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Amelia Domingues de Castro = - Anna-Maria Pessoa de Carvalho onanizadoras M x Daniel Gil Perez a Denice Barbara Catani F Elsa Garrido Helena Coharik Chamlian ‘ ! es Laurizete Ferragut Passos = Manoel Oriosvaldo de Moura P Marli Eliza Dalmazo Afonso de André Myriam Krasilchik Sonia Teresinha de Sousa Penin Vani Moreira Kenski fe emi 10.2 A Cultura da Escola e a Nova Concepcio de Avaliagao ha Lei de Diretrizes e Bases da Educacao ‘Uma proposta de rompimento com a concepeo de avaliago que pune exclui 0 aluno em diregdo a uma concepeZo de progresso ¢ desenvolvimento da 186. Ensinar a Ensinar aprendizagem tem feito parte das mudaneas implementadas nas escolas brasileiras nos iiltimos anos ¢ esti entre as inovacdes preconizadas pela nova LDB (Lei n° 9.394, de 20/12/96 que estabelece as Diretrizes € Bases da Educagdo Nacional). Os critérios que deverdo ser observados em relagao 2 verificagiio do rendimento escolar apontam para tal inovagao € se encontram assim explicitados na nova le- gislagao:! a) aavaliagtio continua e cumulativa do desempenho do aluno, com preva- léncia dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados 20 longo do perfodo sobre os de eventuais provas finais; b) possibilidade de aceleracdo de estudos para alunos com atraso escolar; ¢) possibilidade de avango nos cursos e nas séries mediante verificagao do aprendizado; d) aproveitamento de estudos concluidos com éxito; e) obrigatoriedade de estudos de recuperagio, de preferéncia paralelos ao perfodo letivo, para bs casos de baixo rendimento escolar, a serem disci- plinados pelas instituiges de ensino em seus regimentos. As indicagdes contidas na LDB sio bastante interessantes € contemplam, de certa maneira, as propostas que vém sendo apresentadas e discutidas na litera- tura, Sabe-se, entretanto, que o fato de estar inclufda na lei nio significa, necessa- riamente, a garantia de mudangas nas escolas € no trabalho dos professores. As propostas de mudangas somente deixam de se constituir em intengdes, quando os envolvides diretamente no cotidiano das escolas se convencem da importancia de as, compreendem por que as estdo realizando, recebem orientagiio € dis- las, realiz: poem dos meios para concretizé Por onde comegar? Em que medida as escolas poderiam garantir apoio para o processo de mudanga da viso do professor em relagao a avaliagao e como poderiam contribuir para a reduco da distdncia entre o proposto na legislagio € 0 vivido na sua pratica? Como a escola pode conhecer as representagdes, saberes € prdticas que t8m seus professores sobre a avaliagao? Esses questionamentos se apéiam na idéia de que a escola possui um certo grau de autonomia que Benavente (1990) chama de “espessura do mundo escolar’ € do qual podem emergir os contextos facilitadores ou bloqueadores de qualquer processo de mudanga. A escola tem (ou pode ter), sim, um peso significativo na implementagio (ou nao) das mudangas. No entanto, a existéncia de forgas impul- sionadoras ou repressoras na instituicdo escolar nao € suficiente para a ocorréncia de mudangas. E necessirio, ainda, que haja disposigdo do professor para realiza- 1 LD.B/9364~ dezembro 1996, Capitulo 11 - Da Educaglo Bésica ~ Seco I ~ Das disposigées gerais - Ast. 24 Va) 6) c) d) e) Avaliaedo Escolar: Desatios e Perspectives 187 las, Benavente argumenta que mudangas nas priticas, valores e atitudes podem ser mais complexas que as mudangas na estrutura. Assim, a lei pode estabelecer nor mas, critérios € orientacdes para alteragGes das praticas; porém, elas s6 efetivamen- te se concretizardo se os profissionais da escola tiverem muita clareza e consciéncia das conseqiiéncias decorrentes dessas mudangas. A afirmagio de que as mudangas pedagégicas sempre supdem uma trans- formaciio das idéias ¢ das atitudes também é preconizada por teéricos como Postic (1992), Fullan (1986) e Cardinet & Weiss (1979). Eles ressaltam que € no interior das instituigdes escolares que se define o futuro delas. Assim, é neste interior que as condi¢ées subjetivas para o alcance de qualquer mudanga encontram seu pélo central. O que esses autores enfatizam é 0 peso que ganha a cultura da escola no So OU fracasso de um projeto. Tomando novamente os aspectos priorizados pela nova legislacio, percebe-se que o trabalho do professor na sala de aula, os procedimentos que utiliza para avaliar seus alunos, a relagdo com seus pares, a organizagao da sua aula com seus tempos e espacos jd ni so considerados como aspectos que dizem respeito ao professor individualmente. Ou seja, diferentemen- te do passado, em se tratando de mudaneas no trabalho do professor, toda a cultura da escola deve se voltar para elas. Gather Thurler (1998) pode nos auxiliar a entender a importancia de se levar em conta a cultura da escola para que novos posicionamentos, novas idéias e novas priticas possam se concretizar. Nesse sentido, ela chama a atengao para 0 fracasso de alguns projetos que, ao serem implantados nas escolas, ndo levaram em consideragao sua cultura, Para el Levar em conta a cultura do estabelecimento € refletir sobre os valo- res ¢ as normas, identificar 0 modo como as coisas “sio pensadas c feitas ali”, a mancira como os atores captam e descrevem a realidade, reagem 2 organizagio, aos acontecimentos, as palavras e as agGes, as interpretam ¢ Ines dao sentido. (p. 181) Concordando com a autora, uma das condig6es para que o novo modelo de avaliago se concretize em princfpios mais democraticos € nao negar o instituido da escola: sua hist6ria, as crengas e valores dos seus atores, a diversidade cultural nela presente. E preciso, em conseqiiéncia, valorizar as diferengas étnicas, cultu- rais € religiosas (como recurso e ndo como obstaculo pedagégico), seu curriculo, seu projeto pedagégico, suas formas de trabalho e modo de organizacio. Hi ainda outras condigdes que devem sustentar um modelo de avaliagdo pautado em prineipios mais democriticos, como 0 fortalecimento do trabalho dos professores, a colaboracao entre eles, a integragio dos pais e demais integrantes da equipe escolar nas discussGes € decisdes sobre uma nova forma de pensar a avali- agio e, principalmente, 0 incentivo a uma pratica educativa menos voltada para a competicdio e mais direcionada para a participagao. 188. Ensinar a Ensinar ‘Uma cultura escolar que nao negue o instituido deve ser construida, segun- do Gather Thurler (1998), pelos atores da escola, pois se trata de “... um processo dinamico, evolutivo, de um processo de aprendizado que se desenvolve através das solugdes que um grupo encontrou para problemas surgidos.” (p. 181). De acor- do com essa autora, deve ser uma cultura que favoreca comunicagao € coopera¢io, o entendimento e a negociagio € que crie forte identidade profissional a partir do envolvimento de todos no atendimento de objetivos comuns. ‘Nessa mesma perspectiva, a proposta de Saul (1992), que assinala a neces- sidade de se discutir a questio da avaliacdo no conjunto das mudangas que devem ocorter na escola, pode se concretizar com mais sucesso se a escola possuir essa dinamica da comunicagiio e participagdo como componentes efetivos de sua cultu- ra cotidiana. 10.3 O Projeto Pedagdgico como Suporte para Novas Formas de Avaliagao A discussiio em torno das mudangas nas priticas de avaliago vai pouco a pouco nos revelando que é 0 projeto pedagégico da escola que vai definir os rumos € a diregiio das mudangas que se quer realizar. O projeto nao pode se constituir, dessa forma, numa carta de intengdes ou em uma simples formalidade administra- tiva elaborada somente por alguns profissionais da escola. Deve expressar a refle- xo € 0 trabalho realizado em conjunto por todos os profissionais da escola, bus- cando atender As diretrizes do sistema nacional de Educacao e as necessidades locais ¢ especificas da clientela da escola. Em sintese, 0 projeto pedagdgico € a concretizagiio da identidade da escola e do oferecimento de garantias para um ensino de qualidade. Ao focalizar a relagio entre a construgo do projeto pedagégico e as mu- dangas nas priticas de avaliagdo, torna-se necessirio considerar as duas dimen- sdes constitutivas e indissociaveis do projeto da escola: a politica ¢ a pedagégica. ‘A dimensio politica do projeto refere-se ao compromisso com a formagao do cida- dao para a vivéncia numa sociedade mais democratica, Para Saviani (1983), ela é cumprida A medida que se efetiva, enquanto pratica pedagégica. Isso significa que 0 conjunto de decisdes e agdes concebidas ¢ definidas para o cumprimento de propési tos que levem a formar um aluno mais participativo, eritico e integrado na sociedade e na escola busca atender & dimensio pedagégica do projeto. Dessa forma, a percepeaio e compreensio de uma realidade que tem exclu- ido milhares de cidad3os do acesso ao conhecimento e deixado para tras um con- tingente também grande de alunos, em razio das sucessivas repeténcias, devem provocar na equipe escolar tomadas de decistio e definigao de agdes que alterem esse quadro. AvaliagSo Escolar: Desatios e Perspectivas 189 Dados da realidade brasileira devem alicercar a reflexo e o debate coleti- vo na escola. A elaboragdo e implementagdo de um projeto politico-pedagdgico que seja relevante a sociedade e a prépria comunidade a que serve nio pode igno- rar que dos 33 milhdes de estudantes do Ensino Fundamental no Pats, cerca de 10 miles repetem todos 0s anos, ou ainda, que sé no Estado de Sao Paulo, na andli- se da defasagem série/idade, verificou-se que até a 4* série do 1° Grau, os indices aproximam-se dos 30% e passam de 40% a partir da 5*2 Essas siio informagées de avaliagio do sistema de ensino que se constitu- em em subsfdios fundamentais para a construgdo do projeto politico-pedagégico da escola e para a definigdio da forma de organizacio do trabalho na escola e na sala de aula. Portanto, devem ser considerados tanto os dados globais da realidade quanto os dados do contexto em que esté inserida a escola. O ponto que se pretende enfatizar aqui é a orientagiio que o projeto pedagé- gico pode oferecer aos professores para julgarem se as formas de avaliagao que vém adotando tém favorecido, para todos os alunos, a apropriacdo de conhecimen- tos sociais, culturais, cientificos e tecnolégicos. E, mais do que isso, se tém permi- tido identificar as dificuldades de aprendizagem, os problemas escolares, suas causas mais provaveis € os encaminhamentos possfveis. Além disso, se tém levado os professores a um pensar coletivo sobre formas e agdes diferenciadas que promo- vam a aprendizagem do aluno. E essencial que a escola crie espacos coletivos para um pensar conjunto sobre as metas pretendidas com o ensino € a aprendizagem, sobre os recursos ma- teriais e humanos necessarios para alcancd-las e sobre os avangos € dificuldades que vio sendo encontrados. Esses momentos de reflexao coletiva so fundamen- tais para a construgdo de um projeto pedagégico genufno, que atenda as necessida- des daquele grupo especifico de sujeitos, que seja dindmico e que se refaca cons- tantemente em funcio dos desafios postos pela pratica. S6 um processo de pensar conjunto, pautado por um compromisso com 0 sucesso escolar de todos os alunos, pode ajudar a superar uma cultura excludente de avaliagdo que esta arraigada em nossas escolas, voltando-a para a promogio da aprendizagem. E nesse sentido que Demo (1995) reconhece a dimensiio democritica da avaliacdo, cuja razio maior € sustentar a aprendizagem do aluno através de uma agiio preventiva, com diagndsticos constantes e atualizados e com estratégias que busquem 0 crescimento e a evolucio positiva dos alunos. 2. Dades da Secretaria de Estado da Educacio no documento Reorganizecso da Trajetéria Escolar no Ensino Fundamental — Classes de Aceleraséo da Fundacéo pare 0 Desenvolvimento da EcucecSo. S50 Paulo, 1988. 190 Ensinar a Ensinar 10.4 Da “Cultura da Repeténcia” 4 Progressao Continuada ou Repetir é Diferente de Progredir Uma questo que se pode formular acerca da mudanca na concepgao de avaliagdo dos professores ¢ de toda a equipe escolar € a seguinte: Por que repro- var? Essa uma questo tao antiga quanto a propria existéncia da avaliacdo ou da institucionalizagdo dos exames no século XVII. Responder a essa questo nos nos sos dias supde compreender a finalidade da Educacao numa sociedade democrati- ca que pretende formar para a cidadania. A idéia de cidadania é intrinseca a de participagio e de direito A Educagilo e A permanéncia na escola. A nossa histéria tem mostrado, no entanto, que a repeténcia tem sido a maior aliada da evasao escolar, provocando um quadro desfavordvel principalmente aos cidaddos que ja foram historicamente segregados e discriminados. & admissivel que esses cidad’ios que mais precisam da escola sejam justamente os que sao expulsos dela. E importante lembrar que para qualquer individuo, independente da sua hist6ria, da condigdo social, raga ou sexo, a escola se apresenta como 0 espaco publico por exceléncia, talvez 0 nico lugar do passaporte para a cidadania. Quan- do a repeténcia ¢ a ndo-aprovacao expulsam o aluno da escola, ela alimenta a estrutura social injusta e seletiva e nega o direito de acesso aos bens culturais, 3 socializacio e, em conseqiiéncia, a conguista da cidadania O sentido da reprovagdo na escola brasileira j4 era motivo de preocupagdo de educadores paulistas na década de 50, Dante Moreira Leite j4 questionava, na época, as consegiiéncias desastrosas da reprovagio e levantava algumas razbes pelas quais as escolas a aceitavam: o fato de a escola ser tradicionalmente seletiva, a existéncia das classes homogéneas ¢ a premiagio ou castigo como formas de provocar ou acelerar a aprendizagem. Almeida Jinior, em conferéncia realizada em 1956 na cidade de Ribeirao Preto, interior do Estado de Sao Paulo, também alertava para os males das reprova- ges € apontava os prejuizos financeiros para o sistema, assim como os prejufzos morais para a crianga decorrentes da evastio e da retengdo de reprovados nas séries iniciais. Para 0 educador, essas eram as principais conseqiiéncias da repeténcia nas séries iniciais ¢ ele defendeu, juntamente com outros educadores, uma solugao tam- bém adotada pelos EEUU na época: a promogio automatica de todos os alunos. Essas idéias e proposigdes se concretizaram em alguns projetos ¢ experién- cias nas redes publicas de ensino, que se organizaram em ciclos, como, por exem- plo, os Estados de Sao Paulo de 1969 a 1972, Santa Catarina, de 1970 a 1984 e Rio de Janeiro, de 1979 a 1984 (Mainardes, 1998). Esses dados mostram que a luta e as discussGes para reverter tal quadro nao sdo nada atuais e que os principios que justificavam a tomada de decisdes se iden- tificam com os defendidos pelos educadores na década de 90. Avaliagio Escolar: Desafios e Perspectives 191 Todavia, a proposta de solugio encontrada pela legislacdo atual difere da- quela que foi defendida na década de 50: 0 regime de progressfio continuada im- plantado em 1998 nas escolas piblicas do Estado de So Paulo vem respaldado pelos dois eixos em que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educagio Nacional se assenta: a flexibilidade e a avaliacio. E necessirio que se entenda a distincio, pois no caso da promogio automé- tica defendia-se, nos anos 50-60, prioritariamente a permanéncia do aluno nas escolas, jé a progressio continuada defende o direito de acesso, permanéncia e, especialmente, o progresso ininterrupto do aluno. Para garantir tal sistemdtica, o regime de progressdo continuada adota 0 sistema de ciclos, rompendo com a estrutura de seriago, valorizando, assim, a avaliagdo continua do processo de ensino-aprendizagem, a recuperagio continua e Paralela, a partir dos resultados apresentados pelos alunos. Tal caminho poe em destaque a avaliagao formativa, que vai ganhando espago A medida que o papel da escola vai sendo redefinido com a implantagio dessas inovagoes. 10.5 Avaliacao e Perda do Poder Docente A nova sistematica de avaliagao, decorrente da implantagio do regime de Progressio continuada e do sistema dé ciclos de aprendizagem pode significar ampliagdo da responsabilidade e do poder de decisio do professor. Considerando que, no regime de progressio continuada cabe ao professor a tarefa de acompanhar a evoluedo de cada aluno, identificando quais foram os ganhos de aprendizagem e © que falta alcangar, definindo ainda as medidas necessdrias para seu progresso continuo, isso significa uma grande responsabilidade. E possivel dividir com o aluno essa tarefa, tornando-o participe do processo de julgamento e andlise de sua propria evolugdo, o que pode levar a um duplo beneficio. Por um lado, ele pode se tornar um aliado do professor na busca de solugdes para superar suas dificuldades. Por outro lado, o professor pode dividir a sua responsabilidade, incluindo-o no processo de auto-andllise ¢ de busca de solugées para vencer suas dificuldades. Camargo (1999) afirma que, muitas vezes, confunde-se o sistema de pro- gressdo continuada com promogio automiatica ou mesmo com auséncia de avalia- A. sso parece ser um grande equfvoco, pois o que essa nova sistemitica exige € uma tengo redobrada do professor em relagdo aos progressos dos seus alunos Antes de basear seus julgamentos e decis6es em esquemas frigeis de avaliagio como as notas de provas, 0 professor precisa encontrar formas mais confidveis de sustentacio de suas decisdes, envolvendo, na medida do possivel, os préprios alu- nos nessa tomada de decisao. 192. Ensinar a Ensinar Hi, entretanto, aqueles que ainda se apegam ao poder geralmente associa do a avaliagdo, resistindo a reconhecé-la como mecanismo de autoconhecimento tanto do professor quanto do aluno. Lamentam a implantaco das novas sistemati- cas, sentindo uma sensagio de vazio e, principalmente, de perda daquilo que con- sideravam mais importante no trabalho docente: 0 poder de julgamento ea decisiio do destino escolar do aluno. Isso nos faz lembrar uma lenda antiga que conta a hist6ria do galo que trazia consigo a certeza de que o sol nascia porque ele cantava. Tal certeza, nunca questionada, vai solidificando dentro dele a idéia de que era o seu cantar didrio que definia 0 nascimento do sol. Um certo dia, porém, o galo perdeu a hora de se levantar e, para seu desencanto ¢ total desilusio, 0 sol jé brilhava, feliz, mesmo sem 0 seu canto, A descoberta de que ele no tinha o poder de fazer 0 sol nascer € © dia clarear provoca nele uma crise e uma sensagio de perda muito grande. Essa passagem nos leva a pensar nalgumas afirmagées feitas pelos profes- sores acerca da sensacdo de perda que tém experimentado com as novas orienta- es sobre 0 uso da avaliagao na educago escolar, Assim como o galo acreditava que o sol s6 existia porque ele cantava, muitos professores créem que a avaliagio 6 que define a existéncia da escola e, portanto, se 0 professor ndo vai mais decidir sozinho ¢ através de provas ¢ de outras medidas “objetivas” o destino escolar do aluno, ele experimenta um sentimento de perda, vazio ¢ desencanto, como o galo da lenda, © que teria sido perdido? O poder que vem geralmente associado as priti- cas avaliativas? Parece que sim, pois a avaliaco vem assumindo historicamente uma fungdo de controle do comportamento ¢ tem sido usada como uma forma de ameaca € coacdo. Esse poder € tio forte que se costumava associar, até a bem pouco tempo, a imagem do bom professor com 0 que reprovava o maior nimero de alunos. Torna-se, portanto, muito compreensfvel que ao se tentar mudar uma situ- agio que vem se perpetuando ha muito, surjam reagGes de inseguranga, medo, resisténcia. Como dizem os professores: se eu ndo tiver mais a nota ou a reprova- ¢a0, como eu vou conseguir que meus alunos se interessem pela minha disciplina, participem das atividades de sala de aula e facam as tarefas? ‘Ao se tirar a “a arma” que tem o professor para manter a disciplina — a nota —é até natural que aparegam atitudes de protesto e resistencia. E preciso que se tenha, antes de tudo, uma atitude compreensiva frente a essas reages, para poder enfrenta-las em sua concretude, sem cair na pura dentincia, que nao ajuda ninguém a mudar, mas também nem de leniéncia, que nao faz ninguém crescer. Reconhecida a sua existéncia, serd necessario analisar os fatores que a cir cunscrevem. Vasconcelos (1998) considera que hd fatores objetivos e subjetivos obstaculizando a mudanga da avaliacdo. Do ponto de vista objetivo, ele indica, Avaliagda Escolar: Desafios e Perspectives 193 entre outros: o sistema social altamente seletivo, a legislagdo educacional refletin- do a l6gica social, a longa tradicao pedagégica autoritdria e reprodutora, a pressio familiar no sentido de conservacio das praticas escolares, a formagao académica inadequada dos professores e as condicdes precérias de trabalho. Do ponto de vista subjetivo, as dificuldades para mudar podem ser sintetizadas, segundo ele, em dois aspectos: falta de convencimento efetivo sobre a necessidade da mudanga ¢ falta de orientagao sobre como mudar. Analisando tais fatores, podem-se constatar dois passos fundamentais a serem dados em relagio ao processo de mudanga na avaliagdo: o professor neces- sita deslocar o seu foco de preocupacio: das provas ¢ notas para sua atuacdo na sala de aula, ou seja, o professor precisa aceitar a idéia de avaliar o seu ensino, pois € 0 elemento organizador da relagio pedagdgica. Somado a isto, € preciso que se supere o isolamento profissional jé cristalizado nas escolas, que € fruto da organi- zaciio centralizadora e individualista do trabalho pedagégico, criando-se espagos para estudo e discussio coletiva, para troca de saberes e de experiéncias. O profes- sor precisa contar, para isso, com apoios técnico ¢ pedagégico que Ihe permitam vencer os medos, as insegurancas e déem sustentago para que se construa, no coletivo, uma nova cultura de avaliagio. 10.6 Instrumentos de Avaliagaéo — O Melhor Instrumento: o Professor Garcia (1998) afirma que quando a aprendizagem é reduzida a notas e pro- vas e © aluno estuda somente para se sair bem nelas, a sala de aula torna-se “... um. pobre espago de repeticdo, sem possibilidade de criagio, ¢ circulagiio de novas idéias ...", desaparecendo 0 debate, a polémica, as diferentes leituras do mesmo texto, 0 exercicio da diivida e do pensamento divergente ¢ a pluralidade. Para essa autora, o resultado das provas diz muito pouco sobre o que foi ensinado e aprendi- do na sala de aula, sobretudo os avangos feitos pelos alunos em relagdo a uma compreensio da sociedade em que vivem, da natureza de que siio parte e, princi- palmente, sobre uma compreensiio de si mesmos, enquanto seres da natureza da cultura. Em algumas ocasides, pode ser ttil a utilizagdo de algum instrumento es- pecial de avaliagdo, mas é evidente que tem se dado uma importancia exagerada a prova e ao ritual envolvido nessas situagGes. Por que, por exemplo, tem se atribu- ido tanto peso a nota de uma prova, geralmente elaborada com uma linguagem formal e aplicada em condigGes totalmente artificiais? Se os objetivos da escola se voltam para a formagiio do sujeite critico & criativo, para o desenvolvimento de seu raciocinio, de sua capacidade de argumen- taco, para o exercicio da critica e da criacio, quais instrumentos e situagdes serdo 194 se Ensinar a Ensinar mais adequados? E evidente que para avaliar habilidades to complexas seraio ne- cessdrias situagOes ¢ instrumentos igualmente ricos ¢ complexos. A melhor alter- nativa, 0 melhor recurso parece ser o proprio professor, que poderd fazer uso de tragos fundamentais, como a sua sensibilidade, flexibilidade e capacidade de ob- servacio para acompanhar e apreciar o desenvolvimento de cada aluno. O professor ja faz uso dessas capacidades em seu trabalho didrio. O que pode haver € uma agdo mais consciente ¢ planejada nesse sentido. Por exemplo, num ambiente de trabalho diversificado, em que os alunos realizam de forma aut6- noma atividades individuais ou em grupos, o professor pode dispor de mais tempo para observar cada aluno ou grupo, fazer registros escritos sobre os progressos e as dificuldades de cada um. E possivel ainda que sejam organizadas situaces mais formais nas quais © professor possa fazer uso de atividades ou instrumentos que 0 auxiliem em seus julgamentos, que Ihe déem apoio para reduzir 0 peso de seus preconceitos, suas preferéncias, simpatias ou antipatias. Entre outros, poderiam ser utilizados: As fichas de registro individual ou do grupo-classe: assumindo caréter mais, ou menos formal, esse € um recurso que vern sendo muito utilizado pelos professo- res para registrar comportamentos ¢ atitudes dos alunos, como cumprimento das tarefas, pontualidade, participacao nas atividades de classe, desempenho na apre~ sentagao oral de trabalhos, problemas de disciplina. Com esse instrumento, 0 pro- fessor poder no sé acompanhar o progresso dos alunos, mas também avaliar 0 andamento do seu plano de ensino. Trabalhos praticos, monografias, exercicios, exposigées orais: sio formas diferentes de verificar 0 grau de alcance dos objetivos detectar dificuldades rela- tivas tanto ao processo de aprendizagem quanto ao ensino. Auto-avaliagao e co-avaliagdo: sio formas muito interessantes de avaliacdo, contribuindo junto com as demais para desenvalver individuos auténomos, criticos, responsdveis. Sdo recursos muito delicados e de dificil implementagao, pois exigem uma mudanga de mentalidade em relacdo 3 avaliagao, que é, em geral, associada com punicao e castigo. E um proceso lento, cujos resultados s6 vao ser obtidos no longo prazo, através do didlogo, da discussao aberta, ficando seu éxito muito dependente da condigdes criadas, da maneira como € encaminhado. Um instramento que € util para que o aluno sinta-se mais estimulado a acompanhar seus progressos ¢ 0 do grupo € a elaboragio de graficos e tabelas em que devem ser dispostos os dados de desempenho nas tarefas, nos trabalhos e nas provas. E conveniente, em alguns casos, que as infor- mages fiquem restritas ao conhecimento de cada aluno, em outros casos, podem ser discutidas e organizadas pelo grupo. Provas com questes abertas e fechadas, testes, exames escritos ¢ orais: sio alternativas que podem integrar a avaliagio do aluno, desde que sejam cuida- dosamente elaborados e seus resultados nao se transformem em juizo final do alu- Avaliago Escolar: Desafios e Perspectives 195 no, mas se somem aos resultados de outros instrumentos para indicar os ganhos € as falhas em relaco aos objetivos pretendidos. Bibliografia BENAVENTE, A. Escola, Professores ¢ Processos de Mudanca. Lisboa: Livros Horizonte, 1990. CARDINET, J. & WEISS, C. L’enseignement de la lecture dans le canton de Neuchéte Publication IRDT 75, julho, 1979. CAMARGO, A. L. C. Mudangas na avaliagao da aprendizagem escolar na perspectiva: >ro- _gresstio continuada: questdes tedrico-praticas. /n: BICUDO, M. A. V. & SILVATU. 3R, CA. 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