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A Inadequação do Código Florestal à realidade agropecuária brasileira

Gabriela Bitto de Oliveira

O agronegócio possui sua importância na economia mundial, de tal modo que em 1998 o
mundo tinha um PIB total de U$$ 30 trilhões e o agronegócio representava 22% , ou seja , U$$ 6
trilhões, sendo classificado como o maior negócio do mundo, superando o petróleo, as
telecomunicações e a energia.
No caso do Brasil, em 2007 este setor representou cerca de 24% da economia brasileira com
uma safra recorde de 133,3 milhões de toneladas de grãos (cereais, leguminosas e oleoginosas) que,
de acordo com o IBGE, fizeram com que o setor como um todo crescesse 7,89% em comparação
com o período anterior, 2005/2006. O PIB do agronegócio, que soma a produção agrícola, a
pecuária e os insumos, atingiu R$ 611,8 bilhões, de acordo com estimativa da CNA ( Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil), feita em parceria com o CEPEA-USP (Centro de Estudos
Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo).
O Brasil é hoje o segundo maior exportador mundial de alimentos, atrás apenas dos Estados
Unidos. Sendo que a agropecuária é o setor que possibilitou a inserção do Brasil no cenário
mundial. Ao longo das últimas quatro décadas, foram grandes as transformações pelas quais
passaram a economia e a sociedade brasileira, desde a transição de uma economia fechada e
protecionista e com altas taxas de inflação até à atual economia de mercado globalizado que se
fortaleceu com o Plano Real.
Ainda segundo a CNA, a atividade agropecuária além de ser o setor que mais ocupa mão-de-
obra, é o que mais rapidamente responde aos investimentos realizados e o que tem o maior efeito
multiplicador de geração de empregos por aumento da demanda final. Para cada R$ 1 milhão
investido de demanda final de produtos agropecuários, isto é, vendas internas ou de exportações, a
agropecuária gera 325 empregos. A construção civil, que é o setor importante na geração de
empregos, consegue gerar apenas 197. Segundo o IBGE, até dezembro de 2006 a agropecuária
empregava 16,4 milhões de pessoas.
A produção agrícola brasileira pode ser dividida entre comercial e familiar, em uma
proporção de cerca de 63% e 37%, respectivamente, de acordo com o censo agropecuário de 1996,
enquanto os grandes produtores controlam a primeira, concentrando também as exportações, a
segunda, feita por pequenos e médios produtores é responsável principalmente pelo abastecimento
interno, apesar de também colaborar com o fornecimento para a indústria, especialmente de frango
e leite.
Segundo dados do ministério do desenvolvimento agrário, cerca de 70% dos alimentos que
chegam à mesa dos brasileiros provêm da agricultura familiar. Os principais alimentos cultivados
nesse modelo são carne suína (60% da produção anual está na agricultura familiar), frangos (70%),
feijão (67%), leite (56%) e mandioca (89%). Milho é produzido em parcelas quase iguais pela
agricultura familiar e comercial. Já soja, cana, café e arroz são predominantemente comerciais. as
frutas estão, em sua maioria, nas mãos das famílias.
Apesar de representarem uma economia consolidada, durante todas as etapas do processo
produtivo os agricultores e pecuaristas, principalmente os pequenos e os que possuem agricultura
familiar, enfrentam riscos e incertezas. TOURINHO (2005) citam que os produtores
constantemente se defrontam com dois tipos de riscos. O primeiro tipo é chamado de “risco de
produção”, causado por fatores incontroláveis como o clima, doenças, insetos e outros. O segundo
é o “risco de mercado”, causada por drásticas variações no preço de venda durante o ano e que tem
levado a um incremento dos riscos nos negócios agropecuários. Além de todos os problemas
técnicos e econômicos inerentes da atividade de produção os produtores ainda estão sujeitos a
diferentes restrições impostas pelo Código Florestal Brasileiro.
A iniciativa de criação de um Código Florestal só surgiu por volta de 1920, quando o
presidente Epitácio Pessoa formou uma subcomissão para elaborar o anteprojeto do futuro Código
Florestal. Em 1934, por fim, o projeto foi transformado no Decreto n° 23.793, que com o passar do
tempo ficou conhecido como o Código Florestal de 34.
Em 18 de julho de 1965, foi instituída a Lei 4.771 (Novo Código Florestal) que introduziu a
Reserva Legal. Desde esse período, o Código Florestal vem sofrendo inúmeras alterações, por meio
de medidas provisórias, que demonstram a dificuldade dos legisladores em conciliar os interesses
dos diversos atores envolvidos no assunto.
Os proprietários de terra se sentem prejudicados com os artigos e medidas impostos pelo
Código, é importante que a autoridade ambiental se dê conta de que não se pode pretender jogar
exclusivamente sobre as costas do atual proprietário rural os ônus dessa radical modificação da Lei
Ambiental.
A atualização do Código Florestal é imprescindível para a melhoria da gestão dos recursos
ambientais, assim como, para a sustentabilidade das atividades rurais, já que ele se mostra
desatualizado, onde as medidas vigentes não foram feitas com base científica, não se adequando,
portanto, à realidade dos proprietários de terra. Além de ser um emaranhados de Leis havendo
dificuldades na sua compreensão e interpretação.
A legislação ambiental brasileira foi escrita de tal forma que considera todo o território
nacional como passível à atividade sem levar em conta as restrições como Unidades de
Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs). De acordo com dados da Embrapa Monitoramento por
Satélite, as TIs e Ucs somam cerca de 1.967.000 km², ou 46% do bioma Amazônia. Em todo o País,
elas totalizam cerca de 2.294.000 km², ou seja, 27% do Brasil. O Mapa1 mostra essas áreas no
território nacional:

Mapa 1 – Total de áreas protegidas (Ucs e TI) no Brasil

Portanto, apenas 73% do território brasileiro está disponível às demais atividade, não só
rural, mas industrial e urbana também. Agora, se contabilizarmos nesse território restante a área que
deve ser destinada às Áreas de Preservação Permanente (APPs) e às Reservas Legais (Rls), temos
os seguintes dados obtidos pela Embrapa Monitoramento por Satélite:
As APPs associadas à hidrografia, exemplo no Mapa 2, foram estimadas em 1.388.000 km²
no bioma Amazônia (33%) e 1.845.000 km² em todo o Brasil (22%). Nessas áreas, a rigor, estão
“ilegalmente” localizadas cidades, povoados, ribeirinhos, portos, agricultura de várzea, pastagens e
diversas atividades modernas e tradicionais. E APPs associadas ao relevo (acima de 1800m, topo de
morro, declives entre 25 e 45°, etc), exemplo no Mapa 3, onde o total mapeado foi de cerca de
104.500 km² no bioma Amazônia (2,5%) e de 418.500 km² no Brasil (5%). Sendo que a
sobreposição das áreas de hidrografia e de relevo fazem com que as APPs ocupem 17% do território
nacional.

Mapa 2 – APPs de Hidrografia

Mapa 3 – APPs em Topo de Morro


No caso da Reserva Legal, respeitadas as
exceções previstas na legislação e calculadas anteriormente, a área total a ser destinada seria da
ordem de 1.164.000 km², cerca de 42,87% do Bioma Amazônia. No País, isso representaria uma
“reserva” de 2.685.542 km², 32% do território nacional.
Sobrepondo todas as áreas (Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Reservas Legal e
Áreas de Preservação Permanente) que não podem ser exploradas de forma a gerar um retorno
econômico satisfatório para o desenvolvimento, obtemos o Mapa 4:

Mapa 4 – Sobreposição das UCs, TIs, APPs e RLs

Portanto o alcance territorial que as UCs, TIs, RL e as APPs teriam no Brasil corresponde a
6.059.526 km², ou seja, 71% da área nacional, sobrando apenas 29% equivalente a .455.350 km² de
terras disponíveis para a “exploração” urbana, rural e industrial. Os dados nos levam a concluir
sobre a inviabilidade de aplicar o Código Florestal devido à falta de embasamento científico deste,
que não foi elaborado através de estudos e pesquisas, e sim de interesses pessoais e internacionais.
Outro ponto questionável do Código Florestal é o “benefício” de compensação da Reserva
Legal que permite o proprietário compensar sua área de preservação permanente em outra
propriedade desde que siga alguns pré-requisitos:
1. Deve estar dentro da mesma bacia hidrográfica (Mapa 5);
2. Deve estar dentro do mesmo bioma (Mapa 6);
3. Deve estar dentro do mesmo agrupamento de município (Mapa 7); e
4. A área deve estar com excesso de floresta.
Ocorre que cada vez mais surgem novas restrições como a de não poder compensar em outra
propriedade desde que a sua não esteja localizada dentro dos Corredores de Biodiversidade ou no
entorno de UCs (Mapa 8) que seriam áreas prioritárias para manutenção da RL. E cada vez mais
torna-se inviável se adequar a elas. Abaixo está o exemplo do Estado do Paraná, mapas fornecidos
pela DIBAP – IAP, 2004:

Mapa 5 – Mapas da Bacia Hidrográfica Mapa 6 – Mapas dos Biomas

Mapa 7 – Agrupamento dos municípios Mapa 8 – Corredores de Biodiversidade

Mapa 9 – Mapa com todas as restrições juntas


Há mais um benefício que o proprietário rural tem, mas ele não abrange a todos. Só que
devido a sua importância e eficiência há uma grande discussão no cenário nacional para não
restringi-lo mais. Esse benefício é a compensação da reserva legal na área de preservação
permanente. Segundo TOURINHO (2005) dentre todas as propostas que foram feitas para a
modificação do Código Florestal, a de computar a reserva legal na área de preservação permanente
é a mais viável para ambos os lados, ambientalistas e ruralista, pois para esses últimos seria um
estímulo para a recuperação da APP e consequentemente a regularização da sua propriedade.
Atualmente, pode-se fazer o cômputo da reserva legal somente quando soma da vegetação
nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder a oitenta por cento da
propriedade rural localizada na Amazônia Legal;
cinqüenta por cento da propriedade rural
localizada nas demais regiões do País; e vinte e
cinco por cento da pequena propriedade. Devido
a essa restrição, temos grande parte das
propriedades na situação da Figura 1,
descumprindo totalmente a lei, pois já que não
conseguiram se regularizar, não se importam
com o restante da vegetação.
A Figura 2 mostra como deveria ser grande
parte das terras com a sua devida Reserva Legal
e Área de Preservação Permanente delimitadas, é
possível observar a inviabilidade de manter uma
propriedade assim, devido a sua ineficiência
econômica, ou seja, o produtor quase não
consegue tirar proveito dela. E por fim, a Figura 3 nos apresenta como seria a propriedade que tem
sua reserva legal computada na APP, onde o proprietário ao mesmo tempo, protege a vegetação e o
rio presentes na sua propriedade e consegue tirar proveito significativo da área restante.

Figura 2 – APP + Reserva Legal Figura 3 – RL computada na APP

Vários estudos vêm sendo realizados para quantificar o prejuízo que o produtor rural teria se
adequando à Lei, um exemplo é o de RIGONATTO (2009), que calculo o custo médio para que o
proprietário recompusesse a área de reserva legal de sua propriedade, constatado um valor médio de
R$ 326,27 por hectare/ano. Esse valor seria equivalente a 18,5% da receita por hectare no caso da
soja, 17,0% no do milho e 9,2% no do feijão. Essa relação é bem mais significativa para a pecuária
de leite (28,0%) e pecuária de corte (160,9%).
Outra simulação feita pelo mesmo autor nos mostra um município com 179.946 ha, para o
cumprimento da atual legislação ambiental, os proprietários devem conservar uma área de 20% do
imóvel como reserva legal. O montante anual necessário para cobrir custos de oportunidade da RL
neste município, seria da ordem de R$ 11.742.196,28. Este valor equivale a 5,7% do PIB municipal
e 22,6% da receita agropecuária bruta do município. Representa, ainda, 311% do valor de recursos
federais transferidos para a administração pública municipal.
O produtor rural não se sente estimulado a colocar a lei em prática devido ao prejuízo que
terá. Em muitos casos, o fato da sua terra não possuir vegetação foi devido aos proprietários
anteriores que já haviam desmatado a vegetação. A burocracia exigida pelos órgãos ambientais para
a adequação de uma propriedade rural às normas vigentes torna-se outra barreira.
Segundo AZOLIN, dentre os problemas para a averbação tem-se:
• A localização da RL deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou,
mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada =
emissão de um Termo de Declaração de Aprovação por imóvel rural;
• Falta de estrutura e pessoal nos órgãos ambientais;
• Quantidade de imóveis rurais no RS: +500.000 (INCRA);
• Custo dos mapeamentos;
• Dúvidas nos Cartórios de Registro de Imóveis;
• Propriedades rurais com mais de uma Matrícula;
• Área medida diferente da área registrada;
• Falta de um Banco de Dados adequado;
• Falta de Convênios com outras instituições e órgãos ambientais municipais.
O Código Florestal está em vigor desde 1965, passou por muitas modificações até chegar ao
ano de 2010, como uma das maiores polêmicas do setor agropecuário. Foram realizadas diversas
Audiências Públicas, uma comissão foi formada só para discutir essa possível reforma e isso tudo
porque o Presidente do Brasil, Luíz Inácio, colocou em vigência o Decreto 6514, que regulamenta a
Lei de Crimes Ambientais, dando um prazo para os produtores rurais se adequarem antes de
começar a multá-los ou até mesmo prendê-los por inadequação ao Código.
A Lei 4.477, de 1965, tornou-se um pesadelo constante na vida dos agropecuários, que
acostumados durante séculos a vê-la como um papel, já que a fiscalização nunca a exigiu na prática,
hoje eles têm um curto período de tempo para torná-la parte de seu cotidiano, o problema é que
muito dos seus artigos se tornam enviáveis para a realidade. Assim, se nenhuma mudança na Lei for
realizada, os produtores rurais terão que pagar por uma falha do governo que elaborou uma
legislação ambiental sem que se tomassem as precauções de socialização do conhecimento e
também quanto à devida criação de alternativas que permitam planejar as mudanças necessárias.
Além de não fiscalizarem, permitindo que a maioria dos proprietários de terra permanecessem na
irregularidade durante década.
Para a sociedade atual, a questão ambiental é, sem dúvida alguma, o assunto do momento.
Se por um lado ela possibilita mudar os rumos do desenvolvimento em benefício das gerações
futuras, por outro, os mecanismos criados para garantir tal objetivo podem trazer sérios problemas à
sobrevivência das produtores rurais. Deve-se dar alternativas viáveis economicamente para o
produtor abandonar áreas que lhe dariam lucros, e se adequar à legislação.
Porém uma solução perfeita está longe de ser alcançada, pois, fazendo uso das palavras de
HERRMAM (2007), não se pode esquecer, que a ciência jurídica se diferencia das ciências naturais
ou exatas, exatamente porque, diferentemente daquelas, não busca a certeza ou a verdade absoluta,
mas, tão somente, o mais ou menos justo, o mais ou menos certo, o mais ou menos correto. Trata-se
de ciência interpretativa que se molda pelo juízo de valor de seu intérprete.
Assim, os técnicos envolvidos com a aplicação das normas legais voltadas para a proteção
dos recursos naturais: biólogos, engenheiros, geólogos, etc., aplicam-nas como se manuais fossem.
Fazem uma interpretação gramatical e, portanto, linear da norma jurídica, esquecendo-se que elas
são resultantes de conceitos técnicos abrangentes e devem, por conseguinte, ser aplicadas de forma
sistêmica, ou dito de outra forma, após análise abrangente do sistema em que se inserem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ABREU E SILVA, M de. Reserva Legal – Novos Aspectos Conceituais e Responsabilidade.


Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, 2003.

ASSAD, Eduardo & PINTO, Hilton Silveira. O Aquecimento Global e a Nova Geografia da
Produção Agrícola no Brasil. Embrapa / Unicamp. Agosto de 2008.

AZOLIN, Fabricio Ribeiro. Programa de Recuperação de Matas Ciliares. Gab. DEFAP/SEMA –


Secretaria Estadual de Meio Ambiente; Departamento de Florestas e Áreas Protegidas.

HERMANN, Hildebrand. Atualização sobre o código florestal. Universidade de Campinas


-Unicamp, 2007.

MIRANDA, Evaristo Eduardo de. O alcance da legislação territorial. In.: Desafio Ambiental:
Produção Sustentável - Propostas do Setor Produtivo para a reforma do código Florestal Brasileiro.
Goiânia: FAEG, 2009. (p15 - 20)

PADILHA JUNIOR, João Batista. O Impacto da Reserva Legal Florestal sobre a Agropecuária
Paranaense, em um Ambiente de Risco. Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 2004.

TOURINHO, Luiz Anselmo Merlin. O Código Florestal na pequena propriedade rural: Um


estudo de caso em três propriedades na microbacia do Rio Miringüava. Curitiba, Universidade
Federal do Paraná, 2005.

VALENTE, Osvaldo Ferreira. Reflexões sobre o Código Florestal e uma proposta de mudança.
Artigo; Especialista em Hidrologia e Manejo de Pequenas Bacias Hidrográficas e Professor Titular,
aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV)

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