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MEIC Re ADVOGADO eae emu} a Homenagem ao Professor Ad He : Es Sérgio Marcos de Moraes Pitombo es feet ooo Identificagao criminal e banco de dados genéticos Anténio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo Advogado em Séo Paulo; mestre e doutorando em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universi- dade de Sao Paulo Sumario 1, Identificagdo criminal; 2. Proposta de criagtio do banco de dados gené- ticos; 3, Critica; Bibliogratia 1. Identificagao criminal A identificagao criminal sempre se mostrou cen- tro de preocupagao da doutrina, com reflexos na jurisprudéncia dos nossos tribunais.* No século pas- sado, em especial, iniciaram-se grandes debates s0- bre a natureza juridica? ¢ a eficécia das normas a la pertinentes. Primeiro, os abusos da policia judicidria no ritua- lismo* do indiciamento (att. 6°, VIII, do CPP) trou xeram a justa contestagao dos processualistas pe- nais contratios & humilhagao no momento da iden- tificacdo datiloscépica.* Depois, adveio a norma constitucional voltada a por fim ao cardter simbdlico dado ao instituto: “LVI — 0 civilmente identificado nao serd subme- tido a identificagao criminal, salvo nas hipéteses previsias em ei” (art. $° da CR).* Com a Carta de 1988 eliminou-se a identifica- ¢fo criminal como mero efeito do indiciamento,* garantindo a exibigao da cédula de identidade como suficiente para a prova de quem € 0 indiciado, ou mesmo 0 acusado,7 Por ébvio, exclufa-se da regra a hip6tese de divida objetiva quanto 2 identidade, ocasionada pela possfvel inautenticidade do docu- mento apresentado a autoridade poticial.® Repetiu-se o dispositivo constitucional no artigo 109, do Estatuto da Crianga e do Adolescente (Lei n° 8,069/90), com a ressalva ao final: “salvo para efeito de confrontacao, havendo diivida fundada”. Com muitos defeitos.® a lei atinente ao crime organizado (Lei n° 9.034/95) assentou: “Art. 5°- A 1. Ngo se adontra na posquisa quanto @ histéria da idontificagao criminal, no Smbito da moticina forense, Fala-se numa primeira ‘monografia, sobre relagdes métricas no corpo humano e identiicagao criminal elaborada por Juan Jos6 Sup, de 1755 {Sur les proportions dy ssqueleite de homme. I - des Mémoires présentées a VAcadeinio ovale des Sciences, année 1765): Tabar, Tomas, "De fa mensuracién del esqueleto y is identitad madicoslegal", Revista de Ciencias Penales,X, 14, out/die, 1948, . 300. Nom so cuida da historia do insttuto no direita brasiloiro. Sobre esce aspecto: Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, "A identificagao processual penel ea Consituigdo de 1988", ATE35, set 1988, pp. 1748. 2, eja-se o concelto: “A idontifcaps 6, pos, o procedimento técnico- cientfico por meio de qual se identifica alguém, rooncantrando-Ino a identidade, ou a descabrindo, por necessidade juridica” (Sérgio Marcos do Moravs Pitombo, "A identiticagéo..", cit, p. 173, 3. Confira-se: René Ariel Dot, “identificagdo criminal e presungao de inocéneia’, Revista de Direte Penal, n° 17/8, janjun, 1975, pp. 54/9. 4. Por exemple: Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, “Qindiciamenta como ato de policia juiciéie", in nquéritopotieial-novas tendéncias, 2 tiragom, Bolém, CEIUP, 1987, pp. 36/45; Rogorio Lauria Tucci, “Indicfamonto o quelificagio indirete”, ATS71, pp. 291/; © David Teixeira de Azevedo, “Indiciemento em inquérto poical: constrangimento ilegal”, Jornal do Advogedo, $80 Paulo, julho, 1985, 9.11 5. Houve quom reclamasse da disposigZo constitucional: Geraldo Francisco Pinheiro Franco, ldontificagao criminal dove ser modiicado, a nivel de Constituigd0”, Boll&Corim, n®9, out, 199%; Francisca José Balvao Bruno, “A identificaeo no inquéito poicial’, BolSCerim, n° 27, ‘mar, 1995, pp.1/2, Antonio Dimas Cruz Carneiro, “Constituigia Federale ‘ualfcagao criminal”, Bol/Ccrim, #27, mar, 1895, p.& 6. Confira-se: Sérgio Marcos de Moraes Pitomibo, “A idenifcaedo..”, cit, pp. 172/88. 18 city p75, jo Marcos do Moraos Pitombo, “A idantificagao. 8. Sérgio Marcos de Moraos Pombo, “A identificagao..” cit, pp. 172/3, 9. Corios Frederico Coelho Nogueira, “A lei da caixa preta”, JUS, vol 172, out/dez, 1995, pp. 19/21. Revista do Advogado 7 identificaggo criminal e banco de dados genéticos > identificagao criminal de pessoas envolvidas com 4 agdo praticada por organizagdes criminosas sera realizada independentemente da identificacdo civil” De constitucionalidade duvidosa, tal diploma le- gal nunca encontrou eficécia entre nds, até mesmo porque se negou adefinir organizacdo criminosa como tipo legal." Porém, seguia “novas tendéncias” de au- mento de penas e diminuigao de direitos individuais na persecugao penal, propagadas sob o pretenso fun- damento de repelir o crime organizado transnacional."" 10. José Antonio Farah Lopes de Lima, “Vinculagdo normativa dos elit contra ordem tributéria e lavagom de dinheiro”, CJ-ESMP, vol. 1n°3, out, 2007 p. 148, 11. Critica 20 mau uso do concsite de crime organizado, pode-se ‘encontrar no nosso estudo: Lavagom de dinheira-a tpicidade do crime antecedente, So Paulo, RT, 2003, pp. 21/3. 12. Nesse sentido: Paula Kahan Mandal, “Identficagdo datiloscépica: da inconstitucionalidade da Portarie 88", BollBCcrim, n° 71, out, 199, pp. 90 13, Gustavo Henrique igh vahy Bader6, “A nova raguiamentagao da idantticagio criminal, Boll8Cerim,n® 100, war, 200, po. 910 14, Vojamse as crtcas de: Lue Flavio Gomes, “Lei de ldentificagao criminal (n* 10.054, de 7/12/2000: primeiras notasinterpretativas e inconstitucionalidade parcial", Revista tbero-americena de Ciéncias Ponais,n 3, mai/age.,2001, pp. 54/5; Rogério Marcolin,“Identficagso criminal compulséria: inconstitucionalidade do inciso Ido artigo 3° da Loi 8 10.054, de 7/12/2000", BollBCerin, n° 98, fev, 2001p. 13. 15, Ressalta-se 2 importancia dos registros pablicos (arts, 9¢¢ 10, do CC, cc at. Ye seguintes, da Lei n* 6.018773}. 16. Sobre os limites 20 cireita 20 siléneio quanto & qualiicago: Olviero Mazza, “Interrogatoria ed esame dellimputato:dentita di natura iuriica edi efficacia probatorie", Avista italiona di drto e procodura ;ponale, nuova serio, ano XXXVI, 1994, pp. 8359 17. Mario Sérgio Sobrinho, A identifica criminal, S20 Paula, R, 2008, p.2i 1B, Angolo Patricio Stacchini, “A identificagao cule a identficagao criminal: um balango apis 19 snos de vigencia da Constituigdo Federal de 1986", n Jaques de Camargo Pentoado, Justia Pena/6, Sao Paulo, AT, 1999, p. 168; Mario Sérgio Sobrinho, A identifcapéo... cit, p.2\ 18. Maria Sérgio Sobrinho, A identificapa... pp. 202 20. Fez-se referéncia is classicasfotogratias dos antigos Institutes de Identificagao, que iustram a mutabilidade dos rostos. Mario Sérgio ‘Sobrinho dé noticia da fotografia sinaltica, criago de Alphonse Bertllon(Mério Sérgio Sobrinho, A identificagéc... cit, p- 3. No mesmo diapasdo, Norderto Rubén Aued e Mario Alberto Juliano, La probation y ‘otras institutos del derecho penal, Buenas Aires, Ed, Universidad, 8.4, ‘pp. 84/5; Franco Saporana, “La cviminalogia la criminaistica”, in Franco Ferrecut, Bruno Franco @ Maria Cristina Giannini (org), Trattato da Criminologia, madiaina eriminologica e psichiatra forenso, Mi Com 0 objetivo de regrar as hipdteses excepcio- nais de idemtificagio criminal do ja identificado civil- mente,” publicou-se a Lei n? 10.054/00, que definiu dois modos de identificar fisicamente: 0 processo datiloseépico e 0 totogratico (art. 1°)? Todavia, ou- tra vez, cometeu-se 0 equivoco de afirmar-sé a compulsoriedade da identificagéo fisica em raziio da natureza do delito (art. 3°, IL, da Lei n° 10.054/00).* Mostra-se indiscutfvel a relevancia da identifica io ndo s6 para o direito penal, mas para todos 0s ra- mos do direito, inelusive para os atos da vida civil." Entretanto, o tema importa principalmente ao direito penal e an processo penal, porque s6 aquele individuo singular que praticou o injusto culpavel pode vir a ser processadlo e condenado (art. 5°, XLY, da CR). E, tanto a identidade merece a preocupagio do penalista que ha tipos penais destinados a Ihe tute- lar; 0 artigo 307, do Cédigo Penal, ¢ o artigo 68, da Lei de Contravengdes Penais."® Apresentadas as disposigdes legais tocantes & identificagio criminal, deve-se observar, na trilha do ensinamento de Mario Sérgio Sobrinho, que: “A identificagao humana é tarefa logica e complexa iniciada com a tomada de sinais exteriores, ram- bém chamados de elementos ‘sinaléticas’, que sao anotados em uma ficha, A seguir, é feita a tomada de um segundo registro dos mesmos caracteres, finali- zando com 0 julgamento ou comparacao dos dados anotados, possibilitanda un resultado objetivo”.7 Os modos de identificagtio apresentam requisitos que devem ser respeitactos, por exemplo, na coleta do registro primétio, Tratam-se dos requisitos de unici- dade, imutabilidade, praticabilidade ¢ classificabili- dade.** Bm suma, os elementos sinaléticos devem indicar que cada individuo é diferente dos demais, permanecendo tais elementos imunes 2 agdo do tem- po e sempre tém de respeitar critérios de classifica Go que Ihes permitam garantir 0 uso prético.’® Portanto, a identificagio criminal precisa ser de aplicagao facil e funcional, na medida em que acer- teza quanto a identidace possa ser obtida sem lon- g08 processos de pesquisa. Daf porque a classifica- io dos primeiros registros de caracteres se faz es sencial para o emprego em comparagdes futuras. Em outro ponto relevante ostenta-se a perma cia e constancia do teor dos registros. Vale lembrar das fotogralias da face e perfis que, embora titeis, preservam caracteres que 0 tempo transforma, ou Gitte, 1987, 9.73, mesmo o homem altera se desejar.?° Identificagao criminal e banco de dado: genéticos » (Os mencionados requisitos ~ unicidade, imuta- bilidade, praticabilidade e classificabilidade - set- ‘vem como norte para aquele que venha a estadar as maneiras de realizar a identificagiio, assim como, sob o aspecto institucional, contribuem para avaliar 05 6rgaos piblicos voltados & identificagao crimi- nal. 2. Proposta de criagdo do banco de dados genéticos No Congresso Nacional, tramita o Substitutivo 40 Projeto de Lei n° 1,820, de 1996, e ao Projeto de Lein® 188, de 1999, de autoria do Deputado Moreira Ferreira, que propde a idemtificagio genética dos denunciados pela pritica de crimes hediondos (Lei n° 8.072/90) e projeta in verbis: “Art. 3°—A identi- Jficagdo genética tem cardter sigiloso, devendo seus arquivos permanecer em bancos de dados sob a administragdo da Justiga, facultado 0 acesso @ au- toridade policial, mediante requerimento ao juizo competente” (sic) Sugere-se, portanto, a coleta de material do DNA (écido desoxirribonucléico} dos acusados em pro- cesso-crime, quando se Thes imputam os denomina- dos crimes hediondos, assim como se propde a ins- tituigdo de um banco de tais dados genéticos. ‘Nao se mostra uma novidade a aplicagdo judicial dos exames de DNA, seja no cfvel, nos casos de investigac&o de paternidade, seja na jurisdi¢io pe- nal nos exames de vestigios bioldgicos (sangue, sémen, pélos, pele, células epiteliais encontradas na saliva, dentre outros), com o fim de identificar pes- 03s, Vivas ou mortas.?* Os elevados indices de probabilidade de acerto los testes de DNA tornaram important{ssimos tais, ‘exames nos processes judiciais, todavia, desde 1994, se alerta para a necessidade do controle jurisdi hal dessa espécie de atividade probatéria.2® No mundo, de qualquer forma, tais exames po- pularizaram-se, em particular, porque os tradi nais métodos de identificagao (fotografico catiloseépico) nio satisfazem algumas necessida- des dos érgios ligados & persecugiio penal. Varia dos casos de falsificagdo de documentos de ident dade e de passaportes trouxeram sinais de fragili- dade a 6rgaos de seguranca.?* Sem falar dos graves erros perpetrados a partir dle equivocos na andlise de impressbes digitais, como recentemente se deu noticia da priso, pelo FBI, por catorze dias, do norte-americano Brandon Mayfield, cujas fingerprints teriam sido encontra- das nas explosdes do atentado cle Madri e, depois, se descobrin pertencerem ao argelino Ouhnane Daoud. No entanto, embora eficaz, a utilizagao do DNA pata fins de identificacao sofria com 0 problema da inexisténcia de registros primérios, previamente armazenados, que pudessem permitir a comparagao ‘com os dados encontrados, por exemplo, no local do crime. Criaram-se, assim, os bancos de dados genéticos Nos Estados Unidos da América, hi 0 Codis — Combined DNA Index System, estabelecido desde 1994.28 Na Europa, o Conselho da Unido Européia editou a Resolucio de 9 de junho de 1997 (97/C 193/02), referente ao intercambio de andlises de DNA, para a qual a cada Estado-membro competia “decidir em que condigdes e em relagao a que tipo de delito podersio ser armazenados resultados de anélises de ADN numa base nacional de dados” (HIL.1),28 ‘amanho 0 erescimento dos mencionados ban- cos de dados genéticos que a preocupagio com 0 risco de causarem discriminagdo e de serem usados em desacordo com os direitos individuais levou & elaboragdo de uma Dectaragio Internacional sobre & matéria, em 16 de outubro de 2003, pela Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)?” Cuidam-se os bancos de dados genéticos de uma 21. Confire-se o site do Genetic Science Learning Centerno Eccles Institute of Human Genetics da Universidade de Utah (tpl! gslc genetics utah.edufeaturestTocenscs! 22. Antonio Magalhaes Gomes Filho, “O teste de DNA coma prova criminal", BottBCerim n° 18, ul, 1934, p. 28. Amonio Morales Vilanueva, “La practica de le criminalistiea como ciencia auxiliar dele criminologia", Estudios del Ministoro Fiscal, Madrid, Ministerio de Justicia ¢ Interior, 1, 1995, p. $68. 24. Androw Murr @ Michael Iskotf,"Invostigations - Immaterial Witness’, Newsweek, June 7f June 14 2004, p. 5 25. Confira-se na homepage do FBI - Federal Bureau of Investigation: ‘wow i gov. 26, 0 texto encontra-se no enderego:hitpi/europa eu. 27. Lola-se a International Decleration of Human Genetic Datano portal «da Unesco: htp//portalunesco.org. Revista do Ad: Identificacao criminal e banco de dados genéticos > nova realidade no campo da identificagao, os quais tém proliferado no exterior e, no Brasil, podem ser instituidos, se aprovado 0 projeto de lei aludido acima, Merece atengao a conveniéneia de trazer tal estrutura para identificagao ao nosso pais. 3. Critica Muitos surgem os enfoques que permitem enca- rar a questo. Todavia, no plano constitucional, exis- tem varios problemas que exigem uma primeira tengo do intérprete. © ponto de maior perplexidade se refere ao con- sentimento do individuo em fornecer material apto ao exame. Pode o investigado, o indiciado, 0 acu- sado, 0 condenado se recusarem a fornecé-lo? Po- dem os agentes pablicos usar de subterfiigios para ‘obterem amostras sem o conhecimento e aceitagao do exame pela pessoa, objeto da pericia? Se consagrado o direito a nao auto-incriminagio (art. 5°, inc. LIL, da CR), ostenta-se dificil compe- lir até mesmo o acusado em processo criminal a submeter-se a teste. Alids, precedente do Supremo Tribunal Federal — em writ quanto & prova em in- vestigacao de paternidade ~ assenta a violagio aos direitos & dignidade humana, a intimidade (art. 5°, ine. X, da CR) ea intangibilidade do proprio corpo na hipétese de condugiia coercitiva do demandado cfvel a teste de DNA (Habeas Corpus n° 71373-4 - Rio Grande do Sul).?# O preso tem direito de ser informado do exame de DNA (art. 5°, inc. LXTIIL, da CR), sendo-lhe fa~ cultada a recusa ao fornecimento de material, por- que inviolavel sua integridade fisica e moral na Lei Maior (art. 5°, ine. XLIX, da CR). Sem falar do di. reito a preservagiio do préprio corpo, do Novo Cé. digo Civil (art. 13 do CC). 28, STF-HC n?71373-4- Rio Grande do Sul, Rel. Min. Marco Auréio, Tuibunal Pleno, 10/11/1994, DJ 22/11/1996. 28, Holona Moniz, “Os prablomas juriicos da criagdo de uma base da dados gonéticos para fins criminais", Revista Portuguesa de Ciéncia Criminal, ano 12, n€ 2 ab jiun, 2002, p28, 30, Neste diapasio, ha critica quanto & criagdo do é7bumas de malvivientes om Busnos Aires: Nordero Rubén Auod e Mario Alberto Juliano, La probation.» city 9.87. 31.H.D. C.Roscam Abbing, “La informacin genética y los derechos de torcares. Cémo encontrar el adecuado equilitrio?”, Revista de derecho ‘9 gonoma humano, 22, ene,/un, 1995, pp. 35/54 $2. Mlolona Moniz, “Os problemas juridicos da criaglo..., ct, pp. 257161 0 Estado nao pode, por sua vez, obter material genético sem 0 consentimento da pessoa humana, nem a lei poderia prever situagao onde a investiga 40 criminal se sobreporia aos referidos valores constitucionais inerentes & dignidade do Homem, porque estes apresentam importineia maior na or dem axiolégica dos direitos na Constituigao da Re- piiblica. ‘A vedagiio a produgo de provas por meios ilfei- tos (art. 5°, inc, LVI, da CR) passa, antes de mais nada, pelo crivo dos ditames constitucionais, fican- do impedido o legislador ordinério de excepciona- los. Nem se poderia imaginar lei que autorizasse funciondrios pablicos a enganarem 0 cidadao co- mum, com 0 objetivo de Ihe retirar material genéti- co para fim de exame, pois se estaria perante des- respeito 4 regra da moralidade na Administragio Pablica (art. 37 da CR). Até mesino porque tal indi- viduo vive em estado de inocéneia, até o transito em julgado de sentenga penal condenatéria (art. 5°, ine. LVI, da CR). Ademais, a possibilidade de a informagio, pro- veniente do exame de DNA, vir a fazer parte de um banco de dados, também pede a prévia ciéneia © aprovagio do examinado, pois tem ele o direito & autodeterminagio informacional (art. 5°, ine. LXIl, da CR), isto €, “direito mais amplo que concede a todos os cidadaos 0 direito de acesso a todos os dados que Ihe digam respeito (quer sejam tratados informética ou manualtivente), podendo exigir a sua rectificagao ou actualizagdo, bem como 0 direito a conhecer a finalidade com que € construida a base”. ‘A propria criago de um database de acusados de determinados crimes sofie da incerteza quanto & constitucionalidade, afinel, se daria origem a um bbanco de informagies dle futuros suspeitos, slg com caracteristicas de “direito penal do autor” em fran- co descompasso ao princfpio da igualdade (art. 5°, inciso I, da CR) eda culpabilidade (art. 5°, inc. LVI, da CR). Além disso, @ natureza da informagio, Higada & genética, poderia vir a significar que as conseqtién- cias juridicas do processo criminal e da eventual condenagao tenderiam a extrapotar a pessoa do con- denado (art. 5°, inc. XLV, da CR), atingi tes,%¥ inclusive. Em seguida, caberia perguntar por quanto tem- po poderiam tais dados serem guardados.?? bem do familia identificagae criminal e bance de dados ge! icos > assim quais 08 efeitos da prescrigdo penal (art. 109 e segs. do CP) ¢ da reabilitagzio (art. 93 do CP), Depois de debatidos todos esses questionamen- tos juridicos, precisam ser observados aspectos tocantes a praticabilidade. Nesse ponto, primeira diivida se prende ao fato de construir um biobanco, com amostras do material genético, ou nfo, Talvez se deveriam “destruir aquelas amos- tras reservando somente a informagao conseguida através delas”.9 Tecnicamente, porém, ha de se responder a indagagio, com olhos aos afirmados requisitos da identificagao criminal (unicidade, imutabilidade, praticabilidade ¢ classificabili- dade). Note-se que a decisiio quanto a espécie de banco de dados implicaria adotar critérios de conservagao, dos materiais, efou das informagdes,** garantindo © sigilo necessdrio & protegao da privacidade (art. 5°, ine, X ce ine. XXXVI, “a”, da CR).2® No Brasil, problemas de natureza econdmica atingem, por dbvio, o sistema penal, logo, a priori- zagio de um banco de dados genéticos traz consigo a divida se cabiveis tais investimentos altissimos para uma policia judiciéria carente de equipamen- tos mais simples, tais como microcomputadores, sem esquecer das dificuldades para implantar um centro informatizado nacional de antecedentes cri- minais. Com razio, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, a0 escrever: “Hoje, fala-se no método da identifi- cacao genética, por meia do cédigo genético (DNA). Sobre a presteza e idoneidade do aludido procedi- mento técnico de identificagdo hd razodvel acor- do dos especialistas. Surgem, entretanto, duas guest0es: a praticidade, ou operacionalidade, ¢ 0 custo” 3° © projeto de um banco de dados genéticos, para fins de identificagao criminal, em apertada sfntese, apresenta inseguranga juridica, dada a in- constitucionalidade da sua prOpria criagio e di das as dificuldades juridicas de the conferir efi- cécia, H4 miltiplos obstéculos operacionais que | tornam, num contexto de pafs em permanente di- ficuldade econdmica, impossivel adoté-lo, antes de se fornecerem outros instrumentos mais sin- gelos aos érgiios pablicos ligados a persecugiio penal e & tarefa de proceder a identificagio cri- | A proposta de lei exibe-se como uma imitagao de textos legislativos do estrangeiro, que encontram resisténcia nos pafses de origem por varios moti- vos, dentre os quais, porque determinadas pessoas, tanto Id como aqui, negam-se a aceitar a propagan- da de institutos juridicos, fruto da modernidade, porém muito distante do respeito a dignidade hu- ‘mana. 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