Você está na página 1de 11
A CrpaDE NO Campo Dos ESTUDOS ORGANIZACIONAIS Ménica Mac-Allister* ff REsUMO f ) \ J objetivo desse artigo € téo 56 refletir sobre uma possivel abordagem do objeto cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais, 0 que se desenvoive com, em primeiro lugar, a definigao do conceito de cidade encontrado nesse campo e, em segundo lugar, a formulag&o da critica sobre esse conceito. Conclui-se que é€ possivel ampliar a abordagem do objeto cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais. ABSTRACT he objective of this article is only reflecting on a possible approach of the object || city as study object of in the field of organizational studies. Which is developed by, first, defining the concept of city found.in that field and, second, formulating the critic about that concept. It is concluded that is possible amplifying the approach of the object city as a study subject in the field of organizational studies. * Prof® Unifacs/BA; Pesquisadora NEPOL/EAUFBA 08s - v.11 - Ediggo Especial - 2004 471 Monica Mac-Allister OxeTO CrpaADE COMO OBJETO DE Bstrupo No Campo Dos EsTuDOoS ORGANIZACIONAIS Parte-se da crenca de que hd de fato um objeto ou, melhor, inimeros ¢ diferentes objetos que do ou podem ser conceituados como cidade, quer sejam designados pelo proprio termo “cidade”, quer por outros termos quaisquer, tais como “aglomeragao urbana”, “érea urbana”, “capital”, “espago urbano", “local”, “municipio”, “metrépole”, “povoacao", “nucleagdo urbana” e “urbe” (COSTA; DOUCHKIN, 1982). vale observar que se dé preferéncia ao termo “cidade” por sua impreciséo, considerando que pode designar no sé varios objetos, como também varios con- ceitos, mais ou menos inseridos, por um lado, em inumeros campos de conheci- mentos e, por outro lado, em também diversas reflexGes. Um’ dos fatores de imprecisdo do termo “cidade” e, paradoxalmente, um dos meios empregados para tornd-lo mais preciso, é sua frequente associacao a adje~ tives, possivelmente com o propésito de abranger e ordenar a diversidade de objetos e conceitos. Mas os objetos € os conceitos que 0 termo “cidade” designa ndo séo abor- dados apenas por um campo de conhecimento, nem se reduzem a uma simples variagdo de forma e funcdo, como podem sugerir Costa e Douchkin (1982) 20 identificar a cidade nos campos da arquitetura e do urbanismo e adjetivar como “administrativa”, “capital”, “comercial”, “do futuro”, “dormitério”, “em xadrez”, “es- tancia”, “organizacional”, “historica”, “hospitalar”,| “industrial”, “jardim”, “linear”, “metropolitana’, “mista”, “mononucleada”, “nova’, “polinucleada”, “rédio-concén- regido", “santuario”, “satélite” e “universitaria’ A imprecisdo do termo “cidade” contribui para a inconsisténcia do seu con- ceito que, segundo Lakatos (1995), se deve as limitacées que apresenta, tais como: nao ser facilmente traduzido de uma lingua para outra, ter significado em diferentes contextos e mudar de significado e ser designado tanto por um termo que se refere a fenémenos diversos quanto por diversos termos aplicados a um mesmo fenédmeno. Em que pese a inconsisténcia e a indefinigo do conceito, mantém-se a cren- ca no objeto cidade, até porque este 6 abordado como objeto de estudo em diver- sos campos de conhecimento, tanto no urbanismo, cujo objeto é mesmo cidade, neste caso melhor designado pelo termo “urbe”, quanto em campos tais como a administragdo, a antropologia, a arquitetura, a economia, a geografia, a historia, a politica e a sociologia, cujos objetos podem nao ser exatamente cidade, mas a dade, quer em parte O-que parece justiicar a abordagem do objeto do na administrag&o como campo de conhecimento é 0 fato de ser este um objeto de atuagao da administrag3o como campo profissional, a ponto de haver adminis- tradores atuando no que se designa como “administracéo municipal”, “admit trica”, Na administracgo como campo de conhecimento, 0 que se observa & que 0 obje- to cidade tem sido tomado como objeto de estudo apenas na administracdo publica, a0 tempo em que tem sido quase absolutamente ignorado nos estudos organizacionais. No Campo dos estudos organizacionals, U tem sido quase absolutamente ignorado evidencia-se na analise de trabalhos publicados em um dos féruns de administrago mais representativos do Brasil, 0 Encontro Anual da Associac&o Nacional dos Programas de Pés-graduacéo em Ad- ministracdo, ENANPAD, e, particularmente, na area de Organizacées. ‘Ao se analisar os trabalhos publicados na drea de Organizacées do ENANPAD. no periodo de 1996 a 2001, verifica-se que poucos deles fazem referéncia a cida- de e, quando o fazem, tomam-na quase sempre como contexto e, mais exatamen- te, localizac3o de organizagdes que séo os reais objetos de estudo. Vale acres- 172 08s - v.11 - Edi¢ao Especial - 2004 A Cidade no Campo dos Estudos Organizacionals centar que, dentre os trabalhos analisados, o Unico que faz referéncia & cidade tomando-a como objeto de estudo é 0 artigo Teias Urbanas, Puzzles Organizativos inovages, continuidades e ressonancias culturals (FISCHER, 1997). Essa verificagéo de que 0 objeto cidade tem sido quase absolutamente ig- norado como objeto de estudo na drea de Organizacdes do ENANPAD pode ser generalizada para o campo dos estudos organizacionais, isto sem deixar de res- saltar a inevitabilidade do erro em func&o tanto de tempo, quanto de espaco e, inclusive, do universo de anélise ser limitado & producdo de conhecimento dita brasileira, ou, extrapolando as fronteiras, ser aberto a toda e qualquer produgao de conhecimento, quer se identifique sua nacionalidade, quer no. Contrariando a inferéncia de que objeto cidade tem sido quase absoluta- mente ignorado como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais, registra-se mais recentemente dezesseis trabalhos reunidos sob o tema Cities:creative spaces of societal developmentem em um dos féruns de estudos organizacionais mais representativos da Europa, o European Group of Organisational Studies, EGOS (2003). Dentre esses dezesseis trabalhos, aqui se destaca o artigo City-organization: a contribution towards a wider approach of the object city as a study subject in the field of organizational studies (MAC-ALLISTER, 2003b) que resume a tese de doutorado Organizacdo-cidade: uma contribuicéo para ampliar a aborda- gem do objeto cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais (MAC-ALLISTER, 2001) defendida junto & Universidade Federal da Bahia, UFBA. A Propésito, 0 presente artigo é um extrato da referida tese N&o se trata, contudo, de refutar ou confirmar, ainda que como probabilida- de, uma hipétese, possivel ¢ falivel, de que 0 objeto cidade tem sido quase abso- lutamente ignorado como objeto de estudo rio campo dos estudos organizacionais. Que seja mais uma crenga! O objetivo desse artigo é t&o sé refletir sobre uma possivel abordagem do objeto cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais, 0 que se desenvolve com, em primeiro lugar, a definicaio do conceito de cidade encontrado nesse campo e,'em segundo lugar, com a formulaggo da critica a esse conceito. CoONCEITO DE CrpaDE NO Campo Dos EsTuDOsS ORGANIZACIONAIS Afora a tese defendida junto 4 UFBA (MAC-ALLISTER, 2001) e os trabalhos apresentados no EGOS (2003), hd pelo menos quatro trabalhos do campo dos estudos organizacionais que tomam 0 objeto cidade como objeto de estudo: a) trés trabalhos de autoria de Fischer, 0 artigo Gestéo Contemporanea, Cida- des Estratégicas: aprendendo com fragmentos e reconfiguragdes do local (1996a), 0 artigo Teias Urbanas, Puzzles Organizativos: inovacées, continui- dades e ressonéncias culturais (1996b) e 0 j4 citado artigo A Cidade como Teia Organizacional: inovagées, continuidades e ressonancias culturais - Salvador da Bahia, cidade puzzle (1997); b) um trabalho de autoria de Czarniawska-Joerges, 0 artigo Learning Organizing jin a Changing Institutional Order: examples from city management in Warsaw (1997) que é baseado no material de um programa de pesquisa mais amplo, Managing the Big City: a 21st-century challenge to technology and administration, © qual consiste em um estudo etnogrdfico sobre “cidade grande’. Ao analisar os artigos de Fischer (1996a, 1996b, 1997) e Czarniawska-Joerges (1997), 0 que se verifica é que apresentam mais semelhangas do que diferencas quanto aos conceitos de organizagéo e cidade. No que se refere ao conceito de organizacéo, enquanto Fischer (1996a, 1996b, 1997) 0 define como “realidade social”, “concreta” e “virtual” e, ainda, “metafora”, Czarniawska-Joerges (1997) 0 define como “ficgo social’, dando mai- or importancia ao “processo organizacional” do que a organizac8o, mas trata-se, em ambos os casos, de “organizacdo social”, quer esta seja considerada uma 08s + v.11 - Edigso Especial - 2004 173 Monica Mac-Allister *realidade”, “concreta” e “virtual”, quer seja uma “ficco” ou “metafora”, cujos “estado” (tanto como recorte temporal e espacial na condigo de artificio de ané- lise ou representag&o, quanto como resultante de um processo) e “processo” (que ccorre no tempo e no espaco) apresentam, na atualidade, caracteristicas tals como ambiglidade, complexidade, contradic&0, dinamica, diversidade, invisibilidade, pluralidade e singularidade. No que se refere ao conceito de cidade, Fischer (19962, 1996b, 1997) e Czarniawska-Joerges (1997) 0 definem em funcgo da maior ou menor importancia dada ao conceito de organizacSio, mas trata-se, em ambos os casos, de uma “or- ganizacao social”, tal como qualquer outra organizacdo social - real ou concreta, Virtual, ficticia ou metaférica, dindmica e processual, ocorrendo no tempo € no espaco -, que, particularmente, consiste em um conjunto de organizagdes, teias organizacionais, redes organizacionais ou redes de agdes e ainda individuos n3o organizados, isto em grandes dimensées e de alta complexidade. ‘Ao conceituarem cidade como uma organizagao social, Fischer (1996a, 1996b, 1997) e Czarniawska-Joerges (1997) desenvolvem andlises sob focos diferencia- dos ~ aprendizagem, cultura, estrutura, poder e linguagem ~ que convergem, dentre outros pontos, no sentido de uma cultura associada a acdes coletivas ¢ indivi- duais, 0 que parece aproximar as cidades de Salvador e Varsévia. A cidade de Salvador é analisada por Fischer (19962, 1996), 1997) como uma organizacao que é em si e é dotada de cultura, a qual, por sua vez, é produ- zida num processo sujeito a “continuidades, rupturas e inovagées” e do qual re- sulta, “preservada e fortalecida”, uma “identidade cultural”. A cidade de Varsdvia é analisada por Czarniawska-Joerges (1997) como uma organizacio dotada de uma cultura de gesto que esté sendo forcada a passar por profundas mudancas que envolvem linguagem, aprendizagem social e cognitiva, transformacées de velhas praticas e desaprendizado de velhos habitos. Trata-se, em ambos os casos, da cultura da cidade, cultura esta que é pro- cessada coletivamente, ainda que incorporando processos individuais, continua- mente e, em ultima instncia, resulta numa identidade cultural tanto da totalidade da cidade como organizacao social, quanto da gestdo desta totalidade Por outro lado, a0 conceituarem cidade como uma organizacao social, Fischer (1996a, 1996b, 1997) e Czarniawska-Joerges (1997) privilegiam a dimensdo so- cial em detrimento da dimensdo espacial, isto ¢, privilegiam a “sociedade” em detrimento do “espaco”, 0 que ndo impede que se refiram ao espaco no qual esta e se processa esta organizacao. Trata-se, em ambos os casos, do espaco da cidade, espaco este que é dado como fisico e definido como localizagéo da organizacao social da cidade, sendo esta organizacao social, e ndo a cidade na sua totalidade, 0 objeto de estudo dos referidos trabalhos. : Em-sintese; fischer (1996a,1996b, 1997) e Czarniawska-Joerges (1997a) conceituam cidade, no campo dos estudos organizacionais, como organizagao social no que se refere a um conjunto de organizacées sociais e individuos n&o organizados que se situa no tempo e no espaco, tem grandes dimensées e alta complexidade, processa coletivamente, ainda que incorporando processos individuais, e, continua- mente, uma cultura e possui, como resultado deste processo, uma identidade cultural i Jo desta totalidade. Esse conceito de cidade verificado nos trabalhos de Fischer (1996a, 1596b, 1997) e Czarnlawska-Joerges (1997) pode ser generalizado para o campo dos estudos organizacionals, considerando-se que foram revisados “cem por cento” dos trabalhos identificados como pertencentes ao referido campo e que tomam o objeto cidade como objeto de estudo. Mas, ao generalizar esse conceito, n&o se esté considerando a comprova- cdo de uma certeza ou mesmo uma probabilidade, até porque “cem por cento” se traduz a exatos “quatro” num universo de inumeros trabalhos passiveis de serem identificados como pertencentes a0 campo dos estudos organizacionais, afora-a constante ameaca de vir a se descobrir um trabalho que contrarie o verificado anteriormente. 174 085 - vLl - EdigSo Especial - 2004 A Cidade no Campo dos Estudos Organizacionals Verifica-se, to sé como uma possibilidade, que o objeto cidade, quando tomado como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais, € concei- tuado como organizacao social no que se refere a um conjunto de organizacoes sociais e individuos n&o organizados que se situa no tempo e no espaco, tem grandes dimensées e alta complexidade, processa coletivamente, ainda que in- corporando processos individuais, e, continuamente, uma cultura ¢ possui, como resultado deste processo, uma identidade cultural tanto relativa 4 totalidade da cidade quanto 4 gest&o desta totalidade. Critica ao CONCEITO DE CrpaDE NO Campo pos Estupos OrGANIZACIONAIS No campo dos estudos organizacionais, ao se definir 0 conceito de cidade como organizaco social nao se esté ai reduzindo cidade a uma dimensao social em detrimento de outras dimensées, isto na ilusdo de, através da dimenséo so- cial, abarcar toda e qualquer dimensdo? N3o se esta também reduzindo o campo dos estudos organizacionais ao campo das ciéncias sociais e, em particular, da sociologia? No campo da sociologia e, particularmente, da sociologia urbana, a cidade ja & estudada no século XIX como um “tipo distinto de organizag3o social” com “pro- blemas de desorganizacao social, relacionados com a industrializacdo e urbaniza- so aceleradas”, e no século XX, mais exatamente entre os anos 20 e 30, passa a ser estudada sistematicamente pela Escola de Chicago, cujos membros, inclusive Park, tomam a prépria cidade de Chicago como objeto de estudo (DELLE DONNE, 1979). Permeia essa associacao original entre organizacao e cidade, uma analogia entre o conceito de organismo, da biologia, e o conceito de sociedade, da sociolo- gia (HEGEDUS, 1996), possivelmente sustentada na crenca de que, como explicita Lowie (1970), toda associagdo de seres humanos é organizada em funcao de relagdes de dependéncia mutua, o que resulta no conceito de organizacéo como totalidade, tal qual o organismo, sendo que de seres humanos e, portanto, nao sé social, como também humana. As analogias entre conceitos biolégicos e sociolégicos e o paralelo entre biologia e sociologia e, numa perspectiva mais ampla, entre ciéncias naturais © sociais podem no ter sido desenvolvides apenas na Escola de Chicago, mas a Marcaram a ponto do conjunto dos estudos nela desenvolvidos serem referidos como ecologia humana. © conceito de ecologia humana das ciéncias sociais tem origem no conceito de ecologia das ciéncias naturats. Nas ciéncias naturais, segundo Haeckel (apud DELLE DONNE, 1979), ecologia é 0 estudo dos seres animais em geral, nas suas relacées de economia e habitacdo entre si e com os seres vegetais e 0 ambiente inorganico, 0 que se traduz na luta pela existéncia identificada por Darwin. Analogamente, nas ciéncias sociais, segundo Mackenzie (apud DELLE DONNE, 1979), ecologia humana é o estudo dos seres humanos nas suas relagdes espaciais, simbiéticas e institucionais de seleg3o, distribuigéio e adaptag3o ao ambiente fisico. No entanto, ressalta Delle Donne (1979), a concep¢&o generalizada na eco- logia humana de que a organizag3o dos seres humanos resulta téo sé de relacbes de competicao é superada por Park que identifica néo apenas a competicdo, mas também, e, principalmente, a comunicagéo. Park (1967, 1970a, 1970b) conceitua cidade como uma organizac’o que consiste numa sociedade como uma totalidade - social e humana, produto da relac&o entre as organizacées fisica ou geografica e moral ou cultural e da interaco entre as organizagées fisica ou geogréfica, social ou ecolégica e econdmica - em que as unidades - seres humanos especiais, como individuos e grupos que culti- vam uma capacidade intelectual de abstraco e uma correlata tendéncia 08s - vill» Edigho Especial - 2004 175 Monica Mac-Allister comportamental & mobllidade e se diferenciam entre si como tipos sociais (profis- sionais ou vocacionais e temperamentais) - mantém entre si relagées caracteriza- das pela tendéncia substituicso de sentimentos por interesses, do cardter pes- Soal @ irracional por impessoal e racional e do nivel direto ou primério por indireto ou secundario, relagdes estas que sdo de competicéo ou competicao econdmica ¢ de comunicacdo, da qual participa a linguagem e a qual participa da cultura, bem como através da qual se realizam atos coletivos e, em ultima instancia, se estabe- lecem instituigdes. Em adendo, trata-se de uma organizacao cuja totalidade € processual e fragmentada, no conjunto da organizaco e em cada uma das orga- hizacSes que a compoem, cuja condicso é de permanente instabilidade e crise crénica; e cujo equilibrio instavel ou de relativa estabilidade depende de um pro- cesso continuo de reajustamento ou de um também relativo controle, o que impli- ca a interagdo entre a competicdo e a comunicagao e a influéncia da publicidade e da opiniao publica ‘Ainda no campo da sociologia, mas fora da Escola de Chicago, Weber (1967) conceitua cidade como uma organizac3o que consiste em uma sociedade como uma totalidade - social e humana, bem como fisica, social, econémica, politico- administrativa e juridica, - que na modernidade melhor se enquadra na categoria de cidade-mercado, onde as unidades - seres humanos, como individuos e gru- pos - mantém entre si relacées fundamentalmente econdmicas, isto é, de merca- do, relagdes essas controladas por instituigées politico-administrativas e, princi- paimente, econémicas ou reguladoras. Os ‘conceitos de cidade de Park (1967, 1970a, 1970b) e Weber (1967) sao particularmente semelhantes por poderem ser ambos definidos como uma organi- za¢ao social, isto é, uma organizagao que consiste numa sociedade como uma totalidade social e humana - quer seja produto da relacdo entre as organizacées fisica ou geografica e moral ou cultural e da interacao entre as organizacées fisica ou geografica, social ou ecolégica e econémica, quer seja também fisica, social, econémica, politico-administrativa e juridica -, onde as unidades, que sao seres humanos, como individues e grupos, mantém entre si relacdes - quer sejam rela- Bes de competicso ou competicao econémica e de comunicacéo, da qual participa 4 linguagem e a qual participa da cultura, bem como através da qual se realizam atos coletivos e, em Ultima instancia, se estabelecem instituigées, quer sejam re- laces, fundamentalmente, econdmicas ou de mercado e controladas por institui- Ses politico-administrativas e, principalmente, econémicas ou reguladoras. © problema é que os conceitos de cidade de Park (1967, 1970a, 1970b) e Weber (1967), embora considerem, pelo prisma social, aspectos ndo apenas so- ciolégicos, mas também econémicos, fisicos ou geograficos, morais ou culturais, de linguagem e de comunicacgo, politico-administrativos e juridicos, reduzem o obje- to cidade a uma organizagdo social ou ao contexto desta organizacao. No campo da administracéo, 0 que se observa é que, segundo Motta (1986), com a fundamental incorporacdo da sociologia houve a transicgéo da “teoria da administrago” para a “teoria das organizagées”, isto é, para os estudos organizacionais, 0 que implica na constituigao da organizacao e, mais especifica- mente, da organizag&o social como objeto de estudo. Mas 0 objeto do campo dos estudos organizacionais ndo permanece ape- nas como uma organizacao social, nem permanece dominado pelo campo da so- ciologia, a menos que se acredite que a dimens&o social sintetiza todas e quais- quer possiveis dimensées do objeto e que a sociologia, dentro de seus limites, seja suficiente para abordar toda a complexidade do objeto ou, ainda, integrar todos e quaisquer campos de conhecimento que, em alguma medida, abordam o objeto (CLEGG; HARDY, 1996a, 1996b; REED, 1996). No campo dos estudos organizacionais, ao se definir 0 conceito de cidade como organizacdo social que processa uma cultura e possui uma identidade cultu- ral, néo se esté privilegiando a dimensdo cultural e 0 campo da antropologia em detrimento de outras dimensées e outros campos de conhecimento? Mas, em sen- do a cidade conceituada como organizacéo, 0 que define e por que © para que 176 OBS - vill - Edigso Especial - 2004 A Cidade no Campo dos Estudos Organizacionals definir a cultura e a identidade cultural desta organizag&o e de sua gestéo? O que define e por que e para que definir a cultura e, em correlato, a identidade cultural de uma cidade? No campo da antropologia e, particularmente, da antropologia urbana, Canevacci (1993) revisa 0 concéito de cultura da perspectiva “totalizante” para a perspectiva “da fragmentacéo”, em que a cultura e a identidade cultural de uma cidade néo mais se definem, se justificam e tém finalidade. Retornando ao campo dos estudos organizacionais, observa-se que cultura e identidade organizacional - de um modo geral e ndo apenas quando emprega- dos no estudo de cidade e, particularmehte, por Fischer (1996a, 1996b, 1997) ¢ Czarniawska-Joerges (1997) - consistem, tal qual cidade, em termos imprecisos ¢ conceitos inconsistentes porque comportam intmeras e diferentes definicées. Essa inconsisténcia dos conceitos de cultura e identidade organizacional, agravada por sua ampla difuséo no campo dos estudos organizacionais, é trata~ da, por exemplo, nos artigos The Organizational Culture War Games: A Struggle for Intellectual Dominance (FROST; MARTIN, 1996) e Diverse Identities in Organizations (COX JR.; NKOMO, 1996). © artigo de Frost e Martin (1996) refere-se a disputas, lutas, guerras, jogos de guerra em fungo da conquista do dominio intelectual de um conceito de cultu- ra organizacional sobre os demais. O que ai esté em jogo so, em sintese, trés conceitos de cultura organizacional definidos como um conjunto de elementos com- partilhados por toda a organizacdo, no sentido da integrac8o, por grupos sociais, no sentido da diferenciac&o, e por individuos, no sentido da fragmentacao. © artigo de Cox Jr. e Nkomo (1996) refere-se a conceitos de identidade organizacional paradoxalmente subjacentes a conceitos de diversidade organizacional e, particularmente, a conceitos de identidade organizacional cultu- ral paradoxalmente subjacentes a conceitos de diversidade organizacional cultu- ral, isto considerando que, na realidade organizacional, culturas e identidades culturais de grupos sociais e, até, individuos, diferenciam-se entre si e configuram, no seu conjunto, diversidade cultural. Por outro lado, 0 conceito de cidade encontrado no campo dos estudos organizacionais é definido nao s6 como organizacdo social, mas também como localizag&o desta organizagao. Com esta definig30 como localizagéo, nao se esta reduzindo cidade a uma dimensdo espacial por sua vez reduzida a uma dimensao fisico-espacial? N&o se esta reduzindo cidade a espaco como apenas espaco fisi- co? N&o se est4 desconsiderando outras dimensdes de cidade, como a dimensao espacial, em seu sentido mais amplo, e outros campos de conhecimento que to- mam cidade como objeto de estudo, por exemplo, do urbanismo? Nao se esta, mais uma vez, ignorando cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais? Em resposta a complexidade da realidade organizacional e a fragilidade e a fragmentacdo do campo dos estudos organizacionais, Chanlat (1993) procura cons- tituir a unidade fundamental do objeto do ser humano como um ser ao mesmo tempo genérico e singular, ativo e reflexivo, de palavra, de desejo e de pulsao (talvez melhor traduzido como impulsao ou impulso), simbélico, espaco-temporal e objeto e sujeito de sua ciéncia (MAC-ALLISTER, 2003a). Esse ser humano é objeto da Antropologia da Condigéo Humana nas Orga- nizagdes proposta por Chanlat (1993), que se caracteriza por uma interdisciplinaridade e uma concepgao dialética dos fenémenos e se estrutura em cinco niveis complexos e interdependentes, quais sejam, do individuo, da interacao, da organizagao, da sociedade e mundial (MAC-ALLISTER, 2003a). Na andlise desses cinco niveis, 0 que se observa, contudo, € que a dimen- so espaco-temporal e, mais especificamente, a dimens&o espacial se reduz a “escala” e, em Ultima instancia, acaba por ser esquecida (MAC-ALLISTER, 2003a) Passados mais de dez anos, Clegg e Kornberg propdem o tema Space and Organization para 0 EGOS (2003), observando que o campo dos estudos organizacionais tem sido dominado pelas concepgées temporais em detrimento 08s - v.11 - Edig8o Especial - 2004 177 Monica Mac-Alistor das concepgdes espaciais (MAC-ALLISTER, 2003a) e, nessa perspectiva, reinem 24 trabalhos sobre espaco no campo dos estudos organizacionais. Contudo, 0 espaco parece continuar sendo sistematicamente ignorado no campo dos estudos organizacionais, apesar de ser eventualmente abordado atra- vés de conceitos direta ou indiretamente relacionados a espaco, e, frequentemente, imprecisos e inclinados a reduzir 0 espaco, como comenta Mac-Allister (2001), @ localizacao e, em correlato, espaco-fisico, quando ndo a dimensdo econédmica (MAC- ALLISTER, 2003a). Mas, nos campos do urbanismo, da geografia e, particularmente, da geo- grafia urbana, estudar 0 objeto cidade significa também e, principalmente, estu- dar 0 espaco e, inclusive, espaco fisico, sem que o primeiro se reduza ao segundo. Quanto ao espaco, trata-se também, como cidade, cultura e identidade cul- tural, de um termo impreciso e um conceito inconsistente, sendo isto uma preocu- pacdo constante do gedgrafo Milton Santos (1959, 1985, 1986, 1987, 1990, 1993a, 1993b, 1994a, 1994b, 1994c, 1994d, 1999). Reagindo a inconsisténcia do conceito, Milton Santos (1959, 1985, 1986, 1987, 1990, 1993a, 1993b, 1994a, 1994b, 1994c, 1994d, 1999) dedica uma parte significativa de sua vasta obra a definigdo de “espaco” ou, mais exatamente, “es- paco geogrdfico” e, em paralelo, geografia, como campo de conhecimento cujo objeto é fundamentalmente “espaco”. ‘As definicdes de Milton Santos (1999) sobre o conceito de “espago”, embora difiram em funcgo de categorias de anilise (fixos e fluxos; configuragées territoriais e relagées sociais; sistemas de objetos e sistemas de acdes), assemelham-se ao indicarem, de modo mais ou menos explicito, uma indissocidvel relacdo entre a dimensdo social e a dimensao espacial.” Essa indissocidvel relacdo entre a dimens&o social e a dimensdo espacial poderia ser traduzida do campo da geografia para o campo dos estudos organizacionais como também uma indissocidvel relacdo entre “organizacdo so- cial” e “organizac3o espacial” e, por conseguinte,| 0 conceito de cidade seria defi- nido como “organizacéo” que resulta de uma indissociavel relacéo entre “organi za¢ao social” e “organizacao espacial”. Porém, ao conceituar cidade como “organizacéo” resultante de uma indissociavel relacdo entre “organizacao social” e “organizacao espacial” correr- se-ia 0 risco de estabelecer conceitos t&0 genéricos, absolutos e presos a regras e padrées quanto o de “cultura” na perspectiva “totalizante”, “identidade cultu- ral’, “sociedade” e, num certo sentido, “espaco” e, em contraposicdo, afastar con- ceitos mais especificos, relativos, abertos a diferenciagdes e dinamicos como 0 de “cultura” na perspectiva “da fragmentacao", “diversidade cultural” e “lugar” que mantém para com o “espaco” uma relacao dialética, de modo que ambos integram as mesmas dimensées, inclusive a social (CANEVACCI, 1993; COX JR; NKOMO, 1996; FERRARA, 1986; FROST; MARTIN, 1996; SANTOS, M., 1985). Conclui-se, assim, que, mais do que necessario, é possivel ampliar a abor- dagem do objeto cidade como objeto de estudo no campo dos estudos organizacionais, considerando que: o pensar e 0 agir sobre 0 objeto cidade estdo intrinsecamente relacionados, 0 desenvolvimento do conceito de cidade como or- ganizacao implica na instrumentalizagdo da gestéo desta organizacao, o campo dos estudos organizacionais integrado a outros campos de conhecimento oferece recursos para o desenvolvimento deste conceito e, em correlato, instrumentalizacao desta gestdo. IREFERENCIAS CHANLAT, Jean-Frangois. Por uma Antropologia da Condigéo Humana nas Organi zacées. Traducéo Ofélia de Lanna Sett Torres. In: TORRES, Ofélia de Lanna Sett (Org,) O Individuo na Organizagdo: dimensdes esquecidas. Traducao Arakcy Martins Rodrigues et al. 2. Ed. Sdo Paulo: Atlas, 1993. p. 21 - 45. 178 OBS - v.11 - Edigdo Especial - 2004 A Cidade no Campo dos Estudos Organizacionals CANEVACCI, Massimo. A Cidade Polifénica: ensaio sobre a antropologia da co- municag&o urbana. Traducéo Cecilia Prada. 1. ed. So Paulo: Studio Nobel, 1993. CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia. Conclusion: Representations. In: CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R (Org.). Handbook of Organization Studies 1st ed. London: SAGE, 1996a. p. 676 - 708. Introduction: Organizations, Organization and Organizing. In: CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R (Org.). Handbook of Organization Studies. Ast ed. London: SAGE, 1996b. p. 1 - 28. COSTA, Eunice R. Ribeiro; DOUCHKIN, Tatiana. Thesaurus Experimental de Arqui- tetura Brasileira. Sdo Paulo: FAUUSP, 1982. COX Jr, Taylor; NKOMO, Stella M. Diverse Identities in Organizations. In: CLEGG, Stewart R.; HARDY, Cynthia; NORD, Walter R (Org.). Handbook of Organization Studies. ist ed. London: SAGE, 1996. p. 338 - 356. CZARNIAWSKA-JOERGES, Barbara. Learning Organizing in a Changing Institutional Order: examples from city management in Warsaw. Management Learning - SAGE Publication. London, v. 28, n. 4, p. 475 - 495, dez. 1997. DELLE DONNE, Marcella. Teorias sobre a Cidade. Traduc&o José Manuel de Vas- concelos. Lisboa: Martins Fontes, 1979. Titulo original: Teorie sulla Cita EGOS, European Group of Organisational Studies, 19., 2003, Copenhague. Anais eletrénicos. Copenhague: EGOS / Copenhagen Business School, 2003. Disponivel em:

Você também pode gostar