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CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERACAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS GENETIC CLASSIFICATION OF SOILS AND ROCK WEATHERING LAYERS IN TROPICAL REGIONS Luiz F. Vaz, Geélogo ‘Themag Engenharia RESUMO Apresenta-se uma breve revisdo das classificagdes genéticas de solos, discutindo-se as bases para a formulagio dessas classificagdes, tanto para solos residuais como transportados. Para os solos residu- ais propde-se um perfil de intemperismo, definido através de processos de escavacio e de perfuracio, com dois horizontes de solo ¢ trés de rocha. Os tipos de solos transportados so definidos de acordo com seu processo de origem. Sao apresentados critérios de campo para a identificagio dos diversos horizon- tes de solo ¢ rocha, incluindo procedimentos para a atribuico de classes de alteragio a grupos de rochas em fungo das suas caracteristicas de resisténcia mecani ABSTRACT A brief review of the genetic soil classification systems and the basis for the development of those systems are discussed, both for residual and transported soils. A weathering profile for residual soils is proposed based on escavation and drilling methods with two soil horizons and three rock horizons. The transported soil types are defined according to their origin. Field criteria for identification of the soil and rock horizons are presented, including procedures for association of weathering classes to rock groups according to compressive strenght caracteristics. 1, INTRODUCAO. O advento da classificagiio de Casagrande, no final da década de 40, sistematizou a iden- tificagZo dos solos segundo suas propriedades texturais e plasticas, tornando universal a clas- sificagdo dos solos através das caracterfsticas do material deformado. Entretanto, Casagrande (1948), além de sugerir a descrigao do estado do solo, preconizava que toda investigagio de solos deveria incluir a sua classificagao geolégica, es tabelecendo dois tipos de solos conforme ao gem: residuais, produzidos pela alteracio “in Solos ¢ Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. situ” da rocha e transportados, subdividindo, es- tes tltimos, conforme o processo de deposigaio. Na década de 50, os engenheiros de solos trabalhando em paises de clima tropical, como 0 Brasil, verificaram que os solos residuais dessas regides apresentavam horizontes onde as pro- priedades usuais relativas ao estado do solo eram insuficientes para caracterizar seu compor- tamento. A principal diferenca ocorria na porgio inferior do solo residual, onde as estruturas rema- nescentes das rochas de origem cram capazes de 117 LUIZ F. VAZ. condicionar 0 comportamento geomecinico das escavagGes. Datam dessa época as primeiras adi- Ses de informacées geolégicas para aprimorar 0 conhecimento do estado do solo, tal como a iden- tificagio de solos ricos em mica ou miciccos. Com a expansio da Geologia de Enge- nharia, a partir da década de 60, 0 conceito da origem geoldgica dos solos como um dos condi- cionantes do seu comportamento geomecdnico passou a ser aplicado aos estudos de solos para obras civis, surgindo varias classificagdes gené- ticas de solos. Este trabalho apresenta um perfil de intem- perismo para regides tropicais, com horizontes de solo € rocha definidos a partir dos métodos de es cavagao e de perfuragaio. A adogio desses crité os reduz, a niveis aceitaveis, a interpretagio sub- jetiva presente na maioria das classificages ge- néticas e perfis de intemperismo dispontveis, em geral baseados em critérios de alteragdo minera- Iégica e na porcentagem relativa de solo e rocha. O trabalho discute a aplicagdo dos hori- zontes de alteragdio a rochas com distintas caracte- risticas de resisténcia ao intemperismo, através da associagio da resisténcia mecdnica com a resis téncia A alteragdo. Essa questiio tem perdurado in- suficientemente esclarecida, principalmente para as chamadas rochas brandas, devido a dificulda- de de se associarem pardmetros de resisténcia a horizontes de rocha definidos em fungao da alte- ragéo mineraldgica. Através dos critérios de es- cavagio e perfuragdo foram propostos grupos de rocha ¢ definidas as classes ou graus de alteragio presentes em cada grupo. E, também, apresentada uma classificagdo geolégica dos solos transportados considerando que, apesar dos processos de formagdo desses solos serem relativamente bem conhecidos, a sistematizagao de tipos e formas de ocorréncia ainda nao havia sido feita para fins de obras ci- vis. Para os coluvides de grande extensio é apre- sentado um processo de formagio, baseado no recuo de encostas. Finalmente, o trabalho apresenta critérios de campo para a identificagao dos horizontes do per- fil de intemperismo e tipos de solos transportados. 2. BREVE REVISAO _ DAS CLASSIFICAGOES GENETICAS DE SOLOS ___ Vargas (1953) apresentou a primeira cla sificago genética dos solos tropicais brasile’ ros, distinguindo trés horizontes: solo residual 118 maduro, argiloso e poroso; solo residual jovem, silto-arenoso, com a presenga de estruturas re- liquiares ¢ rocha alterada, cuja remogao obriga- va ao uso de explosivos. ‘Vaz (1969) apresenta uma classificagao ba- seada em perfil de intemperismo, com cinco hori- zontes, dois de solo e trés de rocha: solo superfi- cial, homogéneo e isotrépico; solo de alteragao, heterogéneo e anisotrépico; rocha alterada mole, escavavel & picareta e rocha alterada dura e si, es- tas tiltimas escavaveis somente com explosivos. Deere e Patton (1971) realizaram extenso estudo sobre perfis de intemperismo em regides de clima tropical, inclusive do Brasil, propondo trés horizontes com subdivisdes, resultando em trés horizontes de solo e trés de rocha: horizonte I, de solo residual, com subdivisées de solo orga- nico (IA), solo lateritico (IB) ¢ saprolito, com es- truturas reliquiares da rocha matriz (IC); horizon- te II, de rocha alterada, com subdivisdes de tran- jo com a presenga de matacées (IIA) e rocha alterada (IIB) e horizonte III, de rocha De Mello (1972) apresenta sua classifica- io pragmatica associando dois horizontes de solo e um de rocha a dreas de conhecimento: solo maduro, residual ou coluvial, objeto da apli- cagio dos conceitos tradicionais da Mecanica dos Solos; solo saprolitico, com estruturas reli- quiares da rocha e comportamento intermediério ¢ horizonte de rochas decompostas, tratado pela Mecanica das Rochas. Vargas (1974) adere a classificagao basea- da em perfis de intemperismo e apresenta cinco horizontes, trés de solo e dois de rocha: horizon- te I, de solo residual maduro; horizonte II, de solo com vestigios eventuais das estruturas reli- quiares da rocha; horizonte III, de solo com es- truturas € matacGes (saprolito); horizonte IV, de rocha alterada com zonas decompostas ¢ hori- zonte V, de rocha si. Nogami (1978) apresenta uma classificagio restrita aos solos com trés grupos: solo super- ficial, produzido por processos pedogénicos; solo saprolitico, com estruturas da rocha matriz e so- los transportados, estes constituidos por aluvides e sedimentos neocenozéicos. Vargas (1985) apresenta uma classificagio baseada em propriedades e comportamentos, identificando dois tipos de solos tropicais: residu- al, derivado do intemperismo intenso e profundo da rocha subjacente ¢ solos superficiais, deriva- dos da evolugao pedogenética de solos residuais ¢ transportados. Para os solos residuais admite um horizonte inferior, com estruturas reliquiares da Solos e Rochas, Sio Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERAGAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS rocha matriz (saprolito) subdividido em dois nf- veis: um superior, chamado de saprolito fino, com poucos fragmentos da rocha matriz e outro inferi- or, com blocos e camadas de rocha. Wolle et al. (1985) reconhecem seis hori- zontes de intemperismo, trés de solo, um de tran- sigdo e dois de rocha: solo superficial que, quanto A origem, pode ser residual, coluvionar ou sedi- mentar; solo residual maduro, solo residual jovem ou solo saprolitico, com estruturas da rocha ma- triz; saprolito, constituindo uma zona de transicZio entre solo ¢ rocha, com matacées; rocha alterada ‘ou decomposta e rocha fresca. Pastore (1992) segue a tendéncia de perfis de intemperismo e estabelece seis horizontes, dois de solo, um com predominancia de processos pedolégicos (solo lateritico) e outro com estru- turas reliquiares da rocha (solo saprolitico); um de transig’o solo/rocha (saprdlito) € trés de rocha (muito alterada, alterada ¢ sf). Varios outros autores também contribuiram para 0 estudo dos solos tropicais, destacando-se Barata (1969), Santos (1972), Barros (1981), La- deira (1981), Marques Filho et al. (1981), Bordeaux et al. (1983), Mori (1983) e Massad (1984). Vargas, que sempre se dedicou & classifi- cagio dos solos tropicais, tem diversos outros tra- balhos (1971, 1971a, 1981). Pelo menos duas te- ses de mestrado abordaram a classificagdo dos so- los, Wolle (1980) e Cunha (1984). ‘A maioria dessas classificagdes restringem- se aos solos residuais, enquanto os solos transpor- tados, curiosamente, nao foram objeto de propos- tas de sistematizagdo, apesar de sua extensa ocor- réncia no Brasil. Por outro lado, muitos autores empregam termos associados a propriedades, como solos porosos, ou mesmo impréprios, como solos sedimentares, para identificar horizontes de solo, enquanto outros juntam coluviées e solos residuais como materiais de comportamentos semelhantes. Diversos dos trabalhos examinados mos- tram uma aguda confusio no emprego do termo sapro-lito e suas derivagées. Esta palavra foi ori- ginal-mente proposta por G. F. Becker, em 1865 @ain-bridge, 1968), para designar solos deriva- dos de rochas quimicamente alteradas “in situ”, que, entretanto, mantinham certa coeréncia e a textura original da rocha. Sao solos tipicos de cli- mas subtropicais e equatoriais, correspondents ao horizonte pedolégico C, conforme corretamen- te utilizado, originalmente no Brasil, por Var- gas (197 1a). Entretanto, Barros (1981) Pastore (1992) distinguem solo saprolitico, com estruturas da Solos e Rochas, Sdo Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. rocha matriz, de saprolito, este tiltimo considerado como material de transigdo; Bourdeaux et al (1983) e Vargas (1985) usam os termos saprolito fino e saprolito grosso, ambos referentes & rocha alterada e Ladeira (1981) emprega saprolito para designar rocha muito alterada, Marques Filho et al. (1981) foram os mais prolificos, criando dois solos saproliticos, um homogéneo e outro com estrutu- ras reliquiares além de dois saprdlitos, um brando € outro duro, correspondentes & rocha alterada, © emprego inadequado do termo saprolito, a primeira vista, pode ser atribufdo apenas a uma indesej4vel liberalidade na utilizagdo de conceito geolégico consagrado. Entretanto, o termo tem sido usado para designar solo, rocha ou a tran- sig&o entre ambos, demonstrando que tem sido adotado sem nenhum critério cientifico ou tecno- légico. Outras inconsisténcias revelam-se nas va- rias classificagdes discutidas, destacando-se a atribuigao de processos genéticos completamente distintos na produgio de solos residuais, ou en- tao, a identificagao de um tinico tipo de solo ma- duro, independentemente do processo genético. Por outro lado, intimeros artigos publicados, versando sobre propriedades geotécnicas de solos, no permitem a acumulagao ¢ a transmissao dos conhecimentos adquiridos por ndo explicitarem a origem ou 0 tipo genético dos solos estudados, impedindo a previsio de comportamento de solos de origem similar. O mesmo ocorre com perfis de sondagens & percussfio mais antigos ou de empre- sas que atuam exclusivamente na drea de funda- ges de edificios que, usualmente, somente apre- sentam a classificagao granulométrica do solo. A granulometria € insuficiente para caracterizar 0 solo, no permitindo, por exemplo, que se dife- rencie um aluvido de um solo residual, materiais de comportamento geomecinico completamente distintos, A Figura I apresenta exemplos, retira- dos de perfis de sondagens executadas num mes- mo local, mostrando as diferencas entre um sis- tema completo de classificagdo, que inclui a ori- gem geolégica e os sistemas ultrapassados de descrigdo parcial. Modernamente, trabalhos de sintese, como © de Pinto et al. (1993), tratando sobre proprie- dades dos solos residuais do Estado de Sio Pau- Io, jd apresentam resultados em fungao da rocha matriz, tinica forma de possibilitar seu uso para prever o comportamento de solos de mesma ori- gem, encontrados em outros locais. Davidson Dias et al. (1994) reconheceram que apenas cri- térios pedoldgicos eram insuficientes para carac- terizar geotecnicamente os profundos perfis de 419 LUIZ F. VAZ CLASSIFICACAO ‘COMPLETA g ‘ATERRO ARGILA ARENOSA, MOLE, | CINZA COM LAMINAS PRETAS. CLASSIFICAGAO PARCIAL ‘ATERRO DE ARGIA MUITO ARGILOSA, C7 EN= TULHO € DETRITOS VEGETAIS, AMARELA ESCURA, ALUVIAO ARGILA SILTOSA, C/ RESTOS VEGETAS 'MUITO MOLE,NARROM ESCURO. ‘SOLO DE ALTERAGAO DE ROCHA (FOLHELHO) ARGILA SILTOSA, MEDIAVARIE ARENA FINA MUITO ARGILOSA, POUCO A ME- OUNAMENTE COMPACTAAMARELA EVERMELHA, ARGILA SILTO-ARENOSA. RUA A DURA GINZA € VERMELHA, ‘AREA FINA & MEDIA ARGILOSA, COMPACT, GINZA, PROF. 5.45m Fig.1 - Exemplos de perfis de sondagem. intemperismo da regiio metropolitana de Porto Alegre. Em consequéncia, passaram a adotar a classificagao pedol6gica para os horizontes super- ficiais ¢ a geolégica para os profundos, resultan- do numa classificagao de unidades geotéenicas a partir do substrato rochoso. Massad (1994) apés extensa investigagéio sobre as propriedades geo- técnicas dos sedimentos marinhos do litoral paulista, concluiu que a origem desses sedi- mentos, em fungdo dos avangos e recuos do mar, € determinante de suas propriedades geomeca- nicas, tais como a consisténcia ¢ o sobre-adensa- mento das argilas. Para os horizontes de rocha, muitos autores individualizam zonas de transigéo, sempre pre- sentes nos contatos ou, entao, criam horizontes especificos, tais como solo com matacées, esque- cendo que blocos de rocha podem ocorrer em qualquer horizonte do solo. Entretanto, a maior dificuldade com os horizontes de rocha decorre da utilizagao de critérios de identificagao subjetivos, baseados na alteragao mineralégica ou na porcen- tagem relativa de solo e rocha, Guidicini et al. (1972) introduziram 0 con- ceito de coeréncia para suprir as dificuldades com a avaliagiio do grau de alteragaio em rochas bran- das. Entretanto, a determinagao do grau de coe- réncia também € subjetiva e, segundo Soares (1991), que estudou exaustivamente sua aplicagao as rochas sedimentares, somente permite a dife- Tenciagao entre rochas com resisténcia A compres- so uniaxial inferior a 20 MPa, conforme mostra- do na Tabela 1. 120 3. BASES PARA UMA CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS TROPICAIS A classificagio geolégica dos solos € feita a partir da rocha de origem e do processo de for- magio do solo, sendo por isso também denomi- nada de classificagdo genética. Esse tipo de clas- sificagio é largamente utilizado sempre que o principio taxondmico de mesmo comportamento para uma mesma origem é importante, tornando- se universal para todos os produtos do meio natu- ral. O interesse na origem geolégica dos solos ja era preconizado por Terzaghi (in Massad, 1994), cujo conceito de semelhanga de solos baseava-se nas premissas de origem geoldgica e limites de consisténcia similares. Os solos so produzidos através de apenas dois processos geoldgicos, dos quais 0 mais co- mum é 0 processo de intemperismo, através da desagregacao e decomposigao “in situ” da rocha subjacente, dando origem aos, propriamente de- nominados, solos residuais (Casagrande, 1948). O segundo processo de formacio dos solos en- volve a erosao, transporte e a deposigao de ma- teriais existentes na superficie, em geral os pr6- prios solos residuais, produzindo os chamados solos transportados. Esses processos sao universais, diferen- ciando-se, nos climas tropicais, pela agio mais pronunciada do intemperismo quimico (Fleury, 1975), que sé expressa pela grande espessura de solos residuais, em contraste com as regies de Solos ¢ Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERACAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS Tabela 1 - Correlacio entre grau de coeréncia e resisténcia 4 compressao Uniaxial - RCU (Soares, 1991). GRAU DE CARACTERISTICAS. RCU(MPa) COERENCIA CI (muito quebra dificilmente >20 coerente) sob a ago do marte- Io; bordas cortantes C2 (coerente) quebra relativamente 1020 facil C3 (pouco| quebra facilmente; 5al0 coerente) canivete sulca C4 (fridvel) esfarela sob 0 martelo; < desagrega com os dedos A correlagao acima indicada € itil para a atribuigio de classes ou graus de alteragdo em rochas brandas, conforme discutido no item 7. climas temperados, onde esses solos sto pouco espessos. A maior espessura de solo residual e a maior disponibilidade de égua dos climas tropi cais favorecem o transporte e a deposi¢ao dos so- los transportados, mais freqiientes e também, mais espessos, do que nos climas temperados ou secos. 3.1Solos “in situ” ou residu: Segundo Joffe (in Fleury, 1975) os fatores que governam a formago dos solos so o clima (temperatura, chuva, umidade do ar, evaporagio e regime de ventos), os agentes biolégicos (vege- tais e animais), a rocha matriz, 0 relevo eo tempo decorrido. A ago desses fatores € detalha- damente considerada pelos estudos pedolégicos para a classificagdo dos solos para fins de agri- cultura, como os de Oliveira et al. (1992). No caso dos solos residuais, como os agentes biol6- gicos so associados ao clima ¢, 0 relevo o tem- po, a rocha matriz, so esses os dois fatores prin- cipais que determinam a formagao desses solos, O clima define, principalmente, a espes-sura € © ntimero de horizontes do solo residual, en- quanto a principal contribuigao da rocha matriz. é a definicfio da composi¢ao mineralégica do solo resultante. Como essa composicio é deter- minante para a granulometria, para a plasticidade ¢ para o tipo de argilo mineral presente no solo, a rocha de origem define grande parte do compor- tamento geomec4nico dos solos residuais. Condi- g6es particulares de clima e rocha ou feicbes superimpostas, estas tiltimas decorrentes da evo- lugdo pedogenética, podem afetar essa regra ge- ral, porém, sua aplicagdo é valida para a maioria das situagGes praticas. Solos € Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. A decomposi¢io da rocha se faz com inten- sidade decrescente com a profundidade definin- do, para cada conjunto de clima e rocha, um per- fil de intemperismo, ou seja, uma sequéncia de suces-sivos horizontes de maior alteragdo da ro- cha que, a partir da rocha inalterada subjacente, se completam com a rocha totalmente alterada e transforma-da em solo, que ocorre na superficie do terreno. 3.2Solos transportados Os graos minerais que constituem os solos residuais so o principal material que dé origem aos solos transportados, incluindo blocos de ro- cha ou fragmentos de minerais mais resistentes. Durante o transporte, esses materiais ficam sujei- tos a abrasdo e desagregagio, sendo que, no caso das argilas, a desagregagao geralmente atinge a fase de suspensio coloidal. As transformagoes mineral6gicas nao sdio comuns durante o transpor- te, porém, novos minerais podem ser formados na fase de deposigao. Como os processos sfio super- ficiais, os solos transportados podem englobar materiais e restos organicos. Assim, os solos transportados variam em conformidade com o material de origem e as con- digdes de acumulago, porém, o meio de transpor- te € 0 principal fator de diferenciagao. Nas regi- Ges tropicais, os meios de transporte mais efica- zes sao 0 fluvial, pelos rios eo gravitacional, atra- vés dos escorregamentos. O transporte marinho ¢ 0 edlico, apesar de presentes, so pouco expressivos no Brasil, exceto ao longo da costa. Nas regides tropicais nao ocorrem solos produzidos por processos glaciais, 121 LUIZ. VAZ transportados e depositados por geleiras e avalan- ches. Também no ocorrem, no Brasil, solos constituidos por cinzas e fragmentos de rochas vulcnicas, produzidos por processos explosivos dos vulcGes. 3.3Evolugao pedogénica - Independentemente do processo geolégico de origem, a porgio superficial dos solos fica su- jeita aos processos pedogenéticos que promovem ‘a adicdo, perda, transformagio e transporte do material do solo. Os principais processos so 0 de eluviagio e iluviagio, respectivamente processos de perda e adicio de material; a lixiviagdo, que remove os sais soltiveis e a podzolizagao e a laterizagio, respectivamente, processos que le- vam & concentragdo de silica e ferro (Dematté, 1989). Esses termos sao comuns a Pedologia ¢ & Geologia, entretanto, os dicionatios geolégicos (AGI, 1976 e Whitten ¢ Brooks, 1976) também identificam eluvido ou camada eluvial como sen- do solo ‘in situ’, formado pela alteragao da ro- cha. O agente principal dos processos pedoge- néticos é a movimentagao da dgua no solo, atra- vés de infiltrago no periodo de chuvas e evapo- ragdo nas secas, razo pela qual esses processos so particularmente ativos nas regides tropicai: A laterizagdo promove a concentragao de éxidos de ferro na parte superior dos perfis de solos, que adquirem a cor avermelhada tipica dessas regide: Durante a evolucio pedogénica os graos mi nerais sio fragmentados, decompostos e mobi- lizados, destruindo completamente seu imbrica- mento original, acelerando a formagio de novos minerais, iniciada na fase de alteragao intem- périca e acarretando a homogeneizagao do solo, para o que contribui a ampla fauna de insetos ¢ de microorganismos das regides tropicais. No caso dos solos residuais, a homogeinizagio pedogénica é muito notavel, separando esses s0- los em dois horizontes, um superior, homogéneo € isotrdpico, sede dos processos pedogénicos e outro inferior, heterogéneo e anisotrépico, onde tais processos so limitados, predominando os processos de alteragiio intempérica. Ao contrario dos solos residuais, nos solos transportados a evolug%io pedogénica é pouco importante, em parte porque esses solos so mo- dernos, sendo o tempo decorrido insuficiente para uma diferenciagdo pedogénica notavel. Nos aluvides, que s4o os solos transportados mais frequentes em regides tropicais, 0 nivel elevado do Iengol fredtico restringe a agdo dos processos pedogénicos. Nos coluvides mais espessos os 122 processos pedogénicos so atuantes, tal como nos solos residuais. Entretanto, como os coluvides so originalmente homogéneos, a evolugdo pedo- génica raramente estabelece uma diferenciagio facilmente reconhecivel entre horizontes. Apesar dessa diferenciagdo existir e ser importante para outras finalidades, como a Pedologia, para fins de obras civis a evolugdo pedogénica dos solos trans- portados raramente é importante. 4. PERFIL DE INTEMPERISMO DE REGIOES TROPICAIS A maioria dos perfis de intemperismo apre- sentados na bibliografia, dos quais o mais conhe- cido € 0 de Deere e Patton (1971), so definidos através da predominancia de processos pedogéni- cos ou intempéricos, nos horizontes de solo; de graus de alteragiio mineralégica, nos horizontes de rocha e das porcentagens relativas de solo ¢ rocha, para definir horizontes de transi¢ao. A uti- lizago desses critérios torna subjetiva a identifi- cago dos horizontes, levando ao aparecimento de subdivisées ¢ dificultando a reprodugio e a rastreabilidade dos dados obtidos nas descricées. Para eliminar essas dificuldades, propée-se a adogio de um perfil de intemperismo padréo, cu- jos horizontes principais sao definidos em fun dos processos de escavagio e perfuragio. A subdi- visio desses horizontes é feita associando-se crité- rios baseados na evoluciio pedogé-nica, para os so- los e no grau de alteragio mineralégica para a ro- cha, conforme apresentado na Figura 2. Os hori- zontes esto identificados por siglas e por classes para facilitar 0 emprego em perfis de sondagem. Esse perfil de intemperismo foi original- mente desenvolvido na investigagio de eixos de barragens do Sistema Alto Tieté, em terrenos gndissicos do pré-Cambriano paulista (Vaz, 1969). Posteriormente, o perfil passou a ser utili- zado em regides basélticas e sedimentares da Ba- cia do Parand e, desde entao, vem sendo aplicado nos mais variados tipos de rocha ¢ de clima, 4.1 Horizontes de solo residual Os dois horizontes de solo foram englo- bados pela denominagio de solo residual sepa- rando-se da rocha pelo tradicional critério do pro- cesso de escavagao, sendo o solo o material esca- vavel por lamina de aco, ou seja, escavavel pela lamina do trator ou do “scraper” ou por enxadio, faca e canivete. A base do solo residual corresponde ao li- mite da perfuragio A trado manual ou ao limite Solos e Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERAGAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS i saprctto ALTERIOA MOLE ow) (uo) ROCHA ‘yoo 0 cS) xh ? INCIPIENTES. METOOOS DE | TAMENTO fescawcto remem} PEDOLOGICOS | PROCESSOS. g 8 e i i 427182 BE PPE | & |< i be INTENPERICOS ‘QUIMICOS, (PICARETA) : ‘A PERCUSSAO sou co INTENP. DEPENDENTE 00 TIPO DE ROCHA EXPLOSIVO xo ROTATA 3 na Definigao de Tipos de Rocha. Nota: 1) Ver Item 4.2.4 para Zonas de Transigio © Aplicagio do Critério de Perturagio Fig.2 - Perfil de intemperismo para regides tropicais para execucdo dos ensaios de penetraciio (SPT) nas sondagens A percussiio (menos de 5 cm de cravagio do barrilete com 10 golpes consecutivos ou 50 golpes num mesmo ensaio, ABGE, 1990). Quando a perfuragdo & trado for suspensa devido a outros fatores, por exemplo, pela presenga de Agua subterranea, 0 limite ser fixado apenas pelo impenetravel ao SPT. Entretanto, o limite para execucdo do ensaio de penetracao pode nao corresponder a base do solo residual, uma vez que veios de quartzo e crostas limonfticas, entre ou- tras feic¢des presentes nos solos, podem ser sufici- entes para interromper o ensaio SPT. O solo resi- dual corresponde ao material de 18, categoria dos contratos de escavagiio, A passagem entre os dois horizontes de solo e destes para rocha, geralmente é gradual, sendo que matacées e fragmentos de minerais e rocha podem ocorrer dentro do solo residual. Solos e Rochas, $40 Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. 4.1.1 Classe S1 - Solo eluvial (SE) O horizonte $1 foi chamado de solo eluvial ou eluvionar (SE) para caracterizar a camada su- petior do solo residual cuja diferenciagio foi fei- ta através dos processos pedogenéticos. Original- mente (Vaz, 1969), essa camada foi denominada como solo superficial, entretanto, 0 termo super- ficial associa-se com a superficie do terreno, ten- do-se verificado que, muitas vezes, a designagio solo superficial vinha sendo empregada para ca- racterizar 0 solo que ocorre na superficie do ter- reno, independentemente da sua origem geolégi- ca, Como um dos objetivos da presente classifi- cacao é sistematizar a nomenclatura, optou-se pela denominagio solo eluvial para caracterizar 0 horizonte $1. O solo eluvial é chamado de solo residual maduro por alguns autores e de solo lateritico, por outros. 123 LUIZ F. VAZ. O solo eluvial € sempre homogéneo em re- lagdo & cor, granulometria e composigao mi- neralégica. Pode apresentar alguma heteroge- neidade, em fungi da evolugdo pedogénica, po- rém, para as obras civis, seu Comportamento scré ode um material homogéneo. Contribui para esse comportamento a ausén- cia total da textura ¢ das estruturas da rocha ma- triz, em geral conhecidas pelo termo genérico de estruturas requiliares. Essa auséncia e, a homo- geneidade, fazem com que as propriedades fisi- cas do solo exibam um comportamento isotré- pico, ou seja, apresentem o mesmo valor indepen- dentemente da diregiio em que so obtidas. ‘A ocorréncia de feicbes superimpostas, de- correntes da evolugao pedogénica e outros fato- res, tais como a presenga de canaliculos, pode afe- tar a isotropia desses solos, principalmente em re- lagiio & permeabilidade. Quando o SE é muito pesso, a evolugio pedogénica pode nao ser uni- forme, variando com a profundidade. Nesses ca- sos, algumas propriedades do solo poderao softer vatiagao, tais como, por exemplo, aquelas que de- pendem do indice de vazios, que diminui com a profundidade. No caso de solos com elevado teor de argila, como os solos eluviais da Bacia de Sio Paulo ou derivados de rochas basilticas, os mine- rais de argila aglomeram-se na forma de grumos, dando origem o um solo poroso e colapsivel, cha- mado de argila porosa. A mineralogia dos solos superficiais é cons- titufda, essencialmente, pelo grupo dos argilo-mi- nerais ¢ por minerais de rocha quimicamente iner- tes, dos quais o mais comum € 0 quartzo. 4.1.2 Classe S2 - Solo de alteragao (SA) O horizonte $2 foi denominado solo de al- teragio para caracterizar a camada que se encon- tra ainda em processo de alteragio intempérica, onde os processos pedogénicos so incipientes ou muito limitados. Os termos solo de alteragao € saprolito sdo sindnimos, sendo que, alguns au- tores, identificam essa camada como solo resi- dual jovem. O solo de alteragao 6 sempre heterogéneo em relago A cor, textura e composicfio minera- logica. Esta heterogeneidade é decorrente da ma- nutengao do arranjo dos minerais segundo a dis- posi¢ao original da rocha matriz, fazendo com que 0s minerais do solo, sejam neo-formados ou remanescentes da rocha, ocupem os mesmos lu- gares e posigGes exibidos na rocha original. Além disso, as eventuais estruturas presentes na rocha encontram-se preservadas no solo de alteragio, 124 significando que os planos constituidos por tais es- truturas permanecem e sio reconhecfveis no solo. As estruturas das rochas usualmente reco- nhecidas em Geologia de Engenharia sao a xistosidade, estratificagao, fraturas, falhas, do- bras © contatos. Saliente-se que a mesma pala- vra estrutura é empregada para designar feigses encontradas nos solos, decorrentes da evolucio pedogenética, tais como 0 concrecionamento ferruginoso ou a aglomeragio de argilo-mine- rais. Estas ultimas feigdes, entretanto, sao prati- camente exclusivas do horizonte S1 (solo cluvial, SE), enquanto as estruturas reliquiares das rochas ocorrem apenas no horizonte $2 (solo de alteracao, SA). Nas rochas, as estruturas, em geral, corres- pondem a planos de menor resisténcia, caracte- ristica que se mantém ou se acentua nos solos de alteragdio. Entretanto, enquanto nas rochas fre- qiientemente se associam solugdes de conti- nuidade (descontinuidades) da matriz rochosa as fraturas, falhas € contatos, 0 mesmo nio ocorre nos solos de alteragio, uma vez que a maior deformabilidade do solo promove o fechamento dos vazios. A preservagio das estruturas da rocha torna os solos de alteracio anisotrépicos, ou seja, suas propriedades e seu comportamento geome- cAnico variam conforme a diregfo ao longo da qual so solicitadas. A heterogeneidade e a anisotropia dos solos de alteragdo é facilmente constatada pela tipica coloragdo variegada desses solos. A cor pode apresentar-se aparentemente homogénea, quando se tratar de solos derivados de rochas de granu- lagdo fina, desprovidas de estruturas. Nesses ca- sos, entretanto, 0 exame com lupa revelaré a pre- servacdo da textura original da rocha. A mineralogia dos solos de alteragao €é cons- tituida por argilo-minerais neo-formados ¢ mine- rais de rocha em processo de alterago quimica para argilo-minerais. Os minerais de rocha quimi- camente inertes, como 0 quartzo, encontram-se apenas mais fragmentados do que na rocha. 4,2 Horizontes de rocha A susceptibilidade das rochas a alteragfo de- pende das condigdes ambientais, das caracte- risticas do macigo rochoso e das propriedades da rocha (Zhao et al., 1994). A temperatura ambiente € o regime hidrolégico so os principais fatores que determinam 0 efeito das condigdes ambientais, se- guindo-se o relevo ¢ os agentes biolgicos. A pre- senga de estruturas externas (fraturas, falhas, con- tatos, etc) e as condigdes hidrogeolégicas so os Solos e Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERAGAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS fatores que governam as caracterfsticas dos maci- 08 rochosos, enquanto a composigao mineralé- gica, a textura (tamanho dos grdios), as estruturas internas (estratificago e xistosidade), a porosida- de, a expansividade e as mictoestruturas dos mi- nerais determinam 0 comportamento da rocha frente a alteracio. Trés horizontes de rocha sio identificdveis a partir dos respectivos processos de escavagiio ¢ perfuragio. As zonas de transigao entre esses ho- rizontes estao discutidas no item 4.2.4. 4.2.1 Classe R3 - Rocha alterada mole (RAM) O horizonte R3 foi denominado de rocha al- terada mole uma vez que somente pode ser esca- vado, manualmente, com picareta e com 0 bico do martelo de geélogo, ou entio, mecanicamente, com escarificador. Nas sondagens & percussio € © material perfurado pelo processo de lavagem, correspondendo ao material de 2% categoria nos contratos de escavagao, O horizonte de RAM pode estar ausente nos perfis de intemperismo, conforme discutido no item 4.2.4, porém, quando © perfil de intemperismo & muito evoluido, a es- pessura de RAM pode ser superior a 10 m Na RAM os minerais da rocha encontram- se fortemente alterados ¢ descoloridos, sendo incipiente a transformacao para minerais de solo. 4.2.2 Classe R2 - Rocha alterada dura (RAD) O limite de escavagao com picareta ou escarificador, exigindo a utilizagao de explosivo para o desmonte, marca a separagdo entre RAM e RAD. Nas rochas duras, 0 impenetravel & lava- gem por tempo das sondagens & percussao (trés ciclos consecutivos de 10 minutos com penetra- gio inferior a 5 cm em cada um, ABGE, 1990) identifica, com seguranga, o topo de RAD. Deve ser lembrado que, este tiltimo critério nao pode ser aplicado, isoladamente, para definir © topo de rocha que, usualmente, corresponde ao topo de RAD, ou seja ao material que somente pode ser escavado com explosivo. O impenetra- vel ferramenta de lavagem das sondagens & per- cussio pode ser representado, por exemplo, por um matacio de rocha si que pode ocorrer, até mesmo, no horizonte de solo cluvial. Dessa for- ma, para a determinago do topo de rocha podem ser necessdrios outros métodos de investigacao, tais como sondagens rotativas e sismicas. Na RAD os minerais apresentam-se leve- mente descoloridos, mais notavelmente ao longo de fraturas com passagem de dgua. Solos € Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. 4.2.3 Classe R1 - Rocha sa (RS) A distingdo entre RAD e RS ¢ feita através da alteragaio mineralégica j4 que os processos de escavagiio, com explosivo ¢ de perfuragdo, com rotativa, siio os mesmos para ambos os tipos. Em contratos de escavagao, a RAD ¢ a RS constitu- em o material de 3# categoria. © horizonte de RS apresenta os minerais siios ou praticamente sfios, com suas cores € re- sist@ncias originais ou pouco afetadas. 4.2.4 Zonas de transigao As zonas de transigio esto presentes em to- das as interfaces dos horizontes do perfil de intemperismo, Porém, na maioria das vezes, es- sas Zonas de transigio so pouco espessas e, para efeitos praticos, no necessitam ser individua- lizadas. Em outros casos, menos usuais, 0 contato entre os horizontes é brusco. A excegio ocorre na interface entre RAM e RAD onde sao frequentes zonas de transigado mais espessas, muitas vezes contendo matacces ¢ intercalagdes de materiais, em diferentes estigios de alteracao, princi- palmente quando se tratam de rochas duras Essas zonas ocorrem em perfis de intem- perismo pouco evoluidos, seja devido rapida denudagiio em terrenos sujeitos 2 erosiio acen- tuada, seja devido & redugio do efeito do in- temperismo quimico, em climas secos ou frios. Nesses casos, 0 horizonte de RAM pode estar au- sente ou ser inexpressivo, sendo substituido por uma zona de contatos muito itregulares, cons- titufda por matacdes ¢ blocos de rocha “in situ”, imersos em solo (SA) ou por zonas de solo entremeadas na rocha, que pode apresentar-se como RAM, RAD ou RS. Essas zonas de transigio também ocorrem em rochas duras, com fraturamento ou xistosi- dade sub-verticais, quando a alterago fica condi- cionada por essas estruturas e 0 topo rochoso tor- nna-se muito irregular, com aspecto serrilhado pela alternancia de zonas verticais de solo de alteragao ¢ rocha em diferentes estagios de alteragao. Como mostrado por Doberciner et al. (1993) ¢ Prestes et al. (1994), fraturas de alivio também podem condicionar a alteragao e promover o aparecimen- to de zonas de transig&o, neste caso, abaixo do topo de RAD. Nas zonas de transigiio com solo ¢ ma-tacées, a separagdo dos horizontes através do critério do meétodo de perfuragao nao é aplicavel, uma vez que ‘os matacdes blocos de rocha podem interromper © processo de lavagem por tempo, que define o 125 LUIZ F. VAZ, topo de RAD. Entretanto, o critério do processo de escavagio permanece utilizdvel j& que, parte da zona de transigdo, com matacées e blocos me- nores pode ser removida com escarificagio e par- te somente com explosivo, O emprego de sonda- gens rotativas também permitira caracterizar as zonas de transigaio. No caso de rochas brandas, mesmo em per fis de intemperismo pouco evoluidos, zonas de transigdo com solo e rocha, geralmente no ocor- rem, Entretanto, nessas rochas, 0 topo de rocha alterada dura nao pode ser fixado pelo impenetré- vel 3 lavagem por tempo. A ago da agua de cir- culagiio, somada & torgiio da ferramenta de lava- gem, provoca a desagregagao da RAD, fazendo com que a sondagem avance abaixo do topo de rocha alterada dura, ou seja, abaixo do limite de escavagio com escarificador. Nesses casos, recomenda-se que a perfura- go & percussio seja interrompida no impe- netravel ao SPT (topo de RAM) prosseguindo com a perfuragio rotativa, com os cuidados usu- ais para a recuperagio de rochas moles. Com esse procedimento, 0 limite entre RAM e RAD seré fixado pelo exame dos testemunhos ou amostras obtidos. As zonas de transigio entre RAM e RAD, quando forem espessas ou apresentarem interesse espectfico, devem ser tratadas com feigdes discre- tas, cuja sistematica de caracterizagio dependerd, cm parte, da finalidade dos estudos. Em geral, 0 procedimento utilizado baseia-se na identificagio da porcentagem relativa de solo e rocha e no ta- manho dos matacées ou blocos de rocha. 5. SOLOS TRANSPORTADOS Os solos transportados so identificados pelo processo de formago, possuindo, como ca- racterfstica comum, sua idade recente. Algumas formas de ocorréncia dos principais tipos de so- los transportados e sua interrelagio com os solos residuais esto apresentadas na Figura 3. 5.1 Aluvides (AL) Os aluvides sio constituidos por materiais erodidos, retrabalhados, transportados pelos cur- sos d’ Agua e depositados nos seus leitos e mar- gens. So também depositados nos fundos ¢ nas margens de lagoas ¢ lagos, sempre associados a ambientes fluviais. Os aluvides das regides tropi- cais diferenciam-se daqueles de climas temperados Si Nae Roan % Fig.3 - Tipos de solos conforme sua origem. 126 Solos c Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996, CLASSIFICACAO GENETICA DOS SOLOS E DOS HORIZONTES DE ALTERAGAO DE ROCHA EM REGIOES TROPICAIS pela maior extensio espessura ¢ pela incorpo- ragdo de apreciveis quantidades de matéria or- ganica vegetal. Os principais fatores que afetam a pro-dugao dos aluvides so 0 material da fonte, a ser erodido ¢ transportado e a energia ou capacidade de trans- porte do curso d’ agua. As variagdes da fonte so mais aprecidveis nos rios de maior declividade, quando a maior energia permite que diferentes ma- teriais sejam arrastados nos rios de grande porte, onde 0 retrabalhamento de diferentes aluvides, an- teriormente depositados, é comum. A capacidade de transporte é afetada nio s6 pela declividade, vale dizer pelo relevo da regitio onde 0 rio estd inserido, mas, também, pela sazonalidade pluviométrica. Assim, os rios po- dem transportar uma ampla gama granulométrica durante 0 perfodo de chuvas ¢ uma estreita faixa de tamanho de particulas, na época das secas. As variagdes da fonte e da capacidade de transporte refletem-se na deposigio de camadas com carac- terfsticas distintas. Cada camada representa uma fase de deposigdo e, conseqiientemente, apresen- ta espessura, continuidade lateral, mincralogia granulometria particulares. Em decorréncia, 0 pa- cote aluvionar é altamente heterogéneo, entretan. to, as camadas isoladas podem apresentar-se mui: to homogéneas ‘As margens de rios ¢ lagos so propfcias a0 desenvolvimento de vegetagao, de sorte que os restos vegetais produzidos podem ser rapidamen- te soterrados pela sedimentago, preservando-se parte da matéria organica pela decomposigao anaerébica. Nos sedimentos arenosos, a matéria organica é removida pela percolagdo de agua, mas, quando o material depositado tem baixa permeabilidade, como os siltes ¢ argilas, a maté- tia orginica permanece incorporada, dando ori- gem as argilas e siltes orgdnicas. 5.2 Terragos fluviais (TR) Os terragos fluviais so aluvides antigos, depositados quando o nivel de base do curso d’4gua encontrava-se numa posi¢ao superior & atual. Em conseqiiéncia, os terragos sfio sempre encontrados em cotas mais altas do que os aluvides. Essa condigo topogréfica introduz uma im- portante diferenca entre os aluvides e terragos j que, estes dltimos, em geral, nao so saturados, a0 contrério dos aluvides. Os terracos se distin- guem, ainda, por se apresentarem, quase sempre, constitufdos por areia grossa ou cascalho. Solos e Rochas, So Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996. 5.3 Coluvides (CO) Coliivio ou coluvido é 0 termo reservado, nos dicionérios geolégicos, aos depésitos de ma- teriais soltos, usualmente encontrados no sopé de encostas ¢ que foram transportados, principal- mente, pela agio da gravidade (AGI, 1976) ou, simplesmente, material decomposto, transportado por gravidade (Whitten e Brooks, 1976). Esses mesmos diciondrios distinguem colivio de talus, este também transportado pela ago da gravida- de, porém, encontrado no sopé de encostas ingre- mes e constituidos por material mais grossciro, blocos c fragmentos de rocha. Na presente classificagio, 0 termo coltivio aplica-se a depésitos constituidos exclusivamente por solo, ficando o termo talus restrito aos depé- sitos constitufdos por solo ¢ blocos ou apenas por blocos de rocha Os coluvides so relativamente freqiientes em regides tropicais, onde podem ocupar grandes extensdes. S80 produzidos por movimentos de massa lentos, do tipo rastejo, ou rapidos, como os escorregamentos, processos que restringem a ocorréncia de coltivios & regides de topografia acidentada ou, ao menos, colinosa. O processo de deposig&o pode provocar o aparecimento de que- bras de relevo, com patamares sub-horizontais, quando a espessura depositada for razodvel. Entretanto, no Brasil, existem varios exem- plos de coluvides produzidos pelo recuo de encos- tas ou “cuestas”, dando origem a corpos colu- vionares de grande espessura ¢ extensio. Este processo ocorre quando uma encosta fngreme, como, por exemplo, a “cuesta” basdltica da Bacia do Parana, recua pela agdo da erosio, deixando 0 solo existente nas partes superiores depositado na parte inferior, atras da frente de recuo, conforme indicado na Figura 4. Coluvides desse tipo ocor- rem ao longo de toda a “cuesta” basdltica da Ba- cia do Parana e em varios outros locais com “cuestas” semelhantes, como na margem esquer- da do Reservatsrio de Itaparica, em Pernambuco € na drea do Plano Piloto, em Brasilia. Os coluvides apresentam caracterfsticas sin- gulares, derivadas da sua isotropia e da homo- geneidade mineralégica e granulométrica, notavel- mente persistentes, tanto na vertical como na hori- zontal. Mais do que isso, os coluvides apresentam propriedades similares, mesmo quando compara dos coluvides formados em ambientes completa- mente distintos, como o semiarid do Nordeste e 0 -0 super-timido da AmazOnia. Da mesma for- ma que para o solo eluvial, a pre-senga de feigdes 127 LUIZ. VAZ ‘coTAS (m) An RESIDUAL FREER PREB PEER PEER Fig.4 - Evolugao dos coli de recuo de encostas superimpostas ou a diferenciagao pedolégica po- dem afetar a isotropia dos coluvides Além de serem homogéneos, os coluvides sto sempre muito porosos, dando origem a solos bem drenados, facilmente colapsiveis com.a satu- ragdo e o carregamento. Na regio Sul, mais tmi- da, 0 colapso ocorre com o carregamento e, no Nordeste, com clima seco, somente a saturagao é suficiente para provocar o colapso. E, ainda, ca- racteristico dos coluvides, a baixa resisténcia nos ensaios SPT, em geral inferior a seis golpes ¢ que se mantém ao longo de todo o perfil, mesmo para espessuras da ordem de 20 metros. Dados sobre a colapsividade dos coluvides ¢ outras propriedades geomecanicas desses materiais podem ser encon- trados em Cruz et al. (1994). 5.4 Talus (TT) Os talus stio formados pelo mesmo proces- So de transporte por gravidade, em encostas, que produz os coluviées, diferenciando-se pela pre- senga ou predomindncia de blocos de rocha, A presenca desses blocos de rocha exige solos pou- co espessos na fonte, o que restringe a ocorréncia de télus ao sopé de encostas de forte declividade 0u,, entio, ao pé de escarpas rochosas. Os corpos de talus, em muitos casos, apre- sentam-se saturados ¢ submetidos a lentos des- locamentos. Esses deslocamentos podem ser 128 acelerados, tornando muito dificil a contengao do movimento quando se procede a uma inter- vengao, um corte, por exemplo, na parte inferior ou pé do corpo de talus. Um tipo particular de talus, que ocorre em regides de topografia muito acidentada, é o talus de recobrimento, constituf- do por blocos de rocha soltos que capeiam a su- perficie do terreno. 5.5 Sedimentos marinhos (SM) Os sedimentos marinhos so produzidos em ambientes de praia e de manguezais. Ao longo das praias a deposicao é, essencialmente, de arei- as limpas, finas a médias, quartzosas. Nos manguezais, as marés transportam apenas sedi- mentos muito finos, argilosos, que se depositam incorporando matéria organica, dando origem as argilas organicas marinhas. A linha de praia sofre deslocamentos hori- zontais, devido aos processos de crosio e depo- sigdo a que estd submetida, bem como variagdes verticais pronunciadas, decorrentes de oscila- goes do nivel do mar. Nas regressées marinhas os sedimentos previamente depositados sao es- culpidos pela erosao € novos sedimentos sio de- positados ao lado dos antigos quando o mar vol- ta a invadir a planicie costeira. Em consequén- cia, camadas arenosas interdigitam-se com cama- das de argila orgdnica, resultando num pacote Solos € Rochas, Sio Paulo, 19, (2): 117-136, Ago., 1996.

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