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A EMERGENCIA DOS COMPORTAMENTOS DE OBEDIENCIA E DE DESOBEDIENCIA: RELAGAO COM AS ESTRATEGIAS DE CONTROLO MATERNO Orlanda Crus Ana Paula Pereira Emilia Moreira Resumo: A aprondizagem da auto-regulagto inicia-se precocemente no contexto das interacgSes sociais que a crianga mantém com os adultos que lhe sfo mais ‘pr6ximos. Este artigo apresenta um estudo sobre a emergéncia dos comportamen- tos de obediéncia e de desobedineia da crianca, observados numa situaco de arrumagio de brinquedos, ¢ sua relago com os comportamentos de controlo rmaternos. Participaram nesta investigasio 120 mifes e respectivos filhos com ida- des compreendidas entre 14 e 49 meses, homogeneamente distribuidos por género e seleccionados aleatoriamente a partir de 30 salas de creche. Os resultados reve- lam 2 influéncia diferencial da idade das criangas, bem como dos comportamentos de controlo utilizados pelas mies, na determinago da qualidade dos comporta- mentos de obedignia e de desobeditneia das criangas. A medida que a idade ‘aumenta, as eriangas apresentam menos comportamentos de desobediéncia passi- ‘va, € mais comportamentos de recusa simples e de negociagdo. A obediéncia situacional é explicada pelo uso de ordens especificas e de estratégias directivas por parte da mae, em que os quatro comportamentas de desobediéncia das criangas aparecem associados a diferentes estratégias de controlo materno. Palavras-chave: comportamentos de obediéncia versus desobs de controlo maternos, sudo descrtive mediante observagio cia, estratégias 1 Faculdade de Psicologia ¢ de Citncias da Edueagio, Universidade do Porto, orlanda@tpee.up 2 Faculdade de Pricologiae de Cidncias da BduengSo, Universidade do Porto 3 Faculdade de Psicologia e de Ciencias da Educag20, Universidade do Porto Esta investigagSo foi fnanciada pele Fundapdo para a Cidnciae a Tecnologia (Refertn- cia: POCTHPSI/3520772000) O presente artigo desenvolve e aprofunda uma comunica- ‘Xo, intgrada num paiveltemlico sobre “InteracgBes ence pais e files", apresentada no ‘Sontexto do VI Simpésio Nacional de Investgaqa0 em Psicologia, Evora, Portugal, 28 030 ‘de Novembro de 2006 e uma comunicaglo apresentada na 130h European Conference on ‘Developmental Paychology, Jena, Alemanhe, 2007. PSICOLOGHA, Va. XXIt 2), 2009, Eigdes Coli, Lisboe, p. 153-173, 154 Orlanda Cruz, Ana Paula Pereira e Emilia Moreira Development of child compliance and non-compliance behaviours, and maternal control strategies (Abstract): Chikiren develop behavioural self-regulation skills early in their lives within the context of social interactions with significant adults, ‘This study analyses the relationship between child compliance and non-compliance behaviours, as well as maternal control strategies, observed during a toys pick-up Procedure. A total of 120 mother-child dyads participated in this study. Children ‘were randomly selected ftom 30 day-care classrooms and evenly distributed by ‘ender and age (ranged between 14 and 49 months). Results showed the influence of child age and maternal control strategies in child compliance and non-compliance ‘behaviours. Elder children presented less passive non-compliance as well as simpler refusal and negotiation behaviours. Situational compliance is explained by maternal use of specific demands and directive strategies; while different child non- compliance behaviours are explained by different maternal strategies. Keywords: compliance /non-compliance behaviours, maternal control strategies, observational descriptive study Introdugio ‘A aquisigdo da capacidade de orientar © controlar voluntariamente a sua propria aogiio em funglo das expectativas e exigéncias colocadas pela ‘eomunidade & um aspecto fundamental do processo de socializagao da crian- sa. Esta competéncia, habitualmente designada por auto-controlo ou anto- -regulagdo, tem a sta génese ao longo do segundo ano de vida, desenvolven- do-se a0 longo do periodo pré-escolar (Kopp, 1982; 1987). No contexto das interaogGes com 0 adulto, a auto-regulagio traduz-se ‘em comportamentos de conformidade (obediéncia) ou nfo conformidade (Gesobediencia) commas direetrizes que aquele coloca a crianga, Hi jé alguma cevidéncia empirica consistente que indica que os comportamentos de resis- téncia as ditectrizes parentais na idade pré-escolar estio associados a niveis, mais baixos de competéncia social (Kochanska, 2002) e a problemas de externalizagio (Briggs-Gowan, Carter, Bosson-Heenan, Guyer, Horwitz, 2006; Mathiesen & Sanson, 2000; van Zeijl, Mesman, Stolk, Alink, van Ijzendoor, Bakermans-Kranenburg, Juffer, & Koot, 2006). Por outro lado, € durante esta fase que a crianga desenvolve o seu sentido de Eu enquento pessoa auténoma, com vontade propria e capaz. de afirmar os seus interesses © vontades, Daf que, do ponto de vista desenvolvimental, nfo seja linear a relagiio entre obediéncia e adaptagiio, por um lado, © desobediéncia e pertur- bagio, por outro. De facto, a investigagiio que tem sido realizada neste dominio mostra que estes comportamentos nem sempre assumem a conotagdo po: A Emerg@ncia dos Comportamentos de Obediéncia e de Desobedigncia 155 ‘valnegativa que habitualmente Ihes & atribuida, ou seja, existem diversos tipos de comportamentos de obediéncia e de desobediéncia que se distin- gem pelo grau de asserglo e de maturidade. Parece haver um acordo entre os investigadores quanto a0 facto de nem todos os comportamentos de obediéncia da crianga serem indicativos da sua capacidade de auto-regulagtio (Dix, Stewart, Gershoff & Day, 2007; Kochanska, 2002; Kochanska & Aksan, 1995; Koenig, Cicchetti & Rogosch, 2000; Maccoby é Martin, 1983). Haverd assim a distinguir, por um lado, a obediéncia situacional ou imediata e, por outro, a obediéneia auto-regulada ‘ou comprometida. No primeiro caso, obediéncia situacional, existe uma proximidade temporal notéria entre a directriz apresentada pelo adulto € 0 comportamento de obediéncia da crianga, o que leva os autores a considerar ‘que a crianga s6 obedece porque o adulto exerce um controlo imediato sobre ‘sua acco. Pelo contrério, quando hé obediéncia auto-regulada, a erianga presenta comportamentos conformes as directrizes do adulto independen- temente do controlo que este possa exercer, o que leva a pensar que a crianga terd internalizado essas directrizes, assumindo-as como suas, ¢ apresentando- -se portanto intrinsecamente motivada para se comportar em conformidade. Assim, s6 este tiltimo tipo de obedigncia funcionard como um indicador de auto-regulago (Kochanska, 2002; Kochanska, Tjebkes & Forman, 1998). A investigagao tem revelado que a obediéncia situacional predomina nas crian- gas mais novas ¢ tende a diminuir com a idade, enquanto a obediéncia auto- -rogulada, pelo contrério, tende a aumentar (Kochanska & Askan, 1995; Power, MeGrath, Hughes & Manire, 1994). Relativamente a desobediéncia, foi identificado um conjunto de com- portamentos que podem ser clasificados de acordo com o nivel de assertivi- dade © com o nivel de maturidade implicitos (Kuezynski & Kochanska, 1990; Power ef al., 1994). Assim, a investigago tem revelado diferengas entre os comportamentos de desobediéncia passiva, de recusa simples, de desafio directo e de negociacto. A desobediéncia passiva & considerada uma forma no assertiva ¢ imatura de desobediéncia, diminuindo com a idade; a crianga ignora a exigéncia colocada pelo adulto, ou porque nao a entendeu, cu porque nfo é capaz de Ihe dar uma resposta, ow ainds ignora-a de uma forma aparentemente mais deliberada (Dix et al, 2007; Kuczynski & Kochanska, 1990; Kuczynski, Kochanska, Redke-Yarrow & Gimius-Brown, 1987). A recusa simples & considerada um comportamento de desobedigncia directo mas nio aversivo, tendendo, ao contrario da desobediéncia passiva, a aumentar com a idade (Dix et al, 2007; Kuczynski & Kochanska, 1990). Quando apresenta uma resposta de desafio directo, a crianga resiste activa- monte & dircctriz do adulto, sendo nfo s6 assertiva, mas também agressiva © provocatéria, colocando em causa a autoridade do adulto; é considerada uma resposta imatura que tende a diminuir ao longo da idade (Dix et al., 2007; 156 Orlanda Croz, Ana Paula Pereira ¢ Emilia Moreira Kuczynski & Kochanska, 1990). Finalmente os comportamentos de nego- ciagao consistem em tentativas de persuasto assertivas utilizadas pela crian ‘ea, podendo incluir tentativas de estabelecimento de compromissos e pedi- dos de explicagio colocados ao adulto no sentido de tentar influenciar, de forma mais ou menos subtil, uma mudanga nas direct icialmente apre- sentadas por este, Trata-se de um comportamento mais exigente do ponto de vista cognitivo e, como tal, tende a aumentar ao longo da idade (Kuezynski & Kochanska, 1990; Power er ai., 1994). ‘Apesar dos comportamentos de desobediéncia da crianga porem em causa a autoridade do adulto, estes podem ser considerados normativos entre 0s 18 ¢ os 36 meses, dadas as caracterfsticas desenvolvimentais deste grupo ctério, marcado por uma forte necessidade de afirmagio do Bu e de desen- volvimento da autonomia pessoal (Erikson, 1963; Kopp, 1982). Uma andlise ‘mais aprofundada dos tipos de desobediéncia mostra que, ao longo da idade pré-escolar, 0 desafio directo e a desobediéncia passiva so as formas mais frequentes numa fase inicial e a recusa simples © « negociagio as formas ‘mais frequentes numa fase final (Kuczynski & Kochanska, 1990). Relativamente ao género, a investigagao revela genericamente que as raparigas obedecem mais frequentemente (Kuczynsky et al., 1987) € deso- bedecem menos frequentemente do que os rapazes (Kalb & Loeber, 2003); apresentam valores mais elevados de obediéncia auto-regulada (Kochanska, 2002; Kochanska & Aksan, 1995), valores mais baixos de desobediéneia passiva (Kochanska, 1995, Kochanska & Aksan, 1995), bem como formas mais assertivas de desobediéncia (Power ef ai., 1994). Alguns estudos reali- zados com criangas mais novas (entre um ¢ dois anos) constituem excepydes ‘esta tendéncia (Londerville & Main, 1981; Power & Chapieski, 1986). A investigagio tem mostrado ainda a existéncia de uma relago entre ‘0s comportamentos de obediéncia ¢ de desobediéneia da crianga, por um lado, ¢ os comportamentos de controlo parental, por outro. Os pais mais responsivos aos interesses da crianga constroem um ambiente afectivo mais, ivo que potencia a motivago da crianga para cooperar com os pais €, consequentemente, os scus comportamentos de obediéncia auto-regulada (Kochanska & Aksan, 1995; Wahler & Meginnis, 1997). Em relaglo & direc- tividade materna, os resultados mostram que as mes que usam mais direc- trizes e exigéncias 18m maior probabilidade de obter comportamentos de desobediéncia por parte dos seus filhos. A directividade traduz-se muitas vvezes num acompanhamento mais directo e mais préximo da acgdo da crian- a (€ até em atitudes coercivas) que prejudica o desenvolvimento da sua autonomia capacidade de auto-regulagio (Kuczynski et al, 1987). A idade da crianga é porém uma varidvel importante na determinaco dos comporta- ‘mentos de controlo utilizados pelos pais; por exemplo, com as criangas mais ‘A Emergéncia dos Comportamentos de Obedigncia e de Desobedigncia 137 novas as directrizes sio formuladas de uma forma mais directa, o que estar provavelmente relacionado com o nivel de compreensio mais baixo destas criangas. Por outro Jado, nas criangas mais novas, a maior directividade cespecificidade das directrizes pode estar associada a niveis superiores de obe- diéncia e, em particular, de obedineia situacional (Kalb & Locber, 2003). © eestudo que aqui apresentamos pretende analisar a relaglo entre diversos tipos de comportamentos de obediéncia ¢ de desobediéncia © os comportamentos de controlo utilizados pelas mes, em criangas de um a quatro anos de idade, Da revisdo da literatura efectuada verificamos que os ‘comportamentos da crianga variam em fungao do género e da idade e, como tal, o controlo destas variaveis deve ser considerado nas andlises a realizar Relativamente & directividade matema, esperamos encontrar uma relagio positiva com os comportamentos de obediéncia situacional ¢ uma relacdo negativa com os comportamentos de obediéncia auto-regulada. A obedincia situacional devera ser mais frequente do que a obediéncia auto-regulada, dada a faixa etaria das criangas do estudo. Em relago aos comportamentos de desobediéneia, esperamos que a desobedincia passiva ¢ 0 desafio directo diminuam com a idade da crianga e se relacionem positivamente com a directividade materna, enquanto os comportamentos de recusa simples ¢ de negociagio devero aumentar com a idade ¢ relacionar-se negativamente com a directividade materna. Método Participantes Participaram neste estudo 120 diades mae-crianga, sendo 60 meninas e (60 meninos. As criangas foram escolhidas de forma aleatéria a partir de 15 instiuiges privadas com valéncia de creche situadas na Area Metropolitana, do Porto. Em cada instituigdo foram contempladas duas salas de creche — a sala que albergava criangas de um a dois anos ¢ a sala que albergava criangas de dois a trés anos ~ num total de 30 salas, tendo sido seleccionados aleato- riamente em cada sala duas meninas ¢ dois meninos. As criangas tinham entre 14 e 49 meses de idade (M= 26,19; DP = 7.07) (situando-se o primeiro quartl aos 20 meses, o segundo aos 25 meses © © terceiro aos 31 meses) ¢ um quociente de desenvolvimento avaliado atta ‘vés das Escalas de Desenvolvimento Mental de Ruth Griffiths (1996), dentro dos pardmetros considerados normais (iM = 103,56; DP = 9,87). Néo foram inclufdas eriancas identificadas como possuindo necessidades educativas especiais. As macs apresentavam em média 30,9 anos de idade (DP = 5,3) ¢ 10,83 anos de escolaridade (DP = 4,47). 138, COrlanda Cruz, Ana Paula Pereira ¢ Emilia Moreira Procedimento Sclec¢ao da amostra As 15 instituigées, a partir das quais as criangas foram escothidas, foram seleceionadas alcatoriamente com base numa listagem fomnecida pelo Departamento de Acetio Social do Servigo Sub-Regional do Porto do Institu- to de Solidariedade e Seguranga Social Em cada uma das 30 salas de creche, organizou-se uma lista ordenada alcatoriamente com os nomes de todas as criangas, tendo sido seleccionados as primeiras duas meninas e os primeiros dois meninos. As familias destas ciangas foram contactadas num primeiro momento pelas educadoras de infincia ou auxiliares de acedo educativa responséveis pela sala respectiva, no sentido de obter a sua adesto & participago no estudo. No caso de recusa ‘em participar, foi contactada a menina ou 0 menino que se seguiam na lista cordenada. A taxa de participagio das familias contactadas foi de 71%. Recolha de dados AAs diades me-crianga foram observadas em interacgiio no decurso de Irs sessdes de jogo livre, cada uma com 15 minutos de duragio, Em cada sessto foi dada a mie uma instrupdo no sentido de brincar com o/a seu/sua filho/a “como se estivesse em sua casa”, utilizando todos os brinquedos de uma caixa transparente fornecida pelo observador para este efeito; 20 fim de 10 minutos, o observador instruia a mie, através de um sinal, no sentido de pedir a crianga para guardar os brinquedos. Bram atribuidos cinco minutos adicionais para esta tarefa de arrumago que constitui 0 alvo de andlise exclusivo deste estudo. Porém, nalguns casos as sessbes de observagio apre- sentaram uma duragdo inferior a cinco minutos, uma vex que a tarefa de ‘arrumagiio dos bringuedos ers concluida antes do término deste periodo, {As sessdes decorreram numa sala disponibilizada pela creche para este feito, em és dias diferentes. Todas as sessoes foram gravadas em para posterior observagao e anilise. Codificagtio dos comportamentos das criangas ¢ das mies Foram construfdos dois sistemas de categorias com base na literatura previamente revista ~ um relativo aos comportamentos de obediéncia da crianga © outro relativo aos comportamentos de controlo maternos (Kuezynski & Kochanska, 1990; Power etal. 1994). (Os comportamentos da ctianga foram organizados em comportamen- tos de obediéneia ¢ em comportamentos de desobedigncia. Os comportamen- tos de obedineia podiam ser auto-regulados ou situacionais. Os comporta- ‘mentos de desobediéneia inclufam a desobediéncia passiva, a recusa simples, ‘0 desafio directo e a negociago (Quadro 1). ‘A Emergencia dos Comportamentos de Obedinciae de Desobediéneia 139 Quadro 1: Comportamentos de obediéncia e desobeditncia da erlanga Categoria Descriptio Exemplo Obediéncia Obediéncia _—Acriangacxecuta ocompor- _Existe ume proximidade tem- Situacional _tamento directamente em poral entre a directriz da mae resposia a uma instrugdo da (presente nesse segmento ine, necessitando da inter- temporal ou no segmento vengio desta para se manter na temporal imediatamente ante- ‘mets, riot) ¢ comportamento da crianga, Obediéncia auto- A crianga obedece, no neces- A crianga arruma os brinque- ~regulada sitando da monitorizagio da dos, sem que nesse segmento ‘mie para se manterna tarefa, temporal eno segmento tem- poral imediatamente anterior ‘enha existido uma nova ‘ordem por parte da mite. Desobediéneia Desobediéncia A crianga ignora a ordem, sem Continua a fazer 0 que estava assiva ‘manifestar uma resposta ver- a fazer antes da mde formular bal ou comportamental negati-- a directrz. Recusa simples Acrianga recuse manifesta» “NBo, no arrumo”, ebana a ‘mente (Verbal ou nio verbel) _cabega. Pode chorar, mas no ccumprir a ordem, sem agressi- manifesta sinais de agressivi- vvidade oa ira, dade ou oposigo. Desafio directo A-crianga manifesta oposigo _“Nio!”. Chora, bere protes- verbal ou nfo verbal, acompa- ta vivamente. hada por agressividade, aver- sho no tom de voz, sina de ddesafio intencional ou bir, Negociago _Acrianga tenta alterar, atenuar “Posso s6 arrumar alguns?” ou limitar os termos da direc “Arrumo se me ajudares” tiva; concorda em realizar “Mais tarde” pretendido se forem verifica- “Esti arrumado, mio preci- Miscou candies pce I tam ee teneeenine porque depots vou brinar” Ccapresena Justifieaches pera PORE depois vou brncar” no obodcer 160 Orlanda Cruz, Ana Pauia Pereira e Emtlia Moreira Os comportamentos de controlo materno aqui considerados sto pre- dominantemente de carécter verbal e foram codificados a trés niveis: especi- ficagdo, dircctividade sintéctica e directividade seméntica (Quadro 2). A especificacio refere-se ao cardcter genérico ou especifico da directriz verba- lizada pela mie, em que uma directriz mais especifica (“arruma 0 carro”) é mais directa e clara do que ume directriz genérica (“erruma os brinquedos”) A directividade sintéctica diz respeito ao tipo de sintaxe utilizado: fazer unia ‘Pergunta, enunciar uma assergdo ou dar uma ordem sio trés categorias orga- nizadas segundo uma ordem crescente de directividade. A directividade ssemdntica corresponde a0 tipo ¢ natureza dos atenuantes e agravantes inclut- dos nas verbalizagbes de controlo. Por atemuantes entende-se os comporta- ‘mentos que incluem um nivel baixo de afirmagao do poder e apelam & moti- vvagio da crianga para dar uma resposta positiva ao que Ihe é pedido. Os agravantes referem-se aos comportamentos em que a mae apela a sua posi- 0 superior de poder sobre a ac¢ao da crianga, focalizando-se directamente no resultado da aceZo desta, Tanto os atenuantes como os agravantes podem posicionar-se num crescendo de directividade. Assim, negociar ¢ explicar (Indugao) sto atenuantes menos directivos do que demonstra, e repetir uma cordem (insisténcia) € um agravante menos directivo (implicando menos afirmagao do poder) do que ameagar ¢ repreender (coergéo verbal) Finalmente, revelou-se obrigatdria a inclusto de uma ila categoria, dada a frequéncia com que surgiu: a mée arruma, impossibilitando assim a ctianga de 0 fazer. Este comportamento, a que alguns autores chamaram “obedineia no possibilitada”, considerando-o um comportamento da erian- ga (Power et al. 1994), foi integrado, neste estudo, dentro da lista de compor- famentos maternos, uma vez que traduz uma ace realizada pela prépria mie, Quadro 2: Comportinientos de controle maternos Categoria Deserigo Exemplo [Nivel de especit Genérica Directrizformuladaem “Arruma os brinquedos” termos genérieos. Directriz formuladaem “Agora estes"; “Isto tam- termos especificos. bém” Pedido formulado sob a forma de questao. ““Queres arrumar os brin- quedos?” “E estes?” ‘A Emergéncie dos Comportamentos de Obediéncia © de Desobedit Declarativa Directriz formulada sob a forma declaativa ‘Ordem formulada de forma sjinecta, ‘Atenuantes: Promessa de recompensas, antes ou depois do compor- tamento pretendido; apre- sentagao de explicagdes para 0 comportamento desejado, Feedback positivo,atribui- 8s positivas relaivas a0 ‘comportamento da crianca, Reforgo positive Uso da forma verbal na primeira pessoa do plural (n6s) ‘Amie demonstra 0 com- portamento pretendido, chamando & atengio da crianga para a forma como ofan Orientago conjunta ‘Demonstraga0 Directividade SemAntica: Agravantes Cocrgao verbal Indicagao de consequénci ‘para a nfo realizacto do comportamento desejad como punigao fisica & rada de atengo; inclu reprimendas ¢ atribuigdes negativas. Decl, de obrigatoriedade Manifestagto da inoxisttn- cia de alternatives, ‘Ordem dada de forma repe- tide, no que respeita& utili- zagd0 do verbo principal. Redireccionamento da tengo da crianga para 0 ‘comportamento pretendido, Insistencia 161 ““Ainda falta arrumar isto”. “No arrumaste livro” “Arruma 0s _bringuedos”, “No mexas nisso” “Se arrumares os brinque- dos, vamos dar um passeio”, ““Temos de ir embora, por {sso arruma os brinquedos", “Boa! “Muito bem" “Obri- gad” “Vamos arrumar os brin- quedos”, “A mie ajuda” “Ola, como a mamé faz"; “arruma como a mie” “Se ndo arrumares os brin- quedo, ndo falo mais conti- 20". “Estes bringuedos nfo esto arrumados” “Nao & assim” “Tens de arrumar os brin- quedos” “Péra com isso, Para com sso". “Arruma os brinque- dos, Arruma os brinque- os", “Olha a mle” “Bru- nol?” 162 Orlanda Cruz, Ana Paula Pereira ¢ Emilia Moreira Mie arruma ‘A mie arruma, impossibili- tando assim a erianga de 0 fazer, Este comportamento pode ou nfo surgir na sequencia de uma ordem para a crlanga arrumar. ‘A codificagtio dos comportamentos das eriangas ¢ das mies foi feita segundo um procedimento de amostragem no tempo, sendo realizada no final de cada segmento de 15 segundos. Assim, em cada uma das sessdes de observagio (300 segundos), foram considerados 20 segmentos temporais, perfazendo no total das trés sessdes, 60 segmentos temporais de 15 segundos cada; este nimero poderd ser inferior no caso de sessies de observagdio mais curtas do que os cineo minutos inicialmente previstos. Ao longo das trés sessBes de observario, as frequéncias de cada cate- goria comportamental foram somadss e divididas pelo nimero total de seg- ‘mentos temporais de cada diade. As cotagdes foram realizadas por duas observadoras, sendo 25% das sessdes de observacdo (correspondentes a 30 diades num total de 90 episé- dios de controlo) cotadas independentemente por ambas, tendo em vista a verificago do acordo inter-observador. A percentagem de acordo variou entre 94% 99% (com uma média de 97%) para os comportamentos da crianga, ¢ entre 91% © 99% (com uma média de 97%) para os comportamentos de controlo maternos; 0 coeficiente weighted kappa situou-se entre 0,67 ¢ 0,93 (com uma média de 0,79) para os comportamentos da erianga, e entre 0,39 e 0,88 (com uma média de 0,78) para os comportamehtos maternos, Resultados O mimero de diades mfe-filho considerado na andlise de resultados & apenas de 119, j& que, numa das diades, nio se observou qualquer tentativa de controlo por parte da mae. Uma vez que as sessbes de observagio podiam demorar menos de 5 minutos, foi calculado o nimero de segmentos tempo- rais para cada diade, tendo-se verifieado uma variagto entre um minimo de 11 € 0 maximo previsto de 60 segmentos (M = 36,87; DP = 13,12). As fre- quéncias absolutas das categorias foram dividides pelo nimero total de seg- mentos temporais (das trés sess¥es) de cada diade, As andlises subsequentes foram realizadas a partir destas frequéncias relativas. ‘A Bmergacia dos Comportamentos de Obediéncia e de Desobediéncia 163 Para as andlises de comparagto de grupos e multivarida, procedeu-se a verificagio da normalidade da distribuiga0 de todas as varives, utilizando a andlise grAfica com o histograma ¢ 0 teste Kolmogorov-Smimov. As varié- ‘eis cuja distribuigdo diferia significativamente da distribuigo normal foram transformadas através da aplicagio do logaritmo de base 10 (declarativa, reforgo positive, demonstragdo, declaracao de obrigatoriedade, insisténcia, obediéncia auto-regulada, recusa simples, desafio directo, negociacao). Apés a transformagio, verificou-se que apenas a distribuigao da obediéncia auto- -regulada continuava apresentar uma distribuigdo assimétrica, tendo-se ‘optado porém pela sua anslise com testes paramétricos, dada a resisténcia destes face a pequenos afastamentos das distribuigdes relativamente & curva normal. Andlises descritivas (© Quadro 3 apresenta as frequéncias relativas dos eomportamentos de obedigncia e de desobediéncia da crianca, a sua comparacdo entre 0s grupos de género, assim como a sua relagdo com a idade cronolégica das criangas. Quadro 3: Amplitude, média e desvio padrio da frequéncia dos comportamentos de obediéncia © desobediéncia das criangas, diferengas entre os grupos de _nénero e relago com a idade cronoldgica (IC). Miia DP Média Média Amplitwde Global Global Raparigas Repazes (gh IC Obedincia Siuacional (0-083) 038-021 037033 OBLCLIT) one Avovegulads [0-030] G02 006002 —0.08_-0.794417)_ os Desobedttncia Passiva 10-081) 033 0932034 TCI) 086" Recusa Simples [0-035] 0080090008 08117) 023" Desafiodirecto [0-060] 0,09 O11 0.090031 (017) 19 Negociagio [0-043] 05007406 —OOF 0.1617) Ot Nata * p< 005; p-<0001 » Valores da ete Stade pa compara de diferengas de médias eltvamente ao gb rmerespetves eu de ibercase 2 valores de corel de Pearson 164 (Orlanda Cruz, Ana Paula Pereira ¢ Emilia Moreira Globalmente, o comportamento de obediéncia mais frequente é a obe- digncia situacional (IM= 0,35; DP=0,21), enquanto o comportamento de desobediéncia mais usado ¢ a desobediéncia passiva (M= 0,32; DP = 0,19). ‘Tanto a obediéncia auto-regulada, como os restantes comportamentos de desobediéncia apresentaram uma frequéncia relative média inferior 2 10%, s resultados do teste ¢ de Student, utilizado para comparar a frequéncia dos comportamentos de obediéncia ¢ desobediéncia entre os dois grupos de xzénero, nio revelou diferencas estatisticamente significativas, indicando que as estratégias de obediéncia e desobediéncia ram utilizadas de modo equi- valente por criangas de sexo masculino e feminino. A andlise das correlagies (Pearson) entre os comportamentos de obe- diéncia/desobediéncia e a idade cronolégiea da crianga mostra que ambas as estratégias de obediéncia apresentam uma correlago positiva com a idade, apesar de nifo muito forte (obedincia situacional: r = 0,23; obediéncia auto- -regulada: r = 0,26). Relativamente as estratégias de desobediéncia, a recusa simples © a negociago aumentam & medida que a idade cronolégica aumen- ta, enquanto a desobediéneia passiva diminui; a negociagio e a desobedién- cia passiva destacam-se por apresentarem correlagbes mais fortes (negoci G0: r= 0,41; desobediéncia passiva: r=-0,56), © Quatro 4 apresenta as estatisticas descritivas relativas aos compor- tamentos de controlo matemo de acordo com o nivel de especificagio, direc- tividade sintéctica e directividade seméntica (atenuantes e agravantes), a sua comparagio entre os grupos de género, assim como sua relago com a idade cronolégica das criangas. [No que respeita ao nivel de ospecificagio, verifica-se que as m&es uti sm mais as ordens especifices do que as genéricas, Em relacao a directivi- dade sintéctica, 2 forma de controlo & qual as maes mais recorrem é a impe- rativa. No que respeita & directividade seméntica, 0 atenuante mais usado é a orientago conjunta, enquanto 0 agravante mais frequente é a insisténcia, ‘A comparagao da frequéncia dos comportamentos de controlo na inte racedo com criangas de sexo masculino e feminino (utilizando o teste ¢ de Student) mostra que apenas a orientagdo conjunta aperece como uma estraté- Bia significativamente mais utilizada com meninas, Relativamente & relagao entre os comportamentos de controlo matemo © a idade das criangas, os valores de correlagao baixos a moderados permi tem afirmar que: (1) 0 nivel de especificacio vai diminuindo de forma signi ficativa ao tongo da idade da erianga, ou seja, quanto maior € a idade da crianga, mais as maes recorrem a ordens genéricas e menos a ordens especi- ficas; (2) a directividade sintéctica encontra-se igualmente relacionada de forma negativa com a idade da erianga, no sentido em que as macs tendem a usar menos formas imperativas & medida que a crianea vai ereseendo; (3) no ‘que diz respeito aos atenuantes semanticos, a indugio e a orientago conjun- ‘A Emergéncia dos Comportamentos de Obedigncia e de Desabediéncia 165 ta comrelacionam-se positivamente com a idade da crianga, na medida em que as mies explicam mais ¢ fazem mais apelo a uma orientapio conjunta na realizagdo da tarefe, & medida que a idade da crianga aumenta, ¢ tendem a usar menos estratégias mais directivas como a demonstragio; (4) o recurso a estratégias seménticas agravantes, como a insistencia, diminui com o aumen- to da idade, ao contrério do apelo assertivo a regras, feito através da declara- 40 de obrigatoriedade, que aumenta com a idade da crianga. Finalmente, vorifica-se que as mies das oriangas mais velhas tendem a apresentar com ‘menor frequéncia 0 comportamento de arrumar (em vez da erianga). Quadro 4, Amplitude, média e desvio advo da frequéncia dos comportamentos de controlo materno, diferengas entre os grupos de género e relago com a {dade cronolégiea da erianga (IC) Wieiia Media Média DP. A 2 Amptiude Shtatintar R#Pe Rape- Aa Ic Nivel de Especificagio Genética [e075 030 gts 032 op? SCID. gate specifica 09g os2_ ozs ost_ ast 982017) oan Directividade Sintictica Interrogativa 017 03, a9 ors, Declarativa 010 0x0 996 os 03707) opt Imperaiva sr 02061 060 O8S(IIT) agen Directividade Semintiea ‘Atenaantes Indio [0-02 096005 0s op? 2370) pate Ref. Positive [0-039 007009 ngs a7 ATC) is, Orientagao Conjanta [002-062] 029 013032 as -2ATCHID* age Demonsiagto [2-025 008004904 ame CLIT) gaze ‘Agravantes Coerpo verbal [02 095s 004 ops “WBC go Dec. Obrigatoredade [0-038] 05.8007 te HASH) gz Insistneia (-054 042 att 913 O81) 9p Mie arrumal (oan) 033 az oa 0590077) -oasre Nowa: * p< 095; ** p< 0,001 * Valores do tet de Sidon para compass de deena de médisrelativament ao géne- roe respectivos pus de berdade ? Valores da comsag de Pearson 166 Orlanda Cruz, Ana Paula Pereira ¢ Emilia Moreira Relagdo entre as comportamentos de controlo materno e os compor- tamentos da crianga Com o objectivo de explicar a variancia dos comportamentos de obe- igncia e desobediéncia da crianga, atendendo a sua relagdo com os compor- tamentos de controlo maternos ¢ idade cronolégica da crianga, foram cons- truldos modelos de regressio miltipla (Quadro 5), para todas as estratégias de obedigncia e desobediéncia da ctianga. A selecedo das variéveis indepen- dentes a integrar nos modelos de regressio miiltipla (comportamentos de controlo matemos ¢ idade cronol6gica), foi realizada com base na dimenstio « significdncia das suas correlagdes com as variéveis dependentes (Quadro 5). Com excepedo da obediéneia auto-regulada, foi possivel construir modelos explicativos de uma percentagem consideravel ‘da variéncia de todos os comportamentos das eriangas. primeiro modelo procura explicar a obediéncia situacional, introdu- zida como varidvel dependente. Foram incluidas como variaveis independen- ‘tes as categorias maternas relativas a ordens especificas, declarativas ¢ refor- 608 positivos, ¢ a categoria mae arruma. modelo revela-se estatisticamente significativo (R? = 0,42, F (4,114) = 20,99, p < 0,001). A andlise mostra que ‘ maioria da varidneia da obediéncia situacional & explicada pelas categorias maternas declarativa, especifica e mac arruma; controlando o efeito de todas 4s Variéveis presentes no modelo, as duas primeitas variéveis apresentam uma associagao positiva com a obedigneia situacional, enquanto ‘a mae arruma’ apresenta uma associagio negativa. (© modelo para a desobediéncia passiva integra as categorias maternas ordem especifica, orientagao conjunta, demonstracio, insisténcia ¢ @ mae arruma e ainda a idade eronologica da crianca, O modelo ¢ estatisticamento significativo: (R? = 0,54, F (6,112) = 21,83, p < 0,001). Os resultados reve- lam que as variéveis insisténcia, orientagdo conjunta e mae arruma apresen- tam uma contribuigao positiva, enquanto a idade eronolégiea contribui nega tivamente para a desobediéncia passiva. (© modelo explicativo da recusa simples integra a idade cronolégica da crianga ¢ as varidveis maternas ordem especifica, interrogativa, imperativa ¢ reforgo positivo (R? = 0,22, F (5,113) = 6,49, p < 0,001). A variancia ¢ expli- ‘sada de forma positiva pela idade cronolégica da crianga, ¢ pelas directrizes formuladas de forma especifica na interrogativa ¢ na imperativa e, ainda, de forma negativa pelos reforgos utilizados. © modelo explicativo do desafio directo inclui as varidveis genérica, interrogativa, otientagdo conjunta ¢ coergao verbal. Este modelo ¢ esta camente significativo, (R?= 0,11, F (4,114) = 3,56, p <0,01). Controlando 0 feito das restantes varidveis, apenas a coereao verbal apresenta uma cont buigdo parcial estatisticamente significativa, estando associada a uma maior frequéncia do desafio directo, ‘A Emergéncia dos Comportamentos de Obediéncia e de Desobedigneia 167 Quadro 5, Modetos de regressto pata a predicto dos comportamentos de obediéncia « desobedincia da crianga a partir dos comportamentos de controlo ma- temo ¢ da idade cronol6gica das eriangas. Variaveis dependentes Varidveis independentes pb 7 Exp Obedigneia situacional Especifica 025 Osis See Declarativa O18 0,64" 3,754 Reforgo positive 009 o4see 1,82 ‘Mae arrama 17-927 32 Constante 0.60, 6.1900 Desobedineia passiva dade eronoldgica “001-055-3236 Especifica 003 033 ass Orientagdo conjunta 033 O12 Syftee Demonstragdo 000 031" 0,08 Insisténel 025 sv Saaee ‘Mie arruma O11 030% ade Constante 034 5 dade eronoi6gh 02 ORs specifica 042-037 031 Interrogativa Ost O13 ae Imperativa 042 OIL 1,998 Reforgo positive 006 031" 2.85" Constante 216 6700 Desafio directo Genética OOS Interrogativa 051-026" 1,78 Orientagdo conjunta 018-006 087 CCoerea0 verbal 087 033 2596 Constante 2117 “11,30 Negociagao "dade eronologica 000 Gai IG Espectfica Oi at 0.79 Imperativa 1s ais 1,05 Indugéo 201 0,26 11,0668 Insisténcia 001-046 09. Constante 1,66 35. Nota: "9005; + 9,001 68 COrlanda Cruz, Ana Paula Pereira e Emilia Moreira Para a construgiio do modelo de regressio da negociaeto, foram neluidas as categorias maternas especifica, imperativa, indugao e insistén- ia, e a idade cronolégica da crianga, que, no seu conjunto explicam uma yercentagem considerivel da variével (R? = 0,56, F (5,113) = 28,57, ) < 0,001). No entanto, controlando o efeito de todas, apenas a indugfio apre- enta uma contribuigdo parcial estatisticamente significativa. Discussfio Este estudo pretenden analisar a relagio entre os comportamentos de sbedincia e de desobediéneia © os comportamentos de controlo materno, em siangas de idades compreendidas entre um e quatro anos de idade. O facto le incluirmos eriangas de um ano permitiu observar os comportamentos de -onformidade (ou nfio) as directrizes do adulto no seu formato mais precoce, que & precisamente nesta altura que eles emergem. A idade cronolégica jas criangas parece ser alids um dos principais factores a explicar a relagio -ntre 0s comportamentos das criangas e os comportamentos matenos, como yeremtos mais a frente, s resultados obtidos permitiram apoiar apenas parcialmente os dados lisponiveis na literatura no que toca a evolugo dos comportamentos de nbediéncia ao longo da idade. Assim, de facto, a obediéncia situacional 6 bastante mais frequente do que a obediéneia auto-regulada nas criangas que patticiparam neste estudo; porém, ambas apresentam correlagdes positives -otn @ idade eronolégica o que contraria resultados de estudos anteriores que apontam para uma diminuigdo da obediéncia situacional (cf. Kochanska & Askan, 1995; Power, MeGrath, Hughes & Manire, 1994). Parece-nos, no entanto, de salientar que o que ressalta dos noss0s resultados € 0 facto de o3 omportamentos de obediéneia, no seu todo, aumentarem ao longo da idade. Na discussio destes resultados devemos tomar em consideracio pelo menos jois espectos. Por um lado, 0 facto de a amostra ser consttuida por criangas mito jovens e, portanto, de estarmos face a uma situagio de emergéncia dos somportamentos de obediéncia face a um adulto, Por outro lado, foi utlizada uma situagio do interacgo difdica de carécter laboratorial que, 20 contrério ia sitiago naturalista, implica uma maior proximidade fisica da mac face & scgdo da ctianga, © que tenderd a promover uma maior frequéncia de obe- fiéncia situacional do que de obediéncia auto-regulada, Em relago aos comportamentos de desobediéncia, os mais frequentes so nitidamente 0s comportamentos de desobediéncia passiva, o que esti de acord> com a literatura, Estes comportamentos apresentam uma correlagio negativa significativa com a idade das criangas, mais uma vez.de acordo com 1 litecatura revista (cf. Kuczynski & Kochanska, 1990). Todos 0s outros ‘A Emergéncia dos Comportamentos de Obeditncia e de Desobediéneia 169 comportamentos de desobeditneia sio menos frequentes, Tal como seria de esperar, a recusa simples e a negociagdo tendem a aumentar com a idade (Kuczynski et al, 1987; Power et al., 1994). Relativamente aos comportamentos de controlo matemnos, as correla- ges observadas com a idade cronolégica das criangas permitem verificar que as maes de criangas mais velhas fazem uso de directrizes menos especi- ficas, e com um nivel inferior de direetividade sintéctica; do ponto de vista seméntico, recorrem mais a atenuantes mais exigentes cognitivamente (como a indugdo) € menos a agravantes com pouca afirmagio do poder (como a insisténcia), De facto, as criangas mais velhas precisam menos de pistas cla- ras especificas para orientar a sua acglo (tarcfa de arrumar os brinquedos), bastando-the indicagses de carieter genérico para perceber o que tém a fazer. Da mesma forma, as maes usam menos frases no imperativo, mostran- do-se assim menos directivas, No que respeita aos atenuantes semfnticos, 0 uso de menor directividade & notério na utilizagao estatisticamente significa- tiva de mais oxplicagbes ¢ orientagdes conjuntas e no menor uso de demons- ‘tragbes (também pouco frequente). Relativamente aos agravantes seménti- 08, as verbalizag3es com menos afirmagao do poder (insisténeia) diminuem 4 medida que a idade das criangas aumenta ¢ as verbalizagdes com mais afirmagdo do poder aumentam (declaragio de obrigatoriedade), o que pode indicar uma atitude de maior exigéncia por parte das macs; as verbalizagées ‘mais coercivas sto, porém, pouco utilizadas neste contexto. A titulo de sinte- se, podemos afitmar que, a medida que a idade das eriangas aumenta, assis- te-se a uma tendéncia para as mes a) utilizarem directrizes menos especffi- cas e mais genéricas, b) do ponto de vista sintéctico, serem menos directivas, ©) do ponto de vista semantico, utilizarem directrizes mais elaborades que fazem apelo & colaborago e menos directrizes simplistas e, ainda, afirmarem claramente © que pretendem usando menos a repetigio. A tendéncia para a menor directividade sintéctica e para a maior elaboragio e exigéncia obser- vada ao longo da idade estard possivelmente relacionada com a compreensio mais complexa que a crianga tem do que lhe & pedido j& que, por um lado, como vimos atris, as criangas obedecem mais e, por outro lado, as mies realizam menos a tarefa em vez destas. Uma vez explicitada a tendéncia desenvolvimental que caracteriza, quer os comportamentos das eriangas, quer 0s comportamentos das mes, interessa-nos perceber se, para além da idade cronolégica da crianga, os comportamentos de controlo materos também influenciam os eomporta- mentos de obediéncia e de desobediéneia da crianga, Foram assim desenvol- vidos modelos de regressao para cada um dos comportamentos da erianga, & excepetio da obediéncia auto-regulada, Estes modelos permitem perceber 0 Jogo de influéncias dos comportamentos de controlo matemos ¢ da idade ‘eronolégica da crianga. 10 (Orlanda Cruz, Ana Paula Pereira e Emilia Moreira A obedigncia situacional é explicada em grande parte pelos compor- tamentos de controlo matemo mais especificos usados na forma dectarati- va. Estes dados estio de acordo com as conclusées de Kalb ¢ Loeber (2003) de que, nas criangas mais novas, as directrizes mais especificas esta0 asso- ciadas a niveis superiores de obediéncia, O facto de os resultados no permi- tirem avangar para um modelo de regressio explicativo da variéncia da obe- diéncia auto-regulada nfo nos permite estabelecer uma visio comparativa, Parece poréin claro que este comportamento de obediéncia da crianga decor rede instrugGes precisas dadas pela me e do facto desta nfo arrumar em vez da crianga, permitindo-Ihe o cumprimento da tarefa, ‘A desobediéncia passiva ¢, de entre 0s comportamentos de desobe- diéncia, o mais frequente. Apresenta uma associagio negativa com a idade cronolégica, 0 que apoia a conotagio de imaturidade atribuida a este eom- portamento (Kuczynski & Kochanska, 1990). Os comportamentos de insis- tncia (agravante de baixa intensidade) e de orientagio conjunta (atenuante) revelam-se como estratégias que contribuem para que a crianga ignore as directrizes da mie. E provavel que estas estratégias pouco directivas provo- quem na crianga alguma inércia face as directrizes matemas. Finalmente, 0 facto de a mae realizar a tarefa em vez. da crianga parece tanto um conse- quente como um antecedente, on seje, se a crianga nao arruma, a mie fé-lo-4, ‘que por sua vez reforca a desobediéncia passiva, ‘A recusa simples tende a aumentar com a idade eronolégica da crianga (c que est de acordo com Kuczynski e Kochanska, 1990), ¢ a ser mais fte- quente quando as mées se posicionam como parceiras na realizagao da tare- fa, nfo usando reforgos positives nem insisténcias. E um comportamento considerado “intermédio”, no que respeita & competéncia da crianca, pois, sendo directo, nio é aversivo (Kuczynski & Kochanska, 1995). De acordo com os resultados deste estudo, para além da idade cronolégica, a sua exis- téncia ¢ em parte explicada pela inexisténcia de reforgos positivos. Estes resultados salientam a importéncia das contingéncias extemas na determina 540 do comportamento adequado da crianga na faixa etéria estudada, O desatio directo, como foi referido atrés, 6 um comportamento aver- sivo apresentado pela crianga; neste estudo, nfo aparece relacionado com a ‘dade cronolégica mas sim, em exclusive, com as verbalizagdes coercivas ulizadas pelas mes. A literatura tem mostrado que pais responsivos aos interesses da crianga promovem neste comportamentos de obediéncia ds suas directrizes, ou seja, comportamentos considerados responsives (Kochanska & Aksan, 1995; Wahler & Meginnis, 1997). Nesta mesina linha, os resulta- dos por nés encontrados mostram que o comportamento no’ responsivo (aversive) das criangas é explicado pelo comportamento no responsivo (eversivo) das suas mas. ‘A Emerg&ncia dos Compartamentos de Obeditneia © de Desobedigncia m Finalmente, a negociago & uma forma de desobediéneia mais elabo- rada por parte da erianca e é explicada positivamente pelos comportamentos indutivos utilizados pelas mies, Estes dados estdo de acordo com os estudos que apontam pata 0 eftito modelador dos comportamentos argumentativos € explicativos dos pais em relagdo aos seus filhos. Estas eriangas aprendem desde cedo a argumentar e percebem que existe espaco na sua relago com ‘as mes para negociar formas de acg2o mais adequadas aos seus interesses, Ao tentarmos identificar 0s comportamentos de controlo matemnos que melhor explicam 0 comportamento ds crianga, reforcamos a ideia de que os comportamentos de desobediéncia por parte da crianga nao devem ser consi- derados de forma homogénea. De facto, alguns destes comportamentos — desobediéncia passiva © recusa simples — so explicados em grande parte pela idade cronolégica, enquanto o desafio directo © a negociagio esto associados apenas a comportamentos maternos. Nos modelos de regressao criados assumimos a existéncia de relagdes de causalidade entre o comportamento da mae ¢ o comportamento da crian- sa. Estamos, porém, cientes que o estudo mais aprofundado destas relagies passa pela consideragio de dois aspectos: (1) a influéneia das caracteristicas da crianga no seu proprio comportamento € (2) a bidireccionalidade das influéneias na diade mée-fitho, Relativamente ao primeiro aspecto, para além da idade cronolégica, haverd a considerar outras varidveis da erianga, nomeadamente o temperamento ¢ 0 nivel de desenvolvimento, Relativamen- te ao segundo aspecto, estando 0 estudo aqui apresentado inserito num pro- jecto de investigagdo mais amplo que contempla a recolha de dados em virios momentos, segundo um planeamento longitudinal, esperamos poder construir modelos mais complexos que permitam contemplar a riqueza de influéneias presente nas relagdes entre mes ¢ fillos. Referéncias Briggs-Gowan M. J, Carter A. S., Bosson-Heenan J., Guyer A. B., & Horwitz, S.M (2006). Are infant-odaler sacialemotional and behavioral problems transient? 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