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DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO CONFORME A CONSTITUICAO Roberto Dias’ SUMARIO: 1) O Estado laico. 2) A dignidade. 3) O direito a vida. 4) A liberdade negativa. 5) A morte ¢ a eutandsia, 6) Uma Referéncias bibliograficas. nterpretaco conforme a Constituicao. 7) As questées relativas & vida © A morte sao, a meu ver, umas das mais importantes 5 relevante, mas ¢ instigantes do Dircito, pois envolyem nao s6 0 que temos de mai também dizem respeito ao que somos, a0 que fomos ¢ ao que pretendemos ser. Sao os temas que também causam acirradas polémicas nao sé no Direito, mas nos mais diver- sos campos do conhecimento, como a Medicina, a Biologia, a Psicologia, a Religito a Etica, Mas, do ponto de vista juridico, é curioso norar que, ao menos no Brasil, esses assuntos séo tratados com muito mais frequéncia, por exemplo, no Ambito do Direito Penal do que na esfera do Direito Constitucional. Talvez isso se deva ao fato de a Constituigdo disciplinar, de forma geral, 0 direito A vida e, de maneira mais minuciosa, estabelecer normas voltadas 2 protegio desse dircito contra a violagao por parte de terceitos. A tendéncia, claramente, 6a de evitar o desrespeito & vida ¢ impedir a morte arbitraria. O objetivo do presente artigo, entio, é voltar os olhos para aquilo que comumente nao se discue no Ambito do Direito Constitucional: a morte néo como algo a ser evitado, mas como um direito a ser perseguido diante de certas circunstancias . T Advogado, professor de Dircito Constitucional da PUC-SP e doutor em Direito do Consticucional pela mesma universidade, Coordenador do curso de Dircito da PUC-SP e coordenador académico do curso de pés-graducio dato Constieucional da PUC-SP (Cogeae) 2 Para uma analise mais minuciosa da eutandsia, do ponto de vista constitucional, ver DIAS, Roberwo, Una visio constitucional da eutandsia. Doutorado em Direito, Sa0 Paulo: PUC-SP, 2007. Conferir, também, 0 premiado livro de Fernando Rey Martinee (Entanasia y derechos funndamentales, p. 81-188), onde ele discure alguns modelos de interpretagao constitucional da eutandsia: a cutandsia como direito fundamental, como liberdade limitavel legisla mente, como excesao permitida e como conduta constitucionalmente proibida. Com este livro, Martinez, professor cuedratico de Diteio Constitucional da Universidade de Valladolid, na Espanha, ganhou o prémio “Francisco “Toms y Valiente”, de 2007, instituido pelo Tribunal Conscitucional espanhol e pelo Centro de Estudios Politicos y Constitucionales desse pais sensu em Ditci DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO. 183 1, O ESTADO LAICO Apés a prockamacio da Reptiblica, em 1889, e com a promulgacao da Constituigao de 1891, 0 Brasil deixou de ter uma religiao oficial, abandonando a concepgao confessional para se transformar em um Estado laico. Com efeito, no artigo 5% da Constituigao do Império de 1824, havia expressa previsdo acerca da religido catélica como a adotada pelo entio Estado brasileiro. As demais religiées cram constitucionalmente toleradas, desde que os respectivos cultos fosiem domésticos ou particulates, sem expresséo exterior do templo’. A partir da pri meira Constituigio da Reptiblica, o Estado brasileiro deixou de ter uma religio oficial € passou a estabelecer normas tendentes a impedir a desequiparasio entre pessoas por forga da crenga religiosa, bem como a evitar a perseguicdo estatal aos que professassem alguma religiao, prevendo 0 livre exercicio dos cultos religiosos'. Também a partir da Constituigéo de 1891, o Estado brasileiro ficou impedido de estabelecer cultos religiosos ou igrejas, bem como subvencioné-los ou embaragar-lhes 0 exercicio’ Parece induvidoso que a religiéo — assim como as mais diversas forcas sociais ¢ politicas — influencia a formago do Direito'. Mas, a partir do momento em que uma determinada nagio opta, livremente, pela laicidade, deixando de lado uma religiio oficial — como ocorreu no Brasil, quando da proclamacao da Republica —, esse fator de poder nao estd autorizado, por meio da forga do Estado, a obrigar as pessoas Portanto, com a secularizagao estatal, os dogmas de igrejas de quaisquer credos nao podem impor, coercitivamente, uma conduta ou uma abstengio a quem quer que se por meio do Estado’, Como explica Flavia Piovesan,’ a confusio entre Estado e religiao implica a adocao oficial de dogmas incontestdveis que, ae impor uma moral tnica, inviabilizam qualquer projeta de sociedade aberta, pluralista e democritica. (...) * Art. 5°. A Religiso Catdlica Apostdlica Romana continuars a ser a religito do Império. ‘Todas as outras religides serio permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo. * Constituicio de 1891, antigo 72, 6 3% Constituigio de 1934, artigo 113, n, 55 Constituigio de 1937, « § 4% Constituicao de 1946, artigo 141, § 7% Constituigéo de 1967, artigo 150, § 5% Constituigio de 1967, co Emenda n. 1, de 1969: artigo 153, § onsticuigao de 1988, artigo 5, inciso VI Constituigio de 1891, artigo 11, § 2% Constituicao de 1934, artigo 17, inciso Il; Constituigao de 1937, artigo 32, alinea “b”; Constituigao de 1946, artigo 31, inciso Il; Constituigao de 1967, artigo 9°, inciso I; Constivuigao de 1967, com a Emenda a, 1, de 1969: artigo 9, inciso HI; ¢ Constituigao de 1988, artigo 19, inciso | “ Antonio Reposo ¢ Lucio Pegoraro, ao tratarem das fontes do Dircito ¢ dos modos contemporineos da produgio , fazem a relagio entre rdigiéo ¢ dircito, abordando o dircito candnico, hebraico, muculmano, hindu, chin japonés (REPOSO, Antonio; PEGORARO, Lucio. Le fonti del diritto, In: MORBIDELLI, Giuseppe er al. Diritro costituztonale italiana e comparato, . 155 e seguintes). * Para uma visio dessa questio, de ponto de vista democritico, conferir MELO, Monica de. O Eivado laico e a defera dos direitos fndamentais: democracia, liberdade de crenca e consciéneia e 0 direita 4 vida, p. 144 * Ver PIOVESAN, Flavia. Direitos cexuaise reprodutivas: aborto inseguro como violagio aos direitos humanos, p. 68, nota de rodapé n. 36, ” PIOVESAN, Flivia. Diveitos hnmanas e justica internacionat um estudo comparativo dos sistemas tegionais europeu, interamericano e afticano, p. 20 184 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 A ordem juridica em um Estado Democritico de Direito néo pode se converter na voz exclusiva da moral de qualquer religido. Os grupos religiosos tém o direito de constituir suas identidades em torno de seus principias e valores, pois do parte de uma sociedade democrdtica, Mas nto tem o direito de pretender hegemonisar a cultura de um Estado constitucionalmente laico. A liberdade de crenga, intrinsecamente ligada & liberdade de consciéncia — apesar da maior amplitude desta iltima”’ —, nao significa somente que todos podem liyre- mente exercer o direito de crer em algo ou em alguém, mas que as pessoas também tém o direito de nao crer em nada ou em ninguém, sem qualquer intervencao do Estado, a indo ser para garantir o exercicio desses direitos de crentes, deistas, ateus ¢ agndsticos’. ‘Acerca desse ponto, Jorge Miranda”, apés reconhecer que “a liberdade religiosa esc no cerne da problemética dos direitos fundamentais”, explica que a liberdade religiosa néo consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religido ou ninguém impedir de professar determinada crenca. Consiste ainda, por um lado, em 0 Exado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religido 0 cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de familia ou de ensino, por exemplo) em termos racodveis. E consiste, por onsro lado (e sem que haja qualquer contradigio), emo Extado ndo impor ou nao garantir com as leis 0 eumprimento desses deveres. Isso permite afirmar que a laicidade traz, em seu dmago, nao s6 a ideia de liberdade, mas também a de igualdade pois, como explica Monica de Melo, um “Estado que se assenta no principio democratico ¢ na defesa de direitos fundamentais para todos indistintamente, de forma universal, nao pode patrocinar ou assumir uma determi- nada religiao””’. Ademais, o pluralismo incrente a um Estado Democritico como o brasileiro nao admite a imposigio de uma (inica forma de pensar ou agir, mesmo porque ha em nossa Constituicao a previsio da liberdade de expressio ¢ de pensamento, da inviolabilidade de consciéncia e de crenca, bem como da protecao & intimidade, 3 vida privada, a imagem c & honra das pessoas (artigo 54, incisos IV aX)". Isso implica dizet — com base nos pensamentos de Jénatas Eduardo Mendes Machado” — que, enquanto o discurso teolégico-confessional é exclusivista ¢ D Verificar, nesse sentido, MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo LV, p. 365-366. ! MIRANDA, Jorge, Manual de direito constizuctonal, toma LV, p. 365. Conferir também HESSE, Konrad. Elementos de direito constisuconal da Repiblica Federal da Alemanha, p. 236. = MIRANDA, Jorge. Masud! de direiw constcucional, como IV. p. 357-359. MELO, Ménica de. O Estado laico ea defesa dos direitos fundamentais. democracia, liberdade de crenga ¢ consciéncia co dircito & vida, p. 144. “MOLLER, Leticia Ludwig. Direito a morte com dignidade e auronomia, p. 82-148: “Em uma sociedade pluralista, a assiscéncia 4 salide, o ambiente hospitalar e os profissionais da saiide devem pautar-se pela consideragao e pelo respeito A diversidade de culturas, crencas, valores € convicg6es individuais ¢ coletivas”. MACHADO, Jonatas Eduardo Mendes. Libendade religiasa numa comunidade constituctonal inclusiva: dos ci tos da DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO ... 185 defensor de uma “concepsao de verdade objetiva’, 0 discurso juridico-constitucional € inclusivo ¢ “néo homogeneizante, na medida em que se apoia num principio de igual dignidade da pessoa humana e num conceito alargado de liberdade subjetiva”. Assim, numa comunidade constitucional inclusiva, 0 discutso religioso nao pode ser excluido, mas sua aceitacio, do ponto de vista constitucional, deve se traduzir em argumentos juridicos. Portanto, com a laicidade estatal, as religides podem, no méximo, impor san- ges religiosas a seus seguidores. Contudo, nao se pode exigir a mesma conduta do Estado, que deve garantir 0 exercicio da liberdade constitucional de crenga e de culto — incluindo a liberdade de nao crer —", além de permitir que as pessoas ajam tam segundo suas crengas ou com base na absoluta auséncia delas. ou se on’ Nesse sentido, para o presente estudo, os dircitos relacionados & dignidade, 2 vida, a liberdade ¢ 4 morte devem ser analisados sem que as crengas religiosas possam inter- ferir, por intermédio do Estado, em seu exercicio. Mesmo porque, especialmente em relagdo 4 morte, as diferentes religides ¢ crencas lidam com ela de maneiras distintas, como bem relatado por Maria Celeste Cordeiro Leite Santos’ ¢ Léo Pessini”. 2. A DIGNIDADE Kant distingue as pessoas das coisas, afirmando que os seres irracionais tém um valor meramente relative, como meios, ¢ por isso denominamese coisas, 20 passo quie os seres racionais denominum-se pessoas, porque a sua natureza os dis- tingue jd como fins em si mesmos, out seja, como algo que nao pode ser empregado como simples meio”. Dai a formulacao do imperativo pritico nos seguintes rermos: age de tal maneira que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre ¢ simultaneamente como fim e nunca simples- mente como meio . verdade aos dircitos dos cidadaos, p. 181 “SILVA, José Afonso da. Cirso de dircito conttitucional positivo, p. 252. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite, Tiunsplante de érgdos ¢ eutandsia: liberdade e responsabilidade, p. 242 ¢ seguimtes, Esta autora afirma qute as ensinamentos cardlicos indicam que a vida deve ser absolutamente respeitada ¢ tudo o que é contra ela é verdadeiramente vergonhoso. A religido judaica, por scu turno, entende a vida como um valor infinito ¢ indivisivel, nao reconhecendo o dircito de morrer, pois o homem nao pode dispor da vida e do préprio corpo, que pertencem a Deus. A doutrina islimica uninime, por exemplo, ao considerarilicita a eutanisia, Do ponto de vista hindu, nio ¢ licito “abreviar a vida do corpo porque a alma deve sustentar todos os prazeres ¢ dores do corpo em que reside”. E para os budistas, “embora a vida seja preciosa, nao € divina’, razao pela qual admitem, em virios casos, a eutandsia a *PESSINI, Léo, A etmandsia na visdo das grandes religiées mundiais (budismo 83-99. KANT, Immanuel, Fimidamentazio da metafisica des cortumes ¢ outros escites, p. “KANT, Immanuel. Fuaidamentacéo da metafisiea dos cortumes e outros escrites, p. 59. va-e passiva, bem como a abreviagao ou facilitagao da existéncia vegetativa. amisino, judafsmo ¢ cristianismo), p. 186 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 A partir dessas nogoes, Kant afirma que, no reino dos fins’, tudo tem um preco ou uma dignidade, Quando uma coisa tem prego, pode ser substituida por algo equivalente; por ourro lado, a coisa que se acha acima de todo preco, e por isso nao admite qualquer equivaléncia, compreende wna dignidade’. Portanto, o conceito kantiano de dignidade esté intrinsecamente relacionado a nogio de respeito ¢ autonomia, nao se compatibilizando com a idcia de prego ¢ ser~ vidio. Além disso, s6 é possivel conceber a dignidade na medida em que as pessoas forem entendidas como fins ¢ nao como meios voltados a consecugio de determinados objetivos. As pessoas ndo podem ser reduzidas a meros objetos do Estado e de tercei- tos. Em outras palavras, nao devem ser coisificadas’', mas consideradas como sujeitos de direito, auronomas ¢, nesses termos, merecedoras de respeito No Brasil, com o fim do regime autoritério instalado com o golpe militar de 1964, a Constituicéo brasileira que refundou a democracia, logo no artigo 1*, inciso Ill, prescreve que a Reptiblica Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democritico de Dircito e tem como um de seus fundamentos a “dignidade da pessoa humana’. Como se nota da previsio constitucional brasileira, 0 fundamento do Estado Democritico de Direito néo & a “dignidade humana”, mas diz respeito especifica- mente a dignidade da pessoa humana. Essa expresso tem relevancia ao indicar que © dlispositivo constitucional se dirige & pessoa concreta c individual ¢ nfo a um ser ideal e abstrato, como adverte Jorge Miranda, Via de consequéncia, deve-se afastar interpre- aces autorivarias desse dispositivo constitucional que busquem sacrificar dircitos “em nome de pretensos inter ou ssses coletivos” ‘Ao positivar 0 dircito & vida, & liberdade, 2 igualdade, 4 seguranga, & propriedade, A educacdo, & satide, ao trabalho, & moradia, ao lazer, & previdéncia social, & cultura, a0 desporto, & assisténcia social, além de muitos outros, como os direitos politicos ou © dircito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituigao brasileira est’ contemplando o respeito a dignidade da pessoa humana em varias dimensoes ¢ com intensidades diferentes. A dignidade da pessoa humana esté no niicleo de todos 0s direitos fundamentais”, isto é, tanto no cerne dos tradicionais direitos individuais ci gio sistematica de virios seres racionais por meio de leis comuns” (KANT, Immanuel, Firndamea- agin da racuafsica das costunnes € outros escritas, p. 64). IT, Immanucl. Findamentagdio da merafsicn dos costurnes © ontres escritos, . 65. car NOBRE JUNIOR, Faifson Pereira. O ditcito brasileiro ¢ o prin jo da dignidade da pessoa 440 portuguesa ¢ a dignidade da pessoa humana, p. 84, No mesmo sentido, conferir CAMARGO, Marcelo Novelino. O contetido juridico da dignidade da pessoa humana, p. 62-63. Ver também Casta, heira Neves, A. A revalurde ¢ 0 dircite: a situagéo de crise ¢ 0 sentido do direito no actual processo revolucionario, p, 215-216. SNesce centido, verificar, por exemplo, SARMENTO, Daniel. A pondenasaio de iniereses na Consttuigio Federah p- 70-71. Ver também MIRANDA, Jorge. 4 Constituigi portuguera ¢ a diguidade da pessoa humana, p. 83: SILVA, José Afonso da, A dignidade de pessoa como valor supremo da democracia, p. 94; SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO 187 ligados & liberdade, que surgem para impedir a atuagao do Estado, como dos direitos que procuram assegurar a igualdade das pessoas por meio da prestago do E: Mais do que isso, a dignidade da pessoa humana hd de ser compreendida também 4 Pp ada. como niicleo daqueles direitos comumente chamados de terceita dimensio, como 0 direito 4 paz, & solidariedade ¢ a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E nao se pode excluir a dignidade da pessoa humana do niicleo dos direitos atinentes is recentes pesquisas genética Em suma, como explica Ingo Wolfgang Sarlet, em cada dircivo fundamental esté presenre um concetido ou, ao menos, uma projegio de intensidade varidvel da dig- nidade da pessoa humana’. A pessoa, considerada como sujeito de direitos ¢ nunca como objeto da intervencio do Estado ou de terceiros, forma a esséncia de todos os direitos fundamentais ¢ deve ser respeitada como tal. Por seu turno, Jestis Gonzales Pérez afirma que o homem, como sujeito de direitos © obrigacoes, deve respeitar a dignidade dos demais. Mas especialmente o Estado, para além de reconhecer a dignidade das pessoas, deve respeité-la ¢ procegé-la. Assim, os entes ptiblicos devem se abster “de qualquer medida que suponha um atentado & dignidade”. Além disso, devem “impedir os atentados dos particularcs, adotando as medidas adequadas para evitd-los e reagindo aos ataques de qualquer tipo com meios proporcionais e suficientes” . Mais do que isso, o Estado deve promover as condigoes adequadas para tornar a dignidade possivel ¢ esta obrigado a remover os obsticulos que impegam seu exercicio com plenitude”. Em resumo, com base nas ideias acima expostas e nos dizeres de Marcelo Novelino Camargo, deve-se entender que a Constituicao Federal — ao prever que a dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos do Estado Democratico de Direito leiro — impoe que ela seja respeitada, protegida e promovida. O respeito consiste em observar tal valor de modo a nao realizar atividades que o violem. A protesao pres- bras supéc ages positivas voltadas a defender a dignidade de qualquer tipo de transgressio perpetrada por terceiros, por meio da “criagao e aplicagéo de normas sancionadoras de conduras’. E a promogao da dignidade implica “proporcionan por meio de prestagoes matcriais positivas, os meios indispensiveis a uma vida dign pes humana ¢ direitos fundanentais na Consittuigao Federal de 1988, p. 87; ANDRADE, José Catlos Vieira de. Or direitos fimdanentais na Constitigdo Portuguesa de 1976, p. 102; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficdeia juridic dos principios consitucionais: o principio da dignidade da pessoa humana, p. 110-111 SARLET, Ingo Wolfgang, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituigao Federal de 1988, p. 86 © seguint PEREZ, Jes Gonciles. a dud de a penona 60-02 "PEREZ, Jestis Gonailes, La dignidad de la persona, p. 59-63. “CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteiido juridico da dignidade da pesoa humana, p. 52. € 55. Ingo Wolfgang ‘Crambem abort 2s ideias de respeito, protecio e promocio da dignidade de todas as pessoas no seguinte trabalho: Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituigao Federal de 1988, p. V4\ 188 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 3. O DIREITO A VIDA Esse estudo nao tem, obviamente, a pretensio de definir a vida, mesmo porque cla parece indefinivel, por contemplar uma gama de inumeriveis relagies, alegrias, sofrimentos, reac6es, tristezas, angustias e prazeres. Por esses motivos, pode-se dizer que a vida é muito is do que o ciclo que sc inicia num certo momento ¢ termina com a morte. Ela deve ser compreendida em sua complexidade ¢, principalmente, em sua qualidade, intensidade dignidade, e néo como um intervalo de tempo ou apenas como um fendmeno bioldgico”. ma Para esse artigo, importa cntender a vida como um direito. E logo no caput do artigo 5® da Constituigio consta expressamente que 0 ordenamento juridico brasileiro garante a “inviolabilidade do direito 2 vida”. Portanto, a vida é tratada, constitucionalmente, como um direito. Mais do que isso, a vida é um pressuposto para o exercicio dos outros direitos, porque & preciso estar vivo para exercé-los. Sem vida nao hé direito. Os direitos dependem da vida para existir, Mas sera que a vida, além de um direito e um pressuposto para o exercicio dos outros direitos, é também uma obrigagao, um dever? Ou sera que a vida, afora um direito, é também, em certas circunstancias, um pressuposto para o excreicio de um tiltimo direito, 6 direito & morte? Sera que, em determinadas situagées, um direito, qual seja, 0 direito & liberdade, amparado na dignidade, pode ser exercido para colocar fim & vida? E seré que a dignidade, diante de certas condicoes, é contemplada constitucionalmente de tal modo que autorizaria o proprio fim da vida? O objetivo desse ensaio ¢ exatamente responder a essas quest6es. Todavia, nesse passo, € preciso analisar a previsto constitucional acerca da “inviolabilidade do direito & vida’ Ao analisar os direitos fundamentais, José Afonso da Silva afirma que eles teriam como caracteristicas a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a irrenunciabilidade”. Por seu turno, Emenson Ike Coan, também acerca do direito fundamental a vida, acentua que ele é intransmissivel ¢ itrenuncidvel, pois “se manifesta desde a concepgio — ainda que artificialmente — até a morte”. Além disso, este tiltimo autor — provavelmente inspirado nas concep¢oes kantianas sobre a doutrina da virtude — afirma que se trata de um direito “indisponivel, nao sendo um direito sobre a vida, mas a vida, assim de carter negativo, impondo-se pelo respeito que a todos se exige”, de modo que é um direito & vida sem direito A morte, “porque se entende, universalmente, que 0 homem nao vive apenas para si, mas para cumprir missio prépria na sociedade, assim, absoluto, fundamental””. Albert Calsamiglia, quando trata do valor da vida, diz qu Joramos <6 a vida biolégica, mas o que fazemos com nossa vida. O que mais valoramos na vida io é 0 fato de sermos seres vivos, mas “a conduta ¢ os objetivos que aleancamos nela” (CALSAMIGLIA, Albert. Sobre la eutanasia, p. 151). Em sentido andlogo, conferir JAKOBS, Giinther, Suicidio, eweandria e direito penal, p. 35: °O valor principal nao é a vida como fendmeno bialdgico, senio s qualidade ou, ao menos, sua suportabilidade, jé que, como qualquer um pode julgar em qualquer momento, viver nio significa preocupar-se continuamente pela sade, "SILVA, José Afonso da. Ciso de dircito constitucional positiva, p. 184-185. SOAN, Emerson tke. Biomedicina ¢ biodireito. Desafios bioéticos. Tragos set € no vw idticos para uma hermenéutica DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETAGAO... 189 Com efeito, Kant, ao tratar da doutrina da virtude ¢ dos deveres para consigo mesmo, apesar de néo analisar direramente a cutandsia, aborda a ques dio para negé-lo’ considerando-o como o assassinaro de si mesmo e, portanto, um crime. Além ce “uma violagio de nosso dever com outros seres humanos”, 0 suicidio caracterizaria uma violacao a um dever para consigo mesmo, pois 0 ser humano seria “obrigado a preservar sua vida simplesmente em virtude de sua qualidade de pessoa””™ o do suict- Apesar de tais consideracoes, a vida nao deve ser entendida como um dever™ para consigo mesmo, mas como um dircito a algo, composto por 112s elementos”: 0 sujeto do direito, ou seja, aquele que esté vivo; os responsaveis pela obrigagéo correspondente ao direito, que sio todos os que tém o dever de respeitar e preservar o direito, ativa ¢ passivamente; ¢ 0 objeto do direito, isto é, 0 valor protegido, qual seja, a propria vida. A andlise desses trés elementos deve ocorrer caso a caso e nao abstratamente como uma lei universal. Mesmo porque, frente a dererminadas circunstincias de fato, a liberdade pode esvaziar o direito a vida se as condigées existentes naquele momento indicarem que a preservacio desse valor constitui uma violagéo 4 dignidade da pessoa humana. Assim, a vida nao deve ser tomada como um dever e tampouco como um dever universal, Deve ser entendida, sim, como um direito e como um direito de cada um, que impée deveres positivos ¢ negativos a todos, Estado e particulares. A expressio “inviolabilidade do direito 4 vida’, consagrada constitucionalmente, nao indica que a vida é um dever para consigo mesmo ¢ para com os outros, tampouco pode ser entendida como um direito absoluto’, indisponivel ¢ irrenunciavel. Nos termos da Constituigao, a inviolabilidade de tal direito significa que ninguém pode ser privado dele arbitrariamente. Nesse sentido é que ele deve ser entendido como indisponivel: ninguém pode dispor da vida de outrem™. “A inviolabilidade da vida tem consticucional fundamentada nos principios da dignidade da pessoa humana c da inviolabilidade do ditcito a viday p. 259-260, Para uma anilise da distingdo entie “direito & vida" ¢ “diteito sobre a vida’, ver SZTAJN, Rachel. Autononnia privada e direito de morrer eutandsia e suicidio assistido, p. 152-159. “KANT, Immanuel. A meiafisica dos costumes, p. 263-266. Conferir também KANT, Immanuel. Furdamenzagito da Imeaafiica dos costes e ontras estas, p. 52-60 KANT, Immanuel. A s2etafitia dos costumes, p. 264. ® Nesse sentido, ver MOLLER, Leticia Ludwig, Direito d morte com dignidade ¢ autonomia, p. 144-145. Essa autora afirma que o direito a vida, previsto no capus do artigo 5# da Constituigio Federal, nio deve ser compreendido como ium dever a vida *Nesse sentido, conferir ALEXY, Robert. Zorie de los derechos fimdamenuales, p. 186 ¢ seguintes: ¢ VIEIRA, Oscar Vilhena, Direitos imdamencais: uma leitura da jurisprudéncia do STF, p. 19 e segaintes ” Roxana Cardoso Brasileiro Borges também argumenta que o direito a vida nao ¢ absoluto ¢, prin tum dever (BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, Direite de morrer dignamente: ewtandsia, ortorands informado, testamenta vital, andlise constitucional e penal e direito comparado, p. 297). Luiz Fivio Gomes lembra que 0 diteito internacional vigente no Brasil proclama que o dircito a vida é inerente {i pessoa humana e deve ser provegido por lei, sendo que ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida (artigo 6°, item 1, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Politicos, e artigo 4° da Convengio Americana sobre Dircitos Humanos ~ Pacto de San José da Costa Rica). O autor conclui que, ei consequéncia disso, “havende justo motivo, & dizer, razGes fundadas, nao hi como deixar de se afastara ilicitucle da conduta” (GOMES, Luiz Flavio, Sistemas penales campanidos: tratamiento juridico penal de la eutanasia — Brasil, p. 176). Sobee esta questo, Antonia Monge Fernandez. ipalmente, nio consentimento, 190 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 que ver com terceiros, cuja aco contra a vida alheia é coibida, mas nao se pode ler 0 texto constitucional de forma a proibir que qualquer pessoa decida sobre a duragao de sua vida’ Dworkin, por sua vez, argumenta que a base emocional mais forte para se opor 4 cutandsia talyez. esteja na convicgao de que a vida humana é sagrada. Por ser um dom de Deus, ninguém poderia dispor da vida. Assim, a cutandsia seria condendvel em todas as circunstancias ¢, portanto, as pessoas deveriam tolerar o sofrimento até que a vida chegasse a seu fim natural. Contudo, nas modernas democracias pluralistas, a tra~ dicao de liberdade indica que “nao compete ao governo ditar aquilo que seus cidadios devem pensar sobre valores éticos ¢ espiritu: “ s, em especial sobre valores religiosos”". Com isso, pretende-se assentar a ideia de que a previsio consticucional acerca da inviolabi- lidade do direito & vida se destina a impedir que as pessoas tenham a sua vida ceifada arbicra- riamente, Todavia, nao significa que tal direico seja indisponivel e que, portanto, as pessoas ndo possam escolher seus caminhos no que diz respeito & propria vida e & propria morte. ‘Tampouco & correto afirmar que 0 direito fundamental & vida é irrenuncidvel. Alids, como assevera Jorge Reis Novais, a remincia é também wma forma de exercicio do direito findamental, dado que, por um lado, a realizacao de wn direito findamental inclui, em alguma medida, 14 possibilidade de se dispor dele, inclusive no sentido da sua limitacao, desde que esta seja uma expressiio genuina do direito de autodeterminagéo ¢ livre desenvol- vimento da personalidade individual’. Nesse sentido, Virgilio Afonso da Silva afirma que os direitos fundamentais nao cém como caracteristica a irrenunciabilidade”. E. para justificar sua afirmacio, este autor inyoca alguns exemplos, como o do cleitor que, diante das cameras de TV, cxibe sua cédula na cabine de votagio, renunciando ao sigilo do voto, ou daquele que celebra um contrato e, assim, renuncia a uma parcela de sua liberdade, ou ainda da pe que comete suicidio ¢, portanto, renuncia ao direito fundamental & vida'", Poderfamos oa aborda o direito a esti obrigado a respeiti-lo e protegé-lo (FERNANDEZ. Antonia Monge. Vida indigna o muerte digna: eutanas 892-900). Vale lembrar que o artigo 15 da Constituigao espanhola contém previsao sobre o diseite & vida simi contida na Constituicio brasileira (“Articulo 15. Todos tienen derecho a la vida y a Ia integridad fisiea y moral, sin que Jos a tortura ni a penas o tratos inhumanos 0 degradantes. Queda abolida la pena Ja, turelado pelo artigo 15 da Constituicéo da Espanha, como uma garantia frente ao Estado, que iv’, p. cen ningain caso, puedan ser some’ de muerte, silvo lo que pucdan disponer las leyes penales militares para tiempos dle guetta’). YSZTAJN, Rachel. Autonomia privada e direito de morrer. eutanisia e suicidio assistido, p. 156. “DWORKIN, Ronald. Doniftio da vide: aborto, eutandsia e liberdades individuats, p. 18-19, 303. O ttecho entre aspas esté na p. 18. Part uma critica & ideia de que a vida ¢ sagrada ¢, portanto, ning decidir sobre ela, ver CALSAMIGLIA, Albert. Sobre la entanasia, p. 152-155 € 169-171 “ NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais: wunfos contra a maioria, capitulo VI ~ Reniincia a diteitos tais, p. 235, Especificamente sobre o dircito a vida, ver, na mesma obra, por excmplo, p. 212, 220, 233, 234, 250, 253. “SILVA, Virgilio Afonso da, A constitucionalizagdo do diveito: 0s ditcitos fundamentais nas relagoes entte particulates, p. 61-65 SILVA, Vitgilio Afonso da, 4 constitucionalizagto do diveto: ox dincivos fundamentais nas relagGes entre partivulares, DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETAGAO... 191 lembrar, ainda, 0 caso do funcionario de uma empresa que recebe adicional de insalubri- dade ¢, portanto, est ciente de que, em tiltima andlise, esté renunciando a prépria sade, Nas palavras de Mariano Silvestroni, “nao se pode proibir a disponibilidade sobre a prépria vida sem cair em arbierérias concepgées de moral coletiva”, pois s6 partindo de uma concepcéo de Estado que subordine os direitos individuais a vagos critérios de moral coletiva ou ao capricho legiferante é que se pode imaginar a proi- bicio da disposigéo do mais disponivel dos bens juridicos, a tal ponto de pretender obrigar um sujeito a sofrer uma morte dolorosa e renunciar a sua dignidade’ A vida, envio, deve ser entendida como um direito dispontvel para o proprio titular e, além de renuncivel, tal direito deve ser compreendido como um principio constitucional ¢, portanto, passivel de ponderacao, controlada pela regra da proporcionalidade, levando em conta a dignidade ea liberdade do individuo. Ora, como se sabe, a Constituicao brasileira, além de prever a inyiolabilidade do direito 4 vida, também contempla a inviolabilidade do direito a liberdade, & igualdade, 8 seguranca ¢ A propriedade (artigo 5°, caput). Mais do que isso, estabelece a inviolabi- lidade de muitos outros direitos, como da liberdade de consciéncia ¢ de crenga (ar tigo, 5°, inciso VI); da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (artigo 5®, inciso X); da casa do individuo (artigo 5, inciso X1); do sigilo da correspondéncia e das comunicages telegrificas, de dados e das comunicagées telefonicas; do advogado, no exercicio da profissao, por seus atos ¢ manifestagdes (artigo 1 Isso significa que iio se pode entender inyiolabilidade tal qual uma expresso que pretenda designar direitos fundamentais como “indisponiveis’, “absolutos”, “irrenuncidveis” ¢ que nao admitem ponderacao. Mesmo porque sio iniimeras as hipéteses em que essay normas — quando entendidas como principios, na acepgio formulada por Alexy — acabam por colidir, exigindo que se estabelega entre clas uma “relacio de precedéncia condi- cionada’. Tal relagio equivale a indicar as condi¢ées sob as quais um principio precede ao outro, tendo em vista as particularidades do caso concreto, sendo que, em outras circunstdncias, o problema da precedéncia pode set resolvido de maneira inversa”. 4. A LIBERDADE NEGATIVA Como constatou Montesquieu, “nao existe palavra que tenha recebido tantos signi- ficados ¢ tenha marcado os espiritos de tantas maneiras quanto a palavra liberdade””. p. 62-63 “SILVESTRONI, Mariano H. Fwanasia 3 muerte piadesa: la relevancia clel consentimiento de ‘la victims’ como cximente de la tesponsabilidad criminal, p. 573 ¢ 564-565 "A lei de colisio para a solugio da contradigao entre principios consiste em inclicas, no caso conercio, as condligdes sob as quais um principio precede ao outro, exigindo-se que se proceda a um sopesamento para harmonizi-los. ALEXY, Robert. Teoria de los derechos funidamentales, p. 92; SINA, Virgilio Afonso da, Principios e regras: mitos e equivocos acerea de uma distingio, p. 617. “ Montesquicu. O esptrtio das leis, Livro XI, Capitulo TI, p. 169. Sobre as controvérsias acerca do termo “liberdade”, i sp P p 192 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 De fato, liberdade pode ser entendida das mais diversas formas: como um ideal a ser perseguido, como independéncia de uma pessoa ou de um povo, como uma oposigio frente a autoridade, como participagao na formulagio das regras que vinculario 0 modo de agir de todos, como poder de exercer a vontade sem interferéncias externas ou constrangimentos de terceiros. Mas, nesse passo, importa analisar a nogéo de liberdade negativa, do qual Isaiah Berlin se aproxima ao perguntar: “qual éa drea em que uma pessoa ou um grupo tem permissao de fazer ou ser sem a interferéncia de outras pessoas?” Na definigao de Norberto Bobbio, por “liberdade negativa” deve-se entender “a situagio na qual um sujcito tem a possibilidade de fazer ou de nao fazer, sem ser obrigado a isso ou sem que 0 impecam outros sujcitos” . A liberdade negativa pressupde, entao, a auséncia de impedimento, ou seja, a possibilidade de fazer. Mas também supéc a auséncia de cons- tricdo, isto é, a possibilidade de nao fazer”. Em sentido andlogo, Berlin afirma que, do ponto de vista da liberdade negativa, é possivel dizer que uma pessoa é livre na medida em que ninguém interfere na minha atividade, ou seja, a liberdade “é simplesmente a rea na qual um homem pode agir scm ser obstruido por outros””. ‘Tanto Locke quanto Hobbes lancaram luzes sobre 0 conceito de “liberdade negativa””. Locke menciona que a liberdade dos homens sob um governo consiste em “seguir minha propria vontade” e de “nao estar sujcito 4 vontade inconstante, incerta, desconhecida ¢ arbitrdria de outro homem””. Hobbes, por seu turno, afirma que por “liberdade entende-se, conforme a significacio propria da palavra, de impedimentos externos, impedimentos que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer 0 que quer”. auséncia Feitas essas considerages, é possivel constatar que a “liberdade negativa” esté comu- mente atrelada 3 ideia de dircitos individuais, &s chamadas liberdades civis. Seu sujeito histérico é 0 individuo. Para este estudo, revela-se importante a compreensao dessa nogio de liberdade para pensar na possibilidade de disposi¢ao da prépria vida, Como quer Berlin”, eu sou livre yerificar COMPARATO, Fabio Konder. ica: direito, moral e religiso no "BERLIN, Isaiah. Dois conceites de liberdade, p, 229. “BOBBIO, Norberto. [gualdad y libertad, p. 97. “BOBBIO, Norberto. Jgualdad y libertad, p. 97. “BERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade, p. 229. Montesquieu também rratou da questio ao afirmar que a “liberdade € o dircito de fazer tudo o que as leis permit Para este autor, em um “Estado, isto é, numa sociedade onde existem lels, a liherdade s6 pode consistir em poder fazer fo que se deve querer e em néo ser forgado a fazer 0 que ndo se tem o diteito de querer” (O espirito das leis, Livro XI, Capitulo IIL, p. 171). LOCKE, John. “Segundo tratado sobre o governo civil”, Capiculo IV, Item 22, p. 403. Sobre essa passagem da obra de Locke, verificar as andlises de BOBBIO, Norberto. fgualdad y libertad, p. 99. ‘HOBBES, Thomas, Leviaed, capitulo XIV, p. 113. Conferir, sobre essa passagem, os comentirios de VIEIRA, Oscar Vilhena. Diveitvs findamemiais: uma leitura da jurisprudéncia do STR, Sao Paulo: Malheitos, 2006, p. 137, MBERLIN, Isaiah. Dois conceitos de liberdade, p. 228-229 ¢ 236-237. undo modemo, p. 538 e seguintes DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO... 193 na medida em que posso agir sem ser obstruido por outros; sou livre se minha vida e minhas decisées nao dependem dos outros, mas apenas de mim mesmo. Eu tenho autonomia, portanto, na medida em que posso dar a mim mesmo as regras que vao reger meus interesses. E esse direito me é garantido pelas cabegas dos artigos 1" ¢ 5° da Constituicao Federal. 5. A MORTE E A EUTANASIA O avango da medicina, nas tiltimas décadas, tem trazido intimeros beneficios 4 satide das pessoas. Tem salvado muitas vidas e reduzido o softimento de muitos enfermos. Isso parece inquestionavel quando se pensa, por excmplo, nas recentes descobertas tecnolégicas que facilitam e antecipam diagndsticos das mais variadas moléstias, nas inovadoras técni- cas cirtirgicas, nos transplantes de érgios ¢ no desenvolvimento de medicamentos mais cficazes € menos téxicos para combater enfermidades como o cincer ou a AIDS. Todavia, junto com as recentes descobertas, 0 progresso da ciéncia tem trazido impor- tantes questionamentos, especialmente em relagdo as obstinadas tentativas de prolonga- mento do ciclo viral ea postergagao do proceso de morte, Também com o passar do rempo, a relagio entre médico ¢ paciente tem sofrido drasticas mudangas. O vinculo vertical, fundado no paternalismo, comecou a dar lugar a um liame horizontal, baseado na autonomia do paciente”. Alids, com essa mudanga, a ideia de paciente parece ultrapassada ou, no minimo, equivoca, pois remete nao sé ao individuo enfermo, mas também a pessoa conformada, que aguarda com tranquilidade as ordens de seu superior. Eo paciente de hoje, ciente de seus direitos, nao é propriamente uma pessoa que deva esperar passivamente as determinacées médicas, sem participar das decisées sobre sua satide e, em tiltima andlise, sobre sua vida e sua morte. Essa mudanga de enfoque, no Brasil, deve-se principalmente & tomada de consciéncia acerca da dimensio das previsées constitucionais sobre cidadania, liberdade e dignidade. Deve-se admitir 0 direito de cada pessoa, livremente, conduzir sua vida com base em seus préprios valores, decidindo como viver e como morrer, Por outro lado, compete a0 Estado € aos particulares reconhecer como legitimas as escolhas por ela feitas, desde que nao causem danos a outros individuos. Como explica John Stuart Mill, com relugio tt ofensa simplesmente eventual ou construtiva, por assim dizer, que uma pessoa cause & sociedade sem violar nenhum dever especifico para com o piiblico e sem ocasionar dano perceptivel a um outro indivtduo além de si mesma, Celeste Cordeiro Leite. O equilibria do pendulo: bioética e a lei, implicagoes médico-legais, p. 96. ‘ambém BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Diretio de morrer dignarsenic. cutanasia, ocwotanisia, consenti- mento informado, testamento vital, anélise constitucional e penal ¢ dircito comparado, p. 296-297. 194 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 a sociedade pode e deve rolevar essa inconveniéncia, en nome do bem superior da Liberdade humana”. Especificamente acerca da visio liberal da cutandsia, Albert Calsamiglia’ afirma quea decisio de como morrer “no é uma questo que interesse ao Estado”, sendo que a “intervencao estatal neste assunto supe um paternalismo injustificado”. Nao deixar as pessoas decidirem & um erro c tal equivoco existe porque hé uma confusio acerca do significado de dano. Para muitos enfermes terminais, 0 dano é continuar sofrendo. Para outros, 0 dano Z sobreviver como um vegetal e eles querem decidir por si mesmos qual indignidade esto dispostos a suportar. Aqueles que exigem o respeito a vida e tratam de impor coativamente o castigo & eutandsia podem ser acusades de cruéis, Nao resulta tao evidente que nestes casos a morte seja pior que a crueldade de obrigar a viver ou com dor ou com indignidade. Por que nio deixar a escotha de continuar vivendo ou morrer nas méos do destinatario? Portanto, o principio bioético da beneficéncia ou da nio-maleficéneia deve levar em conta nio a vontade do Estado ou do profissional da savide, mas do proprio titular do direito 2 vida. Com isso, afasta-se uma possivel invocacao de violagao ao juramento de Hipécrates, que diz: “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder ¢ entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém.” Deixar de reconhecer esses direitos decorrentes da cidadania, da liberdade ¢ da dig- nidade é aceitar o paternalismo'$. E 0 paternalismo, como assevera Berlin — baseado nos pensamentos de Kant —, é despético, “nao porque seja mais opressivo do que a tirania manifesta, brutal”, mas por ser um “insulto a minha concepgao de mim mesmo como set humano””. Ou, como expoe, Dworkin, “levar alguém a morrer de uma mancira que outros aprovam, mas que para ele representa uma cerrivel contradi¢io de sua propria vida, é uma devastadora ¢ odiosa forma de tirania™, Adotar uma posicio parernalista ¢, além disso, tratar do assunto no ambito do direito penal’ nada mais faz do que empurrar a pratica da cutandsia para a clandestinidade e, “MILL, John Stuart A liberdades utilitarismo, p. 125-126. Ver tambem a seguinte passagem da mesma obra: “A Ginica libetdade merecedora desse nome é a de buscar nosso proprio bem da maneita que nos seja convenience, contanto que tio tencemos privar outros do que Ihes convém. ou impedir scus esforgos de obté-lo. Cada um é 0 guardio adequado sua propria said, sca isca, mental ou espiritual. A humanidade ganha mais colerando que cada um viva conforme 6 que Ihe parece bom do que compelindo cada um a viver conforme parega bom 20 restante” (p. 22); S Ealsamiglia, Albert. Sobre la entanasta, p. 164-166. Ver também a justificagio da eurandsia com base no pensamento de John Stuart Mill exposta por FARRELL, Martin Diego. La entanasia y los principios morales p. 75-76. “Como expae Jorge Reis Novais, sé 0 “Estado patemnlista se arroga a pretensio de proceger sistematicamente © ido contra si proprio” (Direitor fandamentairs eunfos contra ia, p. 235). S BERLIN, lsatah, Dois concetos de liberdade, p, 259. Sobrea nogao de dano ¢ a questio do patetnalismo, ver também FARRELL, Martin Diego. La exxeanasia y los principios morales, p. 76. © PWORKIN, Ronald. Dominio da vide: aborto, eutanisia ¢ liberdades individuais, p. 307. Dworkin, sobre esta questo, afirma 0 seguinte: “Dentee rods as decisies tomadas por alguém, as que dizem respite rciais para a formagao ¢ expressio da personalidad; achamos crucial 3 vida ¢ & morte so as mais importantes DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO... 195 assim, deixar fora de controle eventuais abusos cometidos em nome da preservasio de uma vida ou da busca de uma morte digna. O termo eutanssia chi margem a uma série de significados, que podem desviar o foco da discussao que se pretende travar neste estudo. Portanto, € importante, aqui, aproximar-se do que se quer analisar para, em seguida, fazer algumas distingoes e dizer claramente sobre 0 que nio se esté a tratar. A expressao “cutandsia” remonta & nogao de “boa morte” ou “morte sem sofrimento”, ja que a ctimologia da palavra nos remete aos vocabulos gregos eu (boa) ¢ thanatos (morte). Mas a idcia de antecipagio da morte pode conduzir 0 pensamento a questdes que nao guardam qualquer relagio com a eutanasia no sentido que se pretende adotar. Assim, ¢ importante distinguir, de inicio, eurandsia de genocidio ¢ de eugenia”. Enquanto esta se configura como uma técnica voltada a um suposto aperfeigoamento da espécie humana, 0 genocidio se caracteriza como 0 exterminio deliberado, no seu todo ou em parte, de uma etnia, de uma raga, de um grupo religioso ou de uma comunidade". O exterminio em massa levado a efeito pelos navistas, apés a ascensio de Hitler ao poder na Alemanha, com o intuito de “putificagao da raga”, & um dos exemplos mais marcantes de genocidio baseado na eugenia, que remetem 2 equivocada nocéo de eutandsia, Neste trabalho, rechaca-se qualquer vinculo da expressio “eutandsia® com a idcia de genocidio ou eugenia. Repele-se, com isso, qualquer tentativa de defesa do que ja se chamou de “cutandsia coletiva””. Essas nogécs também conduzem A distingao entre eutandsia voluntaria e involuntaria. Enquanto aquela é praticada levando em conta os interesses Fundamentais ¢ a solicitacio do destinatario, esta titima é praticada contra a vontade da pessoa, Nesse passo, ¢ impor- tance deixar assentado que nao se defende neste estudo a chamada cutandsia involuncéria, entendida como aquela que se pratica contra os interesses fundamentais ¢ a vontade do paciente, pois esse ato deve ser considerado um homicidio. Ainda é importante distinguir a cutandsia ativa da cutandsia passiva, também conhe- cida como ortotandsia”. Enquanto esta ocorre quando se omitem ou suspendem os uc sejam tomadas com acetto, mas também considerimos crucial que nés mesmos as tomemos, que estejam em Consoniincia com nosso modo de ver as coisas. Mesmo as pessoas que qucrem impor suas convicydes a todos por meio do diteito criminal, quando clas e seus colegas, que pensam do mesmo modo, sia politicamente poderosos, ficariam horrorizadas, talvez a ponto de deflagrar uma revolugio, se ocarresce uma invetsio de sua sorte politica e se vissem te da perda da liberdade que agora pretendem negar aos demais.” (DWORKIN, Ronald. Domtiio da vide: aborto, ceutanisia ¢ liberdades individuais, p. 342) “ DOWRKIN, Ronald. Dominio da vida: aborto, eutandsia e liberdades individuais, p. 279, CALSAMIGLIA, Albert Sobre fa entanasia, p. 157-159. BIANCHI, Giorgio. Genucidio, p. 543-544. SZTAJN, Rachel. Auonomia privada e direito de morren eatanisia ¢ suicidio assistido, p. 133. 4 quem diferencie eutandsia passiva de ortotanisia. Para Maria Elisa Villas-Boas, a eutandsia passiva ocorre quando, para por termo aos sofiimentos, omitem-se out suspendem-se as conduras que ainda © que poderiam beneficiar o paciente. Ji a ortotanisia é definida por ela como “condut aun indicadas e proporcionais médicas cesticvas”, Neste 196 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 tratamentos médicos com vistas a nao adiar a morte, aquela se caracteriza pela adogio de condutas médicas comissivas tendentes a antecipar a morte”, A eutandsia ativa, por seu turno, além de uma pratica médica voltada a antecipat, dircta ¢ intencionalmente a morte’. também pode se caracterizar como a aceleracao da “morte como resultado indireto de acdes médicas que visam ao alivio do softimento de paciente terminal”. Na eutandsia de duplo efeito ou indireta, portanto, a morte ¢ “uma consequéncia acess6ria de fazer suportével uma vida préxima a seu fim””, ou scja, nao ¢ 0 objetivo imediato da conduta médica, mas o resultado indireto de se ministrar medicamentos que aliviem a dor ¢ o softimento do paciente. res de Feitas essas distingdes, eutandsia deve ser entendida, com base nos diz Nuinez Paz", como o comportamento médico que antecipa ou nao adia a morte de uma pessoa, por motivos humanicdrios, mediante requerimento expresso ou por von- tade presuumida — mas sempre em atengio aos interesses fundamentais — daquele que softe uma enfermidade terminal” incurivel, lesio ou invalidez irreversivel, que Ihe cause sofrimencos insuportaveis ¢ afete sua qualidade de vida, considerando sua propria nogaio de dignidade. 6. UMA INTERPRETACAO CONFORME A CONSTITUICAO No Brasil, o Cédigo Penal de 1940, no artigo 121, combina pena de reclusao de seis a 20 anos para o crime de homicidio ¢, apesar de nao mencionar explicitamente © termo “eutandsia’, 0 § 1° do mesmo dispositivo legal estabelece que, se 0 agente” cometer 0 crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, 0 juiz podera reduzir a pena de um sexto a um tergo”. “ltimo caso, 0 médico procura prover “conforto ao paciente, sem interferir no momento da morte, se © tempo natural de vida nem adié-lo indevida e artificialmente, para que a morte chegue na hora certa, quando 0 organismo efetivamente alcangou um grau de deterioragio incontornvel” (VILLAS-BOAS, Maria Elisa. Da eutandsia co prolonganento artificiak aspectos polémicos na disciplina juridico-penal do final da vida, p. 74-75 ¢ 80-81. O trecho centre aspas consta da p. 80) Sunther Jakobs, falar em eutandsia passiva € um cufemismo, “porque, por exemple, a desconexio de uma mquina-coragao-pulmao de funcionamento automético ou de um respirador similar nao requer menos atividade que {injegéo de um veneno” JAKOBS, Giinther. Suicidio, eutandsia e direito penal, 2003, p. 37). © E 0 caso da eutanasia ativa direra. TAJN, Rachel. Autonomia prieada e direito de morrer: eu *JAKOBS, Giinther. Suicidia, entaradsia e dircito penal, p. UNUNEZ PAZ, Miguel Angel. Horicidio comentide, cucanasie y derecho w mori cor dignided: problemécica juridica ala luz del Cédigo Penal de 1995, p. 55. encurtar suicidio assistido, p. 133. * Adota-se aqui 0 conccito de pacicnte terminal formulado por Clovis Francisco Constantino e Mario Roberto Hirs- chheimers “conceitua-se paciente terminal como o portador de uma docnga em estigio que evolui inexoravelmente para 0 dbito, independente dos esforcos empregados, que causa grande sofrimento © nao apresenta possibilidades cas que passamn melhorar a qualidade de vida, por mais curta que seja”. (CONSTANTINO, Clovis Francisco: HEIMER, Maio Roberto, Dilemnas étcos no inatamento do paciente pediirico terminal, p. 90-91). 2E importante notar que a lei penal nde menciona que 0 agente, nesse caso, seja um médico. SNesse sentido, 0 Brasil poderia se encaixar no grupo de paises que arenuam a pena de homicidio por motivos humanitisios, segundo a classificagéo adotada no presente trabalho, DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO ... 197. Como explica Raquel Elias Ferreira Dodge, a doutrina situa a cutandsia na previsio do artigo 121 do Cédigo Penal, pois nao se exclui a ilicitude da conduca descrita no referido dispositivo mesmo quando praticada pelo profissional da satide, por motivo piedoso ¢ com 0 consentimento do paciente. Assim, a doutrina entende que aquele que leva a efeito a eutandsia incorre no crime de homicidio. Mas, em razio de o ato ter sido praticado por motivo piedoso, pode ocorrer a redugao da pena. A justificativa dada pela autora para cal entendimento é a de que referida pritica picdosa vem caracterizada pela Exposi¢io de Motivos do Cédigo Penal de 1940 da seguinte forma por motivo de relevante valor social ou moral, o projeto entende significar 0 motivo que, em si mesmo, éaprovado pela moral pritica como, por exemplo, a compaixio ante irremedidvel sofrimento da vitima (caso do homicidio eutandsico)’. Contudo, deve-se aentar, primeiramente, para o fato de que a interprecagio jurt- dica nao se deve pautar pela mens legislatoris, mas pela mens legis. E. preciso buscar aquilo que na lei aparece objetivamente querido e nao aquilo que o legislador quis” Sem se apegar & vontade do legislador, mas levando em conta as circunstincias que fizeram nascer a lei, bem como aquilo que é objetivamente querido pela norma, o incérprete deve se ater As novas realidades para viabilizar uma interpretacéo do texto normativo, com base nos comandos constitucionais”. O Cédigo Penal também define o crime de induzimento, insti 9 ou auxilio ao suicidio: Art, 122. Indusir ow instigar alguém a suicidar-se ou prestar-the axilio para que o faa: Pena — recluséo, de dois a seis anos, se 0 suicidio se consuma; ou reclusdo, de um a trés anos, se da tentativa de suicidio resulta lesiéo corporal de natureza grave. O paragrafo tinico do mesmo dispositivo legal prevé a duplicagao da pena “se o crime & praticado por motivo egoistico” ou “se a vitima é menor ou tem diminuda, por qualquer causa, a capacidade de resistencia”. A questo aqui ¢ saber se a Constituigao brasileira admice @ eutandsia, com qual fundamento ¢ em que termos”. Para tanto, ¢ imprescindivel analisar se os dispositivos “DODGE, Raquel Flias Ferreirs. Eutandsia ~ Aspectos Juridices, p. 118, Pata Miguel Angel Nuiiez Paz, o Brasil se encaisaria no grupo de paises que estabelecem redugio da pena de homicidio se cometide por motive humanitisio (Néice Pas, Miguel Angel. Homiciio conseniédo, eutanasia y derecho a morir com dignidad problematica juridica a la luz del Codigo Penal de 1995, p. 229-230). Rachel Sztajn também afirma que, no Brasil, eutandsia é crime, mas a proibisio legal, moral ¢ teoldgica poderia ser afastada se atendidos alguns pré-requisitos que enumera (SZTAIN. Rachel. Ausonomia privada e direiw de morrer. exanisia suicidio assistido, p. 160-162). SFERRARA, Francesco. Jnterpretacio e aplicasio das leis, p. 134-135. “DIAS, Roberto, A remissdo pane exelusio de processo como direito dos adolescentes: uma interpretacio conforme a Constituigio, p. 54. “Luis Roberto Barroso, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, afirma que a “legislacio penal brasileira nao faz qualquer distingio” entre 2 ortotanisia — que abrange a limitagao do tratamento ¢ 0 cuidada paliativo —, 0 suicidio assistido ¢ a eutanisia propriamente dita. “Assim, tanto a limitagao do tratamento como a eutan: a enquadramento como crime de homicidio”. Contudo, ao scr perguntado se a Consticuigao br 180 sujeitas a permite a 198 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 do Cédigo Penal brasilcito, acima mencionados, estao de acordo com a Constituicio, séo inconstitucionais ou podem ser interpretados conforme a Constituigao. A presungio da constitucionalidade das leis tem por fundamento a chamada “sepa- ragio de poderes””, mais corretamente denominada de divisto de fungées do Estado. A ideia da separagio das fungées a ser exercidas por érgios do Estado, distintos auténomos, independentes entre si, aparece sistematizada por Montesquieu que, a0 tratar da Constituicao da Inglaterra, mostra que existem “em cada Estado trés tipos de poder: 0 poder legislativo, o poder executive das coisas que dependem do direito das gentes ¢ 0 poder executivo daquelas que dependem do direito civil” ". Para cle, a repartigao organica do poder garante a liberdade”. Essa nogao acabou consagrada na Declaracio dos Dircitos do Homem e do Cidadao, de 1789, que previa, em scu artigo 16, 0 que passou a ser um dogma: nao se tem Constituigio quando nao estiver determinada 2 separagio das funcdes do Estado. ‘A concepgao da repartigao das fungdes volta-se 4 contencto do poder por meio de um sistema — chamado pelos norte-americanos de checks and balances (freios contrapesos) — de controle de um érgio do Estado pelo outro. Nesse sentido, cabe 20 Judicidrio, pela via difusa ou concentrada”, realizar 0 controle da constitucionalidade das leis ¢ dos atos normativos. E dese notar, com isso, que a presuncao da constitucionalidade das leis ¢ relativa, ou seja, subsiste até que haja declaragio em contrario pelo érgao jurisdicional’ . E Guuanisia © 0 suicidio assistido, respondeu que mio via impedimento constitucional para ais priticas: “Eu acho. Mas essa é uma matéria sobre a qual o legislador ordinatio deveria pronunciar-se, Nie ereio que haja impedimento constitucional.” (Consticucionalista diz que lei ampara ortotanasia no pats, Fella de S. Paso, 04 de dexemibsro de 2006, pC), * Egea expressao & considerada equivocada pela doutrina, uma vez que o poder € tido como uno e indivisivel, Nesse ido, conferir TEMER, Michel. Flementos de direito constitucional, p. 118 ¢ seguintes; BASTOS, Celso Ribeiro. “arso de direito constitucional, p. 339. "Montesquieu. O espirito das les, p. 171 eseguintes (Décimo Primeiro Livro, Capitulo VI). Antes dele, as formulagoes sobre as Fungdes do Estado ja tinham sido expostas por: Aristételes. A politica, p. 127-143 (capitulo X, terceiro livro), © por John Locke, no Capitulo XII do "Segundo tratado sobre o governo civil”, p. 514-517. Hi referencia, cumbém, aos “trés podetes” om KANT, Immanuel. A metaftsica dos costunnes, p. 155-156. Com base nas ligdes de Montesquieu, James Madison afirma que 0 “actimulo de todos os poderes, legislativo, ‘executivo ¢ judicidrio, nas mesmas mios, seja de uma pessoa, de algumas ou de muito, seja hereditirio, autodesignade ou eletivo, pode ser justamente considerado a prdptia definigo de tirania” (Os artiges federalists, p. 331-332, art XLVID. A separagso de fungGes implica admitir que os érgios do Estado exercem Fungoes tipicas ¢ ourras atipicas, viabili- vando a harmonia ¢ independéncia entre eles, como consagrado no artigo 2? da Constituigio Federal, assim redigido: So poderes da Unio, independentes ¢ harménicos entre si, o Legishrivo, o Executivo ¢ 0 Judliciiric”. Pode-se considerar fangio tipica do Judicidtio realizar © controle da consticucionalidade pela via difusa ou incidental, ¢ fngio stipicao controle concentrado, uma ver que, nesta tltima hipétese, estar havendo, na realidad, awagio do Judicidrio como legislador negativo, retirando do ordenamento juridico a norma declarada inconstitucional. © Nesse sentido, ver, por exemplo, BARROSO, Luis Roberto. /uterpretasito e aplicagio da Constituicao, p. \77-178:"A presungio de constitucionalidade das leis encerra, nacuralmente, uma presuncio iuris taucum, que pode ser infirmada pela declaragao em sentido conttisio do drgio juriscicional competente. O principio desempenha uma fancio prag- matica indispensivel na manuitengio da imperatividade das normas juridicas e, por via de consequéncia, na harmonia lei, sob o findamento de inconstitucionalidade, antes quc 0 vicio do sistema. descumprimento ou nio-aplicagio, DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASI UMA INTERPRETACAO... 199 os desdobramentos disso conduzem a duas assertivas": (a) a declaragao da inconsti- tucionalidade deve ocorrer somente na hipdtese de se revelar evidente 0 vicio, caso contririo, havendo dtivida, deve-se considerar a norma como vilida; e (b) sendo possivel interpretar a lei de acordo com a Constituigio, apesar de 0 mesmo texto legal comportar outras interpretages incompativeis com o preceito constitucional, deve 0 intérprete optar pela exegese que privilegie a validade a norma hicrarquica- mente inferior. Essa segunda hipdtese ¢ denominada de interpretacdo conforme a Constituigdo, expres- 40 que comporta varios sentidos, iniciando por saber se é um método de interpretacao das normas consticucionais, das leis ou de ambas ¢ passando ao questionamento de se referir a um método de interpretagao ou a um instrumento de controle da constitucionalidade das leis ¢ dos atos normativos, O Supremo Tribunal Federal, na Representagio de Inconstitucionalidade n. 1.417, cujo julgamento se deu em 9 de dezembro de 1987 ¢ teve como relator 0 ministro Moreira Alves, firmou o entendimento de que a interpretacio conforme a Constitui- ¢40 se situa no ambito do controle da constitucionalidade”™, Por sua vez, Paulo Bonavides — apés afirmar que, se a interpretagio das leis con- forme a Constituigao “jd néo tomou foros de método auténomo na hermenéutica contemporanea”, constitui, sem dtivida, “um principio largamente consagrado em virlos sistemas constitucionais” — entende que em “rigor nao se trata de um principio de interpretacio da Constituigio, mas de um principio de interpretacao da lei ordina- tia de acordo com a Constituicéo””, Diversamente, e com acerto, Konrad Hesse assinala que “a inserpretagao conforme nao coloca somente a questéo do contetido da lei submetida ao controle, mas também a relativa ao contetido da Consticuigio, segundo a qual dita lei hi de scr medida, Exige, pois, tanto interpretagao da lei como interpretacao da Constituicao”". Para José Joaquim Gomes Canotilho, a expressio interpretagdo conforme a Consti- tuigao pode scr tomada como regra determinante para se decidir entre varios resultados haja sido proclamada pelo drgio competente, sujeita « vontade insubmissa ds sangdes prescritas pelo ordenamento, Antes da decisio judicial, quem subtrair-se & lei o fad por stia conta e risco” "SNesse sentido, confetir MAXIMILIANO, Carlos. Hermentutice e aplicagio do dircito, 10, ed. Rio de Jancit: Forense, 1988, p. 307-308; BARROSO, Luis Roberto, /nierpretacio ¢ aplcasio la Constcuigan. p. 178: Segundo V Linares Quintana. Reglas pare le interpretaciin constitucional sen la doctrina e la jursprudencta, p. 136 ¢ seguintes, RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das less vicio e angio, p. 203-206. “Jorge Miranda (Manual de direito constitucional, ‘Tomo Il, p. 264) cambém far referéncia a essa questio, dizendo que a interpreiacao conforme a Constituigao & mais do que 2 aplicagio de uma regra de interpretagio. Trata-sc de um método de “um metodo de Ascalizagio da constitucionalidade.” “BONAVIDES, Paulo. Caso de ditcito consitucional, p. 473-474, Nesse mesmo sentido, Virgilio Afonso da S afiema que a interpretagdo conforme a Constiuigio pode ter algum significado “como um ctitério para incerpretado das leis, mas nao para a interpretacio constitucional” (SILVA, Virgilio Afonso da. interpreuagto constitucional « since tismo metodolégico, p. 133) “HESSE, Kontad. La interpresactén constitucional, p. 57, 200 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 possiveis de interpretagio; como meio de limitagéo do controle da constitucionalidade das leis; ou, ainda, como instrumento hermenéutico de conhecimento das nor constitucionais . nas. Segundo ele, desses trés sentidos derivam outras consequéncias: quando se pude- rem extrair de uma lei virios significados, impée-se a escolha daquele que permita a concordancia da lei com as regras constitucionais; enquanto puder ser interpretada de acordo com a Constituicao, a lei nao deve ser declarada inconstitucional; e deve-se valer das normas constitucionais para determinar 0 contetido intrinseco das leis". ‘Assim, a interpretagao conforme a Constituigio nao deve ser entendida como um simples método de consetvagio das normas infraconstitucionais, bascado no resultado acritico do exercicio da funcao legislativa, pois, dessa forma, poderia acabar por trans- formar tal interpretagao em “alavanca metédica da legalizagio da lei fundamental”. Com efeito, deve-se atentar para 0 risco de transformar a interpretac4o conforme a Constituicdo numa interpretacio da Constituigio conforme a lei, Primeiro porque se estaria tomando como parimeuro de interpretacao a norma hierarquicamente inferior no odenamento juridico, o que é inconcebivel. Segundo porque, dessa forma, seria admitida a idela segundo a qual, mais do que um espago normativo aberto, a Consti- tuicéo seria um espaco neutro, sujeito a sutis alteracGes pelo legislador infraconstitu~ ional. E, por fim, nao se deve afastar “o perigo de a interprecagio da Constituigao de acordo com as leis ser uma interpretagito inconstitucional’, sob pena de se ter, “assim, a legalidade da constituigao a sobrepor-se & constitucionalidade das kis”. Portanto, se, por um lado, é conferida ao Legislativo a hegemonia quanto a concretiza- cdo da Constituicio, nao se retira do Judicidrio 0 poder-dever de declarar a inconstitu nalidade da norma que se mostte incompativel com ela, preservando o texto infraconstitu- cional quando se revelar vidvel interpreté-lo conforme a Constituicao. A interpreragio conforme a Constituigao, entao, deve ser entendida como um método hermenéutico tanto da Constituicao quanto das leis, com vistas a buscar a prevaléncia normativo-vertical ¢ a integragdo hierdrquico-normativa . Assim & que esse método impoe — entre algumas incerpretagées possiveis da norma infraconstitucional — a exegese compativel com os preceitos constitucionais”. FEANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituigio dirigente ¢ vinenlasao do legislador, p. 404. ‘NOTILHO. José Joaquim Gomes. Constituisio dirigente e vinculasito do legislador, p. 405, NOTILHO, José Joaquim Gomes. Comitnicaa dirigente e vinculagto do legislador, p. 405 “CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito contttucional e teria da Constituigao, p. 1106-1107. Confcrir também BONAVIDES, Paulo, Cruse de direttoconstirucional, p. 475-476. Essa orientagao no sentido de rejeitar a interpretagto da Constituigao conforme a lei em ver de interpretar a lei confe “onstituigdo também ji foi objeto de apreciagio pelo Suprema Tribunal Federal: Ag. Reg. em Peticéo n, 423-SP, Tribunal Pleno, rel. do acérdio Min. Sepilveda Per- fence, re Min, Celso de Mello, j. 26.04.1991, provido por maioria de voros, D/ 13.03.1992, p. 2921, RI] 136/1034 "CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Constituicéo dirigemte e vineulagao do legislador, p. 406. Para uma hipotese de interpretacio de dispositivos do Estatuto da Crianga € do Adolescente conforme a tuigdo, conferir DIAS, Roberto. A remisiio para exclusio do proceso como dircito dos udolescente, urva interpretagio aformea Constituigio, Porto Alegre: Fabris, 2003. Yonsti- DISPONIBILIDADE DO DIREITO A VIDA E EUTANASIA: UMA INTERPRETACAO, 201 O ordenamento juridico brasileiro, quando algou a0 mais alto patamar hicrérquico tanto a vida, quanto a autonomia ¢ a dignidade da pessoa humana, imps uma deter minada interpretagao aos artigos 121 ¢ 122 do Cédigo Penal. Se a vida é um direito disponivel pelo prdprio ticular, este pode livremente decidir, com base em sua concepgao de dignidade, acerca da continuidade ou interrupgio de um tratamento médico, sem que isso implique a responsabilizagio do médico. Em outras palavras, a autonomia e a digni- dade do paciente tém fundamental relevancia na caracterizagdo dos crimes de homicidio piedoso ¢ auxilio ao suicidio, sendo que essas condutas nao caracterizario ilicito penal na hipdtese em que a cessagio do tratamento ocorrer por motivos humanitétios € por vontade do paciente, mediante a atuagio médica. Mas as referidas disposigdes legais continuario a incidir quando csses pressupostos nao estiverem presentes. Especificamente em relacio ao homicidio picdoso, se o médico leva em conta a vontade ¢ os interesses do paciente, com base na nocio de dignidade do enfermo, o crime nao se configurard por forga da “prevaléncia normativo-vertical” das disposigdes constitucionais relativas ao tema’. No tocante ao auxilio ao suicidio, a vontade de morrer jé estari presente e, portanto, nesse caso, 0 crime nao se verificars quando © auxilio praticado por médico ocorrer por motivos humanitérios, em atencao aos interesses fundamentais do paciente, para preservar-lhe a dignidade, que esta afetada por uma enfermidade terminal incurével, lesao ou invalidez irreversivel, que lhe cause sofrimentos insuportaveis e afete sua qualidade de vida. Com isso, percebe-se que a Constituigao, a0 tratar da dignidade da pessoa humana, do direito a vida e do dircito a liberdade, impée scu contetido as demais normas do ordena- mento juridico, exigindo que, nas hipéteses ora analisadas, o Cédigo Penal seja interpretado de modo a autorizar que o titular do diteito 3 vida possa dela dispor, decidindo, livremente, com fundamento em sua concepeao de dignidade, sobre a intencao de continuar a viver ¢ 9 modo como pretende morter. Do contratio, estaremos — como afirmado por Berlin Dworkin — diante de um inadmissivel paternalismo ¢ de uma inaceitivel dirania, incom- pativeis com o Estado Demoeratico de Direito”, consagrado pela Constituicao brasileira, ativa dir "Desde que nio se pratique a eutans ‘omo ji mencionado no presente artigo, a cutanisia ativa é classificada como direta ou indireta. Naquele caso, adota-se uma pritica médica voltada a antecipar, direta e inten cionalmente, a morte. Ji, a tiltima hipétese, também chamada de eutandsia de duplo efeito, a aceleragio da morte ‘corte como “resultado indireta de aces médicas que visam ao alivio do sofrimento de paciente terminal” (SZTAIN, Rachel. Autonomia privada e direto de morrer:eutandsia ¢ suicidio assistido, p. 133). Na eutandsia indizeta, portanto, 4 morte é “uma consequéncia acess6ria de fazer suporisvel uma vida proxima a seu fim’ — JAKOBS, Giinther. Suieédio, entandsia ¢ direito penal, p. 35 — ow seja, no € 0 objetivo imediato da conduta médica, mas 6 resultado indirero de se ministrar medicamentos que aliviens ¢ dor ¢ o sofiimento do paciente. Como explica Maria Elisa Villas-Boas, enquanto na curanisia ativa direta o pensamento que orienta a pritica é 0 de promover a morte do paciente para tirar-the a dor, na eutanasia ce duplo efeito, a ideia ¢a da necessidade de “tirar a dor do paciente, ainda que ele venha 4 morrer mais cedo em decoreéncia disso”. Assim, a “dose nao deve ser tal que torne a morte uma certera imediata, amas a menor dose possivel para a produgao da analgesia" (VILLAS-BOAS, Maria Elisa, Da eutandsia av prolongamnento antificiak aspectos polmicos na disciplina juridico-pensl do final da vida, p. 82). * Jorge Reis Novais afirma, com acerto, que o Estado de Direico é essencialmente um estado nao paternalista (Direitos fandamentais: sunfos contea a maioria, p. 235) 202 REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SAO BERNARDO DO CAMPO - 2010 7. Referéncias bil ALEXY, Robert. Téorta de los derechos fundamentates, Vradugao de Ernesto Garzén Valdés. Madrid: Centro de Estudios Politicos e Constitucionales, 2002. iograficas ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos findamentais na Constituigdo portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2006. ARISTOTELES. A politica. 2. ed. Tradugao de Roberto Leal Ferreira. Sao Paulo: Martins Fontes, 1998. BARCELLOS, Ana Paula de. 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