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st it nen nt 5 . As Identificagdes* ee Jean Florence PREAMBULO Para tornar preciso 0 contexto desta reflexdo critica e para dar o tom desta conversa que se pretende freudiana, é preciso que eu formule alguns principios basicos, que chamaria de opgdes fundamentais, quanto maneira de pensar a psicanilise e de nela se inserir. Primeiramente, a escolha de um titulo que mantém propositalmen- te no plural as identificagoes. Esse plural se funda na coisa mesma, freudiana, e no Seu estilo. Foi a principio pela demarcacao de uma multiplicidade de formagGes psiquicas que Freud realizou sua eluci- dagao do problema geral da identificagao: nos fatos da lingua, sinto- mas, sonhos. Somente depois ele tentou retomar as relagGes latentes de coesao e reunir os elementos de uma teoria, dispersos na experién- _ cia. Da mesma rnaneira, comegou falando de transferéncias antes de produzir o conceito de transferéncia. Essa atencao dirigida ao milti- ploe as diferengas estd igualmente marcada na teoria das pulsoes, dos +, desejos, das defesas...; ela € éspecifica, e € importante dedicar-Ihe bastante tempo para continuar atento ao singular como tal, o que em outra linguagem, mais construida, como a de Lacan, que fala do , geral ndo acontece. Talvez por estarmos muito habituados a uma . Para um estudo geral e detalhado sobre a identificagao, referiremo-nos aobra que serve de base as reflexdes que se seguem: J. Florence, L’Ident fication|\® "dans la théorie freudienne, Publications des Facultés Universitaires Saint- Louis, Bruxelas, 1984. 116 As identificagdes . - * desejo, da necessidade, da demanda. Nés sabemos 0 quanto é impor- tante na andlise a maneira de dizer ¢ como 0 modo de.construir uma teoria implica a propria Posigao subjetiva, Meu titulo no plural nao-é Pols uma questao de forma, mas uma escolha fundamentada. Trata- Temos aqui, entao, das identificagdes. Se, porventura, rar legitimamente uma unidade do conceito, é importante reconhecer que faltam ainda algumas mediagoes. Mas, € preciso que nos sacrifi- quemos a “tendéncia a sintese”? pode-se espe- Em segundo lugar, a teorizagao analitica. Nenhum trabalho que Pretenda dar conta da experiéncia analitica pode deixar de tocar na relagéo entre o sujeito que faz uma teoria e sua fundamentagao Pratica, e reciprocamente. Desde cedo Freud sublinhou a estreita solidariedade que une 0 tratamento, a pesquisa ea teoria. Conseqiien- temente, aquele que fala das identificagdes mobiliza suas préprias /identificagdes, e ao mesmo tempo seus ideais, com todo o cortejo de efeitos, as vezes tiranicos. , Em terceiro lugar, o principio da abertura. A pesquisa de Freud fez, cair as barreiras convencionais que se apresentam nos divers nios da vida. Esse trabalho ativo de descompartimentagao requer uma Teal ascese, porque encontra fortes resisténcias em todos. Percebere- mos esse principio freudiano em vigor na sua elaboragao da proble- mitica da identificagao. E totalmente impossivel 0 acesso de forma direta a qualquer representacéo do “normal”. A personalidade psi- quica sé manifesta sua estrutura e os avatares de seu desenvolvimen- to gragas as rupturas, as desarticulagdes, aos desmembramentos (Zerlegungen, Zergliederungen) que os processos patolégicos produ- zem. Se sustentamos determinada representagao-limite do normal, é preciso construi-la a partir de elementos da patologia, através do jogo diferencial das formagées patolégicas em toda a sua extensao: indo dos minimos tropegos da vida cotidiana as graves dissociagdes das experiéncias psicéticas. E aos psicéticos que devemos nosso conhe- cimento da realidade interior, psiquica, diz-nos Freud.* Esse trago fundamental de seu pensamento, que “positiva” a patologia, conduz- S. Freud, Neue Folge der Vorlesungen zur Einfihrung in die Psychoanalyse, G. W.,S. Fischer Verlag, Frankfurt am Main, 1967, XV, 64. _ Tentemos reencontrar a incrivel, As Identificagées 117 nos ao primeiro principio, enunciado acima, que € 0 respeito ao plural como tal. Em toda formagao do inconscicnte atua uma verdade, parcial, desgarrada do sujeito. Nao ha sujeito sendo nesse movimento mesmo de desarticulagdo-articulagao. Aqui, um principio beuristico é um principio ético da psicandlise: a verdade subjetiva nao é una.* Enfim, 0 quarto principio de minha exposigao, um principio de movimento: interrogar um tema freudiano como © das identificagoes __ Obriga-nos a.encontrar o movimento da questio em Freud, sua movi- ) mentacdo. Qualquer que seja o tema escolhido como foco de atencao te6rica, leva-nos a reexaminar todas as quest6es da psicandlise. Meu objetivo consiste em destacar as arestas vivas do questionamento de Freud, indo deliberadamente aos textos em que as coisas se atam ¢ se mplicam. E cdmodo, para seguir esse percurso, ter como referéncias as escans6es tedricas maiores que chamarei, a partir de Lacan, de Freud I, Freud Il e Freud III. Esse percurso nos permitiré marcar em seguida (os caminhos inexplorados, os impasses, os desvios em seu itinerari Formulando as aporias de sua pesquisa, poderemos indicar as vias tragadas por seus sucessores, em particular M. Klein ¢ J. Lacan. 1, Os momentos da questao freudiana Um “retorno a Freud” est4 sempre por ser refeito, ser inventado. freudiana. Trata-se, no fundo, de tornat veis” as nogoes_ “que acreditamos conhecer e que imperceptivelmente debilitam-se em _ um uso de rotina,** para recuperar com esse gesto de recomego 0 sentido de nosso ato de psicanalistas. Por que falar de um “uso de rotina”? Porque em todas as bocas, freudianas ou nao, a identi it faz sucesso como nogao que serve para tudo, em toda espé psicologia, em que € confundida com as nogoes de imitagao, com- * A verdade, nio a podemos dizer toda. “Dizé-la toda € impossivel, faltam palavras.” J. Lacan: Televisao, J. Zahar, Rio de Janeiro, 1993. ** J. Lacan, “Fungdo e campo da palavra e da linguagem em psicandlise”, Ecrits, Seuil, Paris, 1966, p. 239-240 \ \ 118 ji . {A * Asidentificages | 5.49 ° nil a \ - . =, s ‘ preensao, empatia, Projegao ete, como se tudo fosse a mesma coisa. | O trabalho de Freud consistiu justamente em tomar no sentido oposto a esse movimento natural que reduz tudo ao mesmo... que, precisamen- te, identifica. Foi 0 filésofo Meyerson que descreveu essa {6rmula : Particular de pensamento.* A psicandlise lanca-nos é {= d - ‘ es — = ee s > ' ao irredutivel, ao desconhecido: ao Outre wet ‘categoria do mesmo, da imitacdo, do eu: eis 0 que a realidade do +. "4, - inconsciente obriga a pensar, com todo rigor. - “9° a" es i , FREUDI Sa. vat urns) Desde a Correspondéncia com Fliess, podem-se ler em Freud os efeitos dessa abertura para a lingua e o que ela ensina: quando ele to, descreve os sintomas tao dinémicos e tao diversos da histeria, faz oy essa adverténcia: Pluralidade de pessoas psiquicas: o fato da identi- yta) ficagdo autoriza um emprego literal dessa expressao.** j Uy E precisamente essa insisténcia, essa efetividade, essa eficacia inau- | dita da lingua no coragéo da produtividade da neurose histérica que i surpreende Freud e o faz deixar progressivamente o terreno de uma compreensio psicoldgica para dirigir-se a um outro lugar, em que a ; compreensao humana espontanea toma-se inoperante. As vias segui- | , das pela formagao dos sintomas — e pela do sonho — subvertem as \’ avenidas do eu e tornam este tiltimo problematico. A identificagao, na_ of ) lingua, exprime, entre outros, um'modo de criagao Tomane: ). Freud f ; | ‘toma ao pé da letra essa sugestao da lingua: nao ha sintoma que nao ay | jseia motivado por um romance, quer dizer, um conjunto de relagdes © ae jentre personagens, entre uma pluralidade de personagens. A i entifica- cdo neurética €uma identificagéo romanesca, ela éum modo de pensar i inconsciente que modifica o eu: O eu sofre os efeitos do desejo sexual que as pessoas que agem no romance histérico representam. Essa vb VSB Meyerson, Identité et réalité, Paris, 1908; Du cheminement de la pensée, ai Paris, 1931. ; | | x se § Freud, La naissance de la psychanalyse. Correspondence avec W. Flies. Manuscrito anexado a carta de 2 de maio de 1897, P.U-F, Paris, 1956, p 176. \ \ R . , 4, oro nay mm As Identificacdes 119 linguagem situa, de inicio, 0 eu como um \ Pantomima determinada alhures, em Qutra agente, 0 ator, o sujeito ativo das c ue_metamorfoseiam o eu, Tomar ao pé da letra a palavra “identificagao” (Udentifizierung) nao vai deixar entao de trazer sérias conseqiiéncias. O €u_se estilhaga, fica ‘ maledvel € sujeito a cory miltiplo, da libido i dadeiros motivos nao jOgo das identificagdes. (0_das pulsdes e das Si on tes. Jogo duplo que autoriza o romanesco, jogo dad dramatico, uma vez que 0 desejo se poe em cena, difratado em uma | série de personagens de empré: timo, de aspectos contraditérios, (os ~ E a dimensao histérica de cada um, muito concreta, que Freud | atinge: se podemos fazer o espectador ficar emocionado e apaixona- ‘do por ‘dramas e tragédias como. Edipo Rei Hamlet, € porque as 4m “Compulsées” inconscientes, recalcadas, que ai ocorrem Passam pelo va. Jogo velado dos reconhecimentos, pelas identi ficag6es despertadas e [eeaaas oe A Particularidade da identificagio na histeria € estar a servico de mogoes de desejo contraditérias, ambivalentes, bissexuais. O sinto- =, ma representa ao mesmo tempo algum traco da pessoa amada e do Spee imita a realizagao de desejo do homem e da mulher, a atividade oURa passividade. O jogo é embaralhado e 0 eu, “tim-tim por tim-tim, perde o rumo € o seu latim”. a cena em que opera uma cena. O desejo sexual é 0 | Estas conduzem a um “romance” Tepresentai | *) Se pode chegar a adivinhar a nao ser seguindo oj } Em uma outra carta a Fliess, destaco esta reflexao significativa do encaminhamento freudiano e de seu principio de descompartimenta- Ver as sutis andlises de Octave Mannoni: “O teatro sob o ponto de vista do imaginério” e “Teatro e loucura” in Clés pour l'imaginaire ou l'autre scéne, Seuil, Paris, 1969. Ele evidencia a fungéo essencial da negagio para abrir 0 espago proprio da fice, do imaginério e do jogo teatral. Sem esta funcéo da Regacao nao se poderiam desdobrar os movimentos das identificagdes, nos atores e espectadores. ; Igualmente: J. Florence: “Les Identifications théAtrales, théatre et psycho- drame”, Cahiers Theatre Louvain, n. 37, 1979, p. 13-20. E “Entre désir et realité, la fantasie théatrale (remarques psychanalitiques)”, Cahiers Theatre Louvain, n. 34, 1978, p. 29-37. 120 As identificagées . . < 5 | go das entidades nosograficas: Dentre as camadas Sexuais, a mais | profunda é a do auto-erotismo... A histeria, assim como sua variante, @ neurose obsessiva, é aloerética e se manifesta principalmente ‘por uma identificagdo com a pessoa amada. A parandia desfaz as La identificagdes, retoma as pessoas amadas na infancia e cinde o eu. 42 om diversas pessoas estranhas...* ae Esse texto encontrard ressonancia na seguinte passagem do co- mentério sobre as Memérias do presidente Schreber: A parandéia decompée (zerlegt), a histeria condensa (verdichtet), ou melhor: a parandia transforma uma vez mais em elementos seus os produtos \ das condensagées e das identificagdes que se efetuaram na fantasia inconsciente.** ‘ A histeria e a parandia como modos de formagao de sintomas se esclarecem mutuamente, e sua diferenciagao estrutural evidencia a problematica do eu e do amor em que se insinuam de uma sé vez o miltiplo, a condensagio das figuras, as identificagdes estratificadas, i Essas observagées nos forgam a admitir a estrutura de fissio (estra- ad. { tos, tragos, camadas sobrepostas dos amores infantis) e também a Ena estrutura da ficgdo (romance, identificagdes) do eu. = A comparagao estabelecida aqui entre identificagdes e condensa- wd - des nos conduzem a novas notagoes sobre nossa questo, desenvol- dnt vidas ns Traumdeutung. Os pontos que me contentei em assinalar apressadamente nas-cartas a Fliess (¢ escolhi somente dois, repre- sentativos do estilo de questionamento freudiano), esses pontos en- contram no imponente trabalho sobre os sonhos uma interessante articulagdo teérica. No momento em que explicita a tese da distorgao (Traumentstellung), que torna diticil a concepgdo do sonho como realizagao de desejo, Freud recorre a um exemplo que vai lhe dar oportunidade de ligar as questdes do sonho as do sintoma, em parti- cular na histeria. Trata-se do sonho dessa “espiritual histérica” (wit- ziger Patientin)*** que faz objegdes a teoria de seu alista —de que + §. Freud, Naissance de la psycanalyse, op. cit, carta 125 de 9.12.1899. ++ §. Freud, Psychoanalytische Bemerkungen tiber einen autobiographisch bes- chriebenen Fall von Paranoja (Dementia paranoides), G.W., VIL, 285. *** §. Freud, Die Traumdeutung, G.W., I-lll, p. 152 et seq. Cf. também o As Identificagdes rh { | pe j nw! j 980% ow! todo sonho é realizagao de desejo — por meio de um sonho que prova | © contrério. O contetdo manifesto do sonho coloca em cena essa | paciente, mulher de um acougueiro, atrapalhada diante de sua reso- i { i i i lugao de oferecer um jantar ¢ s6 dispondo_para.isso de um pouco (pouquissimo) de salmao defumado. As associagGes estabelecerao 0 contexto do drama intersubjetivo latente, que motiva a produgao do sonho tanto quanto de seus sintomas: 0 marido e uma amiga se manifestam como substituto e porta-voz de sua questao: “O que € uma mulher... para além dos atributos (formas do corpo) femini- nos?”, ou ainda: “Como uma mulher (essa amiga) que se desespera Por sua magreza pode interessar a meu bom homem (0 agougueiro), apreciador das gordinhas?” Nao podemos nos demorar sobre esse texto, que apresenta uma notavel visao da histeria. Retenhamos somente o que ele nos ensina | sobre a identificagéo. O que ilustra 0 jogo das identificagdes com ho ttagos particulares, inclusive com fragmentos de conversagao das pessoas, no sonho e no sintoma (no caso, aqui, o desejo de um desejo insatisfeito), € a questo inarticulével do sujeito, barrado por essas proprias identificagées. Assim, a telagao com pessoas, quando ligada ; . Agramatica do inconsciente, sobre.a. smatica, metamorfo- | ~ ‘seia completamente o eu e seus “objetos ; voam em estilhagos, tornando-se elementos significantes de desejo e nao mais entidades i icas.comy isiveis/O eu)adomado c om insignias do outro, ma tela € — ao mesmo tempo — trai as intermiténcias do ‘Idesejo, do sujeito inconsciente. Essa dinamica do sonhoe da histeria toma necesséria uma distin ‘ . Freud aqui nao dispde e que Ki devemos a Lacan:’0 eu nao é0 Sujetto).. ao contrario, ele pode estar entre os possiveis “obj ' Aandlise de Dora (Fragmento de andlise de um caso de histeria) iré mais longe no esclarecimento do trabalho das identificagdes, responsével pela impressionante plasticidade das Produgoes sintoma- ticas. O que hd de novo — novidade que Freud nao péde reconhecer { comentirio de J. Lacan: “A dirego da cura © os principios de seu poder”, Ecrits, op. cit., p. 620 et seq. omer Mm ek 122 As identificagoes ¥ senao mais tarde, tarde demais mesmo em Telagdo Aquilo que se Passava na propria analise — € 0 estreito lago que os movimentos de transferéncia manifestam entre a série das identif icagGes de Dora ¢_ sua possivel dissolugéo no decorrer do trabalho analitico, fundado essencialmente sobre.a interpretagao de dois sonhos, O que obstruiu” © prosseguimento da andlise foram as identificagdes do préprio Freud com os objetos fantasmiticos da transferéncia. Incluindo-se ele pré- Prio, como “pessoa”, como médico, na série de personagens mascu- linos da histéria da moga, Freud nao Pode perceber a tempo como isso o impedia de ser suficientemente livre em sua escuta ede medir a importancia das ligagdes de Dora com as mulheres.* A novidade aqui, para dizer de outra maneira, é que a elaboragao de uma teoria da identificacdo s6 & rigorosamente analitica se levar a sério, com todas as suas conseqiiéncias, a surpreendente realidade das transfe- réncias. Na transferéncia, como tepetigao do inconsciente e atualiza- G40 dos processos pulsionais primérios, o analista nao é um alter-ego, um outro-eu, um individuo psicolégico, mas um “objeto” submetido a todos os recortes do significante. E por algum trago—que é preciso adivinhar a tempo — que ele esta investido pelo desejo inconsciente € nao por aquilo que‘cré ser como individuo, amado ou detestado, compreendido ou contestado.** ~ A anilise dos sonhos a condigdo para a interpretagdo dos sinto- mas porque os sonhos mostram com muito mais. forga.o absurdo, a heterogeneidade_dos processos_inconscientes, A identificagao do sonho, a identificagao do sintoma nao sao imitagaode Qutras pessoas: € preciso abandonar aqui uma descrigao psiquidtrica corrente dos “comportamentos” histéricos. As identificagdes dependem dos Pro-, cessos primrios, elas somente tém que criar “pessoas”: se hi perso-\ fagens no romance histérico, sao representantes da Tepresentagao | pulsional: os significantes. i Como contemporaneo dos primeiros escritos e testemunha dessa S. Freud, Bruchstiik einer Hysterie-Analyse. G.W., V. Ver sobretudo as con- clusdes e anotagies acrescentadas em 1923: Nachwort, p. 275-286. J. Florence, “Symptémes, transferts, identifications”, in L'Identification dans la théorie freudienne, op. cit, p. IX-XXVI, 1984, As Identificacées, 123 radical subversao do inconsciente (A interpretagdo dos sonhos, a Psicopatologia da vida cotidiana, 0 comentario da anilise de Dora) temos O chiste e suas relagdes com o inconsciente. , Certo de que obtivera sucesso na andlise da elaboragao do sonho ena da formagao dos sintomas, Freud arrisca-se a ocupar um lugar no Conjunto dos tedricos das produgées culturais e a participar da discussao com os fildsofos da Estética, no sentido em que se entendia a estética na tradigao alema, fortemente marcada pelo idealismo (Kant, Hegel, Schelling). E no terreno do prazer estético que Freud pretende estabelecer esse debate, para trazer-lhe a contribuigao, par- cial, mas decisiva, da psicandlise. Guiado pelo lado espiritual dos sonhos, dos lapsos até dos préprios sintomas, ele considera as produ- Ges dos chistes e as manifestagdes jocosas do mesmo tipo (trocadi- Ihos, charadas, jogos de palavras tendenciosos) como manifestagdes psiquicas em que o inconsciente tem grande participagao. A partici- _Pagao dos processos psiquicos inconscientes (condensagées, deslo- camentos, simbolizacSes, identificagoes) diferencia, para Freud, .o chiste como tal (sempre ligado a palavra) eo. cmico (que diz respeito aos jogos miméticos, posturai eaos moyvimentos do corpo). Diferen- ¢a tépica, conseqiientemente: no chiste o inconsciente intervém, no_ \cémico tudo se passa no nivel pré-consciente. “ Gostaria de sublinhar a importancia insuspeitada desse texto de Freud para a questao das identificagoes.* Em dois planos: — A troca de palavras jocosas, sancionada pelo riso dos compar- sas, pode ser retratada como 0 percurso de um circuito interpsiquico por uma cadeia significante tica de sobredeterminacio. O efeito do chiste é realizar, como um relampago, uma identificago inconscien- te dos sujeitos em ressonancia. Essa identificagao se revela como um | novo tipo em relago ao que j4 vimos até aqui. Ela tema particulari- dade de nao se realizar sobre o plano da fantasia (como acontece no SS quae z S. Freud, Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten. G.W., VI. As perspectivas que esse texto abre para as dimensoes estruturais da subjet fa de, a partir da tépica novamente esclarecida pelo chiste € pelo cémico, sio analisadas em: J. Florence: “Les enseignements de la psychose”, in Qu'est-ce que l'homme? Hommage @ A. De Waelhens. Publicagoes das Fac. Univ. St-Louis, Bruxelas, 1982, p. 495-529. 124 As identificagées sonho ou no sintoma neurético), mas no plano real, efetivo, de uma_ t. troca simbdlica ca que transforma uma comunidade de sujeitos. Essa co comunidade — ou melhor, essa correspondéncia (Uebereinstim- i x mung) nao se realiza senao pela graga de um jogo significante. ' “\_ Segue-se um ganho de prazer, uma sublimagio. Os sujeitos, aturdi- ‘ dos e capturados pelos jogos de palavras, encontram-se momentanea- { mente longe de onde seu eu € suas censuras estavam. O trabalho espirituoso (que Freud denomina de as “técnicas do chiste”) transpde. as “tendéncias” (desejos recalcados ou censurados), modificando seu_ curso inicial (tentativa de descarga/interdigao/inibigao e recalque)_ em um jogo de linguagem — lugar préprio do espirituoso. Esse deslocamento, que é uma espécie de transferéncia, fornece a tendén- cia um novo fim (nao-sexual), criando, em um mesmo movimento, uma comunidade, uma comunhao psiquica, uma cumplicidade acla- acla- mada pelo riso. Parece-me que se encontra ai, reduzida — in statu nascendi —a_\ * forga original de uma “estética” freudiana, aplicével a outras dimen- | iy sGes, mais amplas, de experiéncias culturais (teatro, literatura, etc.). ! Esse ensaio abre caminho para uma analise extremamente fecunda, AY cheia de surpresas, da sublimaca9, uma vez que mostra a {ntima 2. conexao entre os processos de sublimagao ¢ a identificagao, produto- {/* \ ra da mutagao da Posigao subjetiva. —Uma segunda contribuigi 10 tedrica do Witz de Freudresideem uma precisao quanto & diferenga entre ident nitagao, A imitag4o é um efeito secundario, no nivel do- eu, em] ng identificagao primitiva do sujgito com o desgjo, com o movimento, do outro. A imitagao se desenvolve no plano da representagao pré- consciente do corpo, éa via das aquisig6es do jogo mimético, das atitudes sociais, das adaptag6es perceptivas € motoras do “eu corpo- ral”. A experiéncia do cémico é reveladora do funcionamento pura- mente mimétice do eu na relacdo com 0 outro como semelhante. O cémico surge de uma espécie de decep¢ao da espera especular, de um contraste inesperado na comparagdo permanente (pré-consciente) que 0 eu opera entre as expresses e movimentos do outro € dos seus proprios. O cémico nao opera sendo quando se constitui.um habitus do eu como forma em que a representacio imagindria procura uma oi a 2 Sf 4 \ As Identificagdes 125 - en confirmagao no corpo do outro. Repeticao infinita da cena lo espelho: hd em cada um de nés um querer-compreender (Verste- henwollen) fundado em um transitivismo primordial.* Resulta, dessas breves consideragdes, que a id entificagao nao é oposigdes complexas, que dao continuidade ao questionamento. FREUD II‘ j2 . A passagem do Freud I (descoberta do inconsciente articulado com 0 sexual) para o Freud II é motivada pela extensdo da pratica analitica —sobretudo entre os alunos de Freud —ao tratamento de psicéticos, assim como pelas dissidéncias de Adler, Stekel ¢ Jung (a propésito da natureza da libido), que obrigam a revisar as ligagdes entre 0 eu € a sexualidade. Desde 1912 anunciam-se a introdugao do conceito de narcisismo, ‘© ensaio sobre Leonardo da Vinci, Totem e tabu. E preciso sublinhar a paixao de Freud pelas origens, paixdo presente ” em todos os seus escritos, em toda sua clinica. Isto se nota, lingiiisti- camente, pela proliferagao de palavras com radical Ur- € dos adjeti- * Qs primeiros trabalhos de Lacan deram um desenvolvimento original a essas indicagdes de Freud sobre a fungéo “cémica” do ev, fundada na relagéo especular. . ** 5. Freud, Totem und tabu. Einige Ubereinstimmungen im Seelenleben der Wilden und der Neurotiker. p.91) Eis 0 texto original: Man kénnte den Ausspruch wagen, eine Hysterie sei ein Zerrbild einer Kunstschapfung, cine Zwangsneurose ein Zerrbild einer Religion, ein paranoischer Wahn ein Zerrbild eines philosophischen Systems. sto pot! ‘, perguntar imediatamente sobre o préprio sentido do termo objeto da 126 As identificagdes: . Vos como “primitivo”, “originario”, “pré-histérico” etc, O infantil como movimento do desenvolvimento e do nascimento do humano, o infantil como motor, como “momento” estrutural permanente da organizagao subjetiva, o infantil como lugar indestrutivel do desejo: seis © que vai se forjar como referéncia essencial |Processos psiquicos. A_identi certo, Tard parte- dessa produgao, a seu comego. io. que reconduz as coisas asua A identificagdo torna-se, a partir desse momento, o nome de um , duplo processo de inteligibilidade analitica: genética e estrutural. E> necessario ficar atento a essa ambi jade fundamental da Ida Tingua- ! gem freudiana quando ele se refere 4 infancia, a0 i il, a cri ao “primitive”. O infantil é a propria estrutura “histéria € enquanto organiza: io, certamente nao imagens da infancia, como al igumas vulgarizagoes Tam representé-lo. | Desse periodo extremamente fecundo da obra de Freud, aponta- Tei alguns tragos essenciais para a construgao da teoria das identifi- © ( cagoes. Primeiramente, as diversas reedigdes de Trés ensaios so-\; 2 bre a teoria da sexualidade, depois Totem e tabu e, enfim, Luto e'! melancolia. Ao reeditar seus Trés ensaios, Freud insere incr acréscimos — sobre as . Trata-se da dificuldade de pensar a emergéncia do sexual como tala partir di apoio na fungao alimeptar. Trata-se de captar 0 momento da s | vagao: Freud fala de uma incorporagao (Einverleibung) do seic * Essa linguagem é equivoca — e no entanto a encontraremos com -freqiiéncia a propésito da identificacao, pois essa incorporagao de um “objeto” sexual é a atividade sexual origindria, o protétipo da identi-_ Pro ficagao. Como é evidente que a crianga nao incorpora realmente (no pe sentido da necessidade alimentar) 0 seio materno, somos forgados a wd pulsao oral, canibalistica. Incorporar € 0 objetivo sexual primitivo. Os analistas tiveram dificuldades em sustentar suas reflexdes sobre * S. Freud, Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie, G. W., V, p. 98. As Idemtificagoes 127 ‘0 do sexual, distinto daquele do observavel. O objeto nao vidade empirica, psicolégica, fisiolégica ou cto- ‘Abraham colaborou para os mal-entendidos a da génese sexual e das fases de sua organizagao; ’, foi preciso 0 “extremismo” de M. Klein (teoria da fantasia) e de J. } Lacan (0 objeto a) para tirar a nogao de objeto « gasto e rotineiro 4 ‘ ae Dee Ria A conseqiéncia do deslocamento que prime 3 nogao de objeto sexual é a bversio que ele impoe correlativa, e classicamente solidéria —de sujeito, sujeito novo conceito de esc: hi esse registr € 0 objeto da objeti légica. O préprio respeito do sentido ido desejo € nao sujeito do conhecimento. O de objeto (Objektwahl) tem a mesma exigéncia: Freud sublin! t ralidade particular — a escolha do objeto se faz em. varios e segundo miltiplas modalidades, definidas no texto narcisismo (tipo narcisico, tipo “por apoio”). Assim, nas considera- des sobre 0 “trabalho da puberdade”, Freud sublinha que encontrar \~ o objeto sexual no é, em ultima instancia, se .* Ha * uma escans4o_da_escolha_ 0 itivo, cris espaco primeiro de desejo; nao ba figuragao objetiva desse “objeto | ® { perdido”; todo o trabalho do desejo consiste precisamente em perdé- 1 | locomo tal! Quanto as duas modalidades da escolha sexual (narcisica | € por apoio nas pulsdes de auto-conserva¢ao), ressaltemos a divisao \ irredutivel que elas significam para 0 sujeito —e para o objeto — do ~ amor. | A anilise da biografia de Leonardo da Vinci permi Freud por a prova a fecundidade de suas novas hipéteses €, a nds, colocar em evidéncia alarticulagao entre identificagao ‘e escolha de objeto se- @) Prolpte. xual.**) ~ oe | ‘no 7 . + 4 a ar , Freud interpreta a homossexualidade —platénica, como dizem os a bidgrafos de Da Vinci —como 0 efeito de uma identificagao com sua =" mie, descrita como precocem| ente sedutora (0 filho era ‘para ela 0 bre 9 s, Fre, Die Objekfindung ist eigentlich eine Wiederfindung, G. W., V, P- ** S. Freud, Eine Kindheitserinnerung des Leonardo da Vinci, G. W., VII. 128 As identificagoes alo a is I ft i + | equivalente a um objeto sexual completo) e abandonada pelo pai. A } Posigao homossexual resulta de uma espécie de transferéncia, para a 1 cena fantasmatica inconsciente, de uma Telagao § arcaica oral oquea_ escolha sexual posterior | i como tal, pela identificagao, no recalcamento. Da Vinci_pr¢ curava, ) | nos parceiros sexuais a imagem do que tinha sido, em crianga, para | } \ sua mae. A identificagao com a mae perm ite esquecer a mae histérica ' t como ‘Objeto incestuoso, conservando-a eternamente em cada ligagao t amorosa, em cada impulso homossexual. Essa identificagao € narof- j | sica, ela converte a libido de objeto em li a, Cujo objeto €0 “eu”. Em Da Vinci, essa transformacao de uma relagao incestuosa precoce afetou a vida sexual. Em contrapartida, na relagao que ter4_ com suas obras, iré comportar- se como > proprio pai mportava com ele: abandonando-as; essa relagao com 0 pai é mais imit imitativa, Notemos, enfim, que a identificagio €a incorporagao de ui uma‘ “tela- Gao” sexual, de uma atividade: é no nivel da fantasia* que ela exerce seus efeitos. Totem e tabu\é um texto decisivo para nossa problematica. Nao é uma obra para figurar entre os ensaios de etnologia, é um grande livro de psicandlise. Desprezou-se profundamente seu contetido real, con- tetido clinico inesgotavel, porque “resistiu-se” — a meu ver, ‘sob 0 pretexto de que sua documentacao etnografica era parcial, insuficien- \ te, nao-critica, ou de que sua inspiragdo provinha de um v ingénuo com o evoluci mo, € até com o colonialismo etc. Totem e tabu € um texto imprescindivel para os psicanalistas. Nele, a | questao da identificagao recebe um enfoque novo, marcado pelos ‘ ensinamentos da transferéncia — escuta-se ai a voz do Pequeno 1 Hans, do Homem dos Ratos, do Homem dos Lobos — e pelos_ ensinamentos das abordagens das psicoses — as discussées com Bleuler, Jung, Abrabam, Ferenczi_ali deixaram-seus_tracos, | i assim como as’stbitas revelagoes eas fulguragdes das Memérias de | Schreber. —* | | 1 \ \ i ! i | A interpretagao de Freud, por meio de andlises de quadros e de documentos biogréticos, destaca uma fantasia oral em que um péssaro (milhafre?) bisse- xual toca 0s labios da crianga. ! 1 i ' As Identificagoes 129 Freud cria um novo espago teérico ao operar a unifica¢ao estrutu- ! ral entre fobia, animismo e totemismo, produzindo 0 terndrio conc tual (hipdtese de trabalho) crianga- Primitivo: heurose. Sua cor concepgao, do desejo (Wunsch) radicaliza-se, ficando identificada com Os jogos das condensacoes e deslocamentos magicos de sua realizagdes: 0 desejo € 0 pensamento, é o proprio jogo de s sua sua representagdo por imitagao e por contagio, por metaf rituais magicos e neuréticos preparam o jerreno p para uma reelabora- ao da identificagao, reconhecida como a mola-mestra do totemismo. Ototemismo, Cujas regras profbem o incesto eo canibalismo entre os membros de um mesmo totem, funciona na 2 identificagao em varios _ Recalcar © incesto e 9 canibalismo € a condigdo para que um individuo adquira uma identidade (inscrigdo na rede das linhagens, das genealogias, por meio do nome) e seja inserido no sistema das trocas com seus “semelhantes” (trocas lingiiisticas, econémicas, se- xuais). - — A identificagao com o totem (ter um nome) garante a individua- gdo e a sociali: . — A interpretacgao-do totemismo infantil (a zoofobia do Pequeno Hans e de Arpad) esclarece 0 alcance das interdigdes totémicas das sociedades “primitivas”, assim como as dos obsessivos (que também possuem Seus animais-totem: ratos, lobos...). Assi Ur-vater. Seu lugar de morto o instalou, retroati da lei e como ideal. A identificacao transitiva, em iS, do pai com 0 cavalo (Gl da mae com o cavalo) representa a tentativa, por intermédio do sintoma, de recalcar a ambivaléncia afetiva € a tendéncia bissexual do complexo de Edipo. Assiste-se, no tratamento | de Hans, a uma superagao de seu recalque, comprovada por um novo jogo em cujo decorrer Hans torna-se, ele préprio, um cavalo, que pode atacar 0 pai. Identificagao_resolutiva, simbolizagao ativa ¢ lfidica da ambivaléncia, sublimagao ‘do Edipo. Hans £0 cavalo. Por essa apropriagao do simbolo abre-se um desvio, uma metafora sub-_ jetiva. Brincando de ser o cavalo, Hans instaura uma ligagao com um significante do ideal, instala a rivalidade no sujeito em que ele se 5° % m, 0 totem € 0 pai }) * ente, S \ , seaertar?e: 22 ty pol t A « « bo Ww 2 Cala) f < 130 As identificagoes 4 transformou, como uma inauguragéo do tempo. O jovem Arpad, analisante de Ferenczi, € testemunha de um trabalho andlogo pela identificagao com um simbolo: Meu pai é 0 galo, mais tarde eu serei um galo.* ® A identificagdo com o pai como simbolo, como “totem”, trans- forma a relagao com o pai real e toma 0 pai Outro, para além da rivalidade rancorosa e da colagem homossexual. As palavras (espiri- tuosas) de Arpard acentuam bem esse deslocamento significante, tao lidico € t4o profundamente verdadeiro. A identificagdo totémica ou simb6lica (com um trago ideal, paterno) opera o luto do objeto edipiano, a rendncia a uma relagao pulsional ambivalente, enquanto| a identificagao neurética (a projegao fdbica) falha nisto, conservando a relagdo incestuosa no inconsciente ¢ fazendo 0 sujeito frer. Para além do tempo da horda primitiva, a relacao dos irmaos com_ 0 ideal (0 Pai morto) os faz, cada um deles, virtualmente pai — no singular e com miniiscula. Esta ligagao com um m smo ideal ustenta a identificagao dos sujeitos entre si, como membros de uma comuni dade que se funda sobre a lei patema. O ideal substitui o objeto da? ambivaléncia: essa | mutagao oo ocorre junto com 0 reconhecimento de_ que o pai esta morto. E um trabalho assim que nao se atinge na neurose, na qual s6 os sintomas anunciam, de maneira velada, a saida impossivel das fixagGes edipianas. O ensaio metapsicolégico de 1917, Luto e melancolia, encerra a exploragao desse grande veio tedrico que convencionamos chamar “Freud I}. Uma vez mais, pode-se observar 0 principio freudiano das aproximagées e das diferenciagdes entre as formagées psiquicas, normais e€ patolégicas. A comparagao entre luto normal, luto neur6- tico ¢ melancolia vem evidenciar a fecundidade,dgs- ensaios prece- dentés. Pode-se dizer que a identificagao melancélica € a forma fracassada da identificagao simbélica com 0 ideal (identificagdo que chamei de totémica). A introjegao da relacao ambivalente que 0 eu estabelece ¢om 0 objeto (objeto que, na melancolia, € inconsciente) 7 can Mn wo dnaro KoA , poy © Totem und Tabs, 6.W.1%P-15% "(OL Soy, vo vito) ne 7 7 As Identificages 131 cliva o eu mas, ao contrario de nascerem dessa clivagem a tensio que abre © eu para igualar o objeto introjetado e a Procura de novos objetos, a identificagdo revela-se aqui mortifera e destrutiva para o eu. E preciso supor que a escolha de objeto que presidira a instaura- ¢40 da relagdo era de tipo narcisico. A perda desse “ 4 ‘objeto” enigma- tico nao dé lugar ! a um luto (dor diante daquilo que, dia apés dia, a tealidade impde reconhecer como perdido), mas a uma ligagio sado- Masoquista sem medida, delirante, no cendrio do cu, fora de toda obe conservar um vinculo em que 0 objeto e 0 eu sao os duplos um do outro.” —7 Jountirrarad norecicee. Dois grandes modelos se destacam assim em nosso itinerdrio treudiano para conceituar a identificagéo. Esses modelos vém da Propria experiéncia clinica e dio conta de uma pluralidade de estru- turas. Podemos chegar a dizer que cada modelo divide-se interna- mente segundo uma vertente de normalizagao e segundo uma verten- te de patologizagao. 1.A identificagao histérica obedece 4 mesma l6gica que a identi- ficagao onirica, exprime um desejo sexual recalcado, figurado re- gressivamente através das cenas do sonho e do sintoma, a partir de elementos significantes extraidos dos “objetos” dos desejos (contra- ditérios, bissexuais). A identificagao espiritual é a via de uma subli- magao de desejos e cria um prazer socialmente sancionado. 2.A identificagdo narctsica é mais primitiva e mais importante em seus efeitos: ela constitui o préprio eu e suas clivagens. A identifica- 40 da homossexualidade masculina determina o eu em sua posigio amorosa e mantém a relagao incestuosa primitiva, ativa mas recalca- da. A identificagado melancélica reconduz aos modos mais arcaicos da ambivaléncia, cliva o eu em uma parte sadica, identificada com 0 objeto, e em uma parte perseguida pela fantasia do objeto. Ao con- Oensaio Das Unheimliche (“O estranho”), 1919, iré mais longe nessa proble- matizacio do duplo, da angistia e da identificagio. Freud ilustra esse tema recorrendo aos trabathos de Otto Rank (Der Doppelganger, de 1914), que dedica uma grande atengio ao tema do duplo na literatura dita fantéstica (Dostoievski, Por, Maupassant, Nerval, Gauthier, Chamisso etc.) 132 As identificagbes + trario, a identificagdo totémica instaura uma diferenciagao no eu, um superposicionamento entre o eu € 0 ideal do eu, efeito da incorpora- 40 do objeto amado-odiado de que o eu se separou; esta identifica- G40 € 0 percurso de todo trabalho de luto de um objeto, ela faz do eu © depositario, o herdeiro dos objetos que a realidade obrigou a abandonar como objetos sexuais, Em todos os casos, a identificagio narcisica transforma uma relagao de ter (um investimento de objeto diferente do eu) em uma relagao de ser, mais ori & 0 objeto).* oO FREUD IIL As elaboragées do dltimo Freud (1918-1939) sobre o problema da identificagao vao, por uma parte, desenvolver os modelos destacados mais acima e, por outra, colocé-los 4 prova, integrando-os as ques- tdes levantadas pela introducao da pulsdo de morte. O primeiro eixo das reflexées de Freud nesse periodo prolonga a temiatica de Totem e tabu (Psicologia das massas, Moisés e 0 monoteismo, Mal-estar na civilizagao); o segundo eixo aprofunda o problema da estrutura do eu e de suas instituigdes intimas (A/ém do principio do prazer, O eue o isso, A divisdo do eu como mecanismo de defesa, Inibigdo, angiistia). A organizagao desses temas se dé em torno do complexo, de Edipo. CO texto ao qual geralmente se recorre, de maneira apressada, para_ se ter uma idéia resumida da teoria da identificagao em Freud €_ Psicologia das massas e andlise do eu. O sétimo capitulo desse ensaio intitula-se, com efeito, “A identificagdo.” Este texto nos é igualmente familiar pelo uso que dele faz Lacan, em varios de seus Em um dos tltimos textos de Freud, descoberto apés sua morte, sob a forma de uma nota de trabalho, pode-se ler (traduzido por nés): “Tere ser na crianga. ea exprime espontaneamente o investimento de objeto por meio da identificagao: eu sou o objeto. O ter é mais tardio, ele retorna ao ser apés.a. perda do objeto. Modelo: 0 seio. O seio é um pedago do eu, eusauoseio. Mais _ tarde somente: eu 0 tenho, quer dizer, eu ndo sou ele”. G. W., fragmento 12, VU, p. 151. i | diablo - 2 wolrat wth - udiatl oto \ ue As Identificagoes 133 1 } semindrios.* Retornaremos a isto mais adiante. Contentemo-nos aqui | m situar esse famoso capitulo. Podemos sustentar que o proprio | “texto segue de forma lineara anélise de Introdugdo ao narcisismo, ao fim da qual Freud trazia novas distingdes ao que ele chamara, até | entao, de eu. Ele postulava as nogées de eu ideal (/dealich) e de idea | do_eu _(Ichideal) para dar conta do destino da libido narcisica, j4 i esbocando uma reflexao sobre a psicologia das multidoes, para além do reduzido modelo de famitia. A questao, aqui, é saber como. Yy 2 € possivel pensar a inacreditavel modificagao que sofre o individuo_ humano, “civilizado”, quando faz parte de uma multiddo Dialogando foe com os psicdlogos que tentaram uma explicagéo dos comportamen- tos do homem na multidio, ele propde uma interpretagao baseat sua pratica da transteréncia, na ligagao ambigua** da psicandlise 4 com a hipnose, nas aquisig6es da teoria da libido. A énfase dada a we dinamica libidinal ¢ nao aos mportamentos colo litica em um outro plano que naoo da psicologia social, clas: te contraria a psicologia individual. Para Freud, essa distingao nao é fecunda para resolver o problema que pretende postular e exige que.) se considerem as correspondéncias entre as estruturas intersubjetivas © as estruturas intra-subjetivas. Por isso, ele recorre A identificagao, Processo formador do eu como tal € de suas instancias, assim como dos inumerdveis vinculos humanos, privados e piiblicos. O que o ‘} ,;apaixona sao ainda as transformacées que um si ijeito sofre, o traba- ‘1 Iho que Ihe é imposto, em uma série de situagGes. E surpreendente, entao, a estranha aproximacdo que essa perspec: tiva estabelece entre a multiddo, a relagéo amorosa, a relagao hipnd- G), Releia-se sobretudo o semindrio sobre A Transferéncia (1960-1961), em ~_o ., particular as sessdes de 7-6-61 € de 21-6-61. Esses comentarios sobre Psico- " ” logia das massas (capitulo VII) anunciavam 0 Seminario do ano seguinte, l inteiramente dedicado a Identificagao (1961-1962). O mesmo texto de Freud, % _eaintrodugéo do “trago undrio” para traduzir e sobretudo colocar em epigrafe © einziger Zug, € comentado na sessio de 28 de marco de 1962. (Textos mimeografados, até o momento inéditos.) Freud indagou constantemente sobre as ligagées, nunca totalmente explicadas, entre a transferéncia e a sugestao. Ver os escritos ditos técnicos e também os capitulos X e XI da Massenpsychologie. y sieeieeiniatiadimeedl 134 As identificacoes tica e a transferéncia. Assim, tudo Oo que a psicologia ‘absorve de concepgoes esparsas sobre © contégio mental, o instinto Bregario, a ~ sugestionabilidade, a imitagao, o poder, o Prestigio, se vé aqui real-_ mente transportado para um lugar em que surgem coesdes insuspei-, ‘| K tadas. Os neurdticos, os homens em grupo e 0s apaixonados manifes- | tam lagos afetivos ao mesmo tempo muito poderosos e, no entanto, ( assexualizados. As pulses sexuais estao desviadas de seu objetivo original para garantir os lagos durdveis. E preciso entao dizer que, ao / lado do investimento erdtico do objeto, devem existir outros proces- | Sos de ligagao afetiva. E 0 que a psicologia chama de identificagées, (-£_ Processos insuficientemente conhecidos e dificeis de descrever, 3 . como observa Freud humildemente.* : / _ Esse capitulo sobre a identificagao poderia levar a crer que Freud faz ali uma unificagao do conceito. Ele realiza apenas uma forma de_ reagrupamento dos processos de identificagao marcados e diferen- { ciados a partir de sua clinica e, nesse nivel, o que descreve jd nos é familiar. Mas ele nos surpreende ao introduzir uma modalidade de identificagao cujo reconhecimento torna-se imperioso no pontoa que || havia sido conduzido por sua reflexao sobre as origens das instancias it subjetivas, Freud dé um nome ao problema mais dificil de se demar- car, abrindo mais uma vez a teoria a interrogagées inesperadas. Assim, no momento em que parece simplesmente fazer um inventa- tio dos dados adquiridos, eis que apresenta a formula que faltava para (. radicalizar a questo subjacente desde o comego: a emergéncia do sujeito. Sigamos a ordem de exposi¢ao do prdprio Freud. A primeira forma de identificagéo que € preciso postular — mas que nao se pode senao deduzir da experiéncia, porque ela assim exige para tornar-se inteligivel — € a identificagdo primaria com o pai dd \ pré-historia do complexo de Edipo. Essa “tomada” incorporativa do pai, que assinala o “querer-Sey-o-pai” ¢ © instaura como ideal, é eminentemente ativa (eletivamente masculina, escreve Freud). Essa ligagao afetiva mais precoce contribui para preparar 0 menino para ° complexo de Edipo — isto 6, para a organizagao das pulsdes (inves- —_——_——_—_———_- » S. Freud, Massenpsychologie und Ichanalyse, G.W., XIII, p. 113-114, r t nt > ee ® ooo As Identificagdes 135 timentos de objeto) ativas e passivas, heterossexuais e homossexuais, ternas e odiosas. Essa identificagdo priméria torna Possiveis a rivali- dade posterior e todos os conflitos da relacdo deter, A segunda forma de identificagao nos é dada pela andlise das neuroses: € a identificagao, miltipla, que comanda a produgao dos mas. As identificagdes neurdticas constituem um complicado ‘lagamento que a andlise deve pacientemente desfazer. Um “con- texto embaragado”, diz Freud. Curiosamente, ele sé apresenta exem- plos de mulheres. Recorda os sintomas de Dora e a dupla rede das identi! icagoes, com homens e mulheres. Seu “catarro” marca a iden- tificagao com _o sofrimento_da-miae e traduz também a rivalidade culposa, a hostilidade (tomar seu lugar) e a punigao (sofrer como ela). Sua “tosse nervosa” refere-se ao pai e significa a ligacao edipica positi ij nicdo (estar doente). Essas identificagdes sao a apropriagao (Aneig- nung) de qualidades, e até de sintomas, do objeto da rivalidade ou do amor. Elas se dao por meio de uma regressao dos investimentos de objeto, para garantir o recalcamento desses tiltimos. Essas identifica- Ges (histéricas) sao extremamente limitadas e recebem do objeto tam SO trago. ~ “A terceira forma de identificagao apresenta ainda uma outra via para a formagao de sintomas. Esse tipo de identificagao pode ter lugar sem que haja previamente um investimento de objeto que ligue o, sujeito 4 pessoa copiada. Chamemos essa identiticagao de identifica- ¢ao de pensionato.* Uma moa, depois de ter sido testemunha de uma crise desencadeada em uma companheira por um acontecimento qualquer — por exemplo, a carta de um namorado —, pode ser tomada por uma crise histérica andloga. Tudo se passa, nesse caso, como se a percepcao de um ponto em comum inconsciente (um 2 3 * Empreguei aqui esta denominagio porque esse tipo de identificagao ocorre geralmente em contextos de proximidade ¢ de confinamento, proprios aos internatos (colégios, pensionatos, enfermarias etc.). Lembramos que o gran- ‘de desenvolvimento de Freud sobre a identificagao histérica, na Traumdeu- tung, jé aludia a esse problema de psicologia coletiva e fazia referéncia aos fendmenos correntes nas salas dos hospitais psiquidtricos. Ver G.W., I-11, p. 152-156. (ser 0 objeto amado), embora ainda combatida pela autopu- 1 36 As identificagées Te y U desejo sexual recatcado) fomentasse, sob a influéncia da cUlpabilida- xf de que {ransforma a identificagao de desejo em sofrimento, uma \¢ expressao distorcida desse desejo. O “motivo” permanece incons- ciente. Essa identificagao € frequiente nos grupos e é 0 ponto de Partida dos lagos de amizade, de camatadagem ede competigao de todas as espécies. Resumindo: hé uma_identificagdo_origindria (s6 falamos aqui daquela do menino); hd a identificagado mUltipla, destinada a recalcar - Quy os lagos libidinais por introjegao de um trago do objeto no eu, por_ % %y Te@ressao; hd aquela que pode nascer a cada vez que € percebido um ZS Ponto comum com uma pessoa que nao € um objeto sexual, e quanto . mais essa comunhio é significativa, mais essa identificagao parcial ? pode criar novos lagos sociais (a relagao com um chefe, a simpatia e toda forma de compreensao, mesmo intelectual). Mas a psicandlise deve levar em consideragao, além disso, os_ problemas — mais dificeis — das psicoses. Ficamos surpresos ao ler em Freud uma alusdo as psicoses que reine a problematica da bomossexualidade (masculina) e a melancolia. O motivo disso nao € explicitado. Parece-me que deve se tratar da fungao do narcisismo, porque, nas discussdes anteriores, a construgao do conceito de narci- sismo revelou-se como a resposta de Freud aos enigmas da homos- sexualidade, da esquizofrenia e de outras formas de experiéncias psicoticas.* Assim, o estudo da fantasia de Leonardo da Vinci permi- tia clarificar a importante transformagao do eu apés uma identifica- Go com um objeto arcaico. A amplitude dessa identificagao narcisica é bem maior que a das identificagdes pontuais (e, -além disso, anali- _- sdveis) da histerja, que s6 afetam o eu parcialmente. A melanc e ( neurose narcisica (com a parandia), manifesta de maneira | tragica os 9 efeitos invasivos da identificagao com um objeto investido narcisica- mente: essa introjecdo do objeto no eu culmina com uma grave cis4o, um conflito dilacerante. A regressao neste caso é desmedida, sem Yy jimite, e nos leva a indagar sobre os modos mais origi s do fharcisismo. De resto, a patologia psicética apresenta uma via de Rey ~——<=6ompreensao dos conflitos “normais” que podem dividir 0 eu (auto- les du * S. Freud, Zur Einfiihrung des facta G.W., X. 7 Z a - As Identific 137 observacdo, sentimento de culpa, sonhos, recalque). A frase citada logo no comego sobre as telagdes entre histeria e parandia se esclarece: é a estruturacao do cu por uma série de identificagdes com objetos que se dé ou nag se da, de acordo com 0 destino e as Provacées do sujeito. Para concluir este comentario sobre o capitulo VII de Psicologia das massas, acrescentemos que os exemplos extraidos da Patologia nao esgotam a esséncia da identificagdo. Freud acrescenta em uma Pequena nota (e logo percebemos a importancia dessas Notas) que a identificagio conduza empatia pela imitagdo e daia compreensao de ,, uma outra vida psiquica: a “psicologia” social. Entre outras conse- | |? -qléncias, uma identificacdo estabelecida tem © poder de limitar a rp 2 } agressividade contra as pessoas com as quais alguém se identificou. ‘ -* at A identificagao resolutiva do cidime raivoso* funda a comunidade de? ye cla. Assim se elaboram as contribuigGes tedricas de Totem e tabu. m ~ Dentre todos os textos que mereceriam exame no dmbito dessa busca de pontos de referéncia para uma teoria da identificagdo, eu escolhi; para encerrar o percurso, O.eu ¢ 0 isso.** Consciéncia moral, censura dos Detenho-me neste tltimo porque, a meu ver, € a altima grande_ contribuigao em que Freud justifica a fungao das identificagdes de maneira clara e extensa. Seria evidentemente apaixonante seguir um a um seus tltimos ensaios clinicos para deles depreender 0 movimen- to de suas questes diltimas, que constituem a trama contextual do que quero apontar antes de terminar.*** . A expresso de Lacan no artigo — que se inclui no contexto de sua tese —"O__ ciéme, arquétipo dos sentimentos sociais”, resume bem a andlise freudiann de Totem e tabu retomada no estudo da psicologia das massas. CI. Le complere, facteur concret dé la psychologie familiale. L Encyclopédie francaise —La , Famille, tomo VII, 8.40, 3-8-42, 8. Lacan mostrou mais tarde as relagdes. \ intimas entre agressividade, narcisismo, cidme e identificacgo, Para uma visio. | atualizada dos tificagao_na organizagao sociojuridica censeur, essai sur Vordre dogmatique. Seuil, Pa- # Yad Wes Freud, Das Ich und dasEs: G.W., XIII. Nosso comentirio se refere aqui ' n sobretudo as péginaS 256 a 267: Das Ich und das Uber-ch (Ichideal). Oa. Evoquemos simplesihesite a8-titdlos de alguns textos em que se poderia me trama clinica da teoria Ja identificacio na. 7 fa obra.do ultimo Freud: Uma cri do complexo de Edipo, com todos seus componentes € suas cond ges de emergéncia (prematuragao especifica do ser humano, depen- 138 As identiticagées z . “ » Detenhamo-nos, entio, no terceiro capitulo de Das Ich und das Es. “O eu eo supercu-ideal do eu”. Freud procura integrar as implicagoe; déncia prolongada com relagdo a pessoas tutelares, bissexualidade Psiquica, ambivaléncia pulsional), as conseqiiéncias da stulacao do dualismo entre Eros ¢ as pulsdes de morte. As identificagées que formam 0 eu e seus diferentes estratos pressupoem que se conceba esse eu nado como uma substancia, mas como um espago de auto-es- tima — 0u, melhor dizendo, de divisao primordial entre 0 ativo e ° Passivo em ligagao, aquilo que os gramaticos designam como “voz_ média” (que nds conhecemos no grego, por exemplo). Poderiamos Mostrar a importancia do masoquismo primdrio como criador desse espaco do cu, retomando a muito (excessivamente?) lembrada histé- tia do neto de Freud brincando de jogar para longe os brinquedos, o_ carretel, acompanhando esse jogo com a oposicio significante o-a (fort-da) e inventando uma segunda metéfora da auséncia do objeto — com 0 qual ele se identifica, 4 medida que pode se ausentar (fortsein): dimensio da negagao criativa e do sujeito como tal — nesse jogo frente ao espelho € nessa maneira provocante de dizer 4 sua mae que retorna: “o neném nao estd aqui”...* Podemos realmente falar de um “niicleo do eu”, como Freud? Em todo caso, nao seria no sentido de um niicleo rigido, como um carogo de fruta, mas de um niicleo de 4tomo cujas cisGes cada vez mais internas ainda nao sc terminou de trazer 4 luz — ou bem poderia ser ilustrado por aquilo que, na estrutura da cebola, faria as vezes dele. Deixando de lado essas impossiveis figuragées, € preciso pensar as_ € espancada; Uma neurose demoniaca do século XVI; O sinistro ("O estra~ nho”, segundo a \raducio da E.S.B.]; A organizagdo genital infantil; Psico- génese de um caso de homossexualismo feminino; A dissolugao do complexo de Edipo; Algumas conseqiléncias psiquicas da diferenca anatémica entre os sexos; Sexualidade feminina; Andlise termindvel ¢ intermindvel. Para um estudo aprofundado das relagées entre identificagio € masoquismo primordial, cf..Florence,L ‘identification dans la théorie freudienne, op. cit, p.162-175. i { \ Vie . As Identificagoes 139 N | $ | SLU, Wx | ’ primeiras identificagées, antes das quais nada haveria — da maneira + ' , que fosse —senao o isso. O isso, originariamente ligado a algo como ah do objet iO que desde uma primeira pulsagao de presenga e de ine % auséncia exigiria um trabalho de apropriagio de um trago que o natu manteria, pelo préprio fato de sua auséncia, como “i ed incorporado”. , Se construindo. As primeiras ticleo” resistente do eu, atrain- ‘cardter” as identificagdes posterio- ‘tapsicolégico dessa construgio (de um objeto usente a incorporagao da fase oral de organizagao pulsional. * Uma identificagao geralmente vem a seguir de um investimento de — obey objeto, ela permite conservar em outra cena a relagdo abandonada: o Aken On eu, metamorfoseado conforme 0 objeto abandonado, oferece-se ao che ohn isso como objeto substitutivo. Por essa manobra de sedugio, 0 eu ~~ et tenta dominar 0 isso, modificando-se e impondo-se como novo obje- on uw to de amor. Esse processo corresponde a um abandono dos fins ~ on ‘sexuais diretos, a uma dessexualizagao, e abre o caminho para uma sublimagdo. A identificagao aparece entao como 0 método mais geral q da sublimagao do fim pulsional: ela dé lugar ao campo do narcisismo + Secundario, com a libido retirada dos objetos. O eu se desenvolve assim, incessantemente, por incorporagGes sucessivas. Acontece re- gularmente, entretanto, que a identificagao venha acompanhar uma escotha de objeto atual: que no proprio amor (e Freud especifica que trata-se do modo feminino de amar),* o narcisismo funcione parale- / lamente & libido objetal, contribuindo para reforcar os elos em todos \os planos, garantindo os vinculos da ternura, da amizade, da solida- | riedade, da sociabilidade. Mas esse enorme emaranhado de lagos de amor e de identificagées nao se faz assim ao acaso: ele se realiza sob a influéncia atrativa de uma instancia reguladora e seletiva: oideal do eu ou supereu. ) . ” Para Freud, a nogao de supereu (Uberich) vem nesse momento substituir pura e simplesmente uma outra, elabiorada em torno de 1913-1914, a de ideal do eu (Ichideal) — tendo a nogao de eu ideal (Idealich) desaparecido imediatamente de seu vocabulério. Essas Esse incorporado seria 0 eu, infimo, identificagdes da vida formariam o “n ‘do para si e marcando com seu “ tes. O modelo. Das Ich und das Es, G.W., XIII, p. 257. rr) 140 As identificagées + distingdes foram entretanto retomadas e retrabalhadas depois dele, Porque se revelaram fecundas para dar conta de certas particularida. des da clinica: nao posso entrar em detalhes.* Eu diri simplesmente que 0 ideal do eu é inicialmente o efeito da primeira e mais impor- tante identificagdo do individuo:** a identificagao com 0 pai da pré-hist6ria pessoal; ela € direta, imediata, mais precoce que todo investimento objetal. Ela € da ordem do ser, nao do ter. Saber o que se deve entender por “pai da pré-hist6ria pessoa!” exige algumas explicages. Freud se limita a dar em nota*** um detalhe: poderia tratar-se de uma identificagéo com 0 casal parental, anterior ao reconhecimento pelo sujeito da diferenga sexual. Além do mais, a “pré-histéria pessoal” refere-se a um tempo anterior 4 temporalidade historica. O que introduz o sujeito na histéria, na historicidade, no. 4 tempo como prova do real, €0 complexo de Edipo, momento também‘ -~ da prova da castracgao do Outro (parental) e, conseqiientemente, da diferenga dos sexos. Freud nesse momento muda de vocabulario: 0 ideal do eu torna-se,_ entao, superey: a fungao completa da instancia ideal sé se completa quando da Untergang (saida, dectinio, ultrapassagem?) do Edipo. O supereu se estabelece em substituicao aos vinculos sexuais ambiva- lentes que fixavam a crianga aos dois parceiros do complexo. Essa_ substituigao (Aufhebung), assegurada — de forma sempre desigual, inacabada, intermindével — pelo trabalho de luto das identificagoes secundarias, instaura uma estrutura original duplamente qualificada (identificagdes com 0 pai e com a mae, masculinase femininas); essa estrutura identificatéria se opord a partir de entao ao resto do eu, tendo como fungao a repetigao das demandas parentais dirigidas ao ae we Cr. a revista La Psychanalyse: Perspectives structurales (Atas do coléquio de ((*" Royaumont, da Sociedade Francesa de Psicanilise), n. 6, 1961. No contexto << dos semindrios de Lacan sobre a Transferéncia e sobre a Identificagao desen- rola-se 0 debate — que, a nosso ver, é um marco na histéria do problema —, entre Lacan e Lagache. D. Lagache, La psychanalyse et la structure de ta. | \/ ialité, p. 5-54, € J. Lacan: Observagées sobre o informe de Daniel. | Lagacke, in Ecrits, op. cit, p. 111-148. ** Das Ichund das Es, G.W,, XII, p: 259. °° Jbid., G.W., XIII, p.259, nota 1. As Identificagoes 141 eu: as interdigdes, as censuras, as regras morais, o sentido de realida- , de. Como essa instancia secundaria do supereu € 0 substituto das j ligagGes incestuosas e da importante ambivaléncia edipiana, tem uma ! ambigiidade fundamental, tal como a figura de Jano. Suas injungdes " sao as vezes tao contraditérias e paradoxais como esta, por exemplo: i “Vocé deve ser como o pai, vocé nao tem o direito de ser como ele”. { Dupla exigéncia, do ideal a atingir e da interdigao. Adivinha-se que | essa curiosa instancia pode ser vivida como monstruosa, impossivel, j “feroz ¢ obscena”, e pesa enormemente sobre 0 desejo do neurdtico... ! “Ela é virtualmente responsdvel pela auto-: -superagao, assim como pela ! Cpaixao, pela obediéncia e pela submissao. E por certoa partir deste } ltimo trago, fundador da culpabilidade, que funcionam muitos me- | | i | 1 i ‘canismos sociais do conformismo, da inibigdo, da angistia frente 4 “autoridade etc. Esse Supereu controla, entéo, uma grande parte do gourd | do ele foi, alids, expressamente definido por Freud como o representante junto ao eu das exigéncias pulsionais do isso. Uma psicologizagao i apressada produziu 0 contra-senso de identificar o supereu somente ! com as censuras € repressGes soci: Lendo Freud atentamente, \ somos levados a complicagées bem mais sérias! O supereu, como instancia exigindo seu gozo, surge assim como uma figura temivel e fascinante, fonte permanente da reativagao do masoquismo primor- dial e de todas as suas conseqiiéncias, aterradoras € escandalosas: recusa a Se curar, reagao terapéutica negativa, inércia e gosto pela ' morte, Ele é o lugar da cultura, da pulsdo de morte. Nem toda | identificagéo consegue — como podemos perceber — um sucesso a I sublimatério, pois pode criar poderosas formagées reativas. O supe- 07 reu ndo é 0 mais belo momento de formagao reativa que se possa 3) \ imaginar? A dificuldade do trabalho analitico consiste em retomar o trabalho do luto —sem divida interminavel — do Edipo, que testemunha em cada pessoa a importancia do desespero radical, desespero da pré- maturagio, desespero frente a incrivel forga das pulsées, desespero frente 4 onipoténcia inevitavel, ao menos no comego da existéncia, das demandas do Outro. Ganhar algum terreno em relagao ao supereu representa para Freud um gigantesco trabalho de civilizagao, compa- 142 As identificagées ravel ao que foi na Holanda o aterro do Zuyderzee!* Equeo supereu torna a ligar-nos as origens absolutas, poder-se-ia dizer, de nossa humanidade: ele porta a aquisicao filogenética significanté, éle ‘se oferece como consolo para a perda da onipoténcia do Outro mitico, substitui a nostalgia pelo pai, provoca vassalagens e recrutamentos, Interrompo aqui minha leitura destas questées dltimas, cuja ampli- tude e cujas dificuldades podemos medir. O que nos coloca acima do Testante da criagao é, a0 mesmo tempo, o que pode fazer de nés os seres mais absurdos, mais vaos e mais selvagens. Nunca deixaremos de nos perguntar sobre as origens da crenga na onipoténcia e de espantar-nos diante de sua irredutivel duplicidade, uma vez que a instancia_do ideal lastreia nossas exigéncias éticas mais fundam: tais, assim como, ao contrario, condi ig \ alienantes. Lugar de emergéncia do desejo (como desejo do Outro) € da negagao do desejo. 2. As aporias freudianas: aberturas Gostaria de fazer um convite a reflexdo, aproveitando este percurso € suas etapas, cujo aspecto parcial (limitado), e talvez parcial (ten- dencioso) reconhego. E facil perceber a enorme extensao da proble-_ mitica da identificagao: ela atinge o infinitamente pequeno da fo- mentagao de um sintoma, de um lapso ou de um sonho, tanto quanto © infinitamente grande da sexuagao e da ética... O termo nao € muito bom — mas hé outro melhor? — para denotar ao mesmo tempo a historia € a estrutura do sujeito, sua unicidade e sua multiplicidade, seu elo quiasmatico com 0 mesmo € com 0 outro, com Eros e com Tanatos, com a imagem e com o significante: Identi-fizierung. oO termo alemao permite compreender melhor a dimensao do ato, da * S. Freud, Neue Folge der Vorlesungen... G.W., XV, p.86. Sobre os efeitos do supereu, cf.J. Florence, “La fonction du surmoi dans la cure psychanalytique”, in Ethique et surmoi, Les Carnets de Psychanalyse de Louvain en Woluwe. Presses Universitaires de Louvain, 1983. As Idemtificages a3 secs, do ovine na mit em ge wean, Mio M6 Ie a , hem unidade constituida, mesmo que 0 administrador que dorme em cada pessoa sonhe com tal ficha de identificagao! A analise nos lembra que 0 sujeito é, existe antes de qualquer precipitacéo em uma imagem, antes do eu-— que ele 6, y porém, padecimento e espera, ou melhor: falta em ser, desejante. Isto pode ser depreendido do questionamento que Freud iniciou para nds € ao qual damos continuidade. Ressaltemos as dificuldades com que nos deparamos. 1.A ambigiiidade da nogao de objeto e, correlativamente, a plura- lidade da nogo de eu. Muitos sublinharam o empirismo freudiano, motivado pela liga- Gao profunda que Freud mantinha com os modos de inteligibilidade dominantes em seu tempo e por sua vontade de comunicar sua descoberta aos contemporaneos.* Surgiram, entre Freud ¢ nds, novas formas de inteligibilidade, as quais, aliés, o proprio Freud nao estava de modo algum alheio. A explicacao histérica se sucedeu a explicagao estrutural, o que produ- ziu uma agitagao, um deslocamento na propria maneira de fabricar conceitos. A este propésito, é justificado dizer que a posigéo de Lacan, na elaboragao concéitual, é as vezes inversa 4 de Freud. Postular a primazia da linguagem para a inteligibilidade das produgées do ser humano é criar um novo espago de visio e de interpretagao de uma experiéncia do inconsciente. Uma revisao rigo- rosa do conjunto da trama conceitual prossegue, légica, indispensa- vel: um pensamento nao pode ser bastardo. Tentei ressaltar o rigor freudiano que, a exemplo de toda sistematicidade, comporta o prin- _ * Para situar com precisao a li seu tempo, cf. Paul-Laurent Assoun, Imago, Rio de Janeiro. Sobre a questéo do e Juranville, Lacan e a filosofia, J. Zahar, Rio de : , | ‘sua paixao pelos fatos, sua pesquisa da verdade histonca ¢ até ar 6gica | sua vontade de provare de explicar através do empirismo. Se os fatos nao séo | igacdo de Freud com os discursos cientificos de Introducao a epistemologia ferudiana, mpirismo freudiano, cf. Alain Janeiro: De fato, sio evidentes queolégica, observaveis, a questao € reconstrui-los a partir dos rastros © de forjar mitos explicativos hipotéticos que déem sentido aos fatos observaveis, que perma- neceriam, sem esses mitos, ininteligiveis. Soe wUsAs Ow we a a a ce ey, ame As identificagoes cipio de sua propria limitagdo. O mérito de Lacan & propor-nos um | Outro lugar de pensamento, que revela as dificuldades de um outro modo, diferente de como o préprio Freud as via, mas que, natural- | Mente, exige por sua vez um novo deslocamento para tornar nossa_ ' experiéncia mais e mais passivel de interrogagées. Qual a importancia desses efeitos epistemolégicos para a nossa questo da identificagao? Partir da estrutura da linguagem e das leis do significante como Processos irredutiveis a qualquer empirismo, a qualquer anterioridade factual, autoriza uma fundamentacio diferente do problema da identi- dade-singularidade-diferenga do sujeito. Daj, uma outra abordagem do Status do objeto e do ew, dai, uma outra abordagem da questio das origens. De fato, para Lacan, a 2 sujeito nao é da ordem do observavel, 0 nao provém de nenhuma psicologia genética: ele se deduz da estrutura ~~ do significante. Um significante representa um sujeito para outro significante.* Registro diferente daquele do empirismo ou do da ima- gem. Conseqiiéncia: uma outra conceituacio da identificagao. Um exemplo: a leitura lacaniana do capitulo VII de Massenpsychologie und Ichanalyse, cujas grandes linhas tracei. Lacan rejeita, como po consistente, a explicagao da incorporagao (Einverleibung): uma absor- ao oral do pai, um “canibalismo psiquico” perde-se nos deménios da analogia. Por outro lado, privilegia a identificagao do segundo tipo, que se funda em um trago Gnico —unirio, traduz Lacan —do objeto. Falar de trago tnico, puramente diferencial, eletivo, implica uma légica da_ diterenga e, por conseqiiéncia, um sistema de oposigées. Eis a propria definigao — estrutural — da linguagem a partir de Saussure. Nenhum significante esté preso a um significado: € preciso toda a bateria significante para que surja a possibilidade de uma significagao. ® —O sujeito provém da légica significante, ele tampouco esté preso a uma_ significagao, ao contrério do eu, que é um consumidor guloso_ de significagdes e geralmente funciona no desconhecimento do signifi- cante, do qual dependem radicalmente, entretanto, os reconhecimentos imaginarios. O sujeito fala. Enquanto sujeito da fala, ele nao é redutivel a sua individualidade biolégica es suas necessidades no interior de um Ver J. Lacan, “Subversdo do sujeito e dialética do desejo”, in Escritos, op. cit. \ Te: TS ES As Identificagoes 145 meio-ambiente. Sublinhamos que para Freud a divisio do ser humano Pelo sexual — como distinto da auto-conservagao — comporta uma Fevisao radical da nogdo de objeto, mas com a ambigiiidade da lingua- gem que cle emprega (“tendéncias”, “necessidades” sexuais). Seria Preciso dar aqui destaque aos trabalhos de Melanie Klein, que soube Promover, muito freudianamente, o sentido fantasmdtico do status do objeto. Lacan vai mais longe, gragas 4 demarcagao do real, do imag! nario € do simbélico. O significante Separa o sujeito de uma parte real, Para sempre perdida para a sua Tepresentacao, assim como para a sua consumacao. Como pensar rigorosamente 0 nGo-idéntico a si? Freud escolheu a identificacao para exprimir a incompletude da identidade: a identificagao nao faz, na verdade, o mesmo, ela tem por efeito multi- Plicar €sse suposto mesmo. Para o inconsciente, o mesmo € 0 outro. Na logica do significante, o Um, rigorosamente falando, € 0 Outro. Atrain- do toda a problematica da identificacdo priméria para o terreno da linguagem, Lacan permite salvaguardar a psicandlise de qualquer re- baixamento ao psicolégico, mantendo a vida subjetiva e a teoria do objeto (objeto @) em um lugar Outro, de maneira absoluta: o incons- ciente articulado pelas leis do significante. Ha para nés outras bases para pensar o heterogéneg enquanto tal? 2. O problema da diferenciagdo sexual: a sexuagao. Evoco esta questdo porque ela provém das consideragdes de Freud sobre o nticleo do eu, sobre 0 efeito da identificagdo, sobre a deter- minagao da posigao sexual. Lembremo-nos dos casos de Leonardo da Vinci, de Dora, do Homem dos Lobos, de Schreber e muitos outros; ou, mais adiante no itinerério, da saida do complexo de Edipo e da dupla trama de identificagGes, paternais e maternais. O fato de Freud ter privilegiado a problematica edipiana do menino na elaboragao da identificagao. priméria deixa em aberto todo o questionamento sobre 0 que prepara a menina para o complexo de Edi ), Uma vez mais, a elaboragao do conceito de Falo como significante permite atualmente desfazer de outra maneira 0 emaranhado das dificuldades de Freud diante da angiistia de castracdo no homem e da “inveja do pénis” na mulber.* = S. Freud, Die endliche und die unendliche Analyse, G.W., XVI, p. 98-99. 146 As identificagdes 3. A transferéncia eo fim da andlise Comentando a andlise de Dora, observamos a importaéncia das identificagdes na formagao do sintoma histérico e, sobretudo, a ten- déncia a repeticao prépria da transferéncia, na qual a produtividade da neurose cria novas formagées sintomaticas na relagéo com o ista. O efeito imagindrio a que pode induzir a demanda neurética Ga de que os objetos da transferéncia sao pessoas e que o analista € interpelado como pessoa, substituindo personagens histé- ticos da infancia. Ora, o inconsciente ig: tanto quanto ignora o eu, que lhe co a identificacao é amor primério, apropriagao de tragos signilicantes, inconscientes, que por metdfora e metonimi dao significagao a desejos. Como se alguém fosse somente um tex! 10. descamponivel, de que se tomaria, segundo a oportunidade e a conveniéncia da censura, | uma citagao. O eu nao é 0 sujeito do desejo, mas um de seus possiveis \ * objetos. A tendéncia 4 unificagdo, compulsao do eu a produzir formas totalizadas préprias do imaginario, reduplica 0 efeito de distorgao, do mesmo modo que a elaboracdo secundaria, que provém igualmente do eu, acrescenta ainda as distorgGes do trabalho do. sonho. Ocorre o mesmo nessas produgées oniricas em vigilia que s4o as transferén- cias. A dificuldade para o analista esté em manter_uma_abertura a0_ inconsciente sem resistir a ele com muita teimosia, colocando-se_ como isto ou aquilo (um médico, um pai, uma mae, um psicanalista etc.). - Assegurara possibilidade de tal abertura a esse heterogénco, a esse Outro, é a ética do analista, que nao ocorre ‘sem a vivéncia de uma solidao. A férmula wo Es war, soll Ich werden resume bem o cerne da questo da identificagao, assim como ada andlise como movimer to do Outro — sé Wa0 cometermos o enorme equivoco de traduzir eStas palavras pela férmula: o eu deve substituir 0 isso! Espero ter salientado suficientemente, com a lembranga do ques- tionamento de Freud, as asperezas da experiéncia que ele paciente- mente relatou e que constitui o suporte, ainda hoje nao desprezivel, de toda conceituacio analitica das identificagoes. Espero, ainda, ter indicado alguns caminhos para a discussao.

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