CAPITULO II
Objeto socioldgico e problema social
por Remi Lenoir
Muitas vezes, a sociologia ¢ assimilada as disciplinas cujo objeto ¢ definido
segundo as categorias da pritica social ~ por exemplo, a ergonomia ou a
criminologia. E verdade que a historia das origens da sociologia tende a
credenciar essa representagio do sociélogo como especialista dos problemas
“sociais? do momento. Com efeito, a sociologia apareceu em meados do
século XIX e desenvolveu-se na sua segunda moetade, isto é, no momento
‘em que as lutas entre as classes sociais exacerbaram-se consideravelmente
com a irrupgao de um proletariado urbano, associada ao desenvolvimento
da industrializago — 0 que se designava por “pauperismo”"
Desde o inieio do século XIX, a ciéncia econdmica estava constituida
‘como tal ¢a atividade propriamente econdmica encontrava-se disso-
cada — tanto para 0s te6ricos (professores, filantropos, politicos),
{quanto para os homens de ago (empresérios industriais ou financis-
tas) ~dos ouceos setores de atividade social. Com efeito, éna primeira
etade desse século que se estabelece a oposigio entre a economia
“politica” e a economia “social”: a primeira limitando seu interesse
ao “valor venal e capital de umn operirio", segundo a expressao de A.
deVillencuve Bargemone’; ea segunda, as condivées da vida operéria.
Tal distingéo nao é somente 0 produto de uma divisio do trabalho
intelectual, mas resulta, no essencial, de um conflito politico que, 20
Tongo de todo o século XIX, nao deixou de opor~principalmente em
tudo 0 que diz respeito ao que, entio, comega a ser designado por
LHL Hacc (1971), De Panplime i de Stearic, Pai, A. Colin
2 J.B, Daesl1951), Lex Dts catisie wc en Fre (1822-187)
is, POR p. 230.
39“problemas sociais” — os representantes da burguesia industriel aos,
da aristocracia conservadora. Ao denunciar os efeitos da indus-
trializagdo, as fragoes mais conservadoras da aristocracia contestavam
a legitimidade dessa “nova feudalidade”, baseada na producéo de
bens manufaturados ¢ que, nesse momento, estava conseguindo ter
acesso ao poder politico.
Essa dissociagio da vida social em dois setores e a autonomizagio
conceitual ete6rica (como, als, €testemunhado pelo répido desen-
volvimento da filosofia utilitarista na Franga e Gra-Bretanha) do que
sevd designado por “gestio das poptlagdes” ¢, sem divida, um dos
fatores que faciliton a emergéncia da sociologia como disciplina
distinta de outras ciéncias sociais, em particular, da economia. Na
aio parte das teorias sociol6gicas dessa época, encontramos 0 €c0
de tal divisdo, simultaneamente, politica e intelectual, sob a forma de
ppares de oposicdo entre dois tipos de sociedade (“comunidadelsocie-
dade”, sociedade com estatuto/sem estatuto, etc)
Alguns socidlogos to diferentes entre si como Ferdinand Tonnies,
Georg Simmel, Max Weber, etc. tiveram consciéneia do que Bmile
Durkheim designava por “abalo” das sociedades européias no século
XIX ¢ tomaram isso como objeto, mais ou menos dircto, de seus
twabalhos. Em particulas, a maior parte das obras de Durkheim visam
servir de temédio & crise social que grassava sob seus olhos, como
confirmado pelo exemplo do tiltimo capitulo de um de seus livros mais,
‘conhecidos, Le Suicide (1897), com um titulo bastante explicito (*Con-
seqiéncias praticas”), ou a distincZo entre “normal” e“patologico” que
desenvolvida em Les rigles de la méthode socologique (1895). Um grande
niimero de pesquisis ditas “sociol6gicas", empreendidas desde entdo,
incidem sobre “problemas sociais”, isto 6, sobre o que é constituidoem