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Evangelho e Cultura O. MISSIONARIOS ENFRENTAM MUITOS DILEMAS, M/S NENHUM TAO DIFICIL QUANTO aqueles que tratam da relagdo do evangelho com as culturas humanas. Essas questdes néo sfio novas. No livro de Alos, varias uestdes surgiram quando os gentios comecaram a fazer parte da igreja, ndo ndividualmente ou acompa- nhados, mas aos milhares. Eles teriam de tornar-se judeus prosélitos e adotar praticas judaicas como a circuncisio e tabus ccmo a proibigao da carne de porco? Se nao, quais ensinamentos do Antigo Testamento a igreja deveria seguir e que partes da cultura judaica poderiam ser descartadas? O primeiro grande concilio da igreja (veja Atos 15) foi convocado para res- ponder as questdes que surgiram como resultad» da evangelizagio feita pela igreja primitiva. As mesmas questées surgem hoje onde quer que as missdes cristds sejam bem-sucedidas. Enquanto nao ha ccnvertidos, é facil continuar o trabalho. Podemos pregar, ensinar, radiodifundiy’, distribuir folhetos, sem ter de lidar com os novos convertidos. Mas quando sis pessoas se tornam cristas em outras culturas, enfrentamos muitas decisévs. Podem manter varias es- posas? Devem oferecer alimento a seus ancestrais? E 0 que devem fazer com seus velhos costumes religiosos? Devemos ensinar-lhes nossos rituais ou es- tes so essencialmente ocidentais? Como missiondrios devemos viver como elas? Podemos, em sf consciéncia, participar de suas musicas e dangas, ou elas tém conotagées nao-cristis? “4A maioria dessas questées se refere A relacdo entre o evangelho e as cultu- yas humanas. Por outro lado, o evangelho nfo pertence a nenhuma cultura. ‘ i ; : viveu dentro do contexto da histéria humana e de uma cultura em particular. Antes de podermos analisar a relagdo do evangelho com as culturas hu- manas, precisamos olhar mais de perto 0 que esses padrées culturais abran- : “Ela 6 uma pessoa rahms e sabe quais mos garfos e colheres utilizar em um benquete. Ou quando dizemos ‘Henrique no tem nenhuma cultura’, quoremos dizer que ele nance compor- ta de maneira “civilizada”. Quando utilizamos x palavra neste seria, nés a estamos comparando a costumes de membros du elite de uma sociedade rica, nenhuma delas), nao tém “cultura” exceto quando tentam se igualar a elite. Uma vez que os antropélogos utilizam a palavra em um sentido diferente e mais técnico, h4 um considerdvel debate entre eles a respeito de como 0 termo cultura deva ser definido, No entanto, pare os nossos objetivos, comega- remos por uma definigdo simples que podemos modificar posteriormente, 4 “os sistemas mais ou meinos integrados de idéias, sentimentos, valo- pee pets Padres associados de comportamento e produtos, compartilhedos fag” Brupe de pessoas que organiza e regula nenta o que pensa, sente e faz”. Dimensées de Cultura Vamos estudar essa definigao ¢ desvendar alguns de seus significados, Frimeiro observe que cultura se relaciona com “idéias, sentiments e cake res". Essas so as trés dimensdes basicas de cult ra (Figura 4), A dimensao cognitiva. Este aspecto da cultura se relaciona ao conheci- mento compartilhado pelos membros de um grup) ou uma sociedade, Sem o conhecimento compartilhado, fica impossivel a comunicagiio e a vida em co- munidade. =. sngelho e Cultura 31 Figura 4 As Trés Dimens6es da Cultura Dimensao Cognitiva: —conhecimento —Iégica e sabedoria Dimensac Afetiva: —sentimentos —estética Dimensao Avaliadora: —valores —fidelidade O conhecimento fornece 0 contetido conceitual te uma cultura. Retine as =speriéncias das pessoas em categorias e organiza essas categorias em siste- 38 maiores de conhecimento. Por exemplo, os ariericanos dividem 0 arco- = em seis cores basicas: vermelho, laranja, amavelo, verde, azul e violeta. = telugus no sul da {ndia enxergam essas mesrias cores, mas dividem 0 :20-iris em duas cores basicas: erras, ou cores quentes (do vermelho ao la- =nja), e patsas, ou cores frias (do amarelo claro ao violeta). O conhecimento também diz As pessoas 0 que existe e 0 que nao existe. Por :xemplo, a maioria dos ocidentais acredita em Atoinos, elétrons e gravidade, :mbora nunca os tenha visto. Por outro lado, os alcedes do sul da India acre- jitam em violentos rakshasas, espiritos com cabegis grandes, olhos saltados, esas, cabelos longos e despenteados, habitantes de arvores e locais pedre- sos, ¢ que durante a noite avangam sobre viajantes desavisados. Nem to- dos os indianos acreditam nos rakshasas, mas aqu2les que néo créem devem sensar neles, pois existem como uma categoria der tro da cultura. Da mesma maneira, os ateus no Ocidente sfo forgados a lidar com 0 conceito de “Deus”. O conhecimento cultural é mais do que categorias que utilizamos para entender a realidade. Ele inclui os pressupostos e s crengas que temos sobre a realidade, a natureza do mundo e como ele funciona. Nossa cultura nos ensina a construir e pilotar um barco, a plantar e cozinhar alimentos, a go- ynar e a nos relacionar com ancestrais, espiritos: e deuses. ‘Tendo em vista que nossa cultura nos fornece vs ingredientes fundamen- tais de nosso pensamento, achamos quase impossivel nos livrar de suas gar- yas. Mesmo a nossa lingua reflete e reforga nossa maneira cultural de pen- sar, Além disso, muito dessa influéncia é implicita; nao temos nem mesmo consciéncia dela. Como éculos coloridos, a culture afeta nossa percepgio do mundo, sem estarmos conscientes dessa influéncia. S6 quando as lentes ficam mimi tsadseeee 32 O Evangelho ¢ as Culturas Humanas sujas, ou colocamos outros éculos, ficamos cientes de seu poder de moldar nossa maneira de ver 0 mundo. O conhecimento cultural é armazenado de vérias maneiras. Muitos de nds armazenamos informagées de forma impressa. Utilizamos jornais, livros, cartazes, embalagens e até mesmo inscrigées feites com fumaga no céu. Ra- ramente percebemos 0 quanto dependemos da escrita. Privados dela, rapida- mente ficamos intelectualmente famintos porque utilizamos pouquissimas maneiras de armazenar informagées. A maioria de nés, no Ocidente, sabe de meméria apenas uns poucos versiculos da Biblia e as primeiras linhas de uns poucos hinos. Embora o registro impresso seja excelente para armazenar conhecimento, ele nao é 0 tinico meio, Freqiientemente rotulamos :juem no sabe ler de “anal- fabetos” e, portanto, ignorantes. O fato é que as soviedades nao-alfabetizadas possuem um grande niimero de conhecimento e o «rmazena de outras manei- ras. Elas utilizam histérias, poemas, cangées, prcvérbios, enigmas e outras formas de tradigao oral que sao facilmente lemliradas. Também en pecas, dancas e rituais que podem ser vistos. Esta distingfo entre sociedades de tradigio oral e sociedades alfabetiza- das, e as formas que armazenam e transmitem informagées é de importancia vital para os missiondrios. Uma vez que geralmerte os missiondrios so pes- soas instruidas, com freqiiéncia interpretam mal as sociedades de tradicao oral e suas formas de comunicagio. Por conseqiié acia, geralmente concluem que a maneira mais eficaz de implantar igrejas nc campo missionario é ensi- nar as pessoas a ler e escrever. Enquanto a alfabetizagao e a educago sfio importantes a longo prazo, particularmente na preparagio de lideres eclesidsticos de alto nivel, elas nao sao de forma alguma a tinica ou nem mesmo a maneira mais eficaz de im- plantar igrejas em sociedades de tradigao oral. As pessoas nao precisam apren- der a ler para se tornarem crist&s ou crescer na fé, Por exemplo, P. Y. Luke e J. B. Carmen (1968) verificaram que os cristdos ro sul da India armazenam suas erengas em cangdes —o que os autores chamiam de “teologia lirica”, Na igreja e em casa, eles sempre cantam de cor dez versos de uma cangiio e quinze de outra. Também utilizam encenagies ap cesentadas em praca pitbli- ca. Embora os aldedes indianos se cansem rapidamente de uma pregagao vio embora, ficam quase a noite toda vendo um espetaculo até o final. Os cristiios em outras partes do mundo tém feito uso eficaz de trovas, dangas, provérbios e outros métodos orais para comunica:’ o evangelho. enam A dimensao afetiva. Cultura também englcba os sentimentos das pes- soas — suas atitudes, nogdes de beleza, preferéucias alimentares ¢ de ves- tudrio, seus gostos pessoais e a maneira com que se alegram ou sofrem. Pes- soas de uma cultura gostam de comida apimentida, as de outra, adocicada ou suave. Os membros de algumas sociedades e as Culturas Humanas Toda cultura tem seu proprio cédigo de moral e seus proprios pecados culturalmente definidos, Julga alguns atos certos e outros imorais. Na socie- dade hindu tradicional 6 pecado uma mulher comer antes do marido. Se 0 fizer, um provérbio local diz que ela reencarnard como cobra. Na China, uma pessoa deve venerar seus ancestrais ofertando-Ihes comida regularmente. Nao fazé-lo é pecado. Cada cultura também tem seus proprios valores supremos e suas devo- gdes fundamentais, e seus préprios objetivos culturalmente definidos. Uma cultura pressiona as pessoas a fazer do sucesso ec mémico seu alvo principal; outra estabelece como prioridade a honra ¢ a féma, 0 poder politico, e os favores dos ancestrais ou de Deus. Estas trés dimensdes — idéias, sentimentos e valores — sao importantes na compreensio da natureza das culturas humanas, e nés nos reportaremos a elas com freqiiéncia. O evangelho em todas as trés dimensdes. Em seu trabalho, os mis- siondrios devem ter em merite as trés dimensdes ce cultura porque o evange- Iho se relaciona com todas elas. No nivel cognitivo. se refere a0 conhecimento e verdade, com entendimento e aceitagao da informagio biblica e teolégica e com 0 conhecimento de Deus. f neste nivel qu nos preocupamos com as: questdes de verdade e ortodoxia. O evangelho também inclui os sentimentos. ‘Sentimos temor e mistério na presenga de Deus, culpa ou vergonha pelos nossos pecados, felicidade pela nossa salvagao e conforto na comunhio com o povo de Deus. Finalmente, o evangelho tem que ver com valc res e fidelidade. Jesus pro- clamou as boas novas do Reino de Deus, o qual zoverna com retidao, Suas leis so contrastantes com as dos reinos terrestres, ¢ sua perfeigio julga nos- sos pecados culturais. Jesus também nos chama a segui-lo. Ser cristdo é pres- tar fidelidade total a ele. Qualquer outra coisa é dolatria. As trés dimensées culturais sfio essenciais na conversao, Precisamos sa- ber que Jesus é 0 Filho de Deus, mas s6 0 conheci nento nao é suficiente. Até mesmo Satanés tem de reconhecer a divindade de Cristo. Nés precisamos também dos sentimentos de afeigdio e de obediércia a Cristo. Mas os senti- mentos também néo sdo suficientes. Tanto 0 co ihecimento como os senti- mentos devem nos levar A adoragdo ¢ & submiss io, a obediéncia e a seguir Jesus como Senhor de nossa vidas. Todas as trés dimensdes também devem ester presentes em nossa vida crista. Precisamos tanto de uma boa teologia — uin conhecimento da verdade — quanto das emogdes de temor e exaltacio. Mas elas devem levar ao discipulado e ao fruto do Espirito: amor, alegria, paz, etc. Ironicamente, no Ocidente temos reduzido tudo isto a “sentimento:”, Na Biblia, eles so com- promissos e valores. E por isso que Paulo pode nos ordenar ao amor, ao rego- Evangelho e Cultura 35 zijo e a paz. No cristianismo somos chamados a dar aossas vidas a Deus e ao préximo. O entendimento e os sentimentos geralmeate vém em seguida. Nos missionarios e lideres eclesidsticos temos a tendéncia de ressaltar os aspectos cognitivos do evangelho. Estamos preocupados com o conhecimento biblico e teolégico. Afinal de contas, esta é a area «m que fomos treinados. Conseqiientemente, os métodos que utilizamos, tais como a pregagao e o en. sino, enfatizam a informacio e a raziio. No entanto, falhamos por nao entender a import ancia dos sentimentos ¢ das atitudes no dia-a-dia da maioria das pessoas. Os seres humanos gastam muito de seu tempo livre e de seus recursos na busca de empolgagao e de emogées ou do afeto e da trangitilidade — talvez nais do que em adquirir conhecimento./Fazem qualquer coisa para evitar a dor, o medo e a tristeza, As emogdes também desempenham papel crucic] nas decisdes tomadas pela maioria das pessoas. Elas escolhem suas roupss, preparam suas refei- des e compram seus carros tanto pela emogao quar to pela razio. Se isso é verdade, devemos apresentar 0 conhecimento do evangelho com emocao, a fim de que as pessoas creiam e sigam. Devemos ens nar a verdade reconhe- cendo que muitas pessoas aceitam o evangelho nao porque sejam racional- mente persuadidas, mas porque ficam livres de medes ou porque experimen- tam o perdi e o regozijo da salvacao. E devemos pe ‘suadi-las a aceitar, Na igreja, precisamos de uma boa pregagao e de ium bom ensino a fim de que os novos cristdos cresgam em maturidade. Tamb3m precisamos oferecer caminhos para que os cristéios se expressem por meic da misica, da arte, da literatura, do teatro, da danga, dos rituais e das festas Com muita freqiiéncia, © cristianismo protestante.nao tem muita forca diante de africanos e asiAti. cos porque parece triste, apagado e monétono em com) aragao com as religides que j possuem. Todavia, nosso objetivo principal é o discipulado. N io proclamamos o evan- gelho simplesmente para informar as pessoas ou para fazé-las sentir-se bem. Nés as estamos chamando para que se tornem seguicioras de Jesus Cristo. Manifestagées de Cultura Outra parte de nossa definigdo de cultura inclui ‘comportamento e pro- dutos’, Estes sio manifestagdes de cultura que poderos ver, ouvir e experi- mentar por meio de outros sentidos. Comportamento. De modo geral, as pessoas apiendem a se comportar por meio de sua cultura. Na América do Norte, elas aprendem a se cumpri mentar, a comer com garfo, a dirigir no lado direito da rua e a competir umas com as outras por melhores notas e mais dinheiro. No Japao, so ensinadas a se curvar, tirar seus sapatos a porta, sentar em tatames no chao, comer com pauzinhos e a ajudar as outras na escola e no trabalho, mrleue 36 O Evangelho 2 as Culturas Humanas No entanto, nem todo comportamento é culturalmente moldado. Em situa- goes formais, 0 comportamento é definido com precisao. Por exemplo, em um banquete, nossas roupas, nosso comportamento e nossa conversa sio cuidado- samente circunscritos, Mas na vida didria, geralmente so menos formais e é- nos permitido escolher entre uma gama de comportamentos permissiveis. Nossas escolhas refletem a ocasido (roupas de banho nao sfio apropriadas na sala de aula) e a nossa personalidade. Também refletem nossas decisdes do momento, que so influenciadas por circunsténcias econémicas, politicas, so- ciais e religiosas de nossa vida. De certo modo, nossa cultura retine o conjunto de regras do jogo da vida de que nés e os membros da sociedade particijamos. Como jogadores, freqiientemente tentamos “torcer um pouco as regras” sem ser punidos. Se somos descobertos, h4 punigao; se ndo, temos alguraa vantagem ou sensacao de poder. Todas as culturas possuem meios de impor suas regras, como a fofoca, 0 ostracismo e a forga. Mas nem todos os infratores so punidos. Uma socieda- de pode ignorar alguns tranggressores, particularmente aqueles que sao im- portantes ou poderosos. Ou pode ser incapaz de impor uma regra especifica, particularmente quando muitas pessoas a transe ridem. Em tais casos, as leis culturais podem morrer, e conseqiientemente 1 cultura se altera. As pessoas de uma mesma cultura nem sempre concordam com as regras. Como criangas em um jogo recreativo de futebol eas discutem por causa de uma_ou outra regra. No final, aquelas que consegum fazer valer suas regras tornam-se Iideres e controlam o jogo a seu favor. Produtos. A cultura também inclui objetos rateriais — casas, cestas, canoas, mascara, cartas, carros e computadores entre outros. As pessoas vivem na natureza e devem adaptar-se a ela ou molda-la usando-a para seus proprios cbjetivos. Também constroem cabanas pera se abrigarem da chuva ¢ do frio, barcos para navegar, enxadas e pas para cultivar a terra. Costuram roupas para se manterem aquecidas e fazem armas para cagar ou para guer- year umas com as outras. Derrubam florestas, consitroem estradas, represam trios e escavam tineis através das montanhas. No final, como suas agées alte- ram 0 ambiente, sfio forgadas a mudar suas cultu:as. ‘As pessoas em sociedades tribais simples vivem num ambiente ampla- mente formado pela natureza. Sua cultura pode ansinar-lhes a fabricar ar- mas para cagar e a construir abrigos de galhos e :ecer roupas para protegé- Jas do tempo. No entanto, na maioria dos lugares, devem adaptar-se & natu- reza. Nas sociedades industriais complexas, a meior parte do ambiente das pessoas pode ser culturalmente moldado, A eletricidade obscurece a distin- cdo entre dia e noite; carros, avides, radios e telefones quebram as barreiras da distancia geografica; aquecedores e condicionadores de ar criam climas artificiais, e os registros fonograficos congelam momentos da histéria. Evangelho e Cultura 37 A cultura material inclui mais do que respostas humanas ao ambiente. As pessoas fazem muitas coisas para seu uso proprio e para expressarem suas habilidades criativas. Nas culturas némades simples, essas coisas sio varas. Nas sociedades modernas, o ntimero de difereates objetos produzidos impressionante. Por exemplo, um tnico Bocing 74” tem mais de 4500000 as e uma loja de ferragens de porte médio possiti mais de 15000 tipos diferentes de objetos a venda. O comportamento humano e os objetos materiais 340 prontamente obser- vados. Conseqiientemente, sfio meios importantes para estudarmos uma cul- tura. Podemos comecar nossa tarefa examinando at coisas que as pessoas fabricam, quem as fabrica e como, quem as utiliza e pera quais objetivos, qual o valor que atribuem a suas criagées e como se desfazem delas. Podemos ob- servar como as pessoas se comportam em diferentes situagdes, e com pessoas diferentes. Na verdade, se néo observarmos o compor:amento e os objetos as- sim que entrarmos em uma nova cultura, logo se tornarao comuns e nao prestaremos mais atengao a eles. Sistemas de Simbolos A terceira parte de nossa definigao 6 a palavra ussociado. O comporta- mento e os produtos do homem nio sao partes indeperdentes de uma cultura; eles esto intimamente ligados As idéias, aos sentime:itos e valores presentes dentro de seu povo. Essa associagao entre um significado, uma emogdo ou um valor especifico e um certo comportamento ou produty cultural é chamada de simbolo (Figura 5). Na América do Norte, por exemplc, mostrar a lingua para alguém significa ridicularizar e rejeitar; no Tibete, 6 um simbolo de cumpri- mento e amizade (Firth 1973:313), Num certo sentido, uma cultura é feita de muitos conjuntos de simbolos. Por exemplo, a fala, a escrita, os sinais de transito, a noeda, os selos, os sons como os de sirenes e campainhas, os aromas como 0s dos perfumes siio apenas alguns dos poucos conjuntos de simbolos das culturas ocidentais. Mesmo o vestuario, além do seu valor utilitério como protegiio 2 aquecimento, carrega Figura 5 Simbolos Ligam Significados, Sentimentos e Valores 4s Formas Um Simbolo significado, sentimento ou valor forma mem id eee 38 O Evangelho e as Culturas Humanas sentimentos e significados. Nos Estados Unidos um smoking ou um vestido de gala fala de uma ocasitio formal, assim como um jeons indica informalidade Os uniformes dos garcons e pilotos indicam suas profissdes, assim como as insignias dos militares mostram suas patentes. Forma e significado. A unido simbélica entre formas ¢ significados (emo- ges ou valores) 6 complexa e variada. Algumas vezes é puramente arbitré- via. Uma empresa pode escolher utilizar um circulo triplo como sua logomarea ou uma faculdade pode tomar um cao da raga husk) como seu mascote. No entanto, a maioria dos simbolos culturais deve ser entendida dentro de seu contexto histdrico e cultural. Por exemplo, os gregos associavam a pala~ vra polys ao significado de “cheio” ou “muitos”, Ao Iengo dos séculos, & medi- da que outras Kinguas apareceram e fizeram empréstimo do grego, a associa- go bésica foi mantida. Atualmente, o portugués utiliza palavras como “policromético”, “poligamia” e “poliedro”, que sio, e:n parte, produtos de sua hist6ria simbélica. . Da mesma forma os simbolos, uma ver. criados, :ambém se tornam parte dos sistemas culturais. Raramente permanecem iso ados. Eles adquirem sig- nificados nao s6 pelas definigdes que Ihes damos, mas também por sua relagio tom outros simbolos do mesmo conjunto. Por exemlo, quando pensamos na palavra vermelho nés 0 fazemos em relagao a todas as outras categorias de cores que temos, Logo, ao dizermos “vermelho” tam ém queremos dizer “nao 6 laranja, nem amarelo, nem ptxpura”, e assim por diante. Portanto, os sim- polos carregam significados positivos assim como regativos. Muitos simbolos sio utilizados em locais diferer tes e adquirem significa- dos diversos, mas relacionados. Por exemplo, dizeyaos de uma casa: “EH ver- metha” (cox); de uma pessoa: “Ele ¢ Vermelho (idzologia politica)’; de nés jnesmos: “Vi tudo vermelho” (sentimento de raiva); 1e nosso amigo: “Ele ficou vermelho” (sentimento de vergonha); e do sinal: “Estava vermetho” (sinal de transito), Estes simbolos multivalentes ajudam a int2grar uma cultura, unindo yarios dominios do pensamento. Finalmente, para que os simbolos fagam parte é¢ uma cultura, devem ser compartilhados por uma comunidade de pessoas. Tcdos nés possufmos simbo- los préprios que utilizamos para nos comunicar. Por 2xemplo, inventamos cédi- gos para nos lembrar do que devemos fazer. Mas os simbolos se tornam cultura comente quando um grupo de pessoas associa os mesmos significados com for- mas especificas. if essa natureza compartilhada dos simbolos culturais que torna a comuni- cago humana possivel. Nao podemos transmitir nossos pensamentos para a cabega dos outros. Devemos primeiro codificé-los em simbolos que os outros entendam, Embora recebam apenas as formas desss simbolos (comportamen- to, fala ow objetos) cles podem inferir o que quererios dizer porque comparti- jham conosco um conjunto comum de simbolos (Figura 6). Evangelho e Cultura 39 Figuaa 6 Os Simbolos Tornam a Comunicagao Possivel Transformando Significados em Formas Pessoa A Pessoa B iaéia ideta v * forma J ..~ 2 =p forma ‘Tendo em vista que os simbolos culturais si compartilhados ¢ permane- cem com o passar do tempo, as pessoas podem transraitir seu conhecimento e seus sentimentos de umas para as outras e de uma gvragio para outra. E isso que da estabilidade e traz mudanga As culturas. Sonos os receptores de uma cultura desenvolvida por geragdes anteriores. Embore comecemos com ela, nés » mudamos e transmitimos essa forma modificada >ara a proxima geracao. esa transi¢ao de uma geragio para outra também responsdvel pela natu- reza cumulativa da cultura. Novas informagoes sfio adicionadas ¢ novos pro” qutos sfo eriados, e 6 importante lembrar que as «ulturas sao de natureza social e histérica. 'A fusiio da forma e do significado. Em alguns simbolos, a unido entre forma e significado é tio préxima que os dois nao sodem ser diferenciados. Teto é freqiente com relagio aos simbolos histériovs. Para os mugulmanos, Mea possui fortes significados religiosos porque foi onde Maomé nasced. seca pontemente, para os cristaos, a cruz simbolia a morte de Cristo pela simples razio de que Cristo foi pregado em uma cruz, Podemos escolher ou- simp imbolos para falar daquela morte, mas nao pollemos mudar os fatos his- toricos. ie mas e significados também podem ser exjuivalentes em simbolos vitualisticos. Por exemplo, em algumas culturas, os adoradores utilizam ima- gens simpleamente como forma de lembrar seus deuses. Em outras culturas, gensitam que seus deuses habitam o idolo. Ainca em outras culturas, os aeeatores iguelam os dois — 0 idolo é seu deus. Mluitos eristdos ocidentais ‘iferenciam formas e significados em seus rituais, A Ceia do Senhor lembra- Jhes da tltima refeigao de Jesus com seus discipulos, ¢ 0 pao e o vinho repre- sentam simbolicamente 0 corpo e 0 sangue de Cristo. Os cristaos dizem: “Va- seeey igreja a fim de adorar”. Em outras palavras, o ato de ir a igreja nao é mre si um ato de adoragao. A adoragdo é um sentimento interno que expe" mentam na igreja. Outros cristéos nao fazem tal d stingao. Para eles, a Euca- tistia é comer com Cristo, ¢ 0 pao e o vinho so vistos como seu corpo e san- tue, Eles dizem: “Ao irmos & igreja estamos adorando”, Nio separam © ato es 40 O Evangelho e as Culturas Humanas externo de ir a igreja dos pensamentos e sentimentos internos que os levam a fazé-lo. Em particular, os ocidentais tendem a separar formas e significados, en- quanto as culturas tradicionais e agricolas tendem a compard-los. Conseqiien- temente, os rituais geralmente tém pouco sign ficado no Ocidente, embora sejam vitais para a vida das pessoas em outras artes do mundo. Como mis- sionarios ocidentais, precisamos reconhecer issc a fim de nao entender erra- damente o lugar que os rituais ocupam na vida das pessoas a quem servimos. Como veremos nos Capitulos 5 e 6, é importinte que os missiondrios en- tendam a natureza dos simbolos culturais nao s5 quando traduzem a Biblia e sua mensagem para uma nova lingua, mas «ambém quando implantam uma igreja e contextualizam seus simbolos e rituais dentro de um novo ambi- ente cultural. . Padrées e Sistemas As culturas sfio mais do que conjuntos aleat¢rios de simbolos que as pes- soas utilizam aos poucos, Como observado em no: sa definigdo, os simbolos sao utilizados de maneiras especificas. Por exemple, 0s americanos usam garfo quando comem a maioria de seus alimentos. Es:a associacio de um simbolo especifico com uma utilizagao ou um contexto detcrminado é chamada de traco cultural, e agrupamentos desses tragos ligados «ntre si em padrées maiores algumas vezes sao chamados de complexos culti rais. Ao jantar, os america- nos utilizam garfos juntamente com colheres, fi-cas, pratos, canecas, copos, cadeiras, mesas e, geralmente, toalhas. Além do mais, os talheres devem ser utilizados de certas maneiras, dependendo da o:asifio. Os indianos, ao con- trario, usam os dedos e comem em pratos de latéo, aluminio ou em folhas de plantas sentados no chao. Entretanto, nem todo comportamento é pad ‘onizado. Quando uma pro- fessora deixa cair um livro ou um estudante escorrega no gelo, muito prova- velmente estes atos so considerados acidentes, nao prescritos pela cultura. Além disso, alguns padrées siio pessoais e nao tém importancia ou significa- do na sociedade, Um individuo pode comer som:nte alimentos 4cidos ou se vestir apenas de marrom. Por outro lado, os trag 1s e complexos culturais séio padres que possuem significado para os membios de uma certa sociedade. A pratica de alguns tragos pode ser limitada ;. uma tinica pessoa. Um rei, por exemplo, pode ser o tinico com permissio pare usar a coroa ou se sentar no trono, porém, esses costumes sio entendidos po: todos em sua corte. No en- tanto, muitos tragos sao praticados por grupos esp ecificos de pessoas dentro de uma sociedade. Os jogadores de beisebol, as secre: Arias, os estudantes univer- sitdrios e até mesmo os missiondrios tém seus pa Irdes proprios de comporta- mento cultural. Assim também homens e mulheres. Finalmente, alguns tra- gos sfio praticados pela maioria ou por todas as pessoas de uma sociedade Evangelho e Cultura 4l Por exemplo, nos Estados Unidos espera-se que, em publico, todos estejam vestidos e, com poucas excecdes, aqueles que nao o fizerem serio punidos. No comportamento humano, nem sempre é fécil distinguir entre o que é padronizado e o que nao é, porque a cultura mudz a medida que novos tracos so adicionados e os velhos, eliminados. Atos crisitivos ou acidentais podem ser copiados por outros e incorporados a cultura. Um exemplo disso é o do mission4rio americano na India que decidiu ofeiecer aos filhos dos missio- nérios americanos de sua area uma festa de Natal. Vestido de Papai Noel e montado numa bicicleta, ele ia até suas casas com presentes. Infelizmente, no meio do caminho, escorregou na lama quando atravessava uma vala de irrigagao. Daquele dia em diante, todos os anos s criangas 0 esperavam na vala para vé-lo cair. E ele nunca as desapontava! Os tragos e complexos culturais so organizacos ao redor de sistemas de crengas. Por exemplo, o sistema médico no Ociden‘e inclui um grande nitmero de crengas sobre a natureza das doengas e suas curas, sobre a natureza dos médicos como profissionais‘e sobre a maneira coro 0 sistema de satide deve ser organizado. Essas crengas dio aos médicos, 43 enfermeiras e aos pacien- tes diretrizes para o seu comportamento e pare os tipos de hospitais que constroem. Por outro lado, atuando de acordo cori as normas culturalmente prescritas, eles reforgam seus proprios sistemas ‘le crencas. Em sociedades complexas, como nos Estados Unidos ou no Canada, é difi- cil falar em uma tinica cultura. Algumas crencas ¢ praticas podem ser aceitas por todos, tal como dirigir do lado direito da estrada. Mas as diferengas tam- bém sao significativas. Nessas sociedades é conveniente falar de “estruturas culturais”, Uma estrutura cultural é um ambierte social que tem sua pré- pria subcultura — suas crengas especificas, regris de comportamento, seus produtos materiais, simbolos, suas estruturas e seus ambientes, Por exem- _ plo, um banco é uma subcultura que tem sua propria informagio, seus senti- mentos, valores, simbolos correspondentes, sua }ropriedade e seus padrées de comportamento. De maneira semelhante, os supermercados, hospitais e as igrejas sao estruturas culturais, A maneira como as pessoas pensam e se relacionam, seus valores e os objetivos e produtos que utilizam variam consi- deravelmente de uma instituigdo para outra. Em sociedades tribais simples, o ntmero de estruturas culturais 6 peque- no, ¢ as diferengas entre elas é minima. Entre os aruntas do deserto austra- liano, os homens cacam e praticam rituais secretos de que nenhuma mulher pode participar, e as mulheres partilham outras atividades entre si. No entan- to, durante grande parte do tempo, homens e mulheres permanecem juntos no acampamento interagindo dentro da mesma ¢strutura cultural. Por um outro lado, nas cidades modernas hd :nuitas estruturas e as dife- rengas entre elas sao grandes. As instituigées religiosas, sociais, politicas, edu- cacionais, econdmicas, estéticas e de lazer forman suas proprias subculturas. Na verdade, existem até mesmo diferencas culturais significantes entre as 42 O Evangelho 2 as Culturas Humanas escolas de primeiro e segundo graus, faculdades e semina extensao, entre faculdades e semindrios. Nas sociedades urbanas, as pessoas fazem parte de instituigdes diferen- tes, mas encontram sua identidade principal em ajyenas uma ou duas delas. Um individuo pode ser um consumidor regular de um supermercado ¢ cliente de um banco em particular e, vez ou outa, assistir 1 uma 6pera ou a um jogo te futebol profissional. Mas seu compromisso maicr pode ser com sua ative fade de professor, exéeutive ou middio, com seu papel de pai ou mAs, oon uma igreja como didcono, diretor do conjunto corei ou Jeigo, ou mesin com um time de futebol ou clube de iatismo. 5 14 que o individuo investira tempo e ira procurar obter reconhecimento da comunidaile ‘A diversidade das estruturas culturais nas so-iedades modernas reflete sua crescente complexidade ¢ crescente especializagao de suas instituigdes Nas soviedades simples, muitas das fungdes da vitia, tal como instruir os jo- vens, cultivar alimentos, cuidar dos doentes e de sempenhar rituais religio- sos, sfio conduzidas pela familia e por grupos de parentes. Nas sociedades complexas esas tarefas so assumidas pelas escolas, pelos agricultores, hos- pitais e pelas igrejas. Mas tais diversidades tam)ém refletem a hierarquia a del cxoncemie womens Aogiesiedos. ni ketreiucen Culimsate ded 96 ap att to diferentes das dos pobres, to diferentes como tm clube de campo & do um bar de favela ou um escritério de uma multinacional é diferente de uma mina de carvao. Embora as sociedades modernas sejam constituidas de subculturas sur- preendentemente diversas, elas sio sistemas maiores unidos por sistemas He comunicagao ¢ transporte, por ligagdes de coraércio e governo comuns © por redes de relacionamentos sociais. s, € em menor Integragao Cultural "As culturas se mantém unidas ndo s6 pela or zanizagtio econémica, social e politica, mas também, em niveis mais profundo i, por erengas € valores fun- soerentaxe compartilhados pelos individuos. Muiso do conhecimento de uma cultura é explicit. Em outras palavras, ha pestoas da cultura que nos per ‘lem falar sobre ela. Mas atrée desse conhecimento esto pressupostos basi- coe sobre a natureza das coisas que sao altament > implicitos. Como alicorce cies mantém a cultura, embora permanecam en: grande parte fora de vista. ‘Aqueles que desafiam esses pressupostos so emnsiderados.loucos, hereges asa mimpsos porque se estas bases forem abala tas, a estabilidade de toda a cultura 6 ameacada (veja Figura 7). Pademos ilustrar a integragio cultural inves igando nosso jeito de sentar «dormir, Em grande parte, 08 americanos evita n sentar-se no chao, Tam um « caitério, encontram pequenas plataformas ondc se sentar. Os atrasados, que ao engontram assentos vagos, permanecem em 2¢ ao longo das paredes ou se eae een. Lim casa, grandes somas so empregad 1s na compra de plataformas Evangelho e Cultura 43 Ficura 7 Um Modelo de Cultura Ad PA i————— Tracos Superficiais A KA $a Internos (Visio de Mundo) kK xX A ~crengas (cognitive) -~sentimentos (afetivo) AXKXY Se aia A XXKXA A De Paul G. Hiebert, Anthropological tools for missionaries (Cir gapura: Haggai Institute, 1983), p. 4 especiais adequadas as varias dependéncias e ocasides: sofas, cadeiras de descanso, cadeiras de balanco, cadeiras de jan-ar, banquetas e cadeiras de jardim. Os americanos também evitam dormir no c:140. Quando viajam, se preo- cupam em ter uma cama em um quarto partic ilar, principalmente a noite. Logo, além das passagens, fazem reservas em hotéis. O interessante 6 que nao fazem reservas para as refeigdes — tém certeza de que podem encontrar comida em qualquer lugar ou, se necessario, ficrar sem comer. Se a noite esti- verem num aeroporto, procuram dormir largados numa cadeira em vez de se deitarem no chao acarpetado, tendo em vista que preferem perder o conforto A dignidade. Em resumo, as plataformas sao encontradas em todos os lugares nos Esta- dos Unidos. As pessoas se sentam nelas, dormer nelas, constroem suas casas sobre elas, armazenam seus bens nelas e até m:smo colocam cercas ao redor delas para seus bebés. Por que essa obsessao co n as plataformas? Os japone- ses tradicionais se sentam confortavelmente em tatames no chao. Os indianos sabem que tudo de que se precisa para um bom -epouso noturno é uma cober- ta para manter-se limpo e um lugar plano pa-a se deitar; e o mundo esta cheio de locais planos: saguées de acroportos, corredores de trens, calcadas e parques. Entio, por que os norte-americanos insistera em se sentar em cadeiras e dormir em camas? A maioria deles nunca penscu muito sobre o assunto. Se 0 fizeram, podem alegar que estas sao as maneir:is mais “naturais” e conforta- veis de se sentar e dormir. Mas isso nao é verdade. Por sua vez, seu compor- tamento esta ligado a uma atitude fundament il que tém sobre os pisos, ou seja, que sfo “sujos”. E porque a sujeira é ruim, devem evitar o contato com 0 chao sempre que possivel. 44 O Evange'ho e as Culturas Humanas Esse pressuposto também nos ajuda a entender outros padrées de nosso comportamento. Se um menino derruba uma butata frita no chao e depois a coloca na boca, sua mae fica zangada, No momento em que a batata toca 0 chao, néo importa o quanto este esteja limpo, e a fica suja. E quando as pes- soas entram em casa, continuam com os sapatos no pé. Afinal de contas, 0 chao ja esta sujo Bf possivel construir uma cultura sobre o pre ssuposto de que os assoalhos sejam limpos? Nés nos sentariamos e dormiri1mos em colchées no chao e deixariamos os sapatos na porta. Deixariamos -10ssas criangas brincarem no chao. Esse, na verdade, é 0 padrao da cultura jiponesa tradicional. “Mais ou menos.” Culturas e estruturas culturais nunca estao comple- tamente integradas. Conseqiientemente, devemos utilizar qualificadores como “mais ou menos” e “tende a ser”.’Os seres hum anos sao criaturas curiosas ¢ exploram Areas diferentes do mundo ao redor deles, nao s6 para satisfazer necessidades pessoais, mas também para ente 1dé-las. Desenvolvem teorias sobre a natureza, o tempo, as doengas, a agrict Itura, a pesca, 0 nascimento, as origens humanas e 0 porqué de o sol cruzar o eéu. Também parecem neces- sitar de alguma medida de consisténcia entre e:sas teorias — uma harmonia encontrada parcialmente na cosmovisao subjac»nte. Mas os seres humanos e suas crengas nunca sao completamente coerent2s. Ha lacunas e contradigdes internas em suas teorias, como hé em seus comortamentos. \ HA outra maneira em que a integracdo cult 1ral é incompleta, particular- mente nas sociedades complexas,4arupos e individuos da mesma sociedade podem sustentar teorias diferentes. O rico e o pobre, por exemplo, véem as coisas de maneiras diferentes; um grupo étnico vé a mesma coisa de maneira diferente de outro grupo. Ha diferencas entre «is crengas folcloricas das pes- soas comuns e as teorias dos especialistas com respeito a religidio e A medici- na, Também ha discordancias entre os especislistas. Por exemplo, um cien- tista agnéstico e um ministro cristao podem o erecer explicagées diferentes para o mesmo acontecimento. ‘A. F.C, Wallace (1956) salienta que as dife sencas de crengas de um indi- viduo para outro, nas sociedades modernas co nplexas, so tao grandes que devemos falar sobre cosmovisio pessoal, em vez de cultural. Nessas socieda- des, as pessoas geralmente sofrem uma crise de crenga quando nao recebem a aprovagao do grupo sobre o que pensam ser cor eto. Quando alguém discorda delas, comegam a questionar suas préprias con vicgdes. ‘A cosmovisao nos ajuda a entender a estab lidade cultural e a resisténcia & mudanga. Nas sociedades tribais e agricolas, geralmente as pessoas com- partilham crengas e pressupostos fundamentais que sao constantemente re- forcados pelo grupo. Também ensinam sua cos novisao a seus filhos e, assim, garantem sua perpetuagiio. A mudanga geraliaente sofre resisténcia nesses ambientes porque a sociedade como um todo é unificada em suas crengas. 0: a“ Evangelho e Cultura . 45 ndividuos que adotam novas idéias caem no ostracismo. Conseqiientemen- ja ser casado ou no. Se a igreja entio proibe a poligamia, deve provider ciar outros recursos para as vitivas e 6rfios, uma vez que as pessoas nao por em mais recorner as solugdes tradicionais, Os missiondrios precisam percebe- que as mudangas que intro- duzem geralmente tém conseqiiéncias de amp] alcance em outras areas da vida das pessoas, e devem ser sensiveis aos e/eitos paralelos nao intencio- nais. Educagao Cultural Por definigao, restringimos “cultura” as cvengas ¢ 808 comportamentos aprendidos. Fazendo isso, nés a diferenciamos das respostas biologicamente instintivas. Por exemplo, quando uma moga a nericana acidentalmente toca fem um fogao quente ela retira sua mio e diz “ei”, “maldito” ou qualquer coisa cemelhante. A primeira reagao é instintiva, as a éitima 6 aprendida. Se a cultura é aprendida, cla também deve ser ensinada. Todas as pes- soas nascem desamparadas —sem idioma, cubtura nem capacidade de sobre- viver sozinhas no mundo exterior. ‘Mesmo assim, dentro de um tempo sur- preendentemente curto, o mesmo individuo pc de ser moldado como canaden- ge, alemao ou chinés ou membro de uma das nilhares de outras soviedades. Uma das descobertas importantes das ciénciis sociais foi a da importancia crucial da infancia na formagao da personalic ade humana e na transmissao fa cultura de uma geragdo para outra. Come alguém bem-humorado disse, toda geragio deve eivilizar sua propria multi lao ‘de barbaros infantis. Toda sociedade tem sua propria maneira de “tornar cultos” seus jovens, ensinando-lhes suas condutas culturais. No enitanto, todos utilizam uma com- pinagdo de pressioné-los num lado e de atrai-ios em outro. As pressdes geral- mente sao ébvias. Os pais disciplinam seus fi hos pelo mau comportamento e f sociedade pune os adultos por infragbes strias das normas culturais. Ou- tras pressées néo sao tao dbvias, como fofocas, sinais obscenos, ostracismo social ¢ retengao de gratificagdes, mas sao igaalmente eficazes para reforgar as regras de uma sociedade. ‘As sociedades atraem as pessoas dando-ihes heréis culturais, personali- dades e modelos ideais para varios papéis er contrados dentro da sociedade e recompensando-as pelo bom comportamentc, Por ‘exemplo, uma crianga oci- dental é ensinada pelo exemplo o que significa ser um bom professor, preg Evangelho e Cultura 51 dor ou motorista. Ela também ¢ ensinada, pelo 1nesmo método, a se compor- rar como esposa ou marido, me ou pai. “Compartilhada por um Grupo de Pessoas” Finalmente, uma cultura é “compartilhada por um grupo de pessoas”. Ela simboliza as crengas, os simbolos e os prodi tos de uma sociedade. ‘Os homens so criaturas sociais, dependents umas das outras para so- breviverem e terem uma existéncia com sentido. Precisam de cuidado duran- te toda a infancia e, com efeito, durante a velhic:. Tendo em vista que encon- cram sua maior alegria e realizagéo na companhia de outros, 0 isolamento cocial esté entre os maiores castigos que podem impor um ao outro. Todas as relagdes humanas exigem uma grénde soma de entendimentos compartilhados entre as pessoas. Precisam de ima linguagem comum, seja erbal, seja nao-verbal, um conjunto de expecta'ivas compartilhadas entre si ; algum consenso entre as crengas para que ocorra a comunicacdo. Em ou- “ras palavras, de algum modo devem compartilhar uma cultura comum, Quan- -o mais tiverem em comum, maiores as possibi idades de inter-relagao. Precisamos esclarecer o que queremos dizer 2m “sociedade” e como ela se velaciona com a “cultura”, Sociedade é um gru0 de pessoas que se relacio- ‘am mutuamente de maneira ordenada em aribientes diferentes. A ordem vasica implicita nessas relagdes é chamada de orzanizacao ou estrutura social. ‘strutura social é como as pessoas verdadeiramente se relacionam umas 5m as outras. A estrutura social esta ligada a :ultura, mas é diferente dela; cultura inchai o que as pessoas créem sobre 1clacionamentos. As pessoas nem sempre agem como sua Ct ltura diz que deveriam agir. exemplo, a maioria dos cristéos acredita que deve ir a igreja no domingo, = muitos encontram desculpas quando deseiam ficar em casa. O interes te é que quando querem transgredir regra3 culturais, a prépria cultura s diz como fazé-lo. Para eles é correto dizer ¢0 pastor que estavam doentes ~ em viagem, Mas nao Ihe devem dizer que detestam seus sermées ou que 39 suportam outro membro da igreja. ‘Até mesmo 0 suicidio, 0 ato supremo de rejeigao social, é culturalmente ~oldado. Nas culturas ocidentais, os homens p »nsam em revélveres ou vene- sos, e as mulheres utilizam medicamentos, ao passo que as mulheres india- vas se jogam em pocos abertos e os homens pedem escolher a forea. A relagiio entre uma sociedade e sua culturs é dialética. As pessoas desen- 8 56 © Evangelho e as Culturas Humanas suficiente para serem salvas e crescerem né f@ dentro do contexto de sua propria cultura. Nom todas as culturas sfio capazes de exoressar 0 Amago do evangelho, mas cada uma também traz luz certos aspe:tos salientes do evangelho que tém permanecido menos visiveis ou mesmo 2scondidos em outras culturas. ihe igrejas em culturas diferentes podem-nos ajudar a entender os varios la- dos da sabedoria de Deus, servindo por sua vez como canais para 0 entendi- mento de diferentes facetas da revelacao divina, verdades que uma teologia amarrada a uma cultura em particular pode facilmente desprezar O Evangelho em relagaéo a Cultura ‘Terceiro, 0 evangelho propde mudangas para todas as culturas. Assim como a vida de Cristo foi a condenagao de nossa natureza pecaminosa, da mesma forma o Reino de Deus julga todas as culturas (Figura 9). Nem tudo na cultura humana @ condené vel. Os seres humanos sao cria- dos a imagem de Deus e, como tais, criam cu. turas, que tém muito de positivo e utilizvel pelos cristaos. Toda cultura oferece uma medida de ordem que torna a vida possivel e significativa. ‘Todavia, por causa do pecado do homen., todas as culturas também pos- suem estruturas e praticas pecammosas. Entre elas estao escravidao, discri- minagao, opressio, exploragao e guerra. O € vangelho as condena, assim como julga os pecados dos individuos. Uma teologia verdadeiramente autéctone deve no sé reforgar 0s valores positivos da cultura na qual esta sendo formulada, mas também deve desafiar aqueles aspectos que expressam as forcas demoniacas e desumanizadoras do pecado. Kenneth Scott Latourette (Minz 1973:101) diz: “Devemos observar que o cristianismo, se nao for irremediave) mente desnaturalizado, nunca sente completamente A vontade em nenhuria cultura. Sempre, quando é ve dadeiro a sua esséncia, cria tensao”. O evangelho exerce uma funcao profét:ca, mostrando-nos 0 caminho que Deus planejou para vivermos como seres umanos, julgando nossas vidas nossas culturas por essas normas. Onde o »vangelho perder essa vor proféti- ca, esté em perigo de juntar-se a crengas valores que distorcem sua mensa- gem, Charles Taber (1978:73) observa: Este 6 exatamente um dos mais eviden es fracassos da teologia ocidental: com muita freqiiéncia ela pretende castrar 0 evangelho, aceitar, fom criticas, Galores e principios profundamente antibit licos —e até mesmo oferecer justi- Feativas lovemente banhadas de culpa para alguns dos pecados mais gr0880% ros da histéria humana. Evangelho e Cultura 57 O mesmo pode acontecer nas igrejas jovens que buscam contextualizar acriticamente o evangelho dentro de sua cultura. Nirmal Minz (1973:110) alerta: HA um tipo muito sutil de sujeigéic na qual a igreja autéctone pode viver. O ressurgimento de herangas nacionais e varias formas de neopaganismo po- dem ser trazidos para a igreja e domnar sua vida e seu trabalho. A igreja batak na Indonésia (por um tempo) qt ase sucumbiu a essa tentagio e viveu sob 0 dominio do nacionalismo e do neopaganismo... Tais igrejas autéctones so contrarias aos ensinos e ao Espirito de Jesus Cristo. Todos os cristdios e todas as igreja: devem lutar sempre com as questées sobre o que é 0 evangelho e sobre o que é a cultura — e qual é a relagao entre eles. Se deixarmos de fazer isso, corre mos o risco de perder as verdades do evangelho, Ir Sugestao de Exercicic : Evangelho e Cultura | Este exercicio pretende ajuda-lo a testar sua coeréncia teoldgica em va- rias questées que os protestantes de \ drias denominagdes tém considerado | importantes. Como cristao em um ambiente transcultural, vocé precisaré apren- der as diferengas entre os elementos essenciais e os néo-essenciais a igreja em cada cultura. Primeira Parte Separe todos os itens abaixo em d Jas categorias, com base nas seguin- tes definigdes: Essencial. Estes itens (normas, prdlicas, costumes) sao essenciais & igreja em qualquer época (marque-os com E na lista). Negocidvel. Estes itens (normas, j raticas, costumes) podem ou no ser validos para a igreja em qualquer local ou época (marque-os com N na lista). Cumprimentar com ésculo santo. Questées entre cristaos nao dever ser levadas aos tribunais. Nao comer carne utilizada em ceri nénias pagas. ‘As mulheres devem usar véu quar do orarem ou falarem na igreja. Lavar os pés por ocasiao da Cela to Senhor (Eucaristia). Imposigao de maos para a ordena 340. Cantar sem acompanhamento musical. Abster-se de comer sangue. Abster-se da fornicacao. Participar da Ceia do Senhor (Eucaristia) juntos. Utilizar somente vinho de verdade 2 po nao levedado na Ceia (Eucaris- tia). SSeeanogson= O Evangelho e as Culturas Humanas 42, Utiizar somente suco de uva na Ceia (Eucaris ia) 43. Ungdio com éleo para cura. 14, As mulheres nao devem ensinar homens 45. As mulheres nao devem usar cabelo trangado, ouro ou perolas. 46. Os homens nao devern ter cabelos compridos 17. Nao beber vinho. 18. A escravidao é permissi 49. Permanecer solteiro. 20. Buscar o dom de linguas 21. Buscar o dom de cura. 22, Levantar as maos quando orar. 23, Quem nao trabalhar nao come. 24, Ter uma “hora devocional” particular todos os dias. 25. Dizer Amém no final das oracées. 26. Nomear presbiteros e didconos em toda conc regagao 27. Eleger os lideres. 28, Confessar os pecados uns aos outros. 29. Gonfessar os pecados em secreto a Deus. 30. Dar pelo menos dez por cento de sua renda/'vens/colheita a Deus. 31. Construir um lugar para a adoracao. 32, Confessar a Cristo publicamente por meio de batismo. 33. Ser batizado por imersao. 34, Ser batizado quando adutto. 35. Ser batizado quando crianga/bebé. 36. Nao ser poligamo. 37, Nao se divorciar de seu cdnjuge por nenhurr a razao. 38. Nao se divorciar de seu conjuge exceto por «dultério. ‘vel se os escravos for2m bem- tratados. Segunda Parte Rolita sobre 0 processo usado para separar os itens “essenciais” dos “negociaveis”. Que principio ou princiotos dirigitam sua decisao? Escreva 0 irgbodo utiizado, num relato simples e conciso. Sieja completamente hones'c rare voce mesmo e descreva com preciséo como tomou suas decisées. Seu(s) principio(s) deve(m) ser responsavel(is) por sues decis6es. Terceira Parte Revela suas decis6es novamente e responia as seguintes questoes: Seus itens “essenciais” so tao importantes que 0 impediram de se asso- ciara um grupo que ndo praticasse todos eles” Ha alguns itens “essenciais” que sao um pcuco mais “essencials” que os outros? Ha algum ite que nao tem explcitamente vada que ver com as Escritur ras? “The temporary gospel’, Revista The Other Side, Nov-Dse, 1975, Utizado com permissao da Fovista The Other Side, 300 W. Apsley St. Filade'fia, PA 19144. Copyright(c)

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