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TRABALHO RURAL E EDUCAÇÃO NO ASSENTAMENTO BELA VISTA – SÃO


PAULO.

Marcos Cassin1
Samila Bernardi do Vale2

Introdução

Esse trabalho é a primeira sistematização da pesquisa que estamos realizando no assentamento


Bela Vista situado no município de Araraquara no Estado de São Paulo, tendo como tema geral a
relação entre Trabalho Rural e Educação com o objetivo de analisar os impactos das novas
tecnologias e das novas formas de organização do trabalho no meio rural, bem como os seus
reflexos na formação, qualificação e empregabilidade dos trabalhadores.
A escolha do Bela Vista deu-se por se tratar de assentamento resultado da luta dos trabalhadores
sem-terra e constituindo-se em um dos projetos da Reforma Agrária na metade da década de 80 do
século passado, portanto na efervescência dos movimentos socais e da redemocratização do país,
depois de 20 anos de ditadura militar.
A localização do assentamento também influenciou na escolha, o município de Araraquara faz parte
da região administrativa de Ribeirão Preto, composta por de 80 municípios3, grande produtora de
cana-de-açúcar e laranja e detem a maior concentração de agroindústrias sucroalcooleira e de
cítricos.
Outros dois aspectos que determinaram a escolha foram à escola municipal no interior do
assentamento, considerada escola rural padrão, visitada por professores, alunos e pesquisadores,
constituindo-se em objeto de várias pesquisas. O segundo aspecto é a produção nos lotes, quase a
totalidade deles com plantio de cana-de-açúcar enquanto fornecedores ou como arrendador para
usina.
Esses elementos nos levaram a entender o assentamento Bela Vista como objeto de investigação
capaz de apontar algumas reflexões da relação da organização do trabalho nesse novo rural
brasileiro que se apresenta e a educação dos domiciliados e dos que trabalham no campo.

Pontal do Paranapanema/SP e a Luta pela Terra.

O marco inicial da atual política de Reforma Agrária ocorreu como fruto da transição democrática,
que com a posse do presidente José Sarney em 1985, ainda no final do seu primeiro mandato,
sanciona-se o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, que será o norteador de uma política
federal, responsável por assentar muitas famílias de trabalhadores rurais em áreas desapropriadas.
Entende-se que esse acontecimento se deu como uma resposta às pressões dos trabalhadores,

Data de 1983, primeiro ano do governo Franco Montoro, uma iniciativa decisiva no sentido de
promover experiências de reforma agrária no Estado. Como primeiro governo eleito no Estado após
o longo período de governantes pró-ditadura, a gestão Montoro(1983-1986), ela mesma expressão
da conjuntura de abertura democrática e, conseqüentemente, premida pela mobilização crescente
dos trabalhadores rurais, responderá às pressões por reforma agrária desenvolvendo uma política de
assentamentos que se consolidará nos dias atuais. 4

Analisando o contexto regional do interior do Estado de São Paulo, é de fundamental importância


destacar as experiências vivenciadas em alguns projetos de assentamentos, e principalmente a
valorosa mobilização dos trabalhadores em prol da luta pela terra.
Um dos exemplos que pode ser citado, refere-se a luta dos ex-barrageiros do Pontal do
Paranapanema, assentados na gleba XV de Novembro no período entre 1983 e 1984, entre os
1
Professor Doutor de Sociologia da Educação do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de São Paulo.
2
Aluna do curso de Pedagogia da FFCLRP/USP, bolsista do Programa Ensinar com Pesquisa da Pró- reitoria de graduação.
3
Segundo os dados do Seade de 1983.
4
Vera L.S.B.Ferrante et al, a maioridade dos assentamentos rurais em São Paulo: impasses de presente, dilemas do futuro, In:
assentamentos Rurais: impasses e dilemas ( uma trajetória de 20 anos), São Paulo, INCRA-Superintendência Regional de São
Paulo, 2005, p.39.
2
municípios de Euclides da Cunha e Rosana, apresentando-se enquanto símbolo da política
estadual.Constata-se atualmente que na região, o Pontal do Paranapanema destaca-se por possuir o
maior número de assentamentos e de famílias assentadas. Contudo essas conquistas são
resultantes de fortes discussões e mobilizações, ao longo de décadas, a respeito da questão
fundiária. Portanto, quando se trata de abordar a temática da reforma agrária, a região do Pontal
tem extrema representatividade no Estado de São Paulo.

Na região conhecida como Pontal do Paranapanema (extremo Oeste Paulista) a questão fundiária
tem sido - ao longo de décadas - o ponto fulcral definidor das políticas e ingrediente básico das
tensões sociais envolvendo o estado e diferentes classes sociais. A região é, portanto, de
importância ímpar quando se aborda a temática da reforma agrária no Estado de São Paulo. Com
uma ocupação que data do final do século XIX, o Pontal do Paranapanema revela, em seu histórico
fundiário, o mais conhecido caso de grilagem de terras do país.5

A região destaca-se também por ter em seu histórico, o mais conhecido caso de grilagem de terras
do país. Segundo Ferrante et al,

Ao longo do século XX, posseiros e grileiros disputaram, quase sempre à bala, o território do pontal.
Apesar da flagrante irregularidade que cercou a ocupação do Pontal, seu desenvolvimento
econômico seguiu mais ou menos a trajetória de outras regiões do Estado, sobretudo na primeira
metade do século passado.Com a crise da cafeicultura, a fragmentação das propriedades e o
precoce fim do colonato só acirraram mais as disputas por terras.6

A partir da afirmação citada acima percebe-se que, apesar de suas irregularidades fundiárias a
região do Pontal apresenta um desenvolvimento econômico próximo ao de outras regiões.
Porém, devido à insegurança fundiária, e a pouca ação por parte dos governos do período da
transição democrática, em articular uma forte política de assentamento, desencadeou uma
mobilização de diversos segmentos sociais.
Ainda nessa região, a partir da insegurança por parte dos pecuaristas que se sentiam coagidos por
uma possível regularização fundiária, repercutiu durante o período do Congresso Constituinte (1987-
1998), no surgimento da União Democrática Ruralista. Logo se iniciou um forte embate entre os
fazendeiros pecuaristas e os trabalhadores sem terra, que teve como ponto de partida uma intensa
articulação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST. Em 1990 no primeiro ano do governo
Collor, teve início o mais importante processo de luta pela terra do Estado, liderado por esse
movimento, que se prolonga até hoje.

Araraquara – Região de Ribeirão Preto

Também como referência, com relação a questão agrária, Araraquara apresenta-se como uma
região conhecida por integrar a Região de Ribeirão Preto também chamada “Califórnia Brasileira” e
pelo grande desenvolvimento agropecuário. De acordo com Ferrante et al,

a implantação do PRÓ-ÁLCOOL, em 1975, só estimulou a indústria sucro-alcooleira ali baseada,


fazendo crescer de forma acentuadíssima a área plantada de cana, bem como o número de postos
de trabalho junto a essa atividade econômica. Ao lado da cultura da cana, um outro complexo
Agroindustrial se consolidava na região, explorando a produção de citrus (in natura e sucos). 7

A exigência de mais terras para atender as necessidades da agroindústria levou a expulsão dos
trabalhadores moradores nas fazendas em regime de colonato para as periferias das cidades. Com
essa nova situação dos trabalhadores as cidades pequenas transformaram-se em cidades
dormitórios e os trabalhadores passaram a constituir-se enquanto assalariados temporários nas
colheitas de citros e corte de cana, esses ex-colonos passaram a fazer parte da categoria de “bóias-
frias”. As péssimas condições de vida que esses trabalhadores enfrentaram, foram o motivo para
que a partir de meados de 1980 houvessem fortes mobilizações, em que a categoria reivindicava
melhores condições de trabalho e melhores salários.
Segundo Ferrante et al,

5
Ibid, p.46.
6
Ibid, p.46.
7
Ibid, p.41-42.
3
A política de assentamentos rurais desenvolvida nessa região do Estado será claramente uma
resposta estatal ao potencial de organização e constatação dos bóias-frias. Sua singularidade, no
entanto, deve-se a um entrecruzamento bastante particular da mobilização dos trabalhadores rurais
e das conjunturas políticas-tanto no âmbito do governo estadual quanto do governo federal. Trata-
se de um campo específico das políticas públicas, no qual um jogo de forças sociais irá, direta ou
indiretamente, determinar ações no sentido de assentar famílias de ex-bóias-frias em meio a
propriedades empresariais das mais produtivas do país. 8

Essa nova realidade, os grandes latifúndios de cana-de-açúcar e de citrus, o assalariamento e


urbanização da força de trabalho do campo levaram a mobilizações e enfrentamentos dos
trabalhadores com os proprietários de terras e com o Estado pela Reforma Agrária, objetivando se
livrar das péssimas condições de vida e trabalho que a nova condição, de assalariado, lhes
impunham, além do sonho de retorno ao domicílio e trabalho autônomo na terra.
Na região de Araraquara esse processo resultou em dois assentamentos organizados entre 1985 e
2003, onde foram assentadas por volta de 600 famílias na região, instalando-se na Fazenda Monte
Alegre, que contou com 377 famílias em lotes agrícolas nas fronteiras dos municípios de
Araraquara, Matão e Motuca, sendo esta a maior área de assentamento da região.
Outro assentamento da região, Bela Vista do Chibarro, foco de análise desta pesquisa é fruto da luta
de trabalhadores na ocupação da Usina Tamoio, na qual possuía extensas áreas de cultivo de cana,
vivendo seu auge na década de 50, enquanto complexo agroindustrial. Porém, devido a uma série
de problemas a usina passou por uma crise, que culminou com sua falência em 1982.
Foi nesse contexto, que em 1984 a usina foi ocupada por trabalhadores Sem-Terras da região de
Campinas, que pouco tempo depois foram despejados.

O assentamento Bela Vista

Quatro anos após esse episódio, por intermédio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Araraquara, as casas de uma das maiores colônias da usina foram ocupadas por outros
trabalhadores.

No ano de 1989, ainda não havia sido regularizada a situação dos assentados, os lotes não estavam
demarcados e a ocupação da área não era total, visto que poderia comportar 160 famílias e apenas
79 estavam nas terras. Para que o assentamento fosse oficializado se fazia necessário que o
governo federal pagasse a indenização pela desapropriação do imóvel. Estas 79 famílias eram
chamadas de pioneiras e entraram no assentamento sem que tivessem passado pelo critério de
seleção. Neste momento, o sindicato dos empregados rurais de Araraquara tinha pleno domínio
sobre a entrada de famílias no assentamento. No mesmo ano, o INCRA executou um cadastramento
para entrada de outras famílias. No entanto, acabou por transferir, para esta área da usina
“Urupês”, no ano seguinte, 29 famílias excedentes do projeto Fazenda Reunidas, da cidade de
Promissão. 9

Tal atitude resultou no surgimento de um dos primeiros conflitos dos assentamentos com o Estado.
Houve uma intensa mobilização desses trabalhadores para impedir a entrada dessas novas famílias.
Nesse momento a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo,
FERAESP, mostrava-se muito preocupada com essa transferência, pois estas famílias estavam
articuladas com o MST, estando suscetíveis a disputar politicamente com o sindicato o controle do
assentamento. Depois de muitas negociações as famílias vindas do município de Promissão são
assentadas no Bela Vista, este fato demarca já de início uma divisão de grupos no interior do
assentamento.
Essa divisão se estende na organização da produção, como e o que produzir. Em 1993 a questão da
produção de cana para as usinas de açúcar e álcool é pautada nos assentamentos. Esses embates
contrapõem-se ao projeto de produção inicial dos assentamentos na região de Araraquara, no início
dos anos 80, em particular no município de Araraquara os assentamentos Monte Alegre e o Bela
Vista, trabalhavam com fruticultura e em casos isolados de produção orgânica, mas principalmente
com grãos, em especial o milho, que estimulada pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo
( ITESP) foi a primeira cultura a ser produzida em larga escala pelos assentados. Tal produção
rendeu bons frutos aos trabalhadores, porém em seguida gerou uma estagnação que resultou na
inadimplência de muitos assentados.
8
Ibid, p.42.
9
Ana Paula Leivar Brancaleoni, Do rural ao urbano: o processo de adaptação de alunos moradores de um assentamento rural à
escola urbana, 2002,Dissertação( Mestrado em Psicologia) FFCLRP/USP, Ribeirão Preto,p.74
4
Por causa das perdas advindas da produção de grãos, os trabalhadores passaram a olhar a
possibilidade de se integrar ao complexo agroindustrial sucro-alcooleiro como uma forma de superar
suas dificuldades financeiras.
A produção de cana nos assentamentos de Araraquara teve como forte aliado o governo municipal e
os setores que se beneficiaria com a substituição da cultura de grãos para a de cana. Os
assentamentos Monte Alegre e Bela Vista tiveram trajetórias diferentes, o primeiro a introdução da
produção de cana foi mais fácil, não tendo resistência dos assentados, já o segundo a tentativa de
implantar o cultivo da cana se deu em 1994, porém foi rejeitada pelas lideranças do assentamento,
que mobilizaram os assentados contra essa ação e cobraram do INCRA uma atitude contra essa
iniciativa, pois o assentamento enquanto concessão do Estado não pode ser arrendado, portanto, a
produção de cana se constitui em prática ilegal conforme os propósitos da política de reforma
agrária.
O problema parecia ter sido solucionado, porém devido à queda da cultura de grãos muitos
assentados ficaram inadimplentes como já citado acima, e por isso em 1997 essa questão voltou a
assombrar o assentamento Bela Vista. Nesse período a idéia de plantar cana para a usina, provocou
grande entusiasmo em grande parte dos trabalhadores, além da articulação entre a “Associação
Independente” e uma usina de Araraquara resultando na consolidação do cultivo da cana-de-açúcar
em parte dos lotes do projeto, hoje já em quase todo o assentamento(Ferrante et al, 2005).
As dificuldades, lutas, resistências e incorporações registradas aqui no caso do assentamento Bela
Vista não representam algo isolado do que se vive nos assentamentos e pré-assentamentos que
acompanhamos, como os pré-assentamentos Santo Dias, Índio Galdino e Mário Lago no município
de Ribeirão Preto/SP , o assentamento Zaqueu Machado em Capixaba/AC, os assentamentos
Ezequias dos Reis e Bom Jardim no município de Araguari/MG, Zumbi dos Palmares e Rio das Pedras
no município de Uberlândia/MG. Também devemos destacar que as perspectivas, desejos e sonhos
que aparecem no início dos projetos de assentamentos são em grande parte cultivados nos
acampamentos, pelo menos nos que acompanhamos, Nova Canudos, Terras Sem Males e Irmã
Alberta, todos em São Paulo.
O projeto de reforma agrária tem como um dos seus objetivos a formação de assentamentos que
desenvolvam a produção agrícola, principalmente de alimentos, e integrados ao sistema produtivo
regional fazendo com que esse se desenvolva junto com o projeto de reforma agrária, e todos vivam
felizes para sempre, mas não é isso que a história do assentamento Bela Vista, e as experiências
acima citadas têm revelado.
Ao tentarmos entender os meandros das relações famílias acampadas/assentadas e as lideranças
dos movimentos que lutam pela reforma agrária, desses com o Estado, do latifúndio e os pequenos
produtores, da agroindústria e os trabalhadores assalariados é possível constatar que há muitos
impasses. As famílias sem capital de investimento e crédito enfrentam grandes dificuldades para
produzir em seus lotes, e conseqüentemente são levadas a arrendar suas terras ou produzir
matéria-prima para as agroindústrias ou manter-se em condições precárias de subsistência.

Trabalho e Educação no assentamento Bela Vista.

O assentamento Bela Vista situado no município de Araraquara é um exemplo para a reflexão e


análise da discussão da proposta de Educação do/no Campo. Primeiramente acreditamos necessário
identificar de que educação estamos nos referindo; educação regular, oferecida pelos sistemas de
educação municipal ou estadual ou a educação profissional, obtida através do Sistemas Nacionais de
Aprendizagem (SENAR, SENAI E SENAC), cursos técnicos ou formação a partir da inserção do
sujeito no trabalho.
Outra questão é a definição de urbano ou rural, pois segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) que utiliza as Pesquisas Nacionais por Amostragem Domiciliares (Pnads) defini a
situação:

Segundo a localização do domicílio, a situação pode ser urbana ou rural, definida por lei municipal
em vigor em 01 de agosto 1996. Na situação Urbana consideram-se as pessoas e os domicílios
recenseados nas áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas
(sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. A situação Rural abrange a população e os domicílios
recenseados em toda a área situada fora dos limites urbanos, inclusive os aglomerados rurais de
extensão urbana, os povoados e os núcleos.10

10
Conceituação das Características Divulgadas na Contagem da População de 1996. In:
www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem/conceitos.shtm. Acessado em 20/05/2007.
5
Esse critério, o de domicílio, para caracterizar o corte urbano/rural leva José Graziano da Silva a
afirmar que a população rural de 21% apontada pelas Pndas de 1995 poderia ser elevada a 40% se
utilizado como um dos parâmetros para definir um aglomerado urbano municípios com população
acima de 20 mil habitantes, “que um dos parâmetros muitas vezes utilizado para definir o número
mínimo de habitantes de um aglomerado urbano” 11.
Para nós, esses dados aumentam a convicção que não devemos falar de educação do/no campo,
mas de educação, não profissional, geral que permita o aluno compreender sua particularidade
enquanto elemento de uma totalidade, que o campo, na sociedade capitalista, se organiza a partir
das necessidades e da lógica do capital.
Portanto, pensar um Projeto Político Pedagógico progressista para a EMEF do campo Profº Hermínio
Pagotto, do assentamento Bela Vista, é pensar um projeto que possibilite a educação dos
assentados, e de seus filhos, condições; de compreender os fundamentos do processo de trabalho
como elemento do processo de produção capitalista, entender o desenvolvimento histórico e
contraditório das sociedades, se apropriar intelectualmente do que se produziu pela humanidade no
campo das artes, da literatura, das ciências naturais e humanas e compreender a realidade local
como parte e articulada com o conjunto da sociedade.
A fonte do exposto acima se refere à concepção de educação, de formação onilateral e do trabalho
como principio educativo de Marx apresentado no texto “Instruções aos Delegados do Congresso da
AIT”, aos delegados do “I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores em 1866”.
Neste texto, Marx pela primeira vez define o conteúdo pedagógico do ensino socialista:

Por educação, entendemos três coisas:


1. Educação intelectual;
2. Educação corporal, tal como é produzida pelos exercícios de ginástica e militares;
3. Educação tecnológica, abrangendo os princípios gerais e científicos de todos os processos de
produção, e ao mesmo tempo iniciando as crianças e os adolescentes na manipulação dos
instrumentos elementares de todos os ramos de indústria.
A divisão das crianças e dos adolescentes em três categorias, de 9 a 18 anos, deve corresponder um
curso graduado e progressivo para a sua educação intelectual, corporal e politécnica. Os custos
destas escolas politécnicas devem ser em parte cobertos pela venda das suas próprias produções.12

Claro que estamos falando de uma situação concreta, o assentamento Bela Vista, que é uma das
representações entre outras tantas do meio rural brasileiro, de uma sociedade onde as relações de
produção dominante são capitalistas, mas ao nos referirmos as propostas de educação do/no
campo tem como uma de suas origens seguimentos progressistas da sociedade brasileira, portanto
faz sentido retornarmos a citação acima no que diz respeito aos elementos de uma proposta de
ensino dos setores socais mais avançados, ou seja, recuperar a idéia de educação intelectual,
corporal e tecnológica, esta última, principalmente, com relação ao domínio dos “princípios gerais e
científicos de todos os processos de produção”.
Outra referência necessária para pensarmos o trabalho como principio pedagógico é Antonio
Gramsci. Paolo Nosella em seu livro “A escola de Gramsci” apresenta suas preocupações com
relação ao papel da escola na sociedade moderna:

A minha preocupação foi, portanto, compreender a escola proposta por Gramsci no caldo dos
acontecimentos econômicos e políticos em que foi elaborado. A segunda preocupação que motivou
este meu trabalho é demonstrar que para Gramsci a escola moderna tem no industrialismo seu
princípio pedagógico. Trata-se de uma tese sobejamente enunciada, mas que reclama maiores
explicações. De um lado, é necessário enfatizar que Gramsci destaca a escola tradicional embasada
nas formas produtivas pré-industriais. Polemiza, por isso, com a escola jesuítica, autoritária,
metafísica, doutrinária e classista, eficiente e orgânica somente nas sociedades arcaicas. De outro
lado, Gramsci também discorda das modernas escolas que fazem do industrialismo seu principio
pedagógico de forma “interessada” (interesseira, mesquinha, imediatista). Estas escolas consideram
erroneamente que o instrumento de trabalho é apenas “objeto material, uma máquina singular, um
utensílio individuado. (O.N 1987, 413)”. 13

A vinculação que Gramsci faz da escola moderna com o industrialismo, apresentada por Nosella,
aponta o trabalho como principio pedagógico da escola moderna tendo como objetivo criar
11
José Graziano da Silva, Sobre a delimitação do rural e do urbano no Brasil: testando as aberturas geográficas das novas
Pnads, In: http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/textos/downlo/textos.html . Acessado em 20/05/2007.
12
Karl Marx & Friedrich Engels, Crítica da educação e do ensino. Lisboa, Moraes, 1978, p. 223.
13
Paolo Nosella, A escola de Gramsci. 3ª ed., São Paulo, Cortez, 2004, p.24.
6
capacidades intelectuais e capacidades para o trabalho, ou seja, o principio de escola unitária de
caráter geral e desinteressada.

Se a escola é suspensão do trabalho produtivo, não é, porém, dele fuga, negação ou esquecimento.
Assim como a fábrica se enuclea ao redor do instrumento de trabalho moderno considerado objeto
material de produção, a escola se estrutura ao redor desse mesmo instrumento de trabalho
entendido, porém, como processo de desenvolvimento científico, criativo e ético da história dos
homens. O instrumento de trabalho para a escola unitária é um feixe de relações políticas, sociais e
produtivas. É, sobretudo, a possibilidade concreta de liberdade universal. 14

A idéia de totalidade, onde o urbano e o rural fazem parte de um único universo, de uma mesma
lógica, também aparece em autores não marxistas, como por exemplo Max Weber, autor
considerado um clássico da sociologia. Weber, em seu texto, “Capitalismo e Sociedade Rural na
Alemanha”, faz uma análise da questão agrária na Alemanha, identificando a realidade do setor
agrário alemão diferente do inglês e do norte-americano. O autor, também, analisa as diferenças na
organização e nas relações de produção no interior da Alemanha, apontando diferenças entre a
região leste e oeste do país, essas determinadas por fatos históricos na implementação do
capitalismo e na resistência dos setores mais tradicionais da sociedade alemã. Weber afirma no
início do texto que:

De todas as comunidades, a constituição social dos distritos rurais são as mais individuais e as que
relação mais íntima mantêm com determinados fatos históricos. Não seria razoável falarmos
coletivamente das condições rurais da Rússia, Irlanda, Sicília, Hungria, e a Faixa Negra. Mesmo que
eu me limite aos distritos com culturas capitalistas desenvolvidas, não será possível tratar o assunto
de um ponto de vista comum, pois não existe uma sociedade rural separada da comunidade urbana
social, no presente, em grande parte do mundo civilizado. Já não existe na Inglaterra, exceto,
talvez, na imaginação dos sonhadores. O proprietário constante do solo, o dono da terra, de uma
propriedade, o arrendatário ou ocupante, é um empresário, um capitalista como qualquer outro. Os
trabalhadores são parcialmente temporários e migrantes; o resto são trabalhadores exatamente de
mesma classe dos outros proletários; reúnem durante algum tempo e em seguida se dispersam
novamente. 15

Nessa passagem, Weber nos alerta para a compreensão do desenvolvimento histórico, desigual e
combinado da sociedade capitalista, que ao analisarmos as questões agrárias e suas relações de
produção, relações dominantes, são relações de produção capitalista no campo e na cidade que tem
como objetivo a acumulação do capital.
Essas referências nos fazem tomarmos a relação Trabalho Rural e Educação na dimensão de suas
relações universais, enquanto relações de produção capitalista, como também, em suas
particularidades, relações capitalistas no setor rural no interior do Estado de São Paulo.
Portanto, tendo como objeto de análise o assentamento Bela Vista para colocar a discussão da
relação Trabalho Rural e Educação e tomando as referências acima, cabe levantarmos a tese de que
a organização do trabalho rural não exige uma educação diferenciada no que diz respeito ao ensino
regular, educação básica, ainda mais a partir de meados da década de 80 do século passado com
mecanização, informatização, insumos químicos e biológicos e o aparecimento das agroindústrias
aumentando as oportunidades de acesso a bens de consumo duráveis, ou não, a melhorias no
transporte, lazer, comunicação, empregabilidade, etc, aproximando o ritmo de vida do meio rural e
urbano com suas facilidade, dificuldades e contradições. Essa nova realidade rural brasileira
apresentasse como novo rural composto

basicamente de quatro grandes subconjuntos, a saber:


uma agropecuária moderna, baseada em commodities e intimamente ligada às agroindústrias, que
vem sendo chamada de o agribusiness brasileiro;
um conjunto de atividades de subsistência que gira em torno da agricultura rudimentar e da criação
de pequenos animais, que visa primordialmente manter relativa superpopulação no meio rural e um
exército de trabalhadores rurais sem terra, sem emprego fixo, sem qualificação , os “sem-sem”
como já os chamamos em outras oportunidades, que foram excluídos pelo mesmo processo de
modernização que gerou o nosso agribusinees:
um conjunto de atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades
industriais e de prestação de serviços;
14
Paolo Nosella, A escola de Gramsci. 3ª ed., São Paulo, Cortez, 2004, p.25.
15
Max WEBER, Capitalismo e Sociedade Rural na Alemanha, In: Ensaios de Sociologia, p.413.
7
um conjunto de “novas” atividades agropecuárias, localizadas em nichos especiais de mercados.
O termo “novas” foi colocado entre aspas porque muitas dessas atividades, na verdade, são
seculares no país, mas não tinham, até recentemente, importância econômica. Eram atividades de
“fundo de quintal”, hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos (piscicultura,
horticultura, floricultura, fruticultura de mesa, criação de pequenos animais, etc.), que foram-se
transformado em importantes alternativas de emprego e renda no meio rural nos anos mais
recentes. Essas atividades, antes pouco valorizadas e dispersas, passaram a integrar verdadeiras
cadeias produtivas, envolvendo, na maioria dos casos, não apenas transformações agroindustriais,
mas também serviços pessoais e produtivos relativamente complexos e sofisticados nos ramos da
distribuição, comunicações e embalagens. Tal valorização também ocorre com as atividades rurais
não-agrícolas derivadas da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e prestação
de serviços) e com as atividades decorrentes da preservação do meio ambiente. 16

Esse novo rural brasileiro de atividades agropecuárias e agroindustriais é também acompanhado de


um conjunto de atividades não-agrícolas e/ou urbanas.

Um novo ator social já desponta nesse novo rural: as famílias pluriativas que combinam atividades
agrícolas e não-agrícolas na ocupação de seus membros. A característica fundamental dos membros
dessas famílias é que eles não são mais apenas agricultores e/ou pecuaristas: combinam atividades
dentro e fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-industriais, como lazer,
turismo, conservação da natureza, moradia e prestação de serviços pessoais. Em resumo, deixaram
de ser trabalhadores agrícolas especializados para se converterem em trabalhadores (empregados
ou por conta própria) que combinam formas diversas de ocupação (assalariada ou não) em distintos
ramos de atividades (agrícolas e não-agrícolas). 17

Com essa reorganização do espaço rural, a mecanização e informatização, o uso de insumos


industrializados, as agroindústrias e um conjunto de atividades não-agrícolas, que segundo
Graziano18, a renda obtida dessas atividades, em 1998, já superava a renda em atividades agrícolas
das famílias rurais. Importante destacarmos que essas novas tecnologias no campo têm diminuído o
tempo de trabalho em relação ao tempo de produção das atividades agrícolas, aumentando o tempo
de não-trabalho nessas atividades e possibilitando a famílias rurais a dedicarem parte de seu tempo
em atividades não-agrícolas, o que autores tem chamado de elementos part-time.
Esse novo contexto da organização do trabalho no meio rural brasileiro e os critérios de domicilio do
IBGE para definir o corte entre urbano e rural novamente leva-nos às propostas de educação do/no
campo. Se pensarmos a educação regular, ensino básico, como universal, laico e gratuito que crie
capacidades intelectuais e para o trabalho como exposto acima, a proposta de educação do/no
campo faria sentido como aprendizagem profissional, mas, em nosso entender, nem esse aspecto
faz sentido, pois hoje temos um conjunto de profissões ligadas à produção agrícolas 19 e não-
agrícolas no meio rural que são desenvolvidas por profissionais com domicilio na cidade, portanto
típicos cidadãos urbanos, além de profissões que não se distinguem como rural ou urbana,
caldeireiros, químicos, motoristas, programadores, administradores entre tantas outras.
Na análise da relação Trabalho Rural e Educação no assentamento Bela Vista, no município de
Araraquara, temos buscado compreender esta relação enquanto relações no interior de relações de
produção capitalistas e em sua particularidade, assentamento no interior do Estado de São Paulo
com alto nível tecnológico, boa rede de estradas que facilitam o escoamento da produção e de
deslocamento das pessoas e produtos, concentração de capitais, grandes propriedades rurais,
agroindústrias e acentuada urbanização do campo.
A sistematização acima possibilitou-nos a apontar dois caminhos de investigação, não excludentes,
mas complementares: o primeiro é a análise do alcance e dos limites do Projeto Político Pedagógico
da escola municipal do assentamento Bela Vista, através de questionários e entrevistas, traçar
parâmetros entre os objetivos do projeto da escola e a concepção de mundo que está se formando
nos alunos, como esses entendem o papel da escola em suas vidas, como percebem a vida no
campo e na cidade, as possibilidades de continuidade de seus estudos (a escola atende somente o
ensino fundamental)20 e de empregabilidades.

16
José Graziano da Silva, O novo rural brasileiro. 2ª ed., Campinas, UNICAMP. IE, 2002, p.ix-x.
17
José Graziano da Silva, O novo rural brasileiro. 2ª ed., Campinas, UNICAMP. IE, 2002, p.x.
18
José Graziano da Silva & Mauro Eduardo Del Grossi, O novo rural brasileiro: atualização para 1992-98. In:
http://www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/textos/downlo/textos.html. Acessado em 20/05/2007.
19
Aqui cabe tomar como exemplo os trabalhadores assalariados do corte da cana e da colheita de laranjas, as duas principais
culturas da região de Ribeirão Preto/SP.
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O segundo é identificar o destino de jovens entre 15 e 25 anos, em media entre final do ensino
fundamental e do ensino superior, buscando entender as novas e velhas relações neste novo rural
no que se refere a domicilio, escolaridade, empregabilidade, qualificação profissional.

Bibliografia

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um assentamento rural à escola urbana, 2002. Dissertação (Mestrado em Psicologia) FFCLRP/USP.
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SILVA, José Graziano da & DEL GROSSI, Mauro Eduardo. O Novo Rural Brasileiro: uma atualização
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Que segundo o Alexandre Luiz de Freitas ex-coordenador pedagogico da escola afirma em entrevista “É uma escola de
ensino fundamental com o mesmo currículo das demais. Apenas adotamos formas diferentes de transmitir as informações, em
sintonia com o mundo dos estudantes.” Freitas continua “Não temos pretensão de impedir nem influenciar ninguém, apenas
damos às crianças condições para que elas possam escolher o próprio caminho, seja ele o de permanecer ou de partir para o
meio urbano”. In: Wolffenbüttel, 2007.

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