, especialmente em seus bastidores. Isto também teve
uma ilustração patética no último dia do ano de 2009 quando Boris Casoy fez um ácido
e preconceituoso comentário assim que terminou de repassar os quadros das matérias a
serem transmitidas àquela noite. Na ocasião apresentou-se os desejos de feliz ano novo
que dois garis, por sinal muito simpáticos - sendo um deles já um senhor de certa idade
-, que o gravaram para o Jornal da Band a pedido da própria emissora. O pronto
comentário de Casoy, que não sabia que o áudio estava aberto após a chamada da
reportagem, foi: "Que m... "Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas
vassouras. Dois lixeiros! O mais baixo da escala do trabalho" (clique aqui para ver o
ocorrido em video no Youtube). A polêmica geral levou Casoy a pedir desculpas no dia
seguinte, mas de forma visivelmente contrariada, (como também se pode ver em video
do Youtube). Muito mais nobre e sensível foram as declarações posteriores dos próprios
garis ridicularizados por Casoy, que podem ser vista clicando-se aqui.

O mesmo processo de tendenciosidade, de modo geral, pode se dizer que é


encontrado no império de certas editoras, em especial em publicações que, se um dia
foram sérias, hoje apelam quase que constantemente para o sensacionalismo. Isso
parece ocorrer freqüentemente com o império gráfico da família Civita, dona do
conglomerado Abril que edita a agora já conhecida como mui-parcial Revista Veja.
Aliás, retomando o comentário do jornalista Luís Nassif, em seu blog sobre a mesma, de
que "nos últimos tempos, Veja passou a praticar o jornalismo mais escabroso", nos
parece que este mal passou também às outras publicações da Editora Abril, que têm
assumido uma atitude superficial e tendenciosa em suas publicações, incluindo-se a
revista que serviu de ponto de partido para este artigo, a Superinteressante.
Cabe aqui, antes de nos focarmos na questão que nos interessa, uma frase
célebre do jornalista Joseph Pulitzer (1847-1911), que daria nome a um dos prêmios
mais cobiçados por jornalistas e escritores na mídia americana:

"Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta


formará um público tão vil como ela mesma."

O mais recente caso de "surf" oportunista das revistas da editora Abril se deu por
ocasião do lançamento do filme sobre Chico Xavier, em dois de abril do corrente mês.

Claro, dentro dos princípios mais elementares de credibilidade, uma boa


reportagem se baseia, por lógica, na apresentação clara dos posicionamentos pró e
contra determinado assunto. No caso em questão, o assunto se referia à polêmica da
mediunidade do médium mineiro. Contudo, a reportagem escrita pela repórter Gisela
Blanco pecou, para dizer o mínimo, pelo primarismo do que deveria ter sido uma
"investigação" - se é que houve este espírito -, e não um pinçamento de opiniões
concordes a uma espécie de preferência de opinião. O resultado foi que a parte
destacada na estrutura da repórtagem impressa pareceu ter sido montada em um
mosáico já previamente traçado pela repórter, talvez por ter já sua idéia preconcebida
sobre a questão em pauta.

Seja como for, a tal reportagem apresentou com inúmeras falhas e uma visível
parcialidade que não escapou a quem, por mais cético que seja, tenha suficiente
equilíbrio para analisar e pesar as argumentações e indícios apresentados por um escrito
que se diz sério.

A falta de base da repórter em questões de pesquisas psíquicas salta aos olhos,


bem como a parcialidade e a ironia, com em se destacar mais os dizeres de outros
quando pareciam confirmar a suspeita "naturalista" de fraude, leimotiv da reportagem,
enquanto as opiniões opostas eram resumidas e reinterpretadas, quando não ironizadas,
pelo discurso da repórter. Opiniões de literatos, escritos e acadêmicos que se
debruçaram sobre a prodção de poesias atribuídas a poetas famosos, que foram feitas ao
longo do início da carreira conturbada do médium, foram negligenciados por opiniões
de pessoas que só conheciam Chico e sua obra por vias quase sempre indiretas. Assim,
afirmações como a do escritor Mário Donato, que assinou um texto para o jornal O
Estado de São Paulo, acerca da polêmica do processo movido contra Chico Xavier a
partir da viúva do escritor Humberto de Campos, em agosto de 1944, pedindo para
receber direitos autorais sobre a obra post-mortem do marido, ou reconhecer que a
psicografia era uma fraude. No final, o médium seria absolvido de qualquer acusação e
a família de Humberto de Campos, notadamente Humberto de Campos Filho,
reconheceria que foi uma injustiça a ação contra o médium mineiro. Seja como for, o
caso chamou a atenção de acadêmicos de renome. Ao analisar os escritos de Chico que
teriam sido ditados pelo escritor morto, Donato foi textual ao afirmar:
“Ou se aceita Humberto de Campos subsistindo no outro mundo ou se aceita
Chico Xavier valendo por um Humberto e mais meia dúzia de cérebros
superprivilegiados”, como Augusto dos Anjos, Castro Alves, Casimiro de Abreu, entre
outros.

E mais de trinta anos depois, Humberto de Campos Filhos se abraçaria com


Chico e, chorando, confessara:

- Tive vontade de dizer como Gorli diante de Tolstoi: “Veja que homem
maravilhoso existe na Terra”.

Contudo, o gabarito apriorístico da jornalista não estária aberto a estas opiniões,


mesmo o de um crítico literário, como Raimundo Magalhães, que comparou os poemas
constantes do primeiro livro de Chico, Parnaso de Além-Túmulo, com os escritos
conhecidos dos poetas quando vivos, para afirmar: “ Se Chico Xavier é um embusteiro,
é um embusteiro de talento. Para um homem que fez apenas o curso primários, sua
riqueza vocabular é surpreendente”. Ela preferiu julgamentos que se conadunassem com
uma visão voltada para a fraude e o anormal.

No texto da revista, quase todas as opiniões escolhidas pela jornalista se viravam


para uma interpretação oposta, quando chegou a levar em consideração qualquer
colocação que pudesse surgir de entrevista com pesquisadores menos céticos. Um
simples exemplo: por que a jornalista Giesela Blanco não procurou seu colega de
profissão mais experiente, Marcel Souto Maior, responsável pela pesquisa que deu
origem ao filme? Não seria isso ao menos uma base reconhecida de pesquisa? Ele não
teria nada a dizer sobre as questões de fraude que a repórter ventila? É por essas e outras
que a mim ficou a má impressão de que todo o texto da "investigação" foi um arranjo do
tipo "ouvi falar que", bastante seletivo, muito mais do que no confronto isento de
referências. Os "ouvi dizer que", especialmente quando catados para dar sustentação a
preconceitos a priori adotados por quem os escolhe, pode bem servir para boataria e
difamação, dando certo embalo a achismos, mas certamente não são provas de nada,
muito menos fundamentos ou evidências sérias de uma reportagem que se pretente ser
investigativa.

A impressão de que a reportagem de capa foi efetuada oportunisticamente e


meio às pressas foi quase que um consenso geral, se nos atermos às cartas enviadas por
muitas pessoas à Editora Abril. Mas nem seria preciso recorrer às mesmas, já que a
citada revista, para aproveitar a "onda" claramente esperada para a estréia do filme
sobre Chico Xavier, resolveu aproveitar um tema popular e que, já se sabe, vende, e
vende muito bem: o Espiritismo e, mais especificamente, a figura de Chico Xavier.

Contudo, a imersão no paradigma de mercado claramente adotada pela Editora


Abril não parece ter levado em conta a qualidade da pesquisa de campo com scholars
da matéria, talvez por supor, a priori, que o ponto de vista ultrapassado do modelo
biomédico do tempo de Charcot e Janet, que viam nos "Médiuns" ou qualquer sujeito
que aparente ter qualquer capacidade psíquica, incluindo a PES (perceção extra-
sensorial, incluindo traços de telepatia ou precognição, etc.) como pessoas com sinais de
desequilíbrio e/ou fraudadores mais ou menos hábeis, resolveria o "mistério" - que a
repórter parece dizer ter "descoberto" -, subrepticiamente postulando que as premissas
do espiritismo é uma impossibilidade ante à comunidade científica, o que deixa claro o
desconhecimento total da repórter pelos pesquisas mais básicas da área Psi, onde
autores como o Prêmio Nobel Charles Richet (Traité de Metapsychique) e, mais
recentemente, o parapsicólogo Joseph Banks Rhine (Fenômenos Psi e Psiquiatria), bem
como outros pesquisadores, como Guy Lyon Playfair e o astrônomo britâncio Archie
Roy, ambos membros atuantes da Society for Psychical Research, e todo o
Departamento de Estudos da Personalidade da Universidade de Virgínia, EUA, cujas
pesquisas e coleta de dados, especialmente as efetuados pelos Drs. Ian Stevenson e Jim
Tucker (http://wwww.healthsystem.virginia.edu/personalitystudies), afirmam
exatamente o oposto.

Josph Rhine, pai da moderna parasicologia, citando pesquisas de colegas em


universidades, é taxativo ao afirmar que

"em todas as direções mencionadas é completa a ausência de qualquer conexão


entre o sucesso em PES com aspectos neurôticos ou tendências psicóticas. Até
hoje nada indicou qualquer elo especial entre funções psicopatológicas e
parapsicológicas" (Fenômenos Psi e Psiquiatria, Hemus Editora, São Paulo,
1966, p. 40).

Tal tese associativa entre PES e psicopatologia, por mais esdrúxula que
saibamos ser hoje, é, por motivos tendenciosos a-científicos, amplamente defendida por
falsos ou pretensos auto-intitulados parapsicólogos, especialmente os de batina, como o
folclórico Pe. Quevedo (que não é membro da Parapsychological Association de Nova
York, embora diga que tenha seus livros validado por tal instituição. Estas e outras
afirmações muito mais graves de Quevedo foram por várias vezes desmentido por
pesquisadores autênticos da área, como podemos ver aqui) e seus diletos discípulos,
Juarez da Silva Farias e o não menos virtualmente conhecido - posto que histriônico
polmeista de sites da internet, contudo sem grandes recursos a não ser de repetir
superficiais e já muitas vezes desmentidos chavões quevedianos -, o "fenômeno" Luiz
Roberto Turatti.

Deste modo, ficaria claro para o leitor medianamente familiarizado com a


chamada literatura paranormal efetuada por pesquisadores sérios que o material, tal
como foi apresentado, seguiria os critérios de visão prévia, ou a priori, do assunto
profundamente eivada de vícios e de tendenciosidade. Seja como for, pela estruturação e
apresentação da matéria da Superinteressante, ficou claro que, nela, o Espiritismo é
basicamente atacado, como bem apontou Ricardo Alves da Silva, não por uma análise
investigativa imparcial que procurasse uma dinâmica de pontos de vistas díspares, mas
por ação "das falhas de um jornalismo realizado para atender interesses próprios (que
gera e/ou justifica a pressa no levantamento das informações e conclusões da
matéria)." (veja seu comentário integral no blog do Dr. Jader Sampaio, professor da
UFMG, do qual extraimos um ensaio apresentado mais adiante).

Ao que tudo indica, das entrevistas feitas pela repórter da Superinteressante com
as pessoas sobre Chico Xavier (muitas das quais forneceram materiais que acabaram ou
ficando de fora, ou sendo truncadas de acordo com a linha já anteriormente formatada
pela revista antes mesmo das entrevistas, como ficou claro no testemunho do Dr.
Alexandre Moreira-Almeida, da Universidade Federal de Juiz de Fora, que teve sua
entrevista estranhamente reduzida e "adaptada" na reportagem citada,
descontextualizando e retirando muito do que foi dito pelo citado psiquiatra) foram
pinçadas ou não dependendo do acordo que exibiam com a aproximação referencial já
de antemão tomada pela repórter: a de que Chico é uma fraude. Veja-se, para tanto, que
boa parte da reportagem parece se ter fundamentado nos trabalhos de Vitor Moura, que,
ao estilo dos antigos pesquisadores de gabinete, também pínça qualquer texto que
pareça dar margem à sua percepção pessoal de fraude, fazendo pouco de quem pensa
(com base) o contrário de sua tese. Veja-se, de Moura, seu blog em
http://obraspsicografadas.haaan.com Moura, que adota zelosamente uma atitude
cientificista e cética – na um ceticismo saudável de esperar pelas provas de ambos os
lados, mas o ceticismo positivista parcial que já encara o caso Chico Xavier como um
engodo sem apelação - utiliza dos mesmos argumentos antigos utilizados contra Chico
(mesmo por David Nasser que, anos depois da famosa reportagem da revisto O
Cruzeiro, diria que ter ajudado a levantar suspeitas contra a honestidade do médium
acabaria sendo um dos maiores remorsos de sua vida) de que o ex-matuto que terminou
os estudos na quarta-série primária era um leitor assíduo e imitador talentoso, querendo
explicar os “nomes de mortos desconhecidos do público, mas reconhecido for
familiares” como mero truque adquirido pela obteção de dados de modo aparentemente
indireto pelo médium, questão esta considerada ridícula por muitos dos que conheceram
não só a atividade de Chico como se debruçaram profundamente sobre as
características de sua produção mediúnica (Confira as colocações de Souto Maior sobre
isto no seu livro biográfico sobre o “mineiro do século”). Seja como for, pessoas como
Moura – que, a depender do ponto a ser criticado, pode ir de padres, como o padre
Negromente, que segue a linha de Quevedo, a mágicos, como James Randi, o crente do
niilismo materialista, é exemplo à perfeição da assunção de um papel cientgificista-
positivista criticada na célebre reflexão de Nietszche;

“Contra o argumento dos positivistas que dizem: ‘não há interpretações, apenas


fatos’, eu vos digo que fatos é o que menos há, mas interpretações”.

Sobre a tendenciosidade desta reportagem típica do império Civita pós-morte do


seu fundador, Victor Civita, vejamos o que escreveu o professor do departamento de
Psicologia da UFMG, Dr. Jader Sampaio em seu artigo "SUPERENVIESADO":

O difícil trabalho do jornalista


O trabalho do jornalista exige que ele apresente prós e contras de um ponto
polêmico sobre o qual está escrevendo, aponte diferentes pontos de vista, favoreça o
diálogo entre os atores sociais. Nem sempre o que ele escreve é afim à nossa forma de
pensar, e o jornalista competente sabe traduzir os contraditos com qualidade e de
forma bem embasada.

O mercantilismo da mídia e o jornalismo inescrupuloso

Ao lado da nobre profissão, temos o uso dos meios de comunicação como investimento,
altas tiragens, vendas elevadas, etc. Ao transformar o jornalismo em produto
mercantil, há quem não se incomode com o sensacionalismo e até mesmo com o
direcionamento do que escreve para uma finalidade instrumental.

O Jornalismo Manipulador

Quem não se recorda da lamentável matéria televisiva veiculada por uma grande
emissora após o debate entre os candidatos Lula e Collor? Eu havia assistido o debate
na véspera e fiquei atônito ao ver que um órgão de comunicação havia escolhido os
piores momentos de Lula e os melhores momentos de Collor no dia seguinte. (E olha
que não votei em Lula na última eleição).

Eu conheço jornalistas sérios e notáveis. Recordo-me de um que após a entrevista que


concedi, desabafou: não vou escrever a matéria, não tenho a clareza necessária sobre
o tema.

Recordo-me de outro de uma revista de circulação nacional, que me telefonou, sedutor,


dizendo que queria saber o que eu fazia de espírita na Universidade para dar
visibilidade ao Espiritismo. Eu desconfiei do tom amigável e sedutor e não lhe disse
nada. Ele insistiu, queria saber se eu ensinava Espiritismo em minhas aulas de
Psicologia do Trabalho (!!!!) e se adotava outras atitudes claramente sem ética. Na
semana seguinte vinha a matéria, que tinha por interesse vilipendiar um funcionário de
alto escalão do governo Fernando Henrique, apenas por ser espírita confesso e
atuante. Conversei com alguns dos entrevistados e eles me disseram que o repórter
chegou com uma pauta e perguntou outras coisas sem qualquer conexão com o objetivo
expresso, que publicou, pontual e maldosamente no artigo, visando desacreditar o
Espiritismo, para com isto atacar sua vítima. Não preciso dizer que não houve
qualquer menção à minha entrevista e à de outros que responderam de forma
semelhante.
É inesquecível, em meus tempos de estudante de graduação, o trabalho de um
jornalista que colheu entrevistas visando identificar irregularidades no ensino público
superior. Suas informações ficaram guardadas por meses e vieram à luz na semana em
que o congresso constituinte votava a gratuidade do ensino superior público. Não
preciso dizer que não se publicou nada de bom das universidades públicas. Pergunto
ao meu leitor: havia ou não intenção de interferir parcialmente no trabalho dos
constituintes, na defesa da opinião dos donos do jornal?

O Jornalismo de Superinteressante

Não me surpreende, portanto, que a Super, adote eventualmente esta linha


sensacionalista. Aparentemente o trabalho sobre o Chico Xavier quer mostrar dois
lados de um debate sobre a mediunidade. Seria excelente se fosse apenas isso, mas as
entrelinhas e insinuações da repórter denunciam sua intenção (será mesmo dela ou da
revista?): a de gerar descrédito e até ridículo na imagem pública do Chico.

1. Para fazer o contradito eles procuraram especialistas que estudaram o Chico ou sua
obra? Não.

2. Estudaram o trabalho do Chico em profundidade? Não.

3. Apresentaram os autores que pesquisam mediunidade? Sim e não (Ficou isolada e


descontextualizada a entrevista com o Dr. Alexander Almeida).

4. Usaram material de blogueiro, sem formação científica adequada? Sim.

5. Usaram termos da metapsíquica, há muito abandonados pela parapsicologia, como


hipótese alternativa à mediunidade? Sim.

6. Usaram epistemologia positivista do século XIX? Sim (comprovação de hipóteses


como sinônimo de verdade, em lugar de teste, corroboração ou falsificação de
hipóteses).

7. Sugeriram a explicação da mediunidade a partir dos sintomas das crises de


epilepsia? Surpreendentemente, sim.

8. Apresentaram hipóteses físicas sobre materialização como se fossem conhecimento


científico? Curiosamente sim. (Eles calculam a energia necessária para "surgir uma
massa do nada", o que não é hipótese espírita para a explicação de fenômenos de
materialização).

9. Ocultaram o conteúdo do episódio envolvendo David Nasser, seu colega de


profissão, mesmo falando da matéria de O Cruzeiro? Sim

10. Inventaram uma nova explicação para a mudança do Chico para Uberaba, sem
qualquer evidência? Sim.

11. Criaram uma imagem pública depreciativa para o Chico ao alcunhá-lo como
piadista? Sim. (Ao que me consta, ele não escreveu nenhum livro de piadas, e o próprio
Simonetti indignou-se ao ver como usaram o título de um de seus livros)
12. Alegaram fraude para as mensagens psicografadas pelo Chico com base em
boatos? Sim.

13. Fizeram um ataque ao filho de Chico Xavier, Eurípedes Higino, sem lhe dar o
direito do contradito? Sim, e ficou insinuado que ele usa os direitos autorais do pai
adotivo em benefício próprio.

14. Sugeriram com base em um depoimento de um repórter que todos os fenômenos de


odores no ambiente de materializações são fraudes? Sim.

15. Omitiram as conclusões do trabalho do Marcel Souto Maior, que estudou o Chico e
outros médiuns durante muito tempo para escrever seus livros? Sim.

16. Afirmaram a existência de uma indústria com o nome do Chico Xavier? Sim, e se
esqueceram de afirmar que eles também estão auferindo lucros, ao publicarem esta
matéria agora e não há um ano.

Concluindo

Depois disso tudo, devem ter vendido muitas revistas. Parabéns ao administrador
financeiro da Abril, meus pêsames ao editor. Não vou ficar argumentando contra um
trabalho tão pueril e maldoso. Se o leitor quiser, acesse o link do site de Richard
Simonetti. Ele está indignado e escreveu de forma incisiva, mas apresentou muitas
evidências em contrário do que publicou a Superinteressante (ou será
Superenviesada?)

http://www.richardsimonetti.com.br/artigos/superinteressante.html

Posteriormente, o autor, Jader Sampaio, acrescetou ao seu blog:

Publiquei o seguinte comentário na SUPER:

Que tal a super fazer uma nova matéria consultando pesquisadores da obra do Chico?
Recomendo o Dr. Alexandre Caroli Rocha - UNICAMP (mestrado e doutorado na obra
de Humberto de Campos), dar um espaço maior ao Dr. Alexander Almeida, o Dr. Raul
Teixeira - UFF, Benedito Fernando Pereira (Bacharel em Letras com monografia
sobre Olavo Bilac) Franklin Santana Santos (USP), Ubiratan Machado, Carlos
Augusto Perandréa entre outros. Acho que seria muito decente dar direito de resposta
ao Eurípedes Higino.

Por que não entrevistam direito o Marcel Souto Maior, que ficou anos estudando a
mediunidade do Chico antes de publicar os livros? Por que não listam todos os autores
que escreveram através do Chico para podermos cotejar com a suposta biblioteca que
afirmam que ele teria (com base no estudo da Magali?)?

Porque não descrevem o dia a dia do Chico antes e depois da aposentadoria, para
vermos o tempo que ele tinha para o estudo? Por que não apresentam as conclusões do
estudo de Alan Gauld sobre mediunidade (SPR - Inglaterra)?

Por que não apresentaram os resultados do trabalho de grafoscopia do Perandréa?


Uma coisa é certa, voces continuam na linha crítica da mediunidade, como já tive a
oportunidade de comentar em artigo escrito para a matéria médiuns de sua revista e
em outros trabalhos que escrevi discutindo outras publicações da editora Abril sobre o
tema. http://espiritismocomentado.blogspot.com/search?q=superinteressante.

Uma sugestão: saiam da suposta neutralidade jornalística e admitam que são críticos
da mediunidade. É mais honesto.

E o Dr. Alexandre Moreira-Almeida, psiquiatra e pesquisador da Universidade


Federal de Juiz de Fora com vários estudos sobre mediunidade publicados,
escreveu:

Abaixo, o e-mail que enviei ao editor da Superinteressante, Sérgio Gwercman

(...) No seu editorial da SUPER deste mês, você fala que uma boa reportagem deve ter
respeito e não reverencia, que o jornalismo exige a coragem de fazer perguntas.
Concordo plenamente, mas se um bom repórter deve ter a coragem de fazer perguntas
incômodas, deve também ter a coragem ainda maior de ouvir e levar seriamente em
consideração as respostas, mesmo que não estejam de acordo com a opinião do
repórter. Caso contrário, infelizmente, se confirmará o que o meu supervisor de pós-
doutorado na Duke Univeristy nos EUA, uma vez me disse:

"quando um repórter vai te entrevistar, ele geralmente já tem a matéria e as conclusões


na cabeça dele, ele apenas vai buscar na sua entrevista algumas frases que dêem
autoridade ao que ele quer escrever". E veja que esta opinião vem de um pesquisador
líder no mundo e que já deu centenas de entrevistas aos mais importantes órgãos de
imprensa do mundo.
(..)

Não vou me deter em aspectos gerais da matéria e que deveriam ser evitados em
qualquer matéria de jornalismo científico respeitável, como evitar ironias, adjetivos e
lançar suspeitas sem uma sustentação sólida. Me deterei apenas na parte que me diz
respeito. (...) expliquei para a repórter as possíveis explicações para o fenomenos que
têm sido levantadas por cientistas, inclusive indiquei para ela uma biblioteca virtual
(www.hoje.org.br/bves) onde ela poderia ver artigos cientíticos nesta área. Algumas
considerações:

- Embora ela tenha publicado que, para cientistas, a explicação não seria nem fraude,
nem "palavras do outro mundo", eu incluí estas duas possibilidades nas minhas
explicações. Possibilidades que são exploradas, por exemplo, nos artigos em anexo e
em de vários outros pesquisadores de todo o mundo nos artigos da referida biblioteca
virtual. Quem conhece pesquisas na área, sabe que estas são duas hipóteses que
devem sempre ser consideradas.

- Sobre psicose, ela omitiu que a hipótese de psicose foi uma hipótese muito comum no
início do século passado, mas que está desacreditada

- sobre o eletroencefalograma, enviei para a repóter dados da Liga Brasileira de


Epilepsia e de vários pesquisadores enfatizando que não é possível fazer um
diagnóstico de epilepsia com base apenas neste exame e ainda menos com base em um
fragmento muito pequeno e sem descrição das condições em que ele foi realizado. A
matéria ignorou todas estas informações para apresentar apenas o que foi publicado
em uma matéria jornalistica dos anos 70, de que seria epilepsia.

Com relação às poesias psicografadas por Chico Xavier e atribuídas a poetas


falecidos, indiquei que ela entrasse em contato com a maior autoridade academica na
área: o prof. Alexandre Caroli Rocha que defendeu mestrado e doutorado em
Literatura na Unicamp com base nos poemas e outros textos psicografados por Chico
Xavier. Tive o prazer de fazer parte de sua banca de doutorado. Ela de fato o
entrevistou, mas para minha surpresa ele ou as conclusões do trabalho dele não
foram citados na matéria, que continha apenas um trecho em que afirma que eram
"obras razoavelmente fiéis ao estilo dos autores que as assinavam", sem citar as
fontes para tal afirmação.

Naturalmente que um repórter deve ter a liberdade de escrever suas opiniões, mas,
principalmente em uma publicação de divulgação científica que se preze, não deve
ocultar deliberadamente as informações que não condigam com suas opiniões pessoais.
Todo o fruto da investigação jornalística deve ser exposto para que o leitor faça seu
julgamento. Espero que estas considerações sejam úteis à Superinteressante no
apimoramento de sua missão de bem informar a população brasileira realiando um
jornalismo científico criterioso e responsável.

Alexander Moreira-Almeida

- da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF


- Diretor do NUPES - Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF
www.ufjf.br/nupes

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