* DOENGA E SAUDE NA RELAGAO TERAPEUTICA
Virginia B. Suassuna Martins Costa
Paicéloga e Gestalt-terapeuta
Professora da Universidade Catélica de Goids
Instituto de Treinamento ¢ Pesquisa em
Gestalt-terapia de Goiénia
Rua 09, 620 Centro
Fone: (062) 223-8582 Fax: (062) 225-9512
A Psicoterapia émuito mais uma Atitude do que um Método de Tratamento. Asswnir
esta Atitude 6 a nossa tarefa. Entretantoe, qual 0 grau de Satide e Doenca que veicila no
entre desta tarefa ?
Refletir sobre este aspecto néio é diferente de refletir sobre a alquimia do encontro, sobre o
que ocorre na. fronteira de contato enire o cliente ¢ 0 terapeuta.
Sabediores que somos, que é nesta fronteiva, que mecanismos de defesa ou. de evitagéo
de contato ocorrem de maneira saudével ou patoligica, é fundamental a reflexao sobre quais
sdo os requisitos para 0 passaporte do terapeuta para adentrar esta fronteira de forma
saudével,
Existird sempre a quesido: tudo isto era a tarefa, mas vocé a venceu? ( Rilke ).
Vocés podem refletir comigo agora, quais so os requisitos para o passaporte de
terapeutas?
Inicialmente que tenha-uma aparéncia de muito uso, o que sugere experiéncia, contato,
manuseio de vida... ¢ de preferéncia que tenka o formato de covacio;
Que na foto 0 proprietério apareca com ouvidos de morcego, olhos de lince, olfato de
um cachorro, gustagdo de um gourmet, ¢0 tato de-wm gato, claro que de maneira disfargada
para ndo espaniar ao cliente;
Na méo, wn mapa teérico apenas com o objetivo de orientar ¢ ndo de aprisionar,
quando da visita ao territévio do cliente, uma vez que no estéa no mapa os buraces do
territério;
Que jé tenha contatada e comhecido suas fronteivas pessoais com carimbos transformados
em cicatrizes de experiéncias de vida:
Que contenha paradexaimente espaco para nouas aventuras nas fionteivas pessoais
2 interpessoais;
Que tenha consciéncia das marcas provocadas nas suas e nas fronteiras atheias;
Que tenha um espirito aventureiro, de cigano, como me acorreu agora, na medida em
que se dispae a habitar e explorar lugares diferentes, nao se contentando com os mapas que
nada dizem, sobre as especificidades dos tervitérios;
No coracéo, a atencdo & palavra, para que o seu pensar seja bem sucedido, ciente de
que ele é seu préprio instrumento de trabalho, precisando funcionar sempre como uma caixade ressonéincia para 0 que acare enive ambos
Mas, com que objetivo?
Fortalecer as fungies de contato do cliente, com suas diversas formas de expressio, nas
diversas fronteiras, favorecendo, uma afinagéo basica com os seus conflitos ¢ motivacées;
Discriminar os sentimentos dos pensamentos ¢ agées, colaborando para que o mesmo,
apés visitar as fronieivas inter e intra pessoais, passa reorganizar a permeabilidade, a densidade
¢ a gestalt de suas experiéncias, responsabilizando-se por si mesmo e fortalecendo 0 seu auto-
suporte.
E qual vocé imagina que seja o objetivo do cliente ? Vamos ouvi-lo ao vivo ?
Transparéncia n® 1
quando eu soltar a minka vox
por favor entenda
que palavra por palavra
eis aqui wna pessoa se entregando..
Eis aqui uma caricatura do convite do cliente ao terapeuta, para que assuma a sua
posigio na fronteira, de owvinte atento ¢ de receptor de toda uma entrega, expressa.a cada
balavra,
O cliente possui também, exigéncias quanto ao passaporte do terapeuta. Neste convite,
para que haja.o encontro, nde bastam o dia, ahora marcada, mas a consciéncia de ambos,
terapeuta e cliente, de gue, 56 falamos plenamente de nés mesmos, quando estamos falando
Para endo apenas Diante de alguém. Eu, voci, nis ¢, portanto, o cliente, também, precisamos
de alguém que realmente nos escute e diante do qual nos dispomos a ouvir a sua resposta.
Ouvir palavra por palaora... Kis aqui o inicio de uma relagao sauddvel. Por que?
Vainos nos lembrar da primeira relagdo que estabelecemos com a palavra? Vocé se
lembra? Ea mesma que voce faz agus e agora, A relagao é a de me ouvir antes de falarem, de
me argitivem...
Ouvir palavra por palavra... Acompanhando ¢ dando-me a oportunidade de
expressar-me.
Experimentem, agora, verificar como estéo me ouvindo. Provavelmente, através de
uma atitude de espera. Uns com mais, outros com menos contato, e paciéncia. Outros mais
ou menos interessados, com maior ou menor permeabilidade quanto as minhas palavras,
sabedores que sdo de que, ndo dependem de vacés as palavras que irei prroferir ow que seré
pronunciada, O mesmo ocorre na relacéio terapeuta-cliente
Transparéncia n.® 2
-Palavra por palavra;
- Ouvir antes de falar;
~ Tera humildade de reconhecer que ndo depende de vocé a palavra a ser pronunciada...
Eis aqui um bom aquecimento para o vir a ser, de uma relacio terapeutica. Saudével?
NGo sabemas ainda, Sabemos que o centro da pessoa, segundo Buber, 6 se revela no campo do-
entre.
Percebam, agora, 0 que acontece quando estas palauras vido sendo ouvidas por word
Tanto vocés, como Merleau-Ponty(1967, cap. 6), concluiram naturalmente que as palavras
uo adguirinda uma significagio no contexto de seu discurso eque néo podemos compreender
palavra por palavra, com a ajuda de um dicionério, nem universal nem particular. Em
outras palavras, a palavra transcende o plano meramente seméntico d medida que o discunso
cria seus proprios significados.
Transparéncia n.* 3
Qual a importancia desta consideragéo para a side da relagéa terapeutica? Neste
momento, & compreender que 0 sentido de um discurso concreto se revela, ponico a powco, a
Partir do conjunto, da gestalt, da situagéo total do que e do como se fala, do que e do come
Se ouvse, das percepcaes e intuigies originais, das opcies bdsicas de vida, ¢ principalmente, da
relagdo que no contexte terapéutico se estabelece.
Transparéncia n.® 1
Nao ¢ totalmente errado afirmar, portanto, que o discurso do cliente cria uma lingua
propria, ainda que seja, com 0 uso de estruturas lingitisticas objetivamente disponiveis,
inclusive porque, 0 mesmo adiciona a sua fala, toda a sua entrega, toda a sua vida.
A docrca neste processo seria a comunicagéo de ambos, ierapeuta e clientes, feeada
nesias estruturas objetivamente disponiveis, perdendo a totalidade do | processo ou comunicagioa
através de palavras secundérias que, segunda Merleau-Ponty, séo palavras ja proferidas ¢
que néio necessariamente sao préprias ¢, muitas vees sao alheias ou introjetadas, digeridas
€ ndo assimiladas, caminhando de fora para dentro, maitas vezes colocadas na boca do
outro sem que sejam frutos de emogies préprias,
Soltar a sua vox com a sua prépria palavra no seu ritmo e tom que Ihes é proprio &
um exercicio de libertacd e de desenvolvimento do auto-suporte, coma certeza de que nio lhe
serdo roubadas ou criticadas, as palavras que expressam sua experiéncia,
Arte, ciéncia, satide?
Transparencia n! 4
cis aqui uma pessoa se entregando ...
coragiio na boca peito aberto
vo sangrando
Entregando... sangrando... ando.... sendo... doendo... endo 0 pensamento em api,
na boca, no sangue. Fis a forma da entrega que é singular, eis aqui a forma auténtica de
manifestacio do cliente.
Cuidado! aga é preciso muito cuidado, Esta fronteira é perigosa. Ela pode continuar se
caracterizando pela expressdo fluida, através de uma linguagem auténtica, onde o cliente
des-vela, ow pela inautenticidade, onde o cliente se retrai ou se vela. Segunda Buber, aTinguagem $6 é auténtica no contexto do encontro e-néo no da reflexio.
Esta possibilidade de saiide ou de doenca no vinculo vii depender seo terapeuta tem, portanto,
o passaporie em formato de coragaéo capaz de vir até a boca, de pulsar descompassadamente.
No peito a abertura para o novo, permitindo a instalacao momenténea do curto-circuito do
Saber, para qué oconra a transfusdo de sangue ea aproximagda maxima da experiéncia do
cliente.
E 0 momento do testemunho, de descobertas, néo do julgamento, do vivenciar juntos, do
silenciar interessadamenie, na dor do outro. Afinal, ndo estamos apenas no mundo; nés
somas no mundo e, sendo assim, podemos alterd-lo. Momento empético, segundo Rogers, ou,
como diria Buber, Eu-Tu, de possibilidade de total des-velamento, como afirmaria Heidegger,
de presenga ativa do terapeuta, paradexalmente despida de si mesmo, como enfatiza Yontef,
enfime, momento de encontro
Intervengies? Reflexdes? Perguntas? Agora? Por parte do terapewta? Em funsao de
quem, do que? E preciso deixar 0 tempo mostrar o seu trabalho. E hora de manter o cliente
préximo de sua forma de expressdo. Qualquer intervencao pode afasti-lo de si mesmo, trai-lo
e aproxima a de mim, terapeuta. Eo momento de compreensdo e nao de explicacao.
Segundo Barry Stevens, é fundamental acompanhar 0 outro, seguir o fluxo do continuum
de conscientizacdo, de formacéo e destruicdo de figuras a partir de necessidades emergentes
a cada momento.
Transparéncia n® 5
sao as latas dessa nossa vida
que estou cantando
Nada que é humana me é totalmente estranho. Vocés ouviram 0 que o nosso pseudo cliente nos
disse? Ele canta as lutas da nossa vida. Eis aqui algo que paradoxalmente pode facilitar ¢
pode dificultar a relagio terapéutica.
Facilita, no sentido de que, diminuindo inicialmente as diferencas, posso me aproximar do
ouitro, da forma como foi descrita acima, favorecendo 0 momento Eu-Ta.
ificulla na medida em que, a prépria semelhanga fisica, o préprio conhecimento que tenko
das preocupacées cotidianas de todos os outros pode, ao invés de me levar a atingi-lo em
profundidade, ficar na superficialidade, justamente pela proximidade. Assim, autorizado,
entre aspas pelo “Nosso”, 0 cliente pode néo enconivar espaco ou necessidade de mostrar-se em
sua particuloridade, em sua singularidade,
Segundo Merleau-Ponty (1967, 214), vivemes em um mundo onde a fala esta institwida.
Para todas as falas banais, possutmos em nds. significacées jé formadas. Blas suscitam em
és pensamentos segundos; estes, por sua vez, se tradazem. em outras falas que ndo exigem de
nds nenhum.verdadetro esforco de expresso ¢ néio pedem de nossos ouvintes nenhum esforco
de compreensioCuidado - doenca & vista! Retomna as significagdes jé existenies: Sinal Vermetho! Ruiilos |
Sala banal que mantén a instituicdo da fala, mas ndo cria; no envalve explicitamente a
experiéncia primordial, individual, nao assume 0 falante; néo o engaja. como pessoa no
esforco de criagéo cultural, mas, apenas, 0 utiliza a servigo do sisiema instituido, podem estar
invadindo a relagéo terapéutica e adoecendo- a.
Confluditos e sem fronteiras, sem territérios, despatriados, terapeuta e clientes perdem ambos a
singularidade e se tornam dissolvidos no nés. O “nosso”, o “eu vivi esta estéria”, o “eu ja
oui esta experiincia’, “este cliente é semelhante ao anterior” so sintomas de um distiirbio
grave na capacidade de identificar o diferente, o singular
Adeecidos, tornase fundamental que ambos trabathem na construgdo desta fronteira de
Contato, para o reencontro desia identidade, sem medo de se sentirem abandonadas e traidos
Transparéncia n® 6
quando abrir a minha garganta
essa forca tanta
tudo 0 que voce ouvir esteja certo
que estarei vivenda
Novamente, o cliente, em um momento de continuum de consciéncia, de awareness, com 0
pensamento se fazendo no aio de falar e ndo apenas se traduzindo externamente, relembra 0
terapeuta de que sua fala évivida, convidando-o para amplificar a sua fronteiva da escuta
da vida. E a escuta que funda a possibilidade do cliente dizer de sua experiéncia no
presente imediato.
Neste momento, é fundamental perceber que o lugar onde o cliente pode manifestar-se, ndo é
da ordem da linguagem, mas do siléncio, e, da escuta verdadeira do cliente. O cliente, neste
momento, busca o didlogo genuino, por oposi¢éo ao palavreado. Enfatiza que esta vivendo 0
qnie fala e falando 0 que esta vivendo. Faz um apelo para que seja visto na sua totalidadeena
Sua concretude e que ndo seja owvida com um ouvido redutor, que seja reduzido a esquemas
abrangentes erecorventes ou que seja.owvido e enquadrado em formulas genéticas ou principios
gerais, através de um ouvido dedutor que seriam atitudes, consideradas adoecidas em um
contexto terapéutico.
E fundamental que neste momento a-vivéncia seja compreendida ¢ que o lerapeuta néo queira
impor sua experiéncia ao clients, o que geraria uma ilusto de autonomia por parte do mesmo
O mesultado seria o de manipnilacéo, que implica em um total desconhecimento da realidade
do outro coma parceiro da existéncia, além de transformé-lo em um Isso na Relacéo
Neste momento vale a pena ressaltar 0 que Buber nos sugere que é.a linguagem do siléncio, no
sentido de uma escuta aberta, que por si sé facilita o caminho para emergir expressdes cada
ver mais assumidas, mais originais, mais expressamente originais, pois éSentindo-se Ouvido
que o Cliente Fala e é se Sentindo Recebido que ele se Doa.Transparéncia n® 7
ueja.o britho dos meus olhos
€0 tremor das minhas méos
€ 0 meu corpo téo suado
transbordando toda a raga e emogéio.
Neste momento, podemos observar o apelo para que o terapeuta utilize outra forma de contato
qneeéo olhar. O discurso é composto pelo ouvir e pelo siléncio, onde novas formas de expressao
se manifestam. O falar é apenas a linguagem como discurso pronunciado. O dizer silencioso
do ser é a linguagem origindria. Nele, nas expressées dos othos, das ios, do corpo, etc. 0
cliente se oferece ao terapeuta, permanecendo exposto, para que, ao ser captado, funde suas
diferentes formas de ser.
Em uma relagio terapéutica adoecida, ambos estito muito distantes da experiéncia imediata
esdo incapazes de extrair ou de simbolizar significacées Sbvias, como as reveladas através dos
olhos, méos, suon pelo corpo, enfim. A experiéncia acaba sendo relegada ao passado, jé yue
no 6 evidenciada ¢ 0 presente é explicado ¢ cu interpretado em termos das significacdes
passadas. Diminui-se a ansiedade ¢ a impoténcia imediata da relagae, mas estdo fechadas
novas formas do cliente de experimentar suas possitilidades. Novas fronieiras séio tmpedidas
de serem exploradas ¢ de virem a seu tempo...
Transparéncia n® 8
@ se eu chorar
20 sal molhar 0 meu sorriso
E do gosto da experiéncia que se fala. Aqui os sentimentos ou aspectos, antes bloqueados
inibidos na experiéncia e em sua evolugdo, tem a possibilidade de serem experimentados,
agora de um modo imediato, associado com a expressdo da fala. A experiéncia pode ser
vivenciada na sua novidade que caracteriza 0 conceito de contato na abordagem gestéltica e
nao como passado .
Transparéncia n® 9
ndio se espante cante que 0 teu canto
e minha forea pra cantar
O terapeuta é convidado a se colocar a servico do cliente, que se anuncia, com o seu
canto singular. Cumprindo a solicitagéo que the 6 feita, & fundamental que se torne presente
auutenticamente com 0 seu canto também singular. Sabiamente esto tecendo a fronteira,
lugar privilegiado do enconiro das diferencas, onde as diferentes formas de cantar, ou de se
expressar, de integrar suas funcoes sensoriais, cognitivas e motoras se delimitam e promovem
as diferencas individuais compondo a identidade de cada um.A doenga nesta etapa na relacdo terapéutica seria 0 terapeuta se espantar com a forma
deexperioncian as emogbes trazidas pelo cliente enio ofeecer seu canto, ou seja, sua experiéncia
« presenca euténtica para dar suporte ao cliente para que ele continue soliando a sua vo% que
canta as lutas da dele, da minha, da nossa vida.
Transparéncia n® 10
quando eu soltar a minka vox
por favor entenda
€ apenas 0 meu jeito de viver
0 que e amar.
O jeito singular de dizer 0 que se esta experienciando no momento, conseguinde
emparelhar a fala com experiéncia. O jeito de dicey de viver o que é aman... é a expressio
méxima. do ser do cliente
A linguagem, sem dtivida, 6 a casa do ser. Em sua habitacéo mora.o homem. Casa 60
lugar da habitagiio, para onde, neste momento, 0 terapeuta se dirige. Para a casa onde o
morador, abrindo-the as portas, descerra o seu mistério na ampliddo de suas janelas sem
cortinas, de suas portas sem trincos, contando-the qual é a sua forma de viver, 0 que é amar.
Instante delicado , perigoso. E preciso que 0 terapeuta abra méo da representaciia mental de
Sua casa, para compreender que esta é a forma diferente do cliente se habitar, para que a
Unguagem possa realmente promover a casa do ser endo inaugurar 0 reino da aparéncia,
Afinal, esta é a taxefa. Vocé se sente e capax de cumpri-la?
Com todas as suas fungies de contato, 0 terapeuta precisa estar a servica da escuta
silenciosa do cliente , para que, ouvindo-o, torné-lo palavra, no ato mesmo de fazélo nascen
Promover a medida do ser do cliente, de sua habitacéo, do seu lugar de proveniéncia, de sua
terra natal, enfim, de sua péiria, Afinal, habitarse é desenvolver seu ser homem é realmente
‘ser em harmonia consigo mesmo, com o outro, cuidando-se e preservando no reino do contato,
Transparéncia 11
(Em anexo).Transparéncia n? 1
Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando...