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Supremo ake eee 11/03/2014 i MINISTERIO PUBLICO FEDER Se Procuradoria-Geral da Repiblica N° 2271/2014 - ASJCRIM/SAJ/PGR_ Agio Penal n° 618/RJ Relator: Ministro Dias Toffoli Auto: Ministério Pablico Federal Réu: Washington Reis de Oliveira ACAO PENAL. ALEGAGOES FINAIS. LEI N° 9.605/98. LEI N° 6.766/79. DECRETO-LEI N° 201/67. AUTO- RIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ART. 288 DO CODIGO PENAL E ART. 69 DA LEI N° 9.605/98. INSUFICIENCIA DE PROVA. PROCEDENCIA PAR- CIAL DA PRETENSAO ACUSATORIA. © Procurador-Geral da Repiiblica, em atengio ao despacho de fls. 612, vem oferecer ALEGAGOES FINAIS, nos termos do. art. 11 da Lei n° 8.038/1990. I. Relatério © Deputado Federal Washington Reis de Oliveira’ foi de- nunciado pelas pritica dos delitos previstos no art. 40, caput, c/c 1A denincia abarcou também Rosenverg Reis de Oliveira, Gutemberg Reis de Oliveira, Octacilio Simées Cadaxo ¢ Iracema de Castro e Silva da Justa ‘Menescal. Porém, por meio da decisio de fls. 296/298, o Supremo Tribunal Federal determinou o desmembramento do presente feito, que passou a tra- mitar apenas em relagio a Washington Reis de Oliveira PGR g ‘Aco Penal n° 618/R art. 53, 1 e art, 15, Il, alineas “a”,“o” “r”, da Lei n° 9.605/98; no art. 50, I, Il e Ill, ¢/c pardgrafo tnico, I, da Lei n° 6.766/79, na forma do art. 29 do Cédigo Penal; no art. 1°, I, do Decreto-Lei n’? 201/67, c/c art. 29 do Cédigo Penal; no art. 288 do Cédigo Penal ¢ art. 69 da Lei n° 9.605/98. Ao menos de 2001 a 25/8/2006, 0 réu, juntamente com outras quatro pessoas, causou dano ambiental a Area na qual determinou a execugio de loteamento denominado Vila Verde, burlando as exigéncias da Lei n® 6.766/79 os pardme- tros da licenga destinada a sua implantagio. Além disso, para concluir as obras respectivas, ele se utilizou, indevidamente, de maquinas da prefeitura do Municipio de Du- que de Caxias/RJ e dificultou a agio fiscalizadora do poder pa- blico, mediante recusa de assinatura de autos de fiscalizagio ¢ ocultagio de miquinas empregadas na obra. Por fim, 0 réu fez afirmagio falsa sobre a legalidade do loteamento em placa afixada diante dele, valendo-se ainda de tal instrumento para manifestar sua intengio de venda de lotes, mediante indicago de néimero te- lefnico para contato. A deniincia (Os. 259/288) foi recebida em 9/7/2010 (fis. 205/206), pelo juizo da 4* Vara Federal de Sio Joio de Meriti/RJ, em relagdo a todos os crimes atribuidos ao réu. O feito, que teve inicio na 4* Vara Federal de Sio Joo de Meriti/RJ, foi remetido 20 Supremo Tribunal Federal em decor- réncia do exercicio do mandato de Deputado Federal por Washington Reis de Oliveira (f1. 255). a Penal n° 618/R) O acusado apresentou defesa prévia’ as fls. 309/331. Na instrugio, foram inquiridas as seguintes testemunhas arro- ladas pela acusagio®: Jodo Batista Barros de Oliveira (em 15/08/12, fls. 409/410); Adelicio Carneiro Hipélito (em 15/08/12, fls. 411/413); Anténio José Rodrigues Camara (em 15/08/12, fl. 414); Paulo Raphael Silveira de Paula (em 15/08/12, fls. 415/416); Francisco Martins de Lemos (em 7/11/12, fls. 439/440) e Sebas- tio de Souza Evangelista (em 7/11/12, fls. 441/442). Pela defesa, procedeu-se & inquirigo de José Francisco da Silva (em 7/11/12, fls. 443/444); Itaborai Nazareth Trebes (em 7/11/12, fls. 445/446) ¢ Lincoln Reis da Silva (em 7/11/12, fls. 447/448). Joao Batista Barros de Oliveira indicou que apenas trabalhava como encarregado na obra, acrescentando que foi contratado por Gutemberg Reis; reconheceu ter assinado o auto de infragao; ne- gou gue tivessem sido utilizadas maquina da prefeitura na obra. Adelicio Carneiro Hipélito corroborou todos 0s fatos narra~ dos na dentincia; explicou que trabalhava como caseiro nas proxi- midades e, nessa condigio, residia no lote da Rua Carlos Matheus s/n, tendo presenciado todo © ocorrido; informou que as obras, sob responsabilidade de Washington Reis, abarcaram também o terreno da Rua Helena s/n; declarou que Washington Reis, Gutemberg Reis e Rosenverg Reis estavam sempre no lo- 8 Seguiu-se 3 decisio de recebimento da deniincia, em 9/7/10 (fls. 205/206), de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, em 31/3/11 (fl. 255). ‘Uma vez tramitando o feito perante esta Corte e conforme o tito da Lei n® 8.038/90, seguiu ele na fase de apresentagio de defesa prévia. ‘Timéteo Martins de Souza deixou de ser ouvido em razio de seu dbito (Eb. 449/450). PGR. cal vistoriando as obras e que havia mAquinas com em- blemas da prefeitura no local das obras. Francisco Martins de Lemos afirmou ter trabalhado em obra que soffeu fiscalizagio do IBAMA; esclareceu que, por ocasifio da fiscalizagao, Gutemberg Reis, mesmo estando presente no local, determinou a ele que apresentasse seus proprios dados pessoais aos fiscais. José Francisco da Silva, Itaborai Nazareth Trebes ¢ Lincoln Reis da Silva, sem indicar circunstincia alguma que os vinculasse 4 obra, declararam que nunca viram Washington Reis na drea da de- nancia nem nunca presenciaram nenhuma obra sendo realizada ali; que a prefeitura construiu, nas imediagdes, ponte para substituir outra, danificada; ¢ que a rea situada na Rua Helena s/n pertence a Iracema de Castro, que loteou o local e vendeu os lotes. Anténio José Rodrigues Camara, Paulo Raphael Silveira de Paula Sebastiio de Souza Evangelista nio trouxeram esclareci- mentos relevantes quanto aos fatos narrados na dentincia. O réu foi interrogado em 03/04/13 (fis. 465/467), ocasizo em que negou a autoria dos delitos que Ihe foram imputados. Na fase do art. 10 da Lei n° 8.038/90, 0 Ministério Pablico Federal requereu a expedi¢io de oficio a 4* Vara Federal de Sio Joao de Meriti para que encaminhasse copia de documentos relati- vos 4 Agio Penal n° 0006516-98.2004.4.02.5 (fls. 478), 0 que ori- ginou o apenso 6 (fls. 516). Agio Penal n? 618/RJ Por sua vez, a defesa reiterou pedido anteriormente formu- lado na defesa prévia (. 482), referente 4 expedicio de oficio a0 ICMBio/RJ para que esclarecesse a) se 0 Distrito de Xerém, per- tencente ao Municipio de Duque de Caxias/RJ, esté dentro ou fora dos limites da Zona de Amortecimento da REBio Tingua ¢ b) se o Distrito de Xerém é considerado zona urbana ¢ se ha al- guma restri¢io ao direito de propriedade naquela localidade. As respostas constam a fls. 524/525 e 584/586, Vicram entio os autos a Procuradoria Geral da repablica para manifestagio na fase do art. 11 da Lei n° 8.038/90. IL. Fundamentos ILI Os fatos subjacentes a imputagio De inicio, impende delinear os fatos, a fim de propiciar sua melhor compreensio. Os crimes narrados na deniincia tém por objeto material rea de dois terrenos contiguos, o primeiro na Rua Carlos Matheus s/n* (também conhecida por Estrada do Tingud n° 2°), Xerém, 4° Distrito de Duque de Caxias, ¢ 0 segundo na Rua Helena s/n’, Xerém, Duque de Caxias. A rea situada na Rua Carlos Matheus era de propriedade de Octacilio Simées Cadaxo, tendo Washington Reis com ele fir- Objeto de apuragio nos autos dos IPL's 356/04 e 019/07. @ ‘Ambas as ruas se referem a0 mesmo enderego, consoante documento de Al. 125, do apenso 1: “A Rua Carlos Matheus ¢ a Estrada do Tingud dizem respeto 420 mesmo ender”, 6 Objeto de apuragdo nos autos do IPL n° 357/04. oe Penal n® 618/R PGR mado parceria para loteamento do local. Em 15/09/03, a area so- freu fiscalizagio do IBAMA, quando foram lavrados 0 Auto de In- fragio n° 47911 e o Termo de Embargo n° 43223, porquei verificada a degradagio ambiental descrita no Apenso 1, a fs. 23/25. ‘Jaa rea situada na Rua Helena s/n (Estrada do Tingué 2) era de propriedade de Iracema de Castro ¢ Silva da Justa Menescal ¢ foi vendida’ a Rosenverg Reis, também irmio do réu, em 22/01/03 (fs. 95/96). Em 26/08/03, sofreu fiscalizagao do IBAMA, quando lavrados o Auto de Infragio n° 47909 e o Termo de Embargo n° 43221, em decorréncia da degradacio ambiental descrita as fls. 22/24. Essa segunda rea, que mede 264.103 m®, era dividida em trés glebas, A, B e C.A gleba B foi transformada em loteamento com 29.568,66 m’, aprovado pelo Secretério Municipal de Planeja~ mento, em 18/04/01, consoante Certidio n° 83/2001" (fl. 53-A, 7 Quanto a tal cransagdo, Adélia Pencak, que efetivamente realizou a venda para Gutemberg Reis, apés ter adquirido o imével de Iracema de Castro, esclare- cou que:“vendew a drea B do imével para Rosenverg Reis de Oliveira” (fl. 110), po- rém, “quem administrava 0 imével era Iracema, que inclusive cuidou de toda a negociago” (0. 158). 8 “Centifico que examinando o processo niimero (..,) 001243/01, no qual Tracema de Castro ¢ Silva da Justa Menescal requerew & Prefeitura Municipal de Duque de Ca- 1xias, Aprovagio de Loteamento, recebeu na Coordenadoria de Planajemento € Uso do Solo o seguinte despacho: Examinando o processo n° 001243/2001 no qual Ira- cema de Castro ¢ Silva da Justa Menescal requeren & Prefeitura Municipal de Duque de Caxias aprovago de Loteamento na Area “B” desmembrada da Granja dos Coqueitos, situado na Rua Helena, no 4° Distrito deste municipio de sua propriedade; informo que 0 mesmo foi deferido pelo Iustrissimo Se cretirio Municipal de Planejamento, em 17 de janeiro de 2001 © por ele aprovado em 17/04/2001. Como resultado do loteamento a area passou a ser denominada como "Vila Verde’ '..)” PGR Agio Penal n? 618/R_ apenso 3). Mas essa aprovagdo caducou, porque nio foi inscrita no registro imobilidrio no prazo legal de 180 (cento ¢ oitenta) dias? Os dois terrenos foram destinados — depois de sofrerem grave degradacio ambiental — 4 construgdo do loteamento Vila Verde. ILII Materialidade e autoria Art. 40, caput, c/c art. 53, I e art. 15, Il, alineas “a”, “o” e “r”, da Lei n° 9.605/98" MATERIALIDADE As areas sobre as quais incide a imputagio estavam, indiscutivelmente, situadas na 4rea circundante em raio de dez quilémetros da Reserva Biolégica do Tingué, consoante destacado pelo ICMBio 4s fls. 584/586: “As areas objeto da presente acio foram objeto de autuago pelo IBAMA no ano de 2003, portanto an- tes da criagio do ICMBio". A agao fiscalizatéria 9 Fis. 121, do apenso 3 (Portaria n® 03/SEMUPLAN/2003, datada de 24/09/2003) 10 “Art. 49. Causar dano direto ou indireto as Unidades de Conservazio e as ireas de que trata 0 art. 27 do Decteto n° 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localizasio. Pena - reclusio, de um a cinco anos. Arr, 53. Nos crimes previstos nesta Segio, a pena é aumentada de um sexto a um tengo 1-- do fato resulta @ diminuigio de dguas naturas, a erosio do solo ou a modificegio do regime climético; Art, 15. Sao cirunstincias que agravam a pena, quando nio constituem ow qualifcam o crime: T1- ter o agente cometido a inftagao: 4) para obter vantagem pecuniria; 0) mediante abuso do direito de lcenca, permissao ou antorizagdo ambiental; 1) failtada por funcionzrio piiblico no exerccio de suas fnées.” 11 Consta ainda a informagio de que “os planos de manejo das unidades de conserva ‘iio federais si0 editados por portaria do presidente do ICMBio, desde a aprovagio da Lein® 11.516/2007 ~ que criou 0 Instituto Chico Mendes de Conserougio da Bio- ocorreu antes, também, da edigio da Portaria IBAMA n° 68/2006 - que aprovou o Plano de Ma- nejo da Reserva Biolégica. Isto posto, valia como refe- réncia de entorno da REBio Tingué a érea definida pela Resolugio CONAMA n° 13/90, qual seja, aquela encontrada no raio de 10 km de entorno de seus limites. Nestas circunsténcias, as referidas ruas encontravam- se, & época da fiscalizacio, na rea de entorno da REBio TinguA.” ‘A materialidade do crime esté comprovada por meio dos Au- tos de Infragdo n° 47909" (fls. 12) e 47911" (As. 13, apenso 1), que constataram diversos danos ambientais na Rua Helena s/n, Xerém, Duque de Caxias e na Rua Carlos Matheus s/n (Estrada do Tin- gui n® 2), Xerém, 4° Distrito de Duque de Caxias. Essas freas fo- ram objeto de loteamento irregular ¢ desmatamento de vegetagio de preservagio permanente, com danos diretos a area circundante da Reserva Biolégica do Tingui ¢ indiretos a esta unidade de con- servagio, Os danos estio descritos em diversos documentos, desta- cando-se as Informagdes 013/2003" (fis. 19/21) ¢ 015/2003" (fs. 20/22, apenso 1), com base nas quais foram produzidos os Laudos Técnicos 003/2003 (fis. 22/24) ¢ 004/2003 (fis. 23/25, apenso 1), diversidade — ICMBio. Antes disso, a competéncia para a gestio das unidades de con- servasio federais era do IBAMA ~ que na atualidade tem competéncia supletiva para a fisalizagio das unidades de conservagio federais” (0. 585) 12 Lavrado em 26/08/2003. 13 Lavrado em 13/09/2003. 14 Datada de 27/08/2003. Refere-se ao Auto de Infragio n° 47909-D. 15 Datada de 23/09/2003. Refere-se ao Auto de Infragio n° 47911-D, PGR Agio Penal n® 618/RJ que evidenciaram danos ¢ degradagio ambientais em frea de pre- servacio permanente, nos seguintes tetmos: “(..) Destruiu vegetagio considerada de preservagio perma- nente, margem de rio e encosta/topo morro; Extragdo de mineral (argila) de 4rea considerada de preserva- io permanente com destruicdo de vegetacio: Obras de terraplanagem para instala¢io de loteamento cau- sando degradagio ambiental, assoreamento de rio; Contrariou as normas legais ¢ regulamentares, violando as regras juridicas de uso, gozo ¢ promocio do meio ambiente, em desacordo com a autorizaio/restrig6es impostas para o empreendimento.” (Laudo n° 003/2003) “Destruiuvegetagio considerada de preservagio perma- nente, margem de rio, cérrego e encosta de morro; Destruiu totalmente vegetacao nativa com corte de encosta de morro e morrete; Extragio de mineral/argila de rea/vegetagio considerada de preserva¢io permanente; Obra de terraplanagem causando degradagio ambiental, atetramento de vegetacio; Assoreamento de curso d’égua, rio; Causou danos indiretos & Rebio do Tingud; Contrariou as normas legais e regulamentares, violando as regras juridicas de uso e goz0 e promogio do meio ambi- ente” (Laudo n° 004/2003) Consoante destacado por esses laudos, a agio provocou asso reamento™ de rio, resultando na diminuigio de 4guas naturais. 16 Segundo o conceito do Dicionério Aurélio, 0 assorcamento € obstrucio, por areia ou por sedimentos quaisquer, de um rio, canal ow estuario, geralmente PGR. _Agio Penal n° 618/RJ Além disso, 0 Laudo de Exame de Meio Ambiente n° 1963/07/SR/RJ" (fls. 132/135) consignou a ocorréncia de erosio do solo: “Observou-se no local a ago da erosdo superficial, decor rente do decapeamento ¢ 0 corte da encosta das colinas, que expde 0 solo a agio das chuvas, além de alterar de forma in- desejavel a composi¢ao cénica natural (..)” O Relatorio de Vistoria constante do Apenso 3, a fls. 95, consignou que 0 proceso de licenciamento ambiental do lotea~ mento Vila Verde se deu em desobediéncia & legislagio especifica € 4 licenga que houvera sido concedida pela Fundagio Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA: “Trata-se de um projeto de loteamento aprovado pela prefeitura Municipal de Duque de Caxias (certidio n° 63/2001) com parecer favorivel do IBAMA, que obteve a li- cenga de instalagio da Feema em outubro de 2001. Anali- sando a planta apresentada como sendo 0 projeto definitivo, que foi aprovado e que deveria ter sido executado, pode-se notar a presenca do rio Registro fazendo limite com o ter- reno em questio e sua respectiva Faixa Marginal de Protecio ~ FMP demarcada. A divisio dos lotes e as futuras instalagdes deveriam portanto excluir estas faixas de protecio da mar- gem do rio Registro e ficar restrita aos demais locais do ter- reno. No entanto, 0 que se verificou nao foi o previsto no projeto aprovado. As obras de terraplanagem, aprova- das pela prefeitura, foram feitas de forma caética comprometendo, significativamente, a condigo an- ‘em consequéncia de redugo de correnteza. 17 “Os locais objeto desta pericia sao dois: unt Toteamento ¢ usm terminal rodovidro, a bos encontramse no Distrito de Xerém, municipio de Duque de Caxias (..). O lotea- ‘mento foi consinuindo a margem de wn rio (Rio da Mata, segundo informages obtidas tno local), onde foi feito movimento de terra, com corte de encosta de uma colina e nive- Tamento do solo, decapeamento ¢ supressio de vegetasio nativa 10 POR Ao Pena” 618/] terior encontrada neste trecho do rio Registro. Um grande volume de terra com blocos de rocha foram deposi- tados na margem esquerda do rio e em seu leito, provocando 0 assoreamento deste trecho e a alteragio da forma do canal. © material encontra-se exposto e nio foi feita nenhuma in- tervengao (drenagem pluvial) para diminuir os efeitos do transporte de sedimentos para o canal de drenagem, através do escoamento superficial. Desta forma, ficou consta- tado que o responsivel pelo empreendimento nao respeitou a legislagao especffica, que considera as fai- xas marginais dos rios como Area de Preservacio Permanente, e provocou impactos ambientais no previstos no projeto aprovado pelo érgio ambiental competente, no caso a FEEMA.” AUTORIA A autoria do crime emerge induvidosa dos autos, como reve- lam os seguintes vetores de anilise de prova: (a) depoimento da testemunha Adelicio Carneiro Hipélito (fis. 411/413), o qual noticia a constante presenga do réu no local das obras; (b) noticia, por meio de manifestagio exarada nos autos da Acio Civil Pablica pelo proprio Subprocurador-Geral do Municipio de Duque de Caxias, de que o réu interferia no andamento do feito (8.272, apenso 4), € (©) retomada das obras em momento seguido ao inicio do man- dato do réu como prefeito de Duque de Caxias™. 18 As obras, que se encontravam embargadas desde 15/9/03 (8. 14, apenso 1), foram novamente embargadas em 25/8/06 (2.17, apenso 5), tendo, por- tanto, sido retomadas em data anterior 4 esta PGR Agio Penal n? 618/14} A testemunha Adelicio Carneiro Hipélito, caseiro residente nas imediagdes, declaron textualmente que “(...) afirma que o st. Washington, st. Gutemberg € 0 st. Ro- semberg estavam sempre no local (...)” A degradagio ambiental visava obter vantagem pecuniaria mediante a construgio de um lotcamento no local, para venda posterior. Assim 0 que se pode inferir do documento de fl. 83, apenso 1, onde ha noticia de jornal com foto de placa “vende-se lotes” em frente a0 condominio que estava sendo construido, de- nominado Vila Verde, e também das declaragdes de Adelicio Car- neiro Hipélito: (..) Que as mencionadas obras foram feitas com a finali- dade de lotear o local (...)” (fls. 81/82, apenso 1) Deve-se ressaltar ainda que, apesar da lavratura dos autos de infragio antes referidos ¢ respectivos termos de embargo", as obras retomaram seu curso logo apés Washington Reis ter assumido 0 mandato de Prefeito de Duque de Caxias, em 2005, e foram em- bargadas, novamente, em momento posterior. De fato, a fiscalizagio do IBAMA lavrou em 25/8/2006, 0 Auto de Infragio n® 353037 (fs. 16, apenso 5), por danos ambien- tais decorrentes de obras na mesma érea antes autuada pelo Auto de Infracio n° 47911 (f1. 13, apenso 1). ff 7. 19 Auto de Infragio n° 47911-D, Termo de Embargo n° 43223 (fls. 13/14, apenso 1) Auto de Infracio n° 47909-D,Termo de Embargo n° 43221 (fis. 12/13) 2 PGR. Agio Penal n® 618/RJ A explicitar ainda mais a ingeréncia do réu quanto aos fatos, verifica-se que na Agio Civil Publica n° 2003.021.017804-3 (apensos 3 ¢ 4), ajuizada perante a 4? Vara Civel da Comarca de Duque de Caxias também para apurar os aqui narrados danos a0 meio ambiente, 0 proprio Municipio, por meio de seu Subprocu- rador-Geral assim se manifestou no feito (fl. 272, apenso 4): “1 ~ Em que pese ser 0 autor pessoa juridica de direito pi- blico, tinica e submetida a relagdes que nio se submetem a mandatos eletivos ¢ grupos politicos, cumpre esclarecer a0 membro do parquet federal que com 0 término do man- dato do ex-prefeito Washington Reis de Oliveira (ir- mio do réu Gutemberg Reis de Oliveira), este feito nao mais ter4 seu andamento indevidamente sobrestado (.)” Il. Hl) art. 50, I, II e III, c/c pardgrafo tnico, F°, da Lei n° 6.766/79, na forma do art. 29 do Cédigo Penal MATERIALIDADE 20 “Art, 50. Consttui crime contra a Administraio Piiblic 1 - dar inkio, de qualquer modo, ou fetuar loteamento ou desmembramento do solo ‘para fins urbanos, sem autorizagao do érgdo priblico competente, ou em desacordo com as disposizdes desta Lei ow das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Mu nidlpios; I~ dar inkcio, de qualquer modo, ow efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins uabanos sem observincia das determinagies constantes do ato administrative de licengas HL - fazer ow veicular em proposta, contrat, prospecto ou comunicagdo ao piiblico ow a interessados, firmacao faa sobre a legalidade de lotearnento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocular fiaudulentamente fato a ele relativo, Pena: Reclusio, de 1(um) a 4 (quatro) anos, ¢ multa de 5 (cinco) a 50 (cingitenta) ve- 265 0 maior salério minimo vigente no Pas. Parigrafo tinico - O crime definido neste artigo & qualficado, se cometido, T- por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ow quaisquer outros instna- Imentos que manifestem a intengao de vender lote em loteamento ow desmembramento ido registrado no Registro de Iméveis competente Pena: Reclust, de 1 (una) a 5 (cinco) anos, ¢ multa de 10 (dex) a 100 (cem) vezes 0 maior saléro muinimo vigente no Pat.” 13 PGR Aco Penal n” 618/18 Conforme a Portaria n° 03/SEMUPLAN/2003" (fl. 121, apenso 3) 0 loteamento Vila Verde, inicialmente aprovado pelo Proceso n° 001.243/01 “ieve sua aprovasio caducada (...)”, pois nio foi registrado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, o que levon a seu cancelamento, O art. 18 da Lei 6.76/79, que dispée sobre o parcelamento do solo urbano, é categérico quanto 4 exigéncia de registro, 4 fixa Gio de prazo ¢ a sangio de caducidade: “Art, 18. Aprovado 0 projeto de loteamento ou de desmem- bramento, o loteador deveri submeté-lo ao registro imobili- rio dentro de 180 (cento ¢ oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovago, acompanhado dos seguintes docu- mentos: (omissis)” Nio se trata de mera formalidade cartorial: 0 parcelamento do solo urbano representa, para os adquirentes dos lotes, investi- mento de vulto invariavelmente significativo, nio raro fruto de es- forgos de poupanca de uma longa etapa de vida. As extensas exigéncias documentais do art. 18 da Lei 6.76/76 visam a propi- ciar 0 grau mais alto possivel de seguranga juridica aos adquirentes, evitando sobreposi¢des de direito real, com toda a angtistia e de- sordem urbana que acarretam. No foi s6: 0 loteamento foi executado em inobservancia 4 licenga que havia sido concedida pela Fundagio Estadual de En— genharia do Meio Ambiente - FEEMA, consoante ji destacado. 21 Datada de 24/09/2003. 14 AUTORIA ______ Ago Penal n? 618/28) A autoria do crime emerge induvidosa dos autos, como reve- lam os seguintes vetores de andlise de prova: (a) depoimento da testemunha Adelicio Carneiro Hipélito (fis. 81/82, apenso 1),¢ (b) depoimento da testemunha Timéteo Martins de Souza (fl. 179/180, apenso 1). Declarou o primeiro: nadas obras foram praticadas pelo Sr. Washington Reis, atual prefeito do Municipio de Duque de Caxias/RJ, com anuéncia do proprietirio do imével Sr. Otacilio Simées Cadaxo (...)” Declarou, por sua vez, 0 segundo: “Que sabe dizer que em certo momento a propriedade foi arrendada a Washington Reis (...); Que acredita que o responsavel pela obra fosse Washington Reis, jé que 0 mesmo jé tinha arrendado as terras e frequente- mente comparecia no local para acompanhar as obras (...); Que confirma que por diversas vezes, no pe- riodo em que morou no local, presenciou Washington Reis vistoriando o terreno em questo (...)" (Timéteo Martins de Souza®) Ambos os depoimentos, conjugados, nio deixam margem de davida quanto a ago do réu no que se refere a ter iniciado © lote- amento em situago de irregularidade: ninguém se faz presente com frequéncia em canteiro de obras para fiscalizar o respectivo andamento, nio sendo profissional do ramo, se nao tiver int 22 Fis. 179/180, apenso 1 Z 15 PGR Acio Penal n° 618/RY dominial. Essa conclusio é ainda mais verdadeira quando a pessoa ‘em questio exerce atividade executiva de alta complexidade como a de Prefeito de um Municipio grande ¢ com varios problemas: seu tempo era caro demais para que ele se dedicasse a fiscalizar uma obra por diletantismo ou outro mével arcano. ‘As obras foram feitas em desacordo com 0 art. 18 da Lei n° 6.76/79 ¢ houve inobservincia 4 licenga que havia sido conce- dida pela Fundagio Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, consoante jé destacado. E mais: 0 réu veiculou em comunicagio a0 piblico, conso- ante se infere de fl. 197, apenso 3, afirmagio falsa sobre a legali- dade do empreendimento, pois apesar de informado no anGincio de venda o niimero do processo que tramitou perante a prefeitura ~ com vistas a atestar sua legalidade ~, de acordo com 0 que jé in formado, a aprovacio caducou, por austncia de registro imobilia- tio. A mesma placa informativa (fl. 197, apenso 3) ainda deixa clara a intengio de venda de lotes, eis que continha némeros tele- fEnicos para contato. Os depoimentos prestados em juizo por José Francisco da Silva (fls. 443/444) ¢ Haborai Nazareth Trebes (fl. 445/446) noticiaram também a venda dos lotes”. Efetivamente, a conclusio distinta nio se pode chegar a partir de placa instalada na frente do loteamento, noticiando sua suposta 23 Ambas as testemunhas atribuem a venda dos Jotes a Iracema de Castro, in titulando-a proprietaria do imével situado na Rua Helena. PGR He ‘Agdo Penal n® 618/RJ regularidade perante a Prefeitura e fornecendo contatos teleféni~ cos. Il. If) art. 1°, I, do Decreto-Lei n° 201/67, c/c art. 29 do Cédigo Penal MATERIALIDADE Por ocasiio da lavratura do Termo de Embargo n° 285558 (As. 17, apenso 5), em 25/08/06, relativo & obra do loteamento Vila Verde, os fiscais tiraram fotografias do local, nas quais se verifica, com nitidez suficiente, a existéncia de miquinas diversas e de um caminhio com a inscrigio “a servigo da PMDC” (fl. 30/31, apenso 5). A sigla PMDC significa, evidentemente, Prefeitura Municipal de Duque de Caxias. As fotografias foram tiradas no momento em que embarga- das, pela segunda vez’, as obras do loteamento. A data ¢ 0 con- texto demonstram que os veiculos que ali se encontravam somente podiam estar sendo utilizados nessas obras Observa-se, nas fotografias, que 0 caminhio da prefeitura se encontra ao lado de diversas manilhas. Como se sabe, 0 uso prec PO 24 “An. 1° Sao crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeits ao julga ‘mento do Poder Judicirio, independentemente do pronunciamento da Camara dos Ve- rendre Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito proprio ou alheio, de bens, rendas ou servi 0s pblicas; §1" Os crimes definidos neste artigo sto de ajio priblica, punidos os dos itens Te Il, com a pena de reclusia, de dois a doze anos, ¢ 0s demas, com a pena de detengdo, de trés meses a trés anos.” 25 Em setembro de 2003 foi lavrado o Termo de Embargo n° 539404 ¢ em agosto de 2006 0 de n* 285558, v7 PGR Agio Penal n? 618/R puo de manilhas é a condugdo de agua ¢ esgoto, ou seja, seriam elas, certamente, utilizadas no loteamento. A corroborar a imputagio de uso de equipamentos da prefei- tura no loteamento Vila Verde, a testemunha Adelicio Carneiro Hi- pélito declarou (fls. 411/413): “(..) havia maquinas da prefeitura nas obras ali realizadas.” Por sua vez, apesar de ter negado que 0 uso das miquinas se destinava is obras do loteamento Vila Verde, Lincoln Reis da Silva admitiu que havia maquinas da prefeitura no local (8s. 447/448): “(..) Quando do loteamento, viu miquinas da Prefeitura Municipal no local, mas apenas para realizar as obras da ponte que ali foi construida (..)” A conjugagio das provas documentais ¢ testemunhais revela que efetivamente houve o emprego de veiculo da prefeitura nas obras realizadas no loteamento Vila Verde. Como alternativa ao emprego indevido de bem piiblico nas referidas obras, apenas se vislumbra a tese de que as maquinas estavam no local apenas para fins de estacionamento, 0 que, sob nenhum Angulo, é crivel, tanto mais pela impropriedade de utilizar, como estacionamento, um canteiro de obras, A alegagio de que maquinas foram usadas apenas na constru- Go de uma ponte nas imediagdes nio reine minimas condigdes de prosperar, pelos seguintes vetores de anilise de prova: (@) a testemunha que o declarou, arrolada pelo réu, nio trabalhava na obra ¢, portanto, nao tinha condigées de discernir com tamanha 18 PGR. Agio Penal n? 618/R) precisio a utilizago das miquinas, a ponto de excluir uma hip6- tese de emprego; (b) se as maquinas tivessem sido utilizadas somente na construgio da ponte, era tendencial que estivessem estacionadas ao lado da ponte, o que nio se verificou, e (c) © fato de as maquinas estarem dispostas no canteiro de uma obra constitui, em si, prova de sua utilizagio, constituindo equi- voco € excesso exigir demonstrago de que tenham empreendido efetivo trabalho: a presenga da maquina no local prové, por si s6, componente indispensavel de apoio 4 obra, na medida em que, in- ter alia, passa a ser considerada para fins de planejamento de enge- nharia. AUTORIA A autoria do crime emerge, por sua vez, induvidosa, como revelam os seguintes vetores de andlise de prova: (@) 0 réu era o prefeito 4 época em que encontrado 0 caminhio da prefeitura de Duque de Caxias na obra do loteamento; (b) depoimento da testemunha Adelicio Carneiro Hipiélito (fis 411/413), 0 qual informa que o réu estava sempre presente no lo- cal das obras. Washington Reis, de forma inequivoca, valia-se de sua condi- cio de prefeito para que as agdes referentes ao loteamento pudes- sem ser realizadas mais facilmente, 0 que se comprova pels fotografias tiradas por fiscais do IBAMA, que identificaram veicy| 19 PGR ‘Acdo Penal n® 618/RJ da Prefeitura no local, podendo ser mencionada também a propria manifestagio do municipio de Duque de Caxias as fls. 272, apenso 4. Com efeito, na medida em que, como chefe do poder execu tivo, portanto no gozo de ampla discricionariedade na disposigio dos bens piblicos, acompanhava pessoalmente o desenvolvimento das obras, nio haveria como alegar que nio sabia da utilizagio in- devida dos bens ¢ que nela nao assentiu. Isso basta para caracterizar sua autoria. IL. IV) art. 69% da Lei n° 9.605/98 A prova dos autos revela duas vertentes de embarago & fiscali- zacio: (a) ocultagio das maquinas que estavam sendo utilizadas na obra, (b) determinacio a terceiros, em geral empregados da obra, de que assinassem os documentos produzidos nas a¢Ges de fiscalizacao. ‘Ao verificar irregularidades nas obras do loteamento Vila Verde, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente iniciou sistema- tica fiscalizagio no local. Deparou, no entanto, com inusitada situa~ Glo: 0 sumigo das miquinas que eram diuturnamente empregadas na obra. A obstrucio das atividades de fiscaliza¢io também se fez me- diante a recusa de fornecimento de seus dados aos fiscais: assinaram| 26 “Art, 69. Obstar ou dificultar a ayio fiscalizadora do Poder Piiblico no trato de questies ambientais: Pena - detengio, de um a trés anos, e mulia.” PGR. Ht ‘Acio Penal n° 618/R) como autuados empregados da obra, pessoas simples que por ela em nenhuma dimensao respondiam. Ocorre que a autoria do delito em tela nao pode ser atribu- ida ao réu. Apesar de comprovada sua materialidade, néo hd elementos que revelem conduta do réu no sentido de de- terminar a ocultag%o das mAquinas e a interposigio de pessoas perante a fiscalizacao. £ possivel deduzir que ele esti- vesse ciente do que estava ocorrendo; mas é preciso mais que mera cigncia para caracterizar-se a consumagio do crime. E mais que meta deducio para té-lo por provado, II.V) art. 288” do Cédigo Penal O crime de quadrilha, previsto no art. 288 do Cédigo Penal, consiste em “associarem-se mais de trés pessoas, em quadrilha on bando, para o fim de cometer crimes”. Acerca de tal delito, Nelson Hungria® pontua: “Associar-se quer dizer reunir-se, aliar-se ou congregar-se estivel ou permanentemente, para a consecugio de um fim comum. A quadrilha ou bando pode ser dada a se- guinte definigo: reunido estavel ou permanente (que nio significa perpétua), para o fim de perpetragio de uma indeterminada série de crimes. A nota de estabili- dade ou permanéncia da alianga é essencial. Nao basta, como na 'co-participagio criminosa', um ocasional ¢ transitéria concérto de vontades para determinado crime: & preciso 27 “Art. 288 - Associarem-se mais de trés pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusto, de um a t1és anos.” 28 In Comentérios ao Cédigo Penal, vol. IX, Rio de Janeio : Forense, 1959. piginas 178/179. 24 Acio Penal n® 618/RJ PGR. i acérdo que verse sdbre_ uma duradoura atuagio em comum, no sentido da pritica de crimes nio precisamente individua- dos ou apenas ajustados 4 espécie, que tanto pode ser uma tinica (ex: roubos) ou phirima (exs: roubos, extorsdes ¢ ho- micidios) A prova da materialidade de tal crime nao se tornou, na instrugio, induvidosa quanto ao requisito da estabili. dade e da permanéneia. Nio se pode extrair, a partir das aces perpetradas, que houvesse estabilidade no grupo, transcendente a0 Ambito de uma Gnica empreitada A prova dos autos somente alcanga a hipétese de que o réu, seus irmios Gutemberg Reis e Rosenverg Reis, ¢, na hipétese, também Iracema de Castro e Octacilio Cadaxo se uniram com a finalidade espeeifica de construir 0 loteamento Vila Verde. Pratica- ram, no bojo dessa ‘nica empreitada, miiltiplas condutas tépicas, mas nao ha prova de que o vinculo transcendesse a empreitada. Nio se despreza a informagio de que além de estar sendo processado no presente feito, o réu e, quando menos, algum de seus irmios tém contra si outras demandas judiciais decorrentes de irregularidades em loteamentos, consoante narrado na dentincia. Faltaria, ai, contudo, a prova do outro elemento tipico objetivo da quadrilha: a a associagZo estavel e permanente de mais de trés pes- soas. U.VI) Tipicidade As condutas expostas, excegio do que se refere aos crimes de quadrilha e do previsto no art. 69 da Lei n° 9.605/98, 22 amoldam-se, nos planos objetivo e subjetivo, aos tipos penais pelos quais a 4* Vara Federal de Sio Jodo do Meriti/RJ recebeu a den- iincia: art. 40, caput, c/c art. 53, I ¢ art. 15, II, alineas “a”,“o” ¢“r”, da Lei n° 9.605/98; no art. 50,1, Il ¢ Ll, c/c paragrafo tinico, I, da Lei n° 6.766/79, na forma do art, 29 do Cédigo Penal e no art. 1°, II, do Decreto-Lei n° 201/67, c/c art. 29 do Cédigo Penal. Quanto ao tipo do art. 40 da Lei 9.605/98, impende frisar que a revogagio da Resolugio 13/90 do CONAMA é irrelevante para sua configura¢io. © tipo penal em questio esti assim redi- gido: “Causar dano direto ou indireto 3s Unidades de Conserva- gio ¢ as areas de que trata o art. 27 do Decreto n° 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localizaco: Pena - reclusio, de um a cinco anos.” Por sua vez, 0 art. 27 do Decreto 99.274/90 assim dispoe: “Nas areas circundantes das Unidades de Conservagio, num raio de dez quilémetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficard subordinada as normas editadas pelo Conama.” E clementar: as reas circundantes de unidades de conserva- do em raio de dez quilémetros sio as areas de que trata 0 art. 27 do Decreto 99.274/90; ¢ causar dano direto ou indireto as areas de que trata o art. 27 do Decreto 99.274/90 perfaz 0 crime previsto no art. 40 da Lei 9.605/98, Seja qual for o tratamento - mais ou menos abrangente, mais ou menos protetor — confe- tido pelas normas do Conama a essas reas, elas si0 ob- 23 POR Ago Peal ni 18/2 jeto de tutela penal prépria e independente da tutela ad- ministrativa. A propésito do tema, observam Vladimir Passos de Freitas ¢ Gilberto Passos de Freitas”: “Para a exata compreensio e anilise do crime em ques- to, cumpre verificar 0 conceito de unidade de conser- vagio. Ele nos é dado pelo art. 2°, inciso I, da Lei do SNUG, que define como o 'espago territorial e seus recursos ambientais, incluindo as dguas jurisdicionais, com caracteristicas naturais relevantes, legalmente instituido pelo Poder Piiblico, com objetivos de conservagao e limites definidos, sob regime es- pecial de administragao, ao qual se aplicam garantias adequa- das de protesio'. A este conceito deve ser acrescentada a 4rea de entorno das unidades de conservagao, em um raio de dez quilémetros, nos termos do art. 27 do Decreto 99.274/90. (...) Observe-se, outrossim, que as dreas de en- torno (10km) das unidades de conservagao tam- bém esto protegidas, diante da redagao do caput do art. 40 da Lei 9.605/98 e do art. 27 do De- creto 99.274/90.” O Ministro Relator do presente feito revelou, a fls. 350/354, exata compreensio da questio: “(..) Como se sabe, nio se confundem os institutos da ‘zona de amortecimento' e da 'érea circundante’. Todas as reas circundantes das UCs, em um raio de dez quilé- metros, encontram protecio no Dec. n. 99.274/90 (art. 27) e na Lei de Crimes e Infragées Ambientais (art. 40): de outro lado, as zonas de amortecimento (art. 2° inciso XVII, da Lei n. 9.985/00) sio definidas no plano de manejo de cada UC e constituem um espaco com res 29 Crimes contra a natureza ~ 8 ed rev, atual. E ampl. ~ Sio Paulo : Editors Re vista dos Tribunais, 2006, paginas 145 © 149, 24 ‘Acdo Penal n? 618/RJ. trigdes especificas, funcionando como mecanismo aces- s6rio e adicional que se destina a conter os efeitos ex- ternos que possam influenciarnegativamente na conservagio da unidade, no excepcionando a regra ge- ral de necessidade de autorizagio do Srgio gestor da UC, mas apenas impondo regramento especifico para casos particulares de licenciamento ambiental (..)” © fato de as areas autuadas nao se encontrarem na zona de amortecimento da Reserva Biolégica do Tingu4, demarcada pela Portaria IBAMA 68/2006, é irrelevante para a configuragio do crime ambiental em tela. A protegio penal alcanga frea de dez quilémetros no entorno da unidade de conservagio 0 art. 40 da Lei 9.605/98 alcanga as areas de que trata o art, 27 do Decreto 99.274/90, © qual, por sua vez, trata das reas circundantes de uni- dades de conservacio em raio de dez quilémetros, para permitir que 0 Conama estabelesa, em favor delas, a tutela administrativa que entender devida. No que diz respeito ao crime do art. 50, I, Il e III, da Lei 6.766/76, as condutas praticadas pelo réu alcangam, efetivamente, 0s trés incisos, correspondentes a trés formas distintas de pritica do crime. Elas revelam inobservancia as disposigdes da Lei n° 6.766/79, em especial, com nitidez, a seu art. 18, Preterem os pari- metros da licenga ambiental, porque o impacto do loteamento so- bre © meio ambiente excedeu o nela previsto. E ocultam fraudulentamente a caducidade do registro do loteamento, consis- tindo a fraude na referéncia, em placa afixada no local, ao néimero do processo de aprovagio respectiva na Prefeitura Municipal de 25 PGR. ‘Acio Penal n° 618/RJ Duque de Caxias, o que confere aparéncia de zelo por sua regula- ridade. A propésito do tipo do art. 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, ressalta-se que a prova nio s6 é induvidosa a utiliza¢do das miqui- nas da Prefeitura Municipal de Duque de Caxias nos trabalhos da obra, como a propria colocagio dessa maquinas 4 disposi¢io da obra em seu proprio canteiro constitui, por si s6, forma de utiliza gio. Por fim, no que concerne ao tipo do art. 69 da Lei n° 9.605/98, a ocultagio de miquinas que estivessem sendo utiliza- das em obra que causa dano ambiental ilicito constitui, indiscuti- velmente, a¢io que dificulta a ago fiscalizadora do Poder Piiblico no trato de questées ambientais: a ocultagio cria obsticulo para devida compreensio, pelos fiscais, ao menos de dois aspectos essen- ciais da agio que esti sendo empreendida: seu vulto e sua atuali- dade. II. VII) Hicitude Nio ha causas de justificagio que amparem as condutas do 11. VIM) Culpabilidade O réu é imputivel, tinha plena consciéncia da ilicitude ¢ po- deria, voluntariamente, agir de outro modo. Como subsidios para a dosimetria da pena, 0 Ministério Pé- blico oferece as seguintes ponderacdes: 26 PoR __Acio Penal n® 618/04) a) art. 40, caput, c/c art. 53, Ie art. 15, I, alineas “a”, Ho” ee”, da Lei n° 9,605/98 Primeira etapa do método trifasico No aspecto subjetivo, verifica-se que 0 réu completou os es~ tudos de nivel médio e, além disso, desde 1993 esté inserido no meio politico, ja tendo exercido os mandatos de Vereador, Depu- tado Estadual ¢ Prefeito de Duque de Caxias. Tinha cle, portanto, espago para agir de outro modo e capacidade de discernimento das consequéncias do crime bastante superiores 2 média, 0 que eleva sua culpabilidade. No aspecto objetivo, impende destacar que os danos foram sados a. los e difer icrossistemas da drea degradada. Com efeito, os danos consistiram — além do assoreamento de rio, a ser considerado na terceira etapa ~ em: @) destruigio de vegetagio considerada de preservagio perma- nente em encosta de morro; (b) destruigo de vegetacio considerada de preserva¢io perma- hente em topo de morro; (© destruigio de vegetacio considerada de preservacio perma~ nente em margem de tio, ¢ (@) extragio de argila de area considerada de preservagio perma- nente. Como € dbvio, qualquer uma dessas condutas seria suficiente para caracterizar 0 crime, O cariter polimérfico do dano impée; Agio Penal n? 618/RJ como forma de fazer justiga a quem é condenado pelo menor dano possivel, a exasperagio da pena-base. Fica sugerida, ante 0 exposto, a fixagio da pena-base nos se guintes termos: 2 (dois) anos e 8 (oito) meses anos de reclu- so. Observa-se que essa sugestio fixa a pena-base abaixo do termo médio da escala penal. Segunda etapa Ao causar 0 dano 4 4rea circundante da unidade de conserva- ¢io da Reserva Biolégica do Tingud, verifica-se que 0 réu: (@) agiu impelido pela obtengio de vantagem econdmica que teria com a venda dos lotes do condominio Vila Verde; (©) excedeu o impacto ambiental comportado na autorizago am- biental que havia sido concedida pela FEEMA para a realizacio do loteamento, ¢ (©) usou scu cargo de Prefeito do Municipio de Duque de Caxias para facilitar a retomada das obras que haviam sido embargadas. Incidem, portanto, as agravantes genéricas previstas no art. 15, “a”, “0” e “r”, da Lei n° 9.605/95, sugerindo-se que a pena-base seja aumentada em 1 (um) ano e 6 (seis) meses, totalizando 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de reclusio. Terceira etapa Constata-se nos diversos documentos que narram os danos ambientais ocortidos a partir da conduta do réu que dela decorreu assoreamento de rio, com diminui¢io de dguas naturais. aa 28 PGR Acio Penal n? 618/R com isso, a causa de aumento prevista no art. 53 da Lei n° 9.605/95, sugerindo-se seja a pena acrescida de 1/5, para que a pena final monte a 5 (cinco) anos e 4 (meses) meses de re- clusSo. A sugestio de exasperagio acima do minimo deve-se circunstincia de que 0 rio assoreado se situa na regio da Baixada Fluminense, que tem softido calamitosas enchentes nos tiltimos anos, cujos efeitos sio agravados, inter alia, por essa modalidade de degradacio ambiental. Hé, ai, plus concreto ¢ especifico de gravi- dade da conduta. b) art. 50, I, I e DL aragrafo unico, I, da Lei n° 6.766/79, na forma do art. 29 do Cédigo Penal Primeira etapa do método trifisico ‘As mesmas consideragdes sobre a formagao académica © ex- periéncia politica de Washington Reis de Oliveira a propésito do crime do crime anterior revelam reprovabilidade exacerbada no Ambito do delito previsto no art. 50, , II e III, c/c parégrafo tnico, I, da Lei n° 6.76/79. Nio ha como afastar de um gestor piiblico experimentado, tanto mais em municipio com graves problemas de ocupagio do solo urbano como Duque de Caxias, 0 conhecimento da impossi- bilidade de lotear solo urbano em desacordo com a lei de regéncia € com © ato administrativo de licenga, tampouco de veicular afir- magio falsa sobre a legalidade do loteamento, com inafastivel i tengio de venda dos lotes. pe 29 PGR. io Penal n° 618/R] No aspecto objetivo, sobressaem as enormes dimensdes da area loteada, a qual, somadas as duas glebas, media 329.568 m2 (trezentos e vinte ¢ nove mil, quinhentos e sessenta e oito metros quadrados). As dimensées do loteamento ilegal constituem uma das principais flexdes de gravidade do tipo penal em exame: a conduta de quem efetua parcelamento ilegal em pequenos terre- nos, como amitide ocorre no entorno do Distrito Federal, ¢ sobre- modo menos grave do que a de quem parcela érea equivalente a cerca de 16 (dezesseis) condominios do Setor de Mansdes Park ‘Way, nesta capital. Fica sugerida, ante 0 exposto, a fixagio da pena-base em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusio e multa de 25 (vinte e cinco) salérios minimos vigentes 4 época dos fa- tos, a tornar-se definitiva em face da auséncia de circunstincias a examinar nas etapas ulteriores. c) art. 1°, Il, do Decreto-Lei n° 201/67, c/c art. 29 do Cédigo Penal Primeira etapa do método trifisico No aspecto subjetivo, as mesmas consideragdes sobre a for- magio académica ¢ experiéncia politica de Washington Reis de Oliveira a propésito dos crimes antes mencionados revelam repro- vabilidade exacerbada no Ambito do delito previsto no art. 1°, II, do Decreto-Lei n° 201/67. Com sua extensa experiéncia na gestio piblica, ciente da inadequagio no uso de bem piiblico para fins particulares, tinha o PGR. gio Penal n° 618/Ry réu espago para agir de outro modo e capacidade de discerni- mento das consequéncias do crime bastante superior 4 média. No aspecto objetivo, emerge dos autos que, dentre as miqui- nas da Prefeitura do Municipio de Duque de Caixas utilizadas na obra, figurou nada menos que um caminhio de carga de grande porte. A esse respeito, uma das flexdes possiveis do tipo penal em exame consiste no vulto ¢ no valor da maquina utilizada para fins particulares: a utilizacio de uma chave-de-fenda de titularidade es- tatal no pode — sob pena de subversio da légica juridica ¢ da iso- nomia entre os apenados ¢ de negativa de viggncia ao preceito secundirio do tipo — ser apenada com a mesma gravidade que a utilizagio de um guindaste ou, como no caso concreto, um cami- nhio. Com efeito, a pratica do crime em exame mediante utiliza ¢io de caminhao para fins privados envolve risco de perda patri- monial muito mais elevado para o ente estatal, além de privé-lo, na hipotese de necessidade simultinea, de bem de substitui¢do muito mais dificil e custosa. Fica sugerida, ante 0 exposto, a fixacio da pena-base em 4 (quatro) anos de reclusio, a tornar-se definitiva em face da au- séncia de circunstincias a examinar nas etapas ulteriores. ILL. Conclusio: Ante © exposto, 0 Procurador-Geral da Repiiblica confirma Parcialmente a pretensio punitiva inicialmente deduzida, pela pri- tica dos crimes previstos no art. 40, caput, c/c art. 53,1 e art. 15, Il, 31 PGR Acao Penal n? 618/R} alineas “a”, “o” e “r”, da Lei n° 9.605/98; no art. 50, I, II e III, c/c parigrafo Gnico, I, da Lei n° 6.766/79 e no art. 1°, Il, do Decreto- Lei n° 201/67, manifestando-se pela condenagio do réu Washing- ton Reis de Oliveira 4 pena final de 12 (doze) anos de reclusio, a ser cumprida em regime inicial fechado, ¢ multa de 25 (vinte e cinco) salarios minimos no valor vigente 4 época dos fatos. Brasilia (DF), 7 de marco de 2014. / Leo KEK ha ih AEC cE saccon Procurador-Geral da Repiblica 32

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