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– O fundamento da fidelidade.
Deus pede fidelidade aos homens porque Ele próprio nos é sempre fiel,
apesar das nossas fraquezas e debilidades. Javé é o Deus da lealdade2, rico
em amor e fidelidade3, fiel em todas as suas palavras4, e a sua fidelidade
permanece para sempre5. Os que são fiéis são-lhe muito gratos6, e Ele lhes
promete um dom definitivo: quem for fiel até à morte receberá a coroa da vida7.
Anda na minha presença e sê fiel. Guarda o pacto que faço contigo, diz-nos
Deus continuamente no íntimo do nosso coração.
São Tomás ensina que amamos alguém quando queremos o bem para ele;
se, no entanto, o procuramos para tirar algum proveito pessoal, porque nos
agrada ou nos é útil para alguma coisa, então não o amamos propriamente:
desejamo-lo15. Quando amamos, toda a nossa pessoa se entrega a esse amor,
para além dos gostos e dos estados de ânimo: “O pagamento, a diária do
amor, é receber mais amor”16.
Temos que pedir a Deus a firme persuasão de que o principal no amor não é
o sentimento, mas a vontade e as obras; e de que o amor exige esforço,
sacrifício e entrega. O sentimento não oferece base segura para construir algo
tão fundamental como a fidelidade. Esta virtude bebe a sua firmeza no amor
verdadeiro. Por isso, quando o amor – humano ou divino – já passou pelo
período de maior sentimento, o que resta não é o menos importante, mas o
essencial, o que dá sentido a tudo.
O Senhor tem para cada homem, para cada um em concreto, uma chamada,
um desígnio, uma vocação. Ele prometeu que sustentará essa chamada no
meio das variadas tentações e dificuldades pelas quais uma vida pode passar.
E para demonstrar-nos essa permanência da sua solicitude, emprega uma
comparação que todos entendemos bem: a do amor e dos cuidados que uma
mãe tem para com os seus filhos. Imaginem, diz-nos, uma mãe profundamente
mãe, não a mãe egoísta – se é que pode haver –, que anda metida nas suas
coisas. Como pode uma mãe assim esquecer-se do seu filho?17 Parece-nos
impossível, mas imaginemos contudo que se esquecesse do filho, que não se
importasse com ele. Mesmo nesse caso, Eu, diz-nos o Senhor, jamais me
esqueceria de ti, da tua tarefa na vida, do meu desígnio amoroso sobre ti, da
tua vocação. A fidelidade é a correspondência amorosa a esse amor de Deus.
Sem amor, não demoram a aparecer as gretas, as fissuras e, por fim, a
deserção.
III. O QUE PODEREI DAR a Javé por todos os benefícios que me fez?18
Todos podemos fazer o que está ao nosso alcance para assegurar a fidelidade.
A perseverança até o final da vida torna-se possível com a fidelidade nas
pequenas situações de cada dia e com o recomeçar sempre que tenha havido
algum passo em falso por fraqueza. Em muitos momentos da vida, a fidelidade
a Deus concretiza-se na fidelidade à vida de oração, a essas devoções e
costumes que nos mantêm bem junto do Senhor. Um homem ou mulher de
oração sabe sempre sair das ciladas que lhe armam as suas tendências
desordenadas, os seus desânimos ou as misérias próprias ou alheias. Porque
no colóquio silencioso com Deus, em que a alma se desnuda, esse homem ou
mulher fortalece ou recupera o critério claro e as energias para resistir. Sabe
que é uma loucura trocar uma prova de predilecção do Senhor – como é a
chamada para um compromisso por toda a vida – por um prato de lentilhas19,
isto é, pela miragem de um amorico que não tardará a desvanecer-se, por uma
mal-entendida liberdade que parece um libertar-se de vínculos e, a curto prazo,
se revela corrente que escraviza.
(1) Gn 17, 1-9; Primeira leitura da Missa da sexta-feira da décima segunda semana do TC, ano
ímpar; (2) Deut 3, 4; (3) Êx 34, 6-7; (4) Sl 144, 13; (5) Sl 116, 1-2; (6) cfr. Prov 12, 22; (7) cfr.
Apoc 2, 20; (8) At 10, 45; (9) 2 Tim 4, 7; (10) cfr. São Tomás, Suma Teológica, II-II, q. 110, a. 3;
(11) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 343; (12) Sl 144, 3; (13) Ti 1, 17; (14) João Paulo II, Discurso,
Xavier, Espanha, 6-XI-1982; (15) São Tomás, op. cit., I-II, q. 26, a. 4; (16) São João da Cruz,
Cântico espiritual, 9, 7; (17) cfr. Is 49, 15; (18) Sl 115, 21; (19) cfr. Gn 25, 29-34; (20) Santo
Agostinho, op. cit., 13, 9; (21) João Paulo II, Meditação dominical, 23-VI-1986.