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RODRIGUES, Robson. Moradores de uma terra sem dono. I: Revista Sociologia # Vid: S8o Paulo: Escala, 32.04.2011. (p.18-26) MORADORES DE UMA TERRA SEM DONO Oretrato da realidade dos moradores em situacao de rua, individuos invisiveis aos olhos da sociedade, que perderam a cidadania e na medida em que nada tém, a principal coisa que lhes falta é dignidade ‘por Robson Rodtigues* fotos: Pri Vitaifio crescente populagio em situagio de rua no Brasil éo retralo mais cruel da miséria social que se aprofunda em diversos ramos da es- {era piblica. O atual estado é a consequéncia de uma reagdo em cadeia que relaciona 0s altos indies de desemprego,rebeixamento salarial, uso de crogas ¢ violencia. Morar na rua € 0 reflex visi- vel do agravamento social no Brasil, a falta de politicas ptblicas eficentes se constitu ngligéncia do poder piblco em garantir a esse cidado condipies mi nimas de sobrevivencia. Os mais miserdvels estio entre os que mais ineomodam paliticament, estigmatizads como perigosos socialmente por serem os que néo participam da geragdo de riquecas, ‘Um contingente de pessoas que pouco usurui dos servigos basiens piblicos, f mercé do Estado ¢ indiferente @ sociedade civil, Para sobreviver buscam al- ternativas para o banho, nevessidadesfisioligicas,alimentagio ¢ vestuario. Vi- vendo lteralmente nas ruas ¢ dormindo sobre trapos ou papeldo, pessoas que constroem nas russ suas pripriashistéria, mas néo como querem; do sob cir ccunstancias de suas proprias eseolhas, e sim, sob aquelas com 2s quais se de- frontam diretamente, legadas e transmitidas principalmente pelo passado tré- fico de uma vida que deixaram para tras. Apesar de serem atores da propria historia, 0 so capazes de agirnos limites que a realidad impoe, ‘Robson Rodrigues 6jomalsta "Enesse aspecto veremos que a sociedade brasileira eseuainda recente processo democratico nao desenvolveram plenamente tais mecanismos. Ainda temos significativas parcelas da populagdo alijadas da participacdo seja do processo politico, seja da propria condicdo de cidadao” JuracipE oun, Sct.0co FELAPONTIRCAUIIVERSEADE CaTBLEAUCS™ © atual estado no qual se encontra a ‘populagao de rua brasileira é o resultado cde um conjunto de fatores que colabo- ram para a manutengéo dessa situaco. A ineficdcia do sistema public se agrava quando nao estio disponibilizados meios sociais fundamentais ~ programas de satide, atendimento @ usuarios de drogas, abrigos,atengio a femilia, entre outros. 0 fator de primeira instancia relacionado & situagdo dos moradores de rua € o desen- volvimento de novas técnicas de trabalho, criando uma enorme massa de desempre: gados na qual o sistema capitalista nao consegue sustentar. Numa sociedade eapitalista que se or- sganiza com base na compra e venda da forga de trabalho, a legitimidade social © a dignidade pessoal de um individuo se afrmam por meio da étca do traba- Ino. A populago de rua tem um histérieo de perdas de emprego ¢ baiza quaifca- (40 profissionel, assim néo se asseguram como integrantes do tec social ‘As causas relacionadas so multifato- raise vao de questies como as mudan- ‘as nas relagbes de trabalho decorrentes da tecnologizacio dos processos pred- tivos, fuxos migratrios de mio de obra a redupio e desvalorizagio des atvida des de bia quilicagio. Na avalagio do psicélogo e pesquisador ce popula cao de uae uso de drogas da Faculdade de Satide Publica da USP, Dr. Walter Va- randa, “0s estigmas do fracasso, da im- poténcia, da vagabundagem ¢ da. me- nos-valia levam o distanciamento das estrturas socinis, € no anonimato res- tam as estratégia de sobrevivéncia pos- siveis na regio central areas comerciais da cidade, que incluem, por sua vez, uma ampla rede solidéria que torna a vide nas ruas uma alternativa vidvel, ou pelo me- nos mais vidvel que a pobreza extrema. [Nesse contexto, relaxa-se a obrigatorie- dade de deveres, regras de convivéncia ¢ obviamente do alto custo de vida urban, e de maneira geral, esse problema s0- cial incomoda as grandes metrépoles no ‘mundo inteiro*, 0 descaso do Estado com os desabriga- dos reflete inclusive nas leis que regem 0 Pais, Até 2009, a mendicéncia era con dderada uma transgressio penal no Brasil, quando o artigo da. Lei de Contravenges ~ Penais foi revogado pela Lein? 11.983 pela Quem sdo os moradores de rua? De acordo como Censo de S50 Paulo de 2010 realizado pels Fundacéo Instituto de Pesquisas Econdmicas dda Universidade de Sto Paulo ipe), cootdenado pela economista eprofessora ‘da FEA - USP (Universidade de S30 Paulo), Silvia Maria Schor, quase 60% das pessoas que vivem nas ruas sao homens ‘em idade media de 40 anos.Os dads revelam a dificuldade de reintepragdo ‘20 mercado de trabalho, Iso expie o ‘quanto a desqualifcacao profissional limita ainsergo no mercado de trebealho. ‘Opesquisador de populacio deruae uso de drogas da Faculdade de Saude Pablica da USP. Dr Welter Varanda vat além. A populagio de rua éconsiituida nna sua maior parte por adultos em idade produtiva, como mostraros censos realizados, sua situa¢go épraticamente ‘amesma.o longo das ultimas dcadas apesar de serem sujeitos de direitos, existem sérlos equivacos em trata-la coin caso de polcia’ salientouo pesquisador. Operfil dessas pessoas mostra que, ‘apesar de mais le 90% saberem ler eescrever, amaloria no chegava completar o ensino fundamental Pare ‘osociélogo juraci Antonio de Oliveira,’ {ato da maioria dessas pessoas tere certa grau de escalaridade indica que tinham um nivel de particioaco no vida soci” Porém, na atual situadoa (qual esto, encantram-sea margem da ‘socletade & desprovidas de atuarem, ‘coma devidos cidados que séo. (Qs dadas tambem revelam que na ‘ua grande maior Sao “tio brancos’ incluindo-se os neqros, pardos, amarelos ‘eincigenas. Observe no grafico 0s ndmeros sobre a distibulc3o dos moredores de rua por cor ¢ sexo, segundo ‘os dados da pesquisa, uso de drogas também é une constante, A maioria dos moradores de Tua bebe 8 use drogas Entre os 182 30, ‘anos, aproporedo atinge 80%. A droga ‘mais consumnide 60 crack. De acordo ‘cam opesquisalor Walter Varenda,0 so de coo! e drogas esta relacionado ‘20 autocontroie, autonomiae estados alterados de conscléncia em decarréncia do.so.’Aos rituals de uso esta associadios a scclablidade, as relagdes de parcerla,prateroesequranca. A vida nas ruas érecheada de cédigos. de “jeitos” que tornam o crack para uns e abebida para amaloria uma opcéo interessante, sem falar da disseminacto da maconhe, que permeia o uso das presidente Luiz Inécio Lula da Silva. A re- vogaedo pode até significar um avango no modo como o poder piiblico trata 0 caso, porém demonstra também como um Es- lado incapaz de garantir condigdes mini- mas de sobrevivéncia, até recentemente, condenava quem mendigesse, Segunda © Ministério de Desenvoli- coutras drags. Isto quer dizer que Uso abusivo, na situaciio de rua, ¢ mais Intenso que em outras situagtes em que seit convivesse com algum controle soclal. Quando os ganhos como uso da substancia 0 maiares que os ganhos, fem situares nas quais haja controle, ‘por exempio, no ambiente de trabalho ou familar, sujeito val procuté-la na rus’, exade 0 pesquisador, Tambémaaita tava de usuérios se devea intervencéo neuroquimica da substncia que avi, conforta,estimula, ‘anestesia, diminui aautocensura, relaxa autojulgamento e permite ‘certa maleabilidade da autoimager, prncipalmente aquela que osyeito do gosta, “Alem disso, aembriaguez viabiliza processos nostalgicosatrewds de mengulhos em dinamicas emocionals regtedides, permitindo areeticode paces comportamentais aprencidose vvlorizados em outros momentos da vida, lembrou Varando. Outro fator que pode ajudara entender esse fentimenoéa questo dahistérco da populacdo de 1ua da cidade, i que mals dametade dos moradores fol internada am alguma instituigso, predominando casas de detenra,clinicas de recuperaci de alcool edrogas e Febem. Frit os ovens, 70% jd passaram por alguma instituio, @ ern @ wsscano sociotocia | at “Osimples nascer investe o individuo deuma soma inaliendvel de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana, Viver, tornar-se um ser no mundo, éassumir, com os demais, uma heranca moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais” MILTON SANTOS 0525 -20011.GE0CRAFO 22 | sociovocin mento Social, jé existe paliticas espe- cifeas voltadas para essa parcela da po- pulagdo. Desde 2006, o Minstério envia recursos para aervis de acolhimento de fernlias em situagdo de risco nos munic- ios. O repasse do Ministério é de 1 mi- Ihdo de reais para 94 municipios brasile- ros que tém mais de 250 mil habitantes. Esses recursos so onigindrios do que cha- amos de “Piso de Alta Complexidade I". Ele €destinado ao “Servign de acolkimento institucional para aduttos e familias em si- ‘tuagao de rua”. Bsse servgo € executado has casas de passagens € abrgos institu. céonais. Porém, as politcas da esfera fede- zal ivergem com as da municipal Nesse aspecto, a cidade de Séo Paulo de provas de que ainda nio trata do tema com a devida atengéo. Iso pode ser de- smonsirado, por exemplo, com 0 feche- mento de quatro mil vogas em elbergues no centro de Si0 Paulo, concentrando 0

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