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Horney: Teoria Sociopsicanalitica ® Visto Geral da Teoria Sociopsicanatitica © Biografia de Karen Horney © Introduio Teoria Sociopsicanatitica Horney e Freud Comparados © Impacto ds Cultura ‘A Importancia das Experitncias Infants © Hostitidade Basica e Ansiedade Bésica © Impulsos Compuisivos Necessidades Neurticas ‘Tendéncias Neuréticas Movimento na Direg8o das Pessoas Movimento Contra as Pessoas Movimento de Distanciamento das Pessoas Conflitos Intrapsiquicos ‘A Auto-imagem Idealizada ‘A Busea Neurética por Gléria Demands Neuréticas Orgulho Neurético Auto-6¢io 160 Homey © Psicologia Feminina © Psicoterapia © Pesquisa Relacionada © Critica a Horney © Conceito de Humanidade © Termos e Conceitos Essenciais: Capitulo 6 Homey: Teoria Sociopscanalitica Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) Para as Questées A Seguir 1. VF E muito importante, para mim, agradar as outras pessoas. 2. VF Quando me sinto abalado, procuro uma pessoa emocionalmente forte para relatar meus problemas. 3. VF Prefiro a rotina & mudanca, Gosto de estar em uma posicao de lideranca. F Actedito e pratico 0 seguinte: “Faga com os outros antes que facam com voce” 6. VF Gosto de ser o centro das atencdes de uma festa 7. VF £ muito importante, para mim, ser reconhecido por minhas realizacdes. 8. VF Gosto de testemunhar as realizacdes de meus amigos. 9. VF Em geral, termino meus relacionamentos quando eles comecam a tornar-se muito intimos. 10. VF £ muito dificil, pare mim, ignorar meus préprios erros e minhas falhias pessoais. Essas quests representam dez necessidades importantes propostas por Karen Horney. Discutiremos esses itens na seco sobre necessidades neurdticas. Safba que assinalar um determinado item referente a necessidades neurbticas nao implica que vocé seja emocio- nalmente instavel nem que seja motivado por necessidades neuréticas. Visado Geral da Teoria Sociopsicanalitica A teoria sociopsicanalitiea de Karen Horney (pronuncia-se “rérnéi") foi construida sobre 0 pressuposto de que as condigées sociais ¢ culturais, especialmente as experiéncias infantis, so em grande medida responséveis pela formaco da personalidade. Aqueles que nao tiveram suas necessidades de amor e afeto satisfeitas durantes a infancia desen- volvem uma hastlidade beisica em relag2o aos seus pais e, como conseqiiéncia, sofiem de ansiedade basica. Segundo a teoria de Horney, as pessoas combatem a ansiedade basica a0 adotar um dentre trés estilos fundamentais de relacionamento com os demais indivi- duos: (1) mover-se na diego das pessoas, (2) mover-se contra as pessoas, ou (3) distan- ciar-se das pessoas, Os individuos normais podem utilizar qualquer um dos modelos de relacionamento com as pessoas, mas os neuréticos so compelides, de maneira rigoross, a apenas um, Seu comportamento compulsivo produz um conflito intrapsiquico bésico que pode assumir a forma tanto de uma auto-imagem idealizada quanto a de um auto-Sdio. A auto-imagem idealizada 6 expressa como: (I) uma busca neurética pela gléria, 2) exigén- cias neuréticas ou (3) um orgulho neurético. O auto-édio ¢ expresso como autodesprez0 ou alienagéo em relagio ao self Embora os escritos de Horney se refiram principalmente as personalidades neur6- ticas, muitas de suas idéias também podem ser aplicadas aos individuos normais. Este capitulo examina a teoria basica de Horney sobre a neurose, compara suas idéias com as de Freud, examina sua visto acerca da psicologia feminina e discute brevemente suas ideias sobre psicoterapia. ‘Da mesma forma como ocorren com os demas teéricos da personalidade, as visdes de Horney sobre a personalidade so um reffexo de suas experiéncias de vida. Bernard Paris (1994) escreveu que “As idéias de Horney derivaram de seus esforgos para aliviar sua propria dor, bem como a dor de seus pacientes. Caso seu sofrimento tivesse sido menos intenso, suas idéias teriam sido menos profundas” (p. xxv). Agora nds examinaremos a vida bastante atormentada dessa mulher. 161 168 Parte TooraePsivodinimics Biografia de Karen Horney A biografia de Karen Homey apresenta varios paralelos com a vida de Melanie Klein (ver Capitulo 5), As duas nasceram nos anos 1880, flhas mais novas de pais de 50 anos eom suas segundas esposas. Ambas haviam sido preteridas por irmaos mais velhos favorecidos pelos pais, ¢ ambas haviam sentido indesejadas e nio-amadas. Além disso, as duas de- sejaram tomnar-se médicas, mas apenas Horney realizou essa ambigao. Finalmente, tanto Horney quanto Klein participaram de demorados processos de auto-andlise —a de Horney iniciando-se com seus diérios dos 13 a0s 26 anos, continuando com a andlise ralizada por Karl Abrabam e culminando com seu livro Selfanalysis (Quinn, 1987). Karen Danielsen Horney nasceu em Eilbek, uma pequena cidade préxima de Ham- burgo, Alemanha, em 15 de setembro de 1885. Fila ‘iniea de Berndt (Wackels) Daniclsen, ‘um eapitdo de navio, e de Clothilda van Ronzelen Danielsen, uma mulher quase 18 anos mais nova do que seu marido. © outro filho desse casamento foi um menino,cerea de quatro anos mais velho do que Karen. No entanto, 0 velho capitéo havia sido casado anteriormente ‘tinha quatro outros ilbos, muitos dos quaisjé adultos quando Karen nasceu. Os Danielsen cram uma familia ineliz, em parte porque os meio-rmios de Karen haviam volado seu pai contra sua segunda esposa. Karen era bastante hostil quanto ao pai, um homem severo e religioso, a quem ela se referia como religioso hipécrta, Contudo, ela idoltrava sua mie, que a apoiava e a protegia do velho e rigoroso capitdo, Apesar disso, Karen nio era uma crianga feliz, Ressentia-se do tratamento especial dado ao seu irmio mais velho e, além disso, preacupava-se com a amargura ¢# discérdie entre seus pais, Por volta dos 13 anos, Horney decidiu tornar-se uma médica, mas naquela época nenhuma universidade alema admitia mulheres. Aos 16 anos, a situagdo havia mudado, Entio, Homey — contra as objegdes de seu pai, que desejava que ele permanecesse em casa e cuidasse das tarefas domésticas — entrou no ginisio, uma escola que a levaria para a universidade e, depois, para a escola de medicina. Sozinha pela primeira vez, Karen per aneceria independente pelo resto de sua vida. De acordo com Paris (1994), no entanto, a independéncia de Horney era superficial em termos gerais. Em um nivel mais profundo, ela mantinha uma necessidade compulsiva de unir-se a um grande homem. Essa depen- déncia mérbida, que incluia, como de costume, a idealizarao ¢ o medo de estimular uma rejeigdo pesada, assombrou-a nos relacionamentos com varios homens, Em 1906 ela entrou na Universidade de Freiburg, tornando-se uma das primeiras ‘mutheres da Alemanha a estudar medicina. Ali conheveu Oskar Horney, estudante de cigncias politicas. Seu relacionamento iniciou-se como uma amizade, mas acabou por tor nar-se umn relacionamento romintico. Apés seu casamento, em 1908, o casa estabeleceu- se.em Berlim, onde Oskar, agora com Pi.D,, trabalhava para uma companhia mineradora, ¢ Karen, ainda sem estar formada, especializou-se em psiguiatria, ‘Nesse periodo a psicandlise freudiana estava se tornando bem estabelecida, e Karen Horney aproximou-se dos escritos de Freud, No comero de 1910 ela comepou a analisa-se com Karl Abraham, um dos colegas mais préximos de Freud e que posteriormente anal saria Melanie Klein, Apés Horney terminar suas sessBes de anélis, paricipava dos semi- ndrios notumos de Abraham, nos quais se familiarizou com outros psicanalistas. Em 1917 4d havia escrito seu primeiro artigo sobre psicanilise, The Technique of Psychoanalytic Therapy (Horney, 1917/1968), que refletia a visio ortodoxa freudiana e fornecia poucas indicagdes sobre o pensamento independente que Horney ria desenvolver mais tarde. Capitulo 6 Homey: Teoria Soiopscanalitcn Os primeiros anos de casamento foram repletos de experincias pessoais notiveis, para Horney. Set pai e sua mae, agora separados, morreram com um intervalo de menos, de um ano; ela deu a luz trés filhas em cineo anos; formou-se em 1915, apés cinco anos de psicandlise; e, em sua busca pelo homem certo, havia tido diversos casos amorosos (Paris, 1994; Quinn, 1987). ‘Apés a Primeira Guerra Mundial, os Horney tiveram um estilo de vida confortavel « préspero, com virios servicais e um motorista. Oskar saiu-se financeiramente bem, enquanto Karen desfrutava de uma bem-sucedida pritica psiquidtrica, Este cenétio, contudo, logo terminaria. A inflacdo e 0 caos econdmico de 1923 custaram a Oskar seu ‘emprego, € a familia foi obrigada a mudar-se novamente para um apartamento em Berlim. Em 1926, Karen e Oskar separaram-se, mas no se divorciaram oficialmente até 1938 Pax, 1994) Os primeiros anos apés a separago de Oskar foram os mais produtives da vida de Horney. Além de atender seus pacientes e de cuidar de suas filhas, ela se envolveu mais com os escrites, 0 ensino, as viagens as palestras. Seus artigos agora demonstravam importantes diferencas em relacdo & teoria freudiana. Ela acreditava que a cultura, € ‘no a anatomia, era responsivel pelas diferencas psiquicas entre homens ¢ mulheres. Quando Freud reagiu negativamente & posigdo de Horney, ela firmou-se ainda mais em sua posiglo. Em 1932, Horney deixou a Alemanha para assumir o cargo de diretora associada do recém-inaugurado Chicago Psychoanalytic Institute. Vérios fatores contribuiram para sua decisio de emigrar — o clima politico anti-semita na Alemanha (embora Horney nio fosse judia), o aumento da oposicao a suas visdes heterodoxas e uma oportunidade para ‘estender sua influéncia além de Bertim. Durante os dois anos em que passou em Chicago, la conheceu Margaret Mead, John Dollard e muitos dos mesmos académicos que haviam infiuenciado Harry Stack Sullivan (ver Capitulo 8). Algm disso, restabeleceu seus conta- tos com Erich Fromm ¢ sua esposa, Frieda Fromm-Reichmann, 0s quis havia conhecido em Berlim, Durante 0s dez anos seguintes, Homey e Fromm foram grandes amigos, influenciando-se mutuamente de modo intenso, e posteriormente tornaram-se amantes. Hornstein, 2000). ‘Apos dois anos em Chicago, Horney mudou-se para Nova York, onde lecionou na New School for Social Research, Durante sua estada tornou-se um membro do grupo Zodiac, que incluia Fromm, Fromm-Reichmenn, Sullivan ¢ outros. Embora Horney fosse membro do New York Psychoanalytic Institute, raramente concordava com seus colegas. Além disso, seu livro New Ways in Psychoanalysis (1939) tornou-a lider de um grupo de ‘oposigdo. Nesse livro, Horney sugeria o abandono da teoria do instinto © o aumento na Enfase sabre o ego € as influgncias sociais. Em 1941, deixou o instiuto por conta de ques ties de dogina e de ortodoxia ¢ ajudou a criar uma organizagdo rival —a Association for the Advancement of Psychoanalysis (AAP). Esse novo grupo, no entanto, também passou por disputas internas. Em 1943, Fromm (cujo relacionamento intimo com Horney havia sido encerrado recentemente) ¢ varios outros membros abandonaram a AAP, deixando 4 organizagio sem-seus membros mais eminentes. Apesar dessa disputa, a associago continnou, mas sob um novo nome — Karen Horney Psychoanalytic Institute. Em 1952, Horney fundou a Karen Horney Clinic Em 1950, Horney publicou seu trabelho mais importante, Neurosis and Human Growth, Esse livro apresenta teorias que nao eram apenas mais uma reagdo a Freud, mas, em vez disso, eram uma expresso de seu pensamento criativo e independente. Apés um breve periodo de enfermidade, Horney morreu de cncer em 4 de dezembro de 1952. Tinha 65 anos de idade. 163 168 Parte TooresPscodintmicas Introdugao & Teoria Sociopsicanalitica Os primeitos escritos de Karen Horney, tal como os de Adler, Jung e Klein, possuem ‘um aspecto freudiano distinto, Tal como Adler e Jung, ela acabou por se desencantar com a psicanilise ortodoxa e construju uma teoria revisionista que refletia suas proprias experincias pessoais — clinicas ou nao. Embora Horney escrevesse quase exclusivamente sobre neuroses © sobre per- sonalidades neuréticas, seus trabalhos sugerem muito do que poderia ser considerado apropriado para um desenvolvimento normal e saudivel. A cultura, especialmente as cexperiéneias infantis, desempenha uma func3o de destaque na formagio da personali- dade humana, seja cla neurdtica ou saudével. Homey, portanto, concordava com Freud ‘em que os traumas da primeira inffincia so importantes, mas distinguia-se dele quanto 2 sua insisténcia em que as forgas sociais, e ndo as foreas biolégicas, sao primordiais no desenvolvimento da personalidade. Horney e Freud Comparados Horney criticava as teorias de Freud em diversos pontos. Primeiro, advertia que 2 ade- réncia & psicanalise ortodoxa levaria & estagnacao tanto no pensamento teérico quanto na pritica terapéutica (Horney, 1937). Em segundo lugar, Homey (1937, 1939) se opunha as idéias de Freud sobre a psicologia feminina, uma matéria & qual tetornaremos mais tarde ‘Em terceiro lugar, cla salientava a visto de que a psicandlise deveria ir além da teoria ins- tintiva e enfatizar a importincia das diferengas culturais na formagao da personalidade. “O homem nao é apenas direcionado pelo principio do prazer, mas por dois prineipios orientadores: seguranga e satisfag&o” (Horney, 1939, p. 73). Do mesmo modo, afirmava que as neuroses no so o resultado de instintos, mas, em vez disso, da “tentativa do in- dividuo de encontrar caminhos por uma selva repleta de perigos desconhecidos” (p. 10), Essa selva eriada pela sociedade, e néo pelos instintos ou pela anatomia Apesar de ter se tornado cada vez mais critica de Freud, Horney continuou a reco- nhecera perspiccia de suas visdes. Sua principal disputa com Freud nfo se centrava tanto em torno da acuidade de suas observagées, mas da validade de suas interpretacdes. Em termos gerais, ela sustentava que as explicagées de Freud resultam em um conceito pessi- mista da humanidade, com base em instntos inatos ena estagnago da personalidade. Seu ponto de vista sobre humanidade, pelo contririo, & mais otimista e centra-se nas foreas calturais, que sSo mais passiveis de mudanga (Horney, 1950). O Impacto da Cultura Embora Horney no ignorasse a importincia dos fatores genéticos, ela enfatizava repe- tidas vezes 0s fatores culturais como bases primordiais para um desenvolvimento tanto normal quanto neurético da personalidade. A cultura moderna, afirmava, baseia-se na competicao entre individuos. “Todos s80 adversérios potenciais de todos” (Horney, 1937, p. 284). A competitividade e a hostilidade basica que esta produz resultam em sentimentos de iolamento, Esses sentimentos de solido em um mundo potencialmente hostil evam a necessidades intensficadas de afeto, as quais, por sua vez, fario que as pessoas superestimem 0 amor. Como resultado, muitos perceberdo 0 amor e @ afeigdo corto a solugdo para todos os seus problemas, © amor genuino, obviamente, pode ser uma experigncia sauddvel e estimuladora do crescimento, mas a necessidade desesperada de amor (al como aquela demonstrada pela propria Horney) proporciona um terreno fétil Capitulo 6 Homey: Teoria Soiopecaaalitcn para o desenvolvimento de neuroses. Em vez de beneficiar-se da necessidade de amor, 0s reursticos lutam de formas patolégicas para encontré-lo, Suas tentativas autodestrutivas resulta em baixa auto-estima, grande hostilidade, ansiedade bisica, mais competitivi- dade ¢ uma necessidade excessiva e continua de amor e de afeto. De acordo com Horney, a sociedade ocidental contribui para esse circulo vicioso e varias formas. Em primeito lugar, as pessoas dessa sociedade esto impregnadas de casinamentos culturais de fraternidade e de humildade. Esses ensinamentos, no entanto, seguem na direg3o contréria & outra atitude que predomina, ou seja, a agressividade e 0 desejo de vencer ou de ser superior. Em segundo lugar, as demandas da sociedade por sucesso © por realizagao sao praticamente infindaveis, de forma que, mesmo quando as pessoas realizam suas ambigGes materiais, metas adicionais continuario a ser colocadas diante delas. Em terceiro lugar, a sociedade ocidental diz as pessoas que elas sio livres; aque elas podem realizar qualquer coisa mediante trabalho arduo e perseveranga. Na reali- dade, contudo, a liberdade de muitas pessoas ¢ significativamente limitads pela genética, pela posigdo social e pela competitividade dos demais individuos. Essas contradigdes — todas derivadas de influéncias culturais © néo biolégicas —criam contfitos intrapsiquicos que ameacam a saide psicolégica de pessoas normais ¢ criam obstéculos praticamente insuperaveis para os neurdticos, AImportincia das Experiéncias Infantis Horney acreditava que o conflito neurdtico pode surgir em qualquer estigio de desenvol- vimento, mas a infaincia é a idade em que surge & maioria dos problemas. Uma variedade de eventos trauméticos, tais como abuso sexual, espancamentos, rejcigao aberta ou ne- sligencia constante podem deixar suas marcas sobre o desenvolvimento futuro de uma crianga; Horney (1937), no entanto, insistia em que esses experiéncias debilitantes podem, quase invariavelmente, ter sua origem na auséncia de afeto e de carinhos verdadeiros. A propria falta de amor do pai de Horney em relagio a ela e seu relacionamento intimo com sua mie devem ter tido um efeito extraordindrio sobre o desenvolvimento de sua persona- lidade e de suas idéias teéricas. Horney (1939) formulow uma hipétese segundo qual uma inféncia dificil seria ‘esseacialmente responsével pelas necessidades neuroticas. Essas necessidades neuréticas tornam-se poderosas porque so as Ginicas formas pelas quais as criancas adquirem sen- timentos de seguranga. Além disso, uma tinica experiéncia inicial néo é responsével pela personalidade posterior. Horney resseltava que “a soma total das experigncias infantis ‘raz consigo certa estrutura de cardter, ou melhor, inicia seu desenvolvimento” (p. 152) Em outras palavras, a totalidade dos relacionamentos iniciais molda o desenvolvimento da petsonalidade. “As atitudes posteriores com relagdo aos outros no so, assim, repetigdes as aitudes da infiincia, mas se originam da estrutura do cariter, cujas bases acham-se a infincia” (p. 87) Embora as experiéncias posteriores possam ter um efeito importante, em especial 40s individuos normais, as experiéncias de inffincia sao as principais responsdveis pelo desenvolvimento da personalidade. As pessoas que repetem rigorosamente padres de comportamento o fazem porque interpretam as novas experiéncias de uma forma coeren- te om aqueles padrées de comportamento estabelecidos. Hostilidade Badsica e Ansiedade Basica ‘Horney (1950) acreditava que cada individuo inicia sua vida com o potencial para um de- seavolvimento saudével, mas, como outros organismos vivos, as pessoas nevessitam de condigGes favordveis para o crescimento. Essas condigdes devem ineluir um ambiente afetivo © amoroso que ndo seja ao mesmo tempo extremamente tolerante. As eriangas precisam 165 166 Parte Teores Psicodintmices expetimentar tanto um amor genuino quanto a disciplina saudavel. Tais condiedes Ihes pro Porcionlirdo sentiments de segurantea e satisfagdo e permitirio que erescam de acordo com seus ‘se reais. Infelizmente, uma série de influéncias adversas pode interferir nessas condigées favordveis. Dentre elas, encontramos primeiro a incapacidade ou a ma vontade dos pais para amar seus filhos. Por causa de suas préprias necessidades neuréticas, os pais fre- ‘qlentemente dominam, negligenciam, superprotegem, rejeitam ou tratam os filhos com excesso de indulgéncia. Caso 0s pais nao satisfacam as necessidades de seguranca ¢ de afeto de seus filhos, a crianga desenvolve sentimentos de hostilidade basica em relagio 2 eles. Contudo, as criangas raramente expressam de forma aberta essa hostilidade como raiva; em vez disso, elas reprimem sua hostilidade em relacdo aos pais e no tém cons- cigncia disso, A hostilidade reprimida leva, entdo, a sentimentos profundos de insegu- ranga e a uma vaga sensagdo de apreensio. Essa condigo é chamada ansiedade bisica, ue Horney (1950) definia como “um sentimento de estar isolado e infenso em um mundo concebido como algo potencialmente hostil” (p. 18). Anteriormente, ela ofereceu uma melhor descri¢io, denominando essa hostilidade como “um sentimento de ser pequeno, insignificante, indefeso, deserdado ¢ ameagado em um mundo que existe para abusar, enganar, atacar, humilhar, trair e invejac” (Horney, 1937, p. 92). Horney (1937, p. 75) acreditava que a hostilidade e a ansiedade basicas estdo “inse- paravelmente ligadas”. Os impulsos hostis so a principal fonte de ansiedade bésica, mas a ansiedade basica também pode contribuir para os sentimentos de hostilidade. Como um exemplo da forma pela qual « hostilidade bésica pode levar & ansiedade, Horney (1937) escreveu sobre um rapaz com hostilidade reprimida que foi participar de uma excursto znas montanhas com uma jovem pela qual estava profundamente apaixonado. Sua hostili- dade reprimida, contudo, também o levou a sentir cies da moga. Enquanto caminhava ao longo de uma passagem perigosa da montanha, o jovem subitamente sofrew um grave “ataque de ansiedade” sob a forma de batimentos cardiacos acelerados e de uma respi- ragdo dificil. A snsiedade resultou de um impulso aparentemente inadequado, porém consciente, de empurrar a jovem no desfiladeiro da montanha. esse caso, a hostilidade basice levou & ansiedade grave, mas a ansiedade e o medo também podem levara fortes sentimentos de hostilidade. As eriangas que se sentem amea- adas por seus pais desenvolvem uma hostilidade reativa para defender-se dessa ameaga Essa hostilidade reativa, por sua vez, pode criar mais ansiedade, completando, assim, 0 circulo interativo entre hostilidade e ansiedade. Horney (1937) afirmava que “no ¢ impor- tante sabermos se 2 ansiedade ou a hostilidade foi o fator primério” (p. 74). O importante € que sua influéncia reciproca pode intensificar a neurose sem que a pessoa experimen- te qualquer conflito externo adicional, A ansiedade basica, em si, nao ¢ uma neurose, mas “ela € o solo nutritivo em gue uma neurose definitiva pode desenvolver-se em qualquer ocasiao” (Horney, 1937, p. 89) A ansiedade bisica & constante e inflexivel, e nfo precisa de nenhum estimulo particular, como realizar um teste na escola ou fazer um discurso. Ela permeia todos os relaciona- mento com as outras pessoas e leva a formas pouco saudaveis de lidar com elas Embora retificasse mais tarde sua lista de defesas contra a ansiedade basica, Horney (4937) identificou criginalmente quatro formas gerais pelas quais as pessoas se protegem Hostilidade basiea Resulta de sentimentos da infancia de rejeigto ou 6e negigéneia pelos pais ou de um mecanisma ‘de dofesa contra a ansiedace basica, ‘Ansiedade bésica Resuita de amearas parentais ou de um mmecanismo de defesa canta a hestiidade. |. Detesas normais | mnie cpon ‘Defesas nouréticas Movimento compuisivo Na diregdo das pessoas | [Na diregso das pessoas (porsonaidade angele morose) (personages obedient) | contra as pessoas Contra as pessoas (omsobrevvente ern uma (Personaicade agressive) Sociedade competva Distante das pessoas | Distante das pessoas (Personaliade desapegada) (ra poreonaidade atonoma = FIGURA 6.1 4 Interacdo da Hostilidade Bésica e da Ansi Contra Ansiedade. -Embora essas tendéncias neurticas constituam a teoria de Horney sobre a neurose, elas também se aplicam aos individuos normais. Ha, contudo, importantes diferengas | ene as atitudes neurbticas eas atitudes normais. Enquanto as pessoas normals estio, em grande parte ov por completo, conscientes de suas extratégias em relagao aos outros, os "eurétios ignoram sua aftude basica; enquanto os normais sao livres para escolher suas | ase, os neurdticos sto foreados a agi; enquanto os normais experimentam um conflite oderado, os neursticos experimentam um confito severo e insolivel; ¢, enquanto os ‘tomas podem escolher eritre virias estratégias, 08 neurSticos estio limitados a uma f isica tendéncia. A Figura 6.1 apresenta a concepgao de Horney acerca da influéncia miu da hosilidade e da ansiedade bésicas e das defesas neuréticas contra a ansiedade AAs pessoas podem utilizar cada uma das tendéncias neurticas para resolver conflic 10s bisicos, mas infelizmente esses solugbes so, em esséncia, ineicazes ou neuréticas Horny (1950) usava otermo contlito bésieo porque as criangas muito novas sfo orienta. sas nas tr€s direpdes— na diteso das pessoas, contra clas ou se distanciando delas. Em ctiangas saudaveis essas tr8s orientagdes nd0 so necessariamente incompa- ives. Mas os sentimentos de isolamento e de desamparo que Homey desereven como 169 170 Parte ‘TeorssPsicodindmicas ansiedaite bésica fazem que algumas criangas ajam de forma compulsiva, \imitando, dessa forma, seu repertério a uma tnica tendéncia neurética. Experimentando atitudes basicamente contraditérias em relaso aos outros, essas criangas tentam resolver esse cconflito bésico ao tornar dominante uma das trés tendéncias neursticas. Algumas criangas crientam-se na diregdo das pessoas ao comportar-se de modo obediente, como uma pro~ tego contra sentimentos de clesamparo; outras criangas movem-se contra as pessoas com atos de agressio, para limitar a hastilidade dos outros; ¢ hé ainda outro grupo de criangas ‘que se distanciam das pessoas ao adotar um estilo desapegado, livrando-se assim de sen- ‘timentos de isolamento (Horney, 1943). Movimento na Direcdo das Pessoas 0 conceito de Horney de movimento na direedo das pessoas nao significa que criangas se orientem em diregiio a elas em um espirito de amor genuino. Em vez disso, ela se refere A necessidade neurética de se protegerem de sentimentos de desamparo. Em suas tentativas para prevenir-se dos sentimentos de desamparo, as pessoas obedientes adotam uma ou duas das primeiras necessidades neuréticas, ou seja, lutam desesperadamente por afeigo e por aprovacio por parte dos outros, ou buscam um par ceiro poderoso que assumird a responsebilidade por suas vidas. Horney (1937) referia-se a essas necessidades como “dependéncia mérbida”, um conceito que antecipava 0 termo “co-dependéncia”, A tendéncia neurética de movimentagao na diregéo das pessoas envolve um con- Jjunto de estratégias. E uma “forma completa de pensar, sentir e agir — uma forma completa de vide” (Horney, 1945, p. 55). Horney também a chamava filosofia de vide. Os neuréticos que adotam essa filosofia tém maiores chances de ver a si préprios como amo- rosos, generosos, altruistas, humildes e sensiveis em relagdo aos sentimentos das outras ‘pessoas, Esto dispostos a subordinar-se aos outros, a enxergé-los como mais inteligentes ou atraentes e a avaliar-se de acordo com aquilo que os outros pensam dele. Movimento Contra as Pessoas Da mesma forma como uma pessoa obediente admite que todos sto bons, as pessoas agres- sivas partem do prinefpio de que todos sio hostis. Como resultado, adotam a estratégia de ‘movimento contra as pessoas. As pessoas neuroticamente agressivas sio to compulsivas quanto as obedientes, © seu comportamento, em comparagio com 0 comportamento das pessoas obedientes, também é, similarmente, influenciado pela ansiedade basica. Em vez de mover-se na dirego das pessoas em uma atitude de submisstio e de dependéncia, essas pessoas movem-se contra 0s outros ao demonstrar valentia ou brutalidade. Sio motivadas pot uma intensa necessidade de explorar os outros e utilizé-los em seu proprio beneficio. Raramente admitem seus erros e tém uma compulsto para parecerem perfeitas, poderosas e superiores, Cinco dentre as dez necessidades neuréticas sao incorporadas & tendéncia neurética de movimento contra as pessoas. Elas incluem a necessidade de ser poderoso, de explorar ‘os outros, de obter reconhecimento e prestigio, de ser admirado e de se realizar. Pessoas agressivas jogam para vencer em vez de o fazerem pelo prazer de participar. Aparentam ser trabalhiadoras ou desembaragadas na profissdo, mas obtém pouca satisfacdo no traba- Iho em si. Sua motivagao basica é o poder, o prestigio e a ambiedo pessoal. ‘Nos Estados Unidos, a luta por esses objetivos é normalmente vista com admiragao. Pessoas compulsivamente agressivas, de fato, aparecem no topo de muitos empreendimen- tos admirados pela sociedade estadunidense. Esses individuos podem adquirir parceiros sexuais desejéveis, empregos com altos salirios e a admiragio de muitos. Horney (1945) afirmou que néo ¢ 4 toa que na sociedade dos Estados Unidos tais caracteristicas sao re~ compensadas enquanto o amor, aafeigdo e a capacidade da verdadeira amizade — aquelas ccaracteristicas de que as pessoas agressivas carecem — ndo recebem o mesmo valor. Capitulo 6 Homey: Teoria Sociopscanalitca Os movimentos Wa Wireeao das pessoas e em sentido contrério a elas sto, de muitas formas, pélos opostos. Uma pessoa obediente & compelida a receber aftigtio de todos, enquanto a agressiva vé a todos como inimigos potenciais. Nos dois casos, contudo, “o centro de gravidade esta fora da pessoa” (Homey, 1945, p. 65). Ambas necessitam de ou- tras pessoas. Os obedientes precisam das outras pessoas para satisfazer seus sentimentos de desamparo; as agressivas utilizam os outros como uma protegdo contra uma hostilidade real ou imaginaria. Com a terceira tendéncia neurética, entretanto, as outras pessoas tém_ pouca importancia, Movimento de Distanciamento das Pessoas Para resolver 0 conflito bisico do isolamento, algumas pessoas comportam-se de uma forma desapegada e adotam uma tendéncia neurétics a um movimento de distancia ‘mento em relaedo as pessoas. Essa estratégia € uma expresso das necessidades de privacidade, independéncia e auto-suficiéncia. Novamente, cada uma dessas necessidades pode levar a comportamentos positives, com algumas pessoas satisfazendo essas necessi dades de maneira saudvel. No entanto, essas necessidades tornam-se neuréticas quando as pessoas tentam satisfazé-las ao colocar, de modo compulsivo, uma distancia emocional entre si e 0s outros. Muitos neuréticos julgam intoleravel o ato de associar-se a outras pessoas, Como conseqiiéncia, eles sdo orientados compulsivamente para distanciar-se delas € obter au- tonomia e independéncia. Com freqiiéncia constroem um mundo proprio e se recusam @ permitir que qualquer pessoa se aproxime. Eles prezam a liberdade e a auto-suficitncia, normalmente aparentam estar distantes e inatingiveis. Se forem casados, mantém seu de- sapego mesmo em relagio ao cOnjuge. Evitam os compromissos sociais, ¢ seu maior medo é precisar de outras pessoas. Todos os neuréticos apresentam uma necessidade de sentir-se superiores, mas as pessoas desapegadas tém uma necessidade intensificada de ser fortes © poderosas. (Odistanciamenta em relagho ds pessoas ¢ uma tendéncia ncuniea que muitas pessoas utilizam para resolver ‘eanlito sic do solamente, m Parte ToorasPsicodinimicas Resumo das Tendéncias Neuréticas de Horney ‘Tendéncias Neuroticas Na Diregio Contra Distanciamento em ‘das Pessoas as Pessoas. Relacio as Pessoas A Personalidade ‘A Personalidad A Personalidade Obediente Agressiva Desapegada Conftto Sentimentos de Protegdo contraa ——-Sentimentos de ‘como fonte esproteco hostilidade dos isolamento das tendéncias ‘outros neuréticas Necessidades 1. Aligdo e 4. Poder 9. Auto-sufciéncia © neuriticas aprovagio Independencia 2. Pareeiro poderoso 5. Exploragao 6.Reconhecimento 10. Perfeigio € perfeigio prestigio 3. Vida limitada 7. Admiragdo pessoal 8, Realizagio pessoal Anilogo normal _—_Armigivel, amoroso_Habilidade para Autdnomo e serene sobreviver em uma sociedade competitiva Seus sentimentos basicos de isolamento podem ser tolerados apenas pela crenga auto-en- ‘ganadora de que séo perfeitos e que, desta forma, estio acima de quaisquer criticas. Eles receiam a competigdo, temendo um golpe contra seus sentimentos ilusérios de superio- Fidade. Em vez disso, preferem que sua grandeza oculta seja reconhecida sem qualquer cesforgo de sua parte (Horney, 1945). Em resumo, cada uma das trés tendéncias neuroticas tem um conjunto andlogo de caracteristicas que descrevem individuos normais. Além disso, cada uma das dez necessi- dades neuréticas pode ser facilmente incluida nas trés tendéncias neurdticas. A Tabela 6.1 resume as t€s fendéncias neuréticas, 0s conflios bésicos que as geram, as caracteristicas ‘mais destacadas de cada uma delas, as dez necessidades neurdticas que as complem 0s ‘trés tragos andlogos que caracterizam as pessoas norms. Conflitos Intrapsiquicos As tendéncias neuréticas surgem da ansidedade basica, que, por sua vez, deriva dos relacionamentos de uma crianga com as outras pessoas. Até esse ponto, nossa énfase foi dada a cultura e 20 conflto interpessoal. No entanto, Horney nio esqueceu o impacto Capitulo 6 Homey: Teoria Sciopicanlitcs dos fatores intrapsiiiiéos no desenvolvimento da personalidade. A medida que sua teoria evoluiu, ela comegou 9 atribuir uma énfase maior a0s confit internos que sBo experi- 1mentados tanto por individuos normais quanto por individuos neuréticas. Os processos intrapsiquicos originam-se das experiéncias interpessoais, mas, a medida que se tornam parte do sistema de crengas de uma pessoa, adquirem vida propria — uma existéncia separada dos confit interpessoais que os originaram. Esta seydo analisa dois importantes conflitos intrapsiquicos: a aufo-imagem ideali- zada eo auto-ddio. Resumidament, a auto-imagem idealizada é uma tentativa de resol- ver conflitos criando uma imagem divinizada de si proprio, O auto-6dio é uma tendéncia interrelacionada, ainda que iguelmente irracional e poderosa, a desdenhar seu prOprio selfreal. A medida que as pessoas constroem uma imagem idealizada de seu self, seu self real é deixado cada vez mais para tris. Esse histo cria uma erescente alienag0 entre 0 selfreal e 0 selfidealizado, ¢ leva 0s neurbticos a odiare a desdenbar seu self etual porque ele se encontra muito aquém de sua auto-imagem glorficada (Horney, 1950), A Auto-imagem Idealizada Horney acreditava que os seres humanos, caso Ihes fosse proporcionado um ambiente de disciplna e de afeto, desenvolveriam sentimentos de seguranga e de autoconfianga ¢ tenderiam a mover-se na direeo da auto-realizagdo,Infelizmente, infiuéncias negativas iniciais frequentemente impedem a tendéncia natural das pessoas na diresio da auto- realizao, uma situagdo que as deixa com sentimentos de islamento e de inferioridade Somado a esse fracasso esti um sentimento erescente de alienasao em relago a elas eiprias Sentindo-sealienadas de si mesmas, as pessoas necessitam desesperadamente ad- 4qirir um senso de idenidade estvel. Esse dilema pode ser resolvido apenas pela criaga0 de uma auto-imagem ideelizada, uma visto excessivamente positiva delas priprias que existe somente em seus sistemas de crengas pessoais. Essas pessoas atribucm-se poderes infnitos © capacidades ilimitadas; véem a si proprias como “um her6i, um génio, um amante supremo, um santo, um deus” (Horney, 1950, p. 22). A auto-imagem idcalizada 13o € uma construgio global. Os neuréticos glorificam e vencram a si mesmos de diversas maneiras. As pessoas obedientes véem-se como bons e santos; as agressivas constroem uma imagem idealizada de individuos fortes, herdcos e onipotentes;e 0s neuréticos de~ sapegados pintam-se como pessoas sabia, auto-suficientes e independentes ‘A medida que a auto-imagem idealizada vai-se solidificando, 0 neurtico comepa a acreditar na realidade daquela imagem. Ele perde o contato com seu self real ¢ utiliza o seffidealizado como 0 padr8o para auto-avaliaeao, Em vez de crescerna direglo da auto- realizagao, ele se move no sentido da realizag&o de seu self idealizado. Homey (1950) reconhecia trés aspectos da imsgem idcalizada: (1) a busca neurdtica por gloria, 2) as demandas neuréticase (3) 0 orgulho neurético. A Busca Neurética por Gloria A medida que os neuréticos passam a acreditar na realidade de seu self idealizado, eles comegam a incorpori-lo em todos os aspectos de suas vidas — em suas metas, em seu tutoconceito ¢ em suas relagdes com as outras pessoas. Horney (1950) referia-se a essa crientagao abrangente na dirego da realizagio do self ideal como a busca neurética | por gloria, | Além da aufo-idealizagao, a busca neurética por glia inclui tr8s outros elementos: | anecessidade de perfeigdo, a ambigao neurética e o desejo de um triunfo vingativo. £ 13 14 Parte ToorasPeicodiniicat Acnecessidade de perfeicdo refere-se & orientagdo para moldar a personalidade inteira no self idealizado. Os neuréticos néo se contentam com pequenas alteragdes; nada menos do que a perfeigdo é aceitavel. Eles tentam alcancé-la ao erigir um complexo con- Junto composto pelo que “deveria ser” e “nio deveria ser”. Horney (1950) referia-se a essa ‘orientagdo como a tirania do dever ser. Lutando em busca de uma figura imagindria de perfeicao, os neurdticos dizem inconscientemente a si mesmos: “Esquera a eriatura des- ‘gragada que voeé é na realidade; & assim que vocé deveria ser” (p. 64) ‘Um segundo elemento central na busca neurstiea por gloria € a ambicdo neurética, ‘ou seja, 2 orientagao compulsiva na dirego da superioridade, Embora os neurdticos tenham uma necessidade exagerada de alcangar a exceléncia em todas as coisas, normal- ‘mente canalizam suas energias naguelas atividades cujas chances de obtengdo de sucesso so maiores. Essa orientacdo, desse modo, pode assumir diversas formas variadas a0 longo da vida de uma pessoa (Horney, 1950). Enquanto ainda esta na escola, por exemplo, uma garota pode direcionar sua ambigdo neurdtica com o objetivo de tornar-se a melhor estudante. Mais tarde, pode ser orientada a obter a exceléncia nos negécios ou apresentar 0 melhor show de cachorros. A ambigo neurdtica pode também assumnir uma forma menos materialist, como ser a pessoa mais santa ou mais caridosa da comunidade, O terceiro aspecto da busca neurética por gléria & 0 desejo de um triunfo vingativo, © elemento mais destrutivo de todos. A necessidade de um triunfo vingativo pode ser dis- fargada como uma orientagio para o sucesso ou para a realiza¢do, mas “sua meta principal € constranger ou derrotar outras pessoas pelo préprio sucesso; ou conquistar 0 poder de modo a infligirthes sofrimento — essencialmente do tipo humithante” (Horney, 1950, p.27).£ interessante observar que, no relacionamento pessoal de Horney com homens, ela parecia ter um prazer especial ao envergonhé-los e humilhi-los (Hornstein, 2000) 0 desejo de um triunfo vingativo surge a partir do desejo infantil de vingar-se de hhumilhagdes reais ou imaginérias. Independentemente do nivel de sucesso aleangado pelos neuréticos ao triunfarem de maneira vingativa sobre os outros, eles nunca perdem esse desejo de triunfo vingativo — em vez disso, eles o aumentam a cada vitéria, Cada ‘sucesso eleva seu medio de derrota e aumenta seus sentimentos de grandeza, solidificando, assim, sua necessidade de mais triunfos vingativos. Demandas Neuréticas ‘Um segundo aspecto da imagem idealizada sio as demandas neuréticas. Em sua busca por gléria, os neuréticos constroem um mundo fantastico — um mundo fora de sincronia com-a realidade. Acreditando que algo esta errado com o mundo exterior, eles se procla- mam especiais e afirmam que, desta forma, merecem um tratamento de acordo com sua ‘visdo idealizada de si mesmos. Uma vez que essas demandas estdo, em grande medida, de acordo com sua auto-imagem idealizada, eles néo conseguem ver que suas solicitagSes de privilégios especiais nfo so racionais. ‘As demandas neuroticas derivam de necessidades ¢ de desejos normais, mas s40 ‘muito diferentes. Quando os desejos normais nao so satisfeitos, as pessoas ficam frus- tradas, 0 que € natural; mas quando as demandas neuréticas nfo sio preenchidas, os neuréticos ficam indignados, confusos e incapazes de compreender a razo pela qual (0 outros nao satisfizeram suas demandas. A diferenga entre desejos neursticos e deman- das neurdticas ¢ ilustrado por uma situagao em que muitas pessoas esperam em um fila por ingressos para um filme popular. Aqueles no fim da fila gostariam de estar mais & frente, © ooutras até mesmo tentam algum plano para conseguir uma posigao melhor. Apesar disso, cessas pessoas sabem que nio tém direito de, de fato, furara fila. As pessoas neurdticas, no Capitulo 6 Homey: Teoria Socopscanalics entanto, acreditam de fato que merecem estar mais proximas do comeco da fila, e ndo sentem nenhuma cculpa ou remorso por passar na frente dos outros. Orgutho Neurotico terceiro aspecto de uma imagem idealizada € 0 or- gulho neurético, um falso ‘orgutho com base nio em uma visio realista do self verdadeiro, mas em uma imagem falsificada do. self idealizado. O orgulho ne rético é, em termos qualita- tivos, diferente do orgulho sandével ou da auto-estima realista. A auto-estima rea- lista se fundamenta em atri- Dutos reais ¢ em realizag® e-em geral & expressa com uma dignidade silenciosa. (© auto-Sdio algumas vezes & expresso pelo consume excessivo de orgulho neurbtico, por eo sua vez, tem como alicerce ‘uma imagem idealizada do self e normalmente é proclamado em alto e hom som para proteger e apoiar uma visio glorificada do proprio self (Horney, 1950). (Os neuréticos imaginam a si proprios como gloriosos, maravilhiosos e perfeitos, de forma que, quando os outros ndo os tratam com consideracdo especial, seu orgulho neurético ¢ ferido. Para evitar essa magoa, eles se distanciam das pessoas que se recusam a ceder a suas demandas neuréticas e, em vez disso, tentam associar-se a pessoas social- mente destacadas e a instituigdes e aquisigdes que Ihes tragam algum prestigio. ‘Auto-6dio ‘As pessoas com uma necessidade neurdtica por gléria jamais serdo felizes consigo mes- mas porque, ao perceberem que seu self ndo poder atender as demandas insaciaveis de sou self idealizado, comegardo a odiar ou a desdenhar a si préprias: (0 self glorificado torna-se nlo apenas um fantasma a ser perseguido; também se ‘transforma em um padrao de medida para o individuo avaliar seu ser real. E esse ser real é uma visto tao constrangedora, quando observada de uma perspectiva similar & perfeigdo divina, que s6 Ihe esta desprezi-la. (Horney, 1950, p. 110) Horney (1950) reconheceu seis grandes formas pelas quais as pessoas poderiam expressar seu auto-6dio, Em primeiro lugar, o auto-6dio pode resultar em demandas incan- sdveis ao self, as quais slo exemplificadas pela tirania do “deveria ser”. Algumas pessoas, 15 176 Parte TeortePecodinimicas por exemplo, podem fazer exigéncias a si mesmas que no serio interrompidas mesmo quando elas atingirem certa medida de sucesso. Elas continuaro a pressionar-se rumo & perfeigto porque acreditam que deveriam ser perfeitas. Osegundomododeexpressar oauto-ddio ¢pormeio deumaauto-acusa¢do impiedosa. (Os neurdticos criticam-se constantemente. “Se pelo menos as pessoas me conhecessem, perceberiam que eu estou fingindo ser acessivel, competente e sincero. Na realidade sou uma fraude, mas ninguém sabe disso, além de mim” A auto-acusa¢o pode assumir muitas formas — desde dbvias expressOes de grandeza, como assumir responsabilidades por desastres naturais, até questionar de modo escrupuloso a virtude de suas proprias motivagbes. Em terceiro lugar, 0 auto-6dio pode tomar a forma de autodesprezo, que poderia ser expresso por atitudes como diminuir, desprezar, questionar, desabonar e ridicularizar a si proprio, O autodesprezo impede as pessoas de lutar por melhorias ou realizagdes. Um Jjovem poderia dizer a si mesmo: “Seu idiota prepotente! O que faz vocé pensar que pode- ria namorar a mulher mais bonita da cidade?” Uma mulher poderia atribuir sua carreira bem-sucedida a “sorte”. Embora essas pessoas possam estar cientes de seus comporta- ‘mentos, niio tm uma percepgiio acerca do auto-Sdio que as motiva, Uma quarta expresso do auto-6dio € a autofrustracdo. Horney (1950) distinguia centre autodisciplina saudével e autofrustracdo neurética. A primeira envolve o adiamento ow abdicasio de atividades prazerosas para a obtencdo de metas razoiveis. A autofrus- tragto decorre do auto-6dio, e é elaborada para realizar uma auto-imagem inflada. Os neurdticos estio, com freqléneia, presos a tabus que impedem o prazer: “Bu ndo mereso lum carro novo.” “Eu nfo devo usar boas roupas porque muitas pessoas no mundo ves- tem-se com trapos.” “Eu nflo devo lutar por um emprego melhor porque eu nfo sou bom bastante para ele”, Em quinto lugar, o auto-6dio pode manifestar-se como aufoformento, ou autotortura. Emibora 0 autotormento possa existir em cada uma das formas do auto-6dio, torna-se uma categoria separada quando a principal intene3o do individuo ¢ infligir dano ou sofrimento 4 si proprio, Algumas pessoas obtém uma satisfucdo masoquista ficando angustiadas por conta de uma decistio, exageram 0 softimento causado por uma dor de cabega, cortam-se ‘com uma faca, iniciam uma briga que tém certeza de que perderdo ou so receptivos a0 abuso fisico, A sexta e tiltima forma de auto-6dio so as acdes e os impulsos autodestrutivos, que podem ser tanto fisicos quanto psicolégicos, conscientes ou inconscientes, agudos ou crd~ nicos, realizados concretamente ou apenas na imaginagdo, Excesso de alimentos, élcool e ingestdo de outras drogas, jornada de trabalho exagerada, direcZo agressiva e suicidio so ‘exemplos de expresses comuns de autodestruicdo. Os neurdticos também podem agredir- se psicologicamente, por exemplo, abandonando um emprego justo quando ele comega a tornar-se satisfatério, rompendo um relacionamento saudével em favor de um neurético ‘ou entregando-se a atividades sexuais promiscuas. Horney (1950) resumiu a busca neurdtica por gliria e seu associado, 0 auto-6dio, ‘com as seguintes palavras: ‘Ao pesquisar 0 auto-6dio e sua forga devestadora, nfo pudemos evitar enxergar nisso uma grande tragédia, alvez a major tragédia da mente humana. © homem, ao tentar alcangar 0 infinito e o absoluto, também comega a destrur-se. Ao fazer um pacto com ‘ diabo, que Ihe promete glorias, ele tem de ir ao inferno — ao inferno dentro dele proprio. (p. 154) ‘Capitulo 6 Homey: Teoria Sociopscsnalites Psicologia Feminina Na quatidade de mulher treinada na psicologia pré-masculina de Freud, aos poucos Homey percebeu que a visio psicanalitica tradicional das mulheres era distorcida. Entdo estabeleceu sus prOpria (eoria, uma que rejeitava varias das idéias bdsicas de Freud. Para Horney, as diferencas psiquicas entre homens mulheres nio sio 0 resultado 4a anatomia, mas de expectativas culturas esociais. Os homens que subjugam e dominam as mulheres e as mulheres que desqualificam ou invejam os homens fazem-no por causa da competitividade neurética excessiva de muitas sociedades, Homey (1937) insistia em que a ansiedade bisica se acha no centro da necessidade que os homens tém de subjugar as mulheres e do desejo das mulheres de humilhar os homens, Embora Horney (1939) reconhecesse a existéncia do complexo de Edipo, ela insistia {em que este se devia a certas condigdes ambientais,e nfo a biologia, Se fosse o resultado a anatomia, como Freud afirmava, entio seria universal (como Freud de fato acreditava) Contudo, Horney (1967) nfo via nenhuma evidéneia de um complexo de Eaipo universal. Em vez disso, ela defendia que esse complexo é encontrado apenas em algumas pessoas € uma expressio da necessidade neurética de amor. A necessidade neurotica de afeigfo e ‘a necessidade neurética de agressio normalmente se iniciam na inffincia, e sdo duas das trés necessidades neuréticas bisicas. Uma crianga pode apegar-se apaixonadamente a um dos pais e expressat inveja em relagdo a0 outro, mas esses comportamentos sto meios de aliviar a ansiedade basica, © nao manifestagdes de um complexo de Edipo fundamentado na anatomia. Mesmo quando existe um aspecto sexual nesses comportamentos, 0 objetivo principal da crianca &a seguranca, ¢ nlo 2 relagdo sexual. Horney (1939) julaava o conceito de inveja do pénis ainda menos defensivel. Afr ‘ava que nao havia nenuma razo anatomica significativa que explicasse 0 motivo pelo ‘qual as meninas deveriam ter inveja do pénis, e nem para os meninos desejarem um seio ‘ou um ttero. De fato, 05 meninos is vezes expressam um desejo de ter umm bebé, mas esse desejo nao € 0 resultado de uma universal “inveja do dtero”. Horney concordava com Adler em que muitas mulheres se conformam com um pro- testo masculino, ou seja, elas tem uma crenga patolégica de que os homens sto superiores. Essa peroepedo leva a um desejo neurdtico de ser homem. © desejo, no entanto, no é ‘uma expresso da inveja do pénis, mas é “um desejo de todas as qualidades ou privilégios que, em nossa cultura, s4o considerados masculinos” (Horney, 1939, p. 108). (Essa visHo praticamente idéntica aquela expressa por Erikson, que sera discutida no Capitulo 9) Em 1994, Bernard I. Paris publicou um discurso que Horney havia proferido em 1935 em um clube de mulheres profissionais ¢ empresirias, no qual resumia suas idéias sobre psicologia feminina, Naquela ocasido, Horney estava menos interessada nas diferen- ¢as entre homens e mulheres do que na psicologia geral dos dois géneros. Como a cultura | a Sociedade sto responsiveis pelas diferencas entre homens e mulheres, Homey sentia, que “nao era to importante tentar encontrar a resposta para a questio das diferengas quanto compreender ¢ analisar 0 significado real desse profundo interesse na ‘uatureza” |, feminina” Yomey, 1994, p. 233). Homey conclu seu disursoafrmando que De uma vez por todas, nds deveriamos parar de incomodar-nos com aquilo que & feminino e com aquilo que nao é. Tais preocupagdes epenas minam nossas energias s padres de masculinidade e de ferinilidade sao arifciais. Tudo o que efinitivamente sabemos no momento sobre diferengas entre sexos & que no sabemos ‘quis so, Diferengas cientifcas entre os sexos certamente existems, mas nunca seremos capazes de descobrir quais sto até que tenhamos antes desenvolvido nossas potencialidades como seres humanes. Por mais paradoxal que isso possa soar, n6s apenas descobriremos algo sobre nossas diferengas se as esquecermos. (p. 238) 178 Parte Teoras Pscodinimiess Psicoterapia va que a neurose surge a partir do conflito basico, em geral iniciado na in- Horney acre fincia. A medida que as pessoas tentam resolver esse contfito, é provivel que adotem uma das tr&s tendéneias neurdticas, a seguir: mover-se ou na diregio das pessoas, ou contra clas ou distanciando-se delas, Cada uma dessas trés taticas pode produzir um alivio tem- pordtio, mas acabam por conduzir @ pessoa a um ponto ainda mais distante de percep¢o do self eal e mais intensamente a uma espiral neurotica (Horney, 1950). A meta geral da terapia horneyiana é auxiliar os pacientes a evoluir gradualmente na dirego da auto-realizacdo, Mais especificamente, o objetivo ¢ fazer que os pacientes abram mio de sua auto-imagem idealizada, abandonem sua busca neurdtica por gloria e transformem 0 auto-6dio na aceitacao do self real. Infelizmente, os pacientes em geral esto convencidos de que suas solugdes neurdticas so as corretas, de forma que hesitam tem abandonar suas tendéncias neuréticas. Ainda que eles tenham feito um grande inves- timento para a manutengdo de seu status quo, no querem ficar doentes. Eles encontram ‘pouco prazer em seu sofrimento, e gostariam de ver-se livres dele. A mé noticia é que cles tondem a resistir a mudanga e apegam-se aos comportamentos que perpetuam sua doenga. As trés tendéncias neuréticas podem ser colocadas em termos mais favordveis como “amor”, “dominio” ou “liberdade”. Uma vez que os pacientes em geral véem ‘seus comportamentos em termos positives, suas agGes hes parecem saudaveis, corretas © desejiveis (Horney, 1942, 1950), ‘A tarefa do terapeuta € convencer os pacientes de que suas solugGes atuais esto per- petuando a neurose central em vez de alivié-la, uma tarefa que toma muito tempo e esforeo. Os pacientes podem procurar curas ou solugdes ripidas, mas apenas um processo longo ¢ laborioso de autocompreensdo pode levar a uma mudanga positiva. A autocompreensio deve ir além da informacfo — deve ser acompanhada de uma experiéncia emocional. Os pacientes devem entender seu sistema de orgulho, sua imagem idealizada, sua busca neu- rotica por gloria, seu anto-Sdio, seus “deveriam ser”, sua alienacao do self seus contflitos. Além disso, devem enxergar a forma como esses fatores esto inter-relacionados ¢ como estes funcionam para preservar suas neuroses basicas. Embora um terapeuta possa encorajar os pacientes a chegar autocompreensio, ‘uma terapia bem-sucedida é construida sobre auto-andlise (Horney, 1942, 1950). Os pacientes precisam entender a diferenga entre sua imagem auto-idealizada e seu self real. Felizmente, as pessoas tém uma forga curativa inerente que thes permite seguir inevitavelmente na dirego da auto-realizago uma vez atingida a autocompreensio ¢ auto-andlise, Quanto as téenicas, os terapeutas horneyianos utilizam muitas das mesmas técni- cas adotadas pelos terapeutas freudianos, especialmente a andlise dos sonhos ¢ a livre associago. Horney via os sonhos como tentativas para a resolugio de conflitos, mas as solugdes podem ser tanto neuréticas quanto saudéveis. Quando os terapeutas fornecem ‘uma interpretado correta, os pacientes so auxiliados no sentido de um melhor enten- dimento de seu seif real. “Dos sonhos (..) 0 paciente pode ter uma visio, mesmo na fase inicial de andlise, de um mundo operando dentro dele, o qual é singularmente seu e mais verdadeiro, em relago aos seus sentimentos, do que o mundo de suas ilusdes” (Horney, 1950, p. 349) Quanto a segunda grande téonica, a livre associagio, solicita-se aos pacientes que ddigam tudo 0 que Ihes vém & cabera, independentemente de como isso possa parecer trivial Capitulo 6 Homey: Teoria Sociopscanatica ‘ou embaragoso (Homey, 1987). Eles io também incentivados a expressar quaisquer senti- rmentos que possam surgir a partir das associagtes. Tal qual acontece com a interpretacZo dos sonhos, livre associago acabou por revelar a auto-imagem idcalizada dos pacientes e as tentativas, persistentes porém infrutiferas, de realizé-la. Quando a terapia ¢ bem-sucedida, 0s pacientes desenvolvem aos poucos uma conflanga em sua capacidade de assumir responsabilidades por seu desenvolvimento psicolégico. Eles se movem rumo & auto-realizagio ¢ a todos aqueles processos que a acompanham; apresentam uma compreensio mais profunda e clara de seus sentimentos, crengas e vontades; relacionam-se com os outros mediante sentimentos genuinos, em lugar de utilizar as pessoas para resolver conflitos basicos; no trabalho, assumem um in- teresse maior pela atividade, em vez de emxergé-la apenas como um meio para perpetuar uma busca neurétiea por gléria Pesquisa Relacionada Em geral, a teoria de Horney estimulou apenas a produto recente ¢ limitada de pesquisa Um t6pico que despertou algum interesse foi seu conceito de hipercompetitividade Horney (1945) acreditava que a natureza extremamente competitiva da cultura estaduni- dense enfatizava a vitéria a qualquer custo, incluindo a manipulagdo, a degradacao e a exploracio, de modo agressivo, de outras pessoas. Ela chamava essa exagerada tendéncia neuréica a mover-se contra os outros de hipercompetitividade, Richard Ryckman et al. (Ryckman, Hammer, Kaczor e Gold, 1990; Ryckman, Thornton, Gold e Burckle, 2002) utilizaram a Escala de Atitudes Hipercompetitivas (HCA, sigla em inglés) para investigar o conceito de hipercompetitividade de Horney. Essa escala contém 26 itens avaliados em relago a uma escala Likert de 5 pontos. Assim, 4s pontuagdes variam de 26 a 130, com as pontuagdes mais altas indicando um nivel maior de hipercompettividade, Exemplos des itens uilizados incluem “Vencer em uma competig&io me faz sentir mais poderoso como pessoa” e “Esse é um mundo onde um puxa o tapete do outro; se vocé no conseguir tirar o melhor dos outros, eles certamente conseguirto tirar 0 melhor de voc8", ‘As pesquisas inciais de Ryckman etal. (Ryckman etal, 1990; Ryckman, Thornton ¢ Butler, 1994) encontraram um amplo suporte para a teoria de Horney da neurose ¢ da hipercompettividade (HC), ou seja, descobriu-se que uma pessoa hipercomapetitiva tinha maiores chances de ser narcisista, manipuladora ¢ neurética e de apresentar baixa auto- estima, Posteriormente, Ryckman et al. (Ryckman, Hammer, Kaczor e Gold, 1996) su- geriram uma distingo entre HC e uma forma mais benigna de competitividade, isto é 4 competitividade de desenvolvimento pessoal (PDC, sigla em inglés), uma forma de competitividade que envolve a ambigdo ¢ a realizag3o a0 mesmo tempo em que enfatiza 6 desejo de crescimento e de desenvolvimento pessouis. As pessoas com tm nivel muito elevado de compettividade no desenvolvimento pessoal no conquistam suas metas & custa dos outros, mas, sim, com a ajuda destes. Ambas as formas de competitividade envolver ambigio e realizagio, mas, enquanto « HC é motivada pelo desejo de ter poder sobre os outros, a competitividade no desenvolvimento pessoal baseia-se em preacupagio social ¢ altruismo. Ryckman et al, (1996) desenvolveram uma Escala de Atitude de Competitividade de Desenvolvimento Pessoal (PDCA, sigla em inglés), um inventério de 15 itens, com pon- tuagdes mais elevadas indicando uma forte compettividade de desenvolvimento pessoal Exemplos desses itens incluem: “Eu valorizo a competigio porque ela me ajuda a ser 0 melhor que eu posso ser” ¢ “Eu gosto da competiofo porque ela me ensina muito sobre mim mesmo”. Horney (1937) argumentou que relacionamentos conturbados entre pais e filbos desencadeiam outros relacionamentos conturbados, que em algumas situacBes duram 179 180 Parte TeorasPscodinimicas até a vida adulta. Os relacionamentos amorosos, dessa forma, também podem ser afeta- dos por esses estilos interpessoais repletos de conflitos. Mais especificamente, Horney acreditava que a hipercompetitividade seria o resultado desses relacionamentos contur- bados porque as pessoas hipercompetitivas buscam compensar sua baixa auto-estima ao provar que so superiores aos outros. Ryckman et al. (Ryckman, Thornton, Gold Burckle, 2002) exeminaram 0 relacionamento entre hipercompetitividade ¢ relaciona- ‘mentos amorosos. Os participantes eram estudantes universitérios nos quais foram apli- cados a Pesquisa de Experiéncias Amorosas (Levesque, 1993), a Mensuragao de Estilos de Amor (Hendrick e Hendrick, 1986), a Escala de Atitude de Hipercompetitividade (Ryckman et al, 1990) e questionarios relacionados & confianga, ao controle, & empatia © a0 confit. (Os resultados demonstraram que os participantes que apresentavam niveis elevados de hipercompetitividade tinham niveis mais reduzidos de comunicago honesta, uma tendéncia a infligir dor em seus parceiros ¢ uma quantidade maior de possessividade, desconfianga, controle e confit. Curiosamente, quando questionados sobre o grau de satisfago no relacionsmento em que estavam, as pessoas hipercompetitivas néo se distin- ‘guiam daquelas com niveis baixos de hipercompetitividade. Ryckman et al. especularam que essas descobertas surpreendentes referentes ao compromisso e & satisfagdo talvez se devessem as escolhas limitadas que as pessoas hipercompetitivas tém ao iniciar novos relacionamentos amorosos. Um estudo realizado por Scott Ross et al. (Ross, Rausch e Canada, 2003) utili- zaram tanto a forma neurdtica de hipercompetitividade — comé havie sido mensurada pelo HCA — quanto a forma de competitividade benigna no desenvolvimento pessoal ‘mensureda pelo PDCA. Ross et al. examinaram o relacionamento entre diferentes tipos de competitividade € as cinco dimensées basicas de personalidade do Modelo dos Cinco Fatores (Costa e McCrae, 1992). Com base em estudos anteriores, Ross etal. previram que a extroversio estaria positivamente relacionada & compettividade no desenvolvimento pessoal ¢ que a hipercompetitividade estaria positivamente relacionada ao neuroticismo e negativamente relacionada & afabilidade. Os participantes eram estudantes universitérios (72% de mulheres) de uma pequena faculdade de artes no meio-oeste dos Estados Uni- dos. A medida de personalidade era o NEO-P--R (Costa e McCrae, 1992), formado por 240 itens, que medem as cinco dimensbes fundamentais da personalidade: extroversio, neuroticismo, abertura para experiéncias, afabilidade e conscientizagao. Além disso, os participantes completaram 0 HCA ¢ 0 PDCA. s resultados demonstraram que individuos hipercompetitivos eram mais neuréti- os (propensos a ansiedade) ¢ menos afaveis (hostis), enquanto os estudantes que haviam obtido pontuagao mais alta na forma de competitividade no desenvolvimento pessoal endiam a ser mais extrovertidos. A associagdo entre hipercompetitividade e neuroticismo ‘muito coerente com a teoria de Horney das necessidades neurdticas. Além disso, a dis- criminagao entre hipercompetitividade e compettividade no desenvolvimento pessoal & coerente com a distingao feita por Horney entre agressao normal e neurtica Critica a Horney AA teoria sociopsicanalitica de Horney proporciona perspectivas interessantes sobre a natu- reza humana, mas sofre a falta de uma pesquisa atual que possa confirmar suas hipéteses. ‘A forga da teoria de Homey € seu retrato hicido da personalidade neurética, Nenhum outro te6rico da personalidade escreveu to bem (ou tanto) sobre neuroses. A descrigdo abran- gente de Homey acerca de personalidades neuréticas proporciona um excelente referencial ‘Capiulo 6 Horney: Teoria Socopscanaliicn para a compreensdo de pessoas néo-sandaveis. Contudo, sua quase exclusiva preocupagio com os neuréticos € uma limitagao séria & sua teoria, Suas referéncias a personalidade normal ou sauddvel ficam gerais e nfo s4o bem explicadas. Fla acreditava que as pessoas, ‘por sua natureza, lutardo pela auto-realizagao, mas nfo ofereceu nenhuma descrigo clara acerca do que seria essa auto-realizagao, A teoria de Homey carece de poder tanto para gerar pesquisa quanto para subme- terse ao critério de refutabilidade. As especulagdes da teoria no conseguem fornecer facilmente bipdteses testiveis e, dessa forma, carecem tanto de possibilidade de ser exa- ‘minadas quanto de refutabilidade. A teoria de Horney era, em esséncia, baseada em ex- perineias clinicas que a colocavam em contato quase sempre com individuos neuréticos. Em seu beneficio, ela hesitava quanto a fazer pressupostos especificos a respeito de indi- viduos psicologicamente saudaveis. Como sua teoria lida essencialmente com neuréticos, recebe uma pontuagao elevada quanto a sua habilidade para organizar 0 conhecimento sobre neurdticos, mas recebe uma pontuago muito baixa quanto & capacidade para expli- car 0 que & conhecido sobre as pessoas em geval Como um guia para a ado, 2 teoria de Horney se sai um pouco melhor. Professo- res, terapeutas e especialmente pais podem utilizar seus pressupostos acerea do desen- volvimento de tendéncias neuréticas para proporeionar um ambiente caloroso, seguro € receptivo para seus pacientes, alunos ou filhos. Além dessas contribuig6es, no entanto, a teoria nio é especifica o bastante para oferecer ao profissional um plano de aglo claro e detalhado, Em relacdo a esse critério, a teoria recebe uma avaliagdo negativa. A teoria de Horney apresenta contetido coerente, com termos claramente definidos sendo utilizados de maneira uniforme? No livro de Horney, Neurosis and Human Growth (1950), seus conceitos ¢ formulagées sio precisos, consistentes ¢ inequivocos. No entanto, quando todos os seus trabalhos so examinados, temos uma imagem diferente. Ao longo dos anos, ela utilizava termos como “necessidades neuréticas” ¢ “tendéncias neuroticas”, algumas vezes de forma separada e outras vezes de modo alternado, Os termos “ansiedade basica” e “vonflito bisico” tampouco foram sempre distinguidos claramente. Essas incon- sisténcias conferem a seu trabalho como um todo um aspecto em certa medida inconsis- tente, mas novamente sua teoria final (1950) é um modelo de Iucidez e de consisténcia. Outro eritério de uma teoria stil é a parciménia, ¢ a teoria final de Horney, como expressa no iltimo capitulo de Neurosis and Human Growth (Horney, 1950, cap. 15), receberia nota alta neste quesito. Esse capitulo, que proporciona uma introdusdo titil ¢ concisa & teoria do desenvolvimento neurético de Homey, €relativamente simples, direto e escrito com clareza, Mf conceito de Humanidade F O.conceito de humanidade de Horney era baseado quase interamente em suas experién- ‘as clinicas com pacientes neursticos; dessa forma, sua visdo da personalidade humana bastante influenciada por seu conceito de neurose. De acordo com Homey. a diferenca jimordial entre uma pessoa neurética e uma saudavel & o grau de-compulsividade com "0 qual essa pessoa se move na direcdo das pessoas, contra elas ou de modo a distanciar- ise delas. Anatureza compulsiva das tendéncias neuréticas sugere que 0 conceito que Horney ® tem sobve humanidade é determinista. No entanto, uma pessoa saudével teria um elemento ais amplo de livre-arbitrio. Mesmo um individuo neurbtico, por meio da psicoterapia e de um trabalho arduo, poderia obter algum. controle sobre esses conflitos intrapstquicos. Por 181 12 Parte Teoria Picodinamicas essa 1420, a teorla psicanalitica social de Horney recebe um conceito um pouco maior em live-arbitrio do que em determinism. Emuma base semelhante, a teoria de Horney é, de alguma forma, mais otimista do que pessimista. Horney acreditava que as pessoas apresentam poderes curativos inerentes, que as conduzem a auto-realizacao. Se a ansiedade basica (o sentimento de estar sozinno ‘ndefeso em um mundo potencialmente hostil) puder ser evitada, as pessoas se sentirdo mais protegidas e seguras em seus relacionamentos interpessoais e, conseqientemente, desenvolverdo personalidades saudéveis, Minha prépria erenga € que o homem tem a eapacidade, bem como 0 desejo, de desenvolver esses potencialidades e toroar-se um ser humano devente, e que esses clementos se deteriorarfo caso seus relacionamentos com 0s outros, portanto, consigo, Sejam, ¢ continuem a ser, perturbados. Acredito que o homem pode mudar e que continuard mudando enguanto viver (Homey, 1948, p. 19. Na dimensio da causolidade versus teleologia, Horney adotava uma posicéo in- termedigria. Afirmava que a meta natural das pessoas é a auto-realizacdo, mas também acreditava que as experiéncias da infancia podem bloquear esse movimento. “0 passado est, de uma forma ou de outre, sempre contido no presente" (Horney, 1939, p. 153). Inclufdos nas experiéncias passadas das pessoas, no entanto, estdo a formagdo de uma filosofia de vida e um conjunto de valores que conferem alguma direcao tanto 20 seu presente quanto ao seu futuro, Embora Horney adotasse uma posigdo mediana em relacao a questo da motivacdo consciente versus motivagdo inconsciente, ela acreditava que a maior parte das pessoas apresentava apenas ume percepcdo limitada de seus motivos. Os neuréticos, especial- mente, compreendem muito pouco a si proprios e nao enxergam que seus comportamentos garantem a continuagdo de suas neuroses. Eles rotulam de modo equivoco suas caracteris- ticas pessoais, exercitando-as em termos socialmente aceitos, enquanto permanecem em grande medida ignorantes do conflito basico, do auto-6dio, do orgulho neutético e das demandas neurdticas e da necessidade de um triunfo vingativo que tém. (0 conceito de personalidade de Homey da mais énfase as influéncias sociais do que as influencias biolbgicas. As diferencas psicolagicas entre homens e mulheres, por exem- plo, devem-se mais as expectativas sociais e culturais do que & anatomia. Para Horney, 0 complexo de Edipo ¢ a inveja do penis nao sao consequencias inevitéveis da biologie, mas ‘si0 moldados por forgas sociais. Horney nao ignorou por completo os fatores biologicos, mas sua énfase principal era aplicada as influéncias sociais, Como a teoria de Homey analisa quase exclusivamente as neuroses, ela tende 2 salientar mais as semelhancas entre as pessoas do que suas singularidades. Nem todos os neur6ticos sao parecidos, obviamente, e Horney descreveu trés tipos bsicos — os inde- fesos, 05 hostis ¢ 0s desanegados. No entanto, ela atribula pouca énfase as diferencas individuais dentro de cada uma dessas categorias. Termos e Conceitos Essenciais + Homey insistia em que as influéncias sociais e culturais ko mais importantes do que as biolégicas. + As criangas que carecem de calor humano e de afeto no conseguem atender is suas necessicades de seguranca e de satisfagao. + Esses sentimentos de isolamento e de desprotecdo deflagram a ansiedade basica, ‘ou sentimento de isolamento ¢ de desprotegao em um mundo potencialmente host. Capitulo 6 Homey: Teoria Sociopscanalitcn 183 + A incapacidade das pessoas para utilizar diferentes téticas em seus relacionamentos com os outros produz 0 conflito basico, ou seja, a endéncia incompativel a mover-se na direglo das pessoas, contra elas ou de modo & Gistanciar-se delas. + Homey denominava as tendéncias para mover-se na diregdo das pessoas, contra clas ou distanciando-se delas como as trés rendéncias neuréticas. + As pessoas saudaveis resolver seus conflitos basicos utilizando todas as trés tendéncias neuréticas, enquanto os neuréticos adotam compulsivamente apenas ‘uma delas + As trés tendéncias neuréticas (mover-se na diregio das pessoes, contra elas ou distanciando-se delas) sao as combinagBes de dez necessidades neuréticas que Homey havia identificado anteriormente. ‘Tanto as pessoas saudaveis quanto as neuréticas experimentam conflitos intrapsiguicos que se tomaram parte de seu sistema de crengas. Os dois maiores conflitos intrapsiquicos so a auto-imagem idealizada e 0 auto-sdio A auto-imagem idealtzada resulta em tentativas dos neuréticos de construirem uma figura divinizada de si préprios. 0 awto-sdio é a tendéncia dos neurdticos a odiar e desprezar seu self real. Quaisquer diferencas psicolégicas entre homens e mulheres deven-se & expectativas culturais e sociais, e nfo a biologia. A meta da psicoterapia homneyiana é produzir crescimento na dirego da efetivaedo do self real

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