Você está na página 1de 130
TA CONCIA ___.. SINTESE DOS FUNDAMENTOS _ HISTORICOS PaO TEOLOGIA CONCISA SINTESE DOS FUNDAMENTOS HISTORICOS _ DA FE CRISTA J.T.PACKER Teologia Ca J.l. Packer servados por Ed Packer, J. [ Teologia Concisa; sintese dos fundamentos historicos da fé crista por J.I. Packer Trad. Rubens Castilho Cai as-SP: Luz Para o Caminho, 1998, 246p. Contetido. Parte 1. Deus revelado como criador, Parte 2. Deus revelado como redentor. Parte 3. Deus revelado cor Senhor da Graga. Parte 4. Deus revelado como Senhor di Destina. 1. Teologia erista. 1. Titulo. al has IMHO 18 Edicao: 1999 -3i000 exemplares Tradutor: Rubens Castilho | Producao: LPC Comunicagées 4 Caixa Postal 130 - Cep 13001-970 — Campinas, €DITORA CULTURA CRISTA Miguel Telles JUnior, 382/394 -Cambuci 40-040 - S40 Paulo - SP — Tal.:(011) 270-705 1} 279-1255 - Ox, Postal 18,136 - CEP O°88¢.970 cep@cep.org.br = Site: wwwacep.org.br a Prefacio ESTE LIVRO EXPOE EM BREVES COMPASSOS © que me parece ser a essencialidade permanente do Cristia- nismo, visto tanto como um sistema de fé quanto uma forma de vida. Outros tém idéias distintas de como deve ser o perfil do Cristianismo, porém esta é a minha. E Reformacional e evangélica e, como tal, assim defendo, a corrente fundamen- tal histérica e classica. Estas porgdes resumidas, que foram ir.’ cialmente planeja- das para um estudo biblico e surgem agora revisadas, tém um molde intencionalmente escrituristico e, como outros escri- tos meus, sao temperados com textos para consulta. Sustento que assim deve ser, porquanto é basico para o Cristianismo 0 ensino biblico como instrugdo do préprio Deus, emanando, como afirma Calvino, dos [4bios santos do Altfssimo e che- gando a nds por mediagao humana. Se a Escritura é, na ver- dade, o proprio Deus pregando e ensinando, como o grande corpo da igreja tem sempre afirmado, segue-se entdo que a primeira marca da boa teologia 6 procurar ecoar a Palavra divina tao fielmente quanto possivel. Teologia 6, primeiramente, a atividade de pensar e falar a respeito de Deus (teologizagiio), e, em segundo lugar, o pro- duto dessa atividade (a teologia de Lutero, ou Wesley, ou Finney, ou Wimber, ou Packer, ou quem quer que seja). Como atividade, a teologia é como um prisma que decompée a luz em distintas disciplinas, embora inter-relacionadas: elucidagao de textos (exegese), sintese do que eles dizem sobre coisas com que tratam (teologia biblica), visfo da fé expressa no passado (teologia hist6rica), sua formulacio para a atualida- de (teologia sistematica), busca de suas implicagdes para a conduta (€tica), recomendacio e defesa de sua verdade e sa- bedoria (apologética), definig&o da tarefa cristé no mundo (misses), absor¢do de recursos para a vida em Cristo (espiritualidade), adoragao em grupo (liturgia) e ministério perquiridor (teologia pratica). Os capitulos seguintes, em for- ma de esbogo, exploram todas essas areas. Recordando que o Senhor Jesus Cristo chamou aqueles que designou como ovelhas apascentadas, em vez de girafas, objetivei manter as coisas téo simples quanto possivel. Al- guém disse certa ocasiao ao arcebispo William Temple que ele havia tornado muito simples um assunto complexo; ele sentiu enorme satisfagdo e disse prontamente: “Senhor, que me fizeste simples, faze-me ainda mais simples.” Meus senti- mentos acompanham os de Temple, e tentei manter minha cabecga ao mesmo nivel da dele. Como digo freqiientemente a meus alunos, a teologia é doxologia e devogio, isto é, louvor a Deus e pratica da pieda- de. Ela deve, pois, ser apresentada de forma que desperte a consciéncia da presenga divina. A teologia alcanga o auge da sua perfeic¢éo quando esta conscientemente sob o olhar de Deus, de quem ela fala, e quando esta cantando ao seu louvor. Tenho também procurado ter isso em mente. Estes breves estudos de grandes assuntos se parecem, agora que ja os escrevi, com os rapidos passeios turfsticos da Ingla- terra, que companhias de 6nibus operam para os visitantes americanos (quinze minutos em Stonehenge, duas horas em Oxford, teatro e pernoite em Stratford, uma hora e meia em York, uma tarde em Lake District — ufa!). Cada capitulo é uma nota esbogada. Nao obstante, espero que meu material comprimido, empacotador-empacotado [Packer-packed] como é, possa expandir-se nas mentes dos leitores para elevar seus coragGes até Deus, do mesmo modo que uma forma diferente de ar aquecido leva os balées e seus passageiros as alturas. Veremos. Minhas freqiientes citagdes da Confissao de Westminster podem levantar algumas sobrancelhas, uma vez que sou anglicano e nao presbiteriano. Entretanto, como a Confissao pretendeu ampliar os Trinta e Nove Artigos, e a maior parte de seus autores era do clero anglicano, e como ela € uma es- pécie de obra-prima, “o fruto mais maduro da elaboragao do credo Reformado”, como B. B. Warfield a chamou, sinto-me autorizado a reputd-la como parte de minha heranga anglicana Reformada, usando-a como principal recurso. Reconhego agradecido a mao oculta de meu muito admi- rado amigo R. C. Sproul, de quem me veio a idéia~-embriao de varios destes esbogos. Embora nossos estilos difiram, pen- samos de maneira muito semelhante, e temos cooperado com sucesso em numerosos projetos. Sei que somos algumas ve- zes chamados de Mafia Reformada, mas palavras duras nao quebram ossos, e vamos prosseguindo. Agradecimentos sao devidos também a Wendell Hawley, meu publicador, e a LaVonne Neff, meu editor, pela assistén- cia e paciéncia demonstradas de muitas maneiras. Trabalhar com eles tem sido um privilégio e um prazer. J. 1. PACKER Indice PARTE UM DEUS REVELADO COMO CRIADOR Revelacao 3 A Escritura é a Palavra de Deus Interpretacéo 6 Os Cristéos Podem Compreender a Palavra de Deus Revelacao Geral 9 A Realidade de Deus é Conhecida de Todos Culpa 11 O Efeito da Revelacao Geral Testemunha Interior 13 A Escritura é Autenticada Pelo Espirito Santo Autoridade 15 Deus Governa Seu Povo Através da Escritura Conhecimento 17 O Verdadeiro Conhecimento de Deus Vem Por Meio da Fé Criacgao 19 Deus é 0 Criador Auto-Revelacao 21 Este € o Meu Nome Auto-Existéncia 24 Deus Tem Sido Sempre Transcedéncia 26 A Natureza de Deus é Espiritual Onisciéncia 29 Deus Vé e Conhece Soberania 31 Deus Reina Onipoténcia 33 Deus é Onipresente e Onipotente Predestinacao 35 Deus Tem Um Propésito Trindade 38 Deus é Um € Sao Trés Santidade 41 Deus é Luz Bondade 43 Deus é Amor Sabedoria 46 A Dupla Vontade de Deus é Uma Mistério 48 Deus é Insuperavelmente Grande Providéncia 51 Deus Governa Este Mundo Milagres 54 Deus Mostra Sua Presenca e Poder Gloria 56 A Gl6ria Manifesta de Deus Requer a Gl6ria Concedida Idolatria 58 Deus Exige Total Devocio Anjos 60 Deus Utiliza Agentes Sobrenaturais Deménios 62 Deus Tem Opositores Sobrenaturais Satanas 64 Os Anjos Cafdos Tém Um Lider Humanidade 66 Deus Fez os Seres Humanos a Sua Imagem A Raca Humana 69 Os Humanos Sao Corpo e Alma em Dois Géneros PARTE DOIS DEUS REVELADO COMO REDENTOR A Queda 75 O Primeiro Casal Humano Pecou Pecado Original 78 A Depravacio Contamina a Todos Incapacidade 81 Os Seres Humanos Decaidos Sao Tanto Livres Como Escravizados Alianca 83 Deus Faz Com os Humanos Pecadores Uma Alianca de Graca ALei 86 Deus Legisla e Exige Obediéncia A Lei em Acao 88 A Lei Moral de Deus Tem Trés Propésitos A Consciéncia 90 Deus Instrui o Coracao ¢ Limpa-o A Adoracao 92 Deus Oferece Um Modelo Littrgico Os Profetas 96 Deus Enviou Mensageiros Para Declararem Sua Vontade Encarnacao 98 Deus Enviou Seu Filho Para Nos Salvar Duas Naturezas 102 Jesus Cristo é Inteiramente Humano Nascimento Virginal 105 Jesus Cristo Nasceu de Um Milagre Mestre 107 Jesus Cristo Proclamou 0 Reino e¢ a Familia de Deus Impecabilidade 110 Jesus Cristo Era Totalmente Isento de Pecado Obediéncia 112 Jesus Cristo Cumpriu a Vontade Redentora de Seu Pai Vocacao 115 A Missao de Jesus Cristo foi Revelada em Seu Batismo Transfiguracao 117 Como Foi Revelada a Gloria de Jesus Cristo Ressurreicao 119 Jesus Cristo Ressuscitou Dentre os Mortos Ascensao 121 Jesus Cristo Foi Elevado ao Céu Entronizado 123 Jesus Reina no Céu Mediacao 125 Jesus Cristo é o Mediador entre Deus e o Homem Sacrificio 128 Jesus Cristo Fez-se Expiacao Por Nosso Pecado Redencao Definitiva 131 Jesus Cristo Morreu Pelos Eleitos de Deus PARTE TRES DEUS REVELADO COMO SENHOR DA GRACA Paraclito 135 O Espirito Santo Ministra aos Crentes Salvacao 138 Jesus Livra Seu Povo do Pecado Eleicao 140 Deus Escolhe os Seus Vocacao Eficaz 143 Deus Atrai Seu Povo a Si Iluminacgao 145 O Espirito Santo Da Entendimento Espiritual Regeneracao 147 O Cristao Nasceu de Novo Obras 149 Boas Obras Sao Uma Expressado de Fé Arrependimento 152 O Cristao Muda Radicalmente Justificacao 154 A Salvacao é Pela Graca Por Meio da Fé Adogao 157 Deus Faz de Seu Povo Seus Filhos Santificacao 159 O Cristao Cresce em Graca Liberdade 162 A Salvacao Traz Liberdade Legalismo 165 As Obras Feitas em Favor de Deus Nao Tém Valor Antinomianismo 168 Nao Somos Livres Para Pecar Amor 171 O Amor € Basico na Conduta Crista Esperanca 173 Esperar é Fundamental na Perspectiva Crista Iniciativa 175 O Cristao Vive Para Agradar a Deus. Oracao 177 Os Cristaos Praticam a Gomunhao Com Deus Juramentos e Votos 180 Os Cristaos Devem Ser Verdadeiros O Reino de Deus 182 Os Cristaos Devem Manifestar a Vida do Reino. Apostolos 184 Os Representantes de Deus Exerceram Autoridade Igreja 186 Deus Estabelece Seu Povo em Uma Nova Comunidade Palavra e Sacramento 190 Como Identificar Uma Igreja Genuina Presbiteros 192 Os Pastores Devem Cuidar da Igreja Sacramentos 194 Deus Instituiu Dois Sinais da Aliancga de Deus Batismo 197 Este Rito Revela Unido Com Cristo A Ceia do Senhor 201 Este Rito Revela Comunhao Com Cristo Disciplina 204 A Igreja Deve Apoiar os Padraes Cristios Missao 207 Cristo Envia a Igreja ao Mundo Dons Espirituais 209 O Espirito Santo Prepara a Igreja Casamento 211 O MatrimGénio Deve Ser um Pacto de Relacao Permanente A Familia 214 O Lar Gristéo é Uma Unidade Espiritual O Mundo 216 Os Cristaos Estao na Sociedade Para Servi-la e Transforma-la O Estado 219 Os Cristaéos Devem Respeitar o Governo Civil PARTE QUATRO DEUS REVELADO GOMO SENHOR DO DESTINO Perseveranca 223 Deus Guarda Seu Povo Pecado Imperdoavel 225 Somente a Impeniténcia Nao Pode Ser Perdoada Mortalidade 227 Os Cristaos Nao Precisam Temer a Morte A Segunda Vinda 230 Jesus Cristo Retornara a Terra em Gloria Ressurreicéo Geral 233 Os Mortos em Gristo Ressuscitarao em Gloria O Tribunal do Juizo 237 Deus Julgara Toda a Humanidade Inferno 240 Os Maus Serado Destinados ao Imforttinio Perpétuo Ceu 243 Deus Acolhera Seu Povo Com fiibilo Perene PARTE UM DEUS REVELADO COMO CRIADOR REVELACAO A ESCRITURA FE. A PALAVRA DE DEUS As tabuas eram obra de Deus; também a escritura era a mesma escritura de Deus, esculpida nas tabuas. EXODO 32.16 verdadeiro Deus, Criador e Redentor da humanidade. FE uma religiao firmada na revelacao: ninguém conheceria a verdade sobre Deus, ou seria capaz de se relacionar com Ele de um modo pessoal, se Ele nao tivesse agido primeiro para sc fazer conhecido. Mas Deus agiu desta maneira, € 0s sessenta e seis livros da Biblia, trinta e nove escritos antes da vinda de Cristo e vinte e sete depois, compreendem 0 registro, inter- pretacao, expressao e incorporagao de sua auto-revelacao. Deus € a religiosidade sao os temas unificados da Biblia. De um ponto de vista, as Escrituras sao 0 testemunho fiel dos piedosos ao Deus a quem amam € servem; de outro ponto de vista, por meio de um exercicio singular da divina supremacia em sua composicao, sao elas o proprio testemu- nho e ensino de Deus em forma humana. A igreja chama a esses escritos Palavra de Deus, porque sua autoria € conteudo sao ambos divinos. A garantia decisiva de que a Escritura, ou Biblia, deriva de Deus ¢ consiste inteiramente de sua sabedoria ¢ verdade vem de Jesus Cristo ¢ seus apdstolos, que ensinaram em seu nome. Jesus, Deus encarnado, viu sua Biblia (nosso Velho Testa- mento) como instrucao escrita de seu Pai celestial, 4 qual Ele, nao menos que outrem, deve obedecer (Mt 4.4,7,10; 5.19.20; 1 O Cristianismo € a verdadeira adoracao e servico do 3 19.4-6; 26.31,52-54; Le 4.16-21; 16.17; 18.31-33; 22.37; 24.25- 27,45-47; Jo 10.35), e a qual Ele tinha vindo cumprir (Mt 5.17,18; 26.24; Jo 5.46). Paulo se refere ao Velho Testamento como inteiramente impregnado pelo “sopro de Deus” — isto é, um produto do Espirito (“sopro”) de Deus, tanto quanto o é o cosmos (SI 33.6; Gn 1.2) — e escrito para ensinar o Cristianismo (2 Tm 3.15-17; Rm 15.4; 1 Co 10.11). Pedro afirma a origem divina do ensino biblico em 2 Pedro 1.21 e 1 Pedro 1.10-12, e assim também o escritor de Hebreus por sua forma de citacao (Hb 1.5-13; 3.7; 4.3; 10.5-7,15-17; cf. At 4.25; 28.25-27). Uma vez que o ensino dos apéstolos sobre Cristo é em si a verdade revelada nas palavras transmitidas por Deus (1 Co 2.12,13), a igreja corretamente considera os escritos autén- ticos dos apéstolos como complemento das Escrituras. Pedro se refere as cartas de Paulo como Escritura (2 Pe 3.15,16), € Paulo, de forma nitida, recorre 4 Escritura do Evangelho de Lucas em 1 Timéteo 5.18, onde menciona as palavras de Lucas 10.7. A idéia de escritos orientativos do préprio Deus como base para a vida piedosa remonta ao ato divino de inscrever o Decdlogo sobre tabuas de pedra e, em seguida, induzir Moisés a escrever suas leis € a hist6ria de suas relagdes com seu povo (Ex 32.15,16; 34.1,27,28; Nm 33.2; Dt 31.9). Meditar e viver com base nesse material foi sempre fundamental para a verdadeira devocao em Israel, tanto para os lideres como para a comunidade (Js 1.7,8; 2 Rs 17.13; 22.8-13; 1 Cr 22.12,13; Ne 8; SI] 119). O principio, segundo o qual todos devem ser governados pelas Escrituras, isto é, pelo Velho e o Novo Testamentos juntos, é igualmente basico para o Cristianismo. O que as Escrituras dizem, Deus diz; porquanto, de modo comparavel somente ao profundo mistério da Encarnacao, a Biblia tanto é plenamente humana como plenamente divina. Assim, todos os seus miultiplos conteidos — histérias, profecias, poesias, cancdes, escritos de sabedoria, sermées, estatisticas, cartas, e 0 que mais houver — devem ser recebidos como vindos de Deus, e tudo 0 que os escritores da Biblia 4 ensinam deve ser reverenciado como instrucao autorizada de Deus. Os cristaos devem ser gratos a Deus pelo dom de sua Palavra escrita, e devem ser cuidadosos em basear sua fé e sua vida total e exclusivamente nela. Caso contrario, nao pode- remos jamais honra-lo ou agradar-the, como Ele nos ordena a fazer. INTERPRETACAO OS CRISTAOS PODEM COMPREENDER A PALAVRA DE DEUS Dé-me entendimento, e guardarei a tua lei; de todo 0 coragdo a cumprirer. SALMO 119.34 Todos os cristaos tém o direito e o dever nao somente de aprender por meio da heranca da fé recebida da igreja, mas também de interpretar a Escritura por si mesmos. A igreja de Roma desconfia disto, alegando que os individuos facilmente interpretam mal as Escrituras. Isto é verdade; porém, as regras seguintes, fielmente observadas, ajudarao a evitar que isso aconteca. Cada livro da Biblia é uma composicéo humana, ¢ embora deva sempre ser acatado como Palavra de Deus, sua inter- pretacao deve comecar a partir do cardter humano. Portanto, a alegorizacao, que desrespeita o sentido expresso do escritor humano, jamais € apropriada. Cada livro foi escrito nao em linguagem cifrada e, sim, de forma que possa ser compreendido pelo leitor, a quem se destina. Isto € verdade mesmo nos livros que empregam simbolismo: Daniel, Zacarias e Apocalipse. O ponto central da mensagem é sempre claro, ainda que os detalhes sejam um tanto obscuros. Assim, quando compreendemos as palavras empregadas, o fundo histérico e a formacaéo cultural do escritor e de seus leitores, estamos aptos a apreender as idéias transmitidas. A compreensao espiritual —,isto €, o discer- nimento da realidade de Deus, seus caminhos para a humanidade, sua vontade presente, e nosso proprio relaciona- 6 mento com Ele agora e para o futuro — nao nos alcancarao, contudo, pelo texto, até que o véu seja removido de nossos coragoes € sejamos capazes de compartilhar © préprio sentimento do escritor para conhecer, agradar e honrar a Deus (2 Co 3.16; 1 Co 2.14). Impde-se aqui a necessidade da oracao, para que o Espirito Santo possa gerar em nés esse sentimento e mostrar-nos Deus no texto. (Ver SI 119.18,19,26, 27,33,34,73,125,144,169; Ef 1.17-19; 3.16-19.) Cada livro teve seu lugar na progressao da revelacao da graca de Deus, iniciada no Eden e atingindo seu climax em Jesus Cristo, no Pentecoste e no Novo Testamento apostélico. Esse lugar deve estar na mente do leitor quando estudar o texto. Os Salmos, por exemplo, moldam o coracao piedoso em cada época, mas expressam suas preces e louvores em termos de realidades tipicas (reis terrestres, reinos, satide, riqueza, guerra, vida longa), que circunscrevem a vida de graca na era pré-crista. Cada livro originou-se da mesma mente divina, por isso 0 ensino dos sessenta e seis livros da Biblia é complementar ¢ autoconsistente. Se, apesar disso, nao pudermos vé-lo assim, a falta esta em nés, nao na Escritura. E certo que a Escritura nunca se contradiz em parte alguma; antes, uma passagem fundamenta a outra. Este solido principio de interpretar a Escritura pela Escritura é, 4s vezes, chamado a analogia da Escritura, ou a analogia da fé. Cada livro demonstra a imutavel verdade acerca de Deus, da humanidade, da piedade e da impiedade, aplicada a situagdes particulares e ilustrada por elas, em que individuos e grupos se encontram. O estdgio final na interpretacdo biblica é reaplicar essas verdades a nossas situacdes pessoais de vida; este € 0 meio para discernir o que Deus na Escritura esta nos dizendo neste momento. Exemplos de tal reaplicacao sao a descoberta feita por Josias da ira de Deus contra Juda pela falha em observar sua lei (2 Rs 22.8-13), o argumento de Jesus sobre Génesis 2.24 (Mt 19.4-6), e o uso de Paulo de Génesis 15.6 e do Salmo 32.1,2 para mostrar a realidade da presente justica pela fé (Rm 4.1-8). Nenhum sentido pode ser lido na Escritura, ou atribuido a ela, que nao possa, com certeza, ser extrafdo dela — demons- trado, ou seja, indubitavelmente expresso por um ou mais de um escritor humano. Cuidadosa ¢ devotada observancia destas regras é a marca de todo cristao “que maneja bem a palavra da verdade” (2'Tm 2.15). REVELACAO GERAL A REALIDADE DE DEUS E CONHECIDA DE TODOS Os céus proclamam a gloria de Deus, ¢ 0 firmamento anuncia as obras das suas méos. SALMO 19.1 O mundo de Déus nao é um escudo que esconde o poder e€ a majestade do Criador. Pela ordem natural, é€ evidente que um potente € majestoso Criador 1a esta. Paulo escreve em Romanos 1.19-21, e em Atos 17.28 cita um poeta grego como testemunha de que os humanos sao divinamente criados. Paulo afirma ainda que a bondade desse Criador é manifesta por meio de suas providéncias generosas (At 14.17; cf. Rm 2.4), e que ao menos algumas das exigéncias de sua santa lei sao conhecidas de todas as consciéncias humanas (Rm 2.14,15), juntamente com a desconfortavel certeza do julgamento final de retribuicdo (Rm 1.32). Essas certezas evidentes constituem o contetido da revelacao geral. A revelacao geral € assim chamada porque todas as pessoas a recebem pelo simples fato de estarem vivas no mundo de Deus. Isto foi assim desde o inicio da histéria humana. Deus revela ativamente esses aspectos de si mesmo a todos os seres humanos, de forma que todos os casos de falha em render gracas e servir ao Criador com justica constituem pecado contra o conhecimento, e negagdes de ter recebido tal conhecimento nao devem ser tomadas seriamente. A revelacao universal de seu poder, seu merecimento de louvor € sua exigéncia moral é a base da acusacao de Paulo a toda raga humana como pecadora e culpada perante Deus por falhar em servi-lo como deve (Rm 1.18-3.19). Deus agora suplementa sua revelacao geral com a revelacao adicional de si mesmo como Salvador dos pecadores, por meio de Jesus Cristo. Esta revelacao, ocorrida na histéria € incorporada a Escritura, e abrindo a porta da salvacdo aos perdidos, € geralmente chamada revelacaéo especial ou especifica. Ela inclui a declaracao verbal explicita de tudo o que a revelacao geral nos fala a respeito de Deus, € nos ensina a reconhecer essa revelacdo na ordem natural, nos eventos da historia, e em figura de seres humanos, de sorte que aprendemos a ver 0 mundo inteiro, na frase de Calvino, como um teatro da gloria de Deus. 10 CULPA O EFEITO DA REVELACAO GERAL O que de Deus se pode conhecer € manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. ROMANOS 1.19 -- A Escritura admite, e a experiéncia confirma, que os seres humanos inclinam-se naturalmente por uma forma de religiao, embora falhem em adorar seu Criador, cuja revelacao geral de si mesmo torna-o conhecido univer-sal- mente. O ateismo te6rico e o monoteismo moral sao opostos naturais: 0 ateismo é sempre uma reacao contra a crenca pré- existente em Deus ou deuses, € 0 monoteismo moral somente surgiu no despertar da revelacao especial. A Escritura explana este estado de coisas dizendo-nos que o pecado do egoismo e da aversdo as prescrigdes de nosso Criador conduz a humanidade 4 idolatria, o que significa transferir a adoracao e reveréncia a outro poder ou objeto que nao o Deus Criador (Is 44.9-20; Rm 1.21-23; Cl 3.5). Desta maneira, os humanos apéstatas “suprimiram a verdade” e “mudaram a gloria do Deus incorruptivel em semelhanca da imagem de homem corruptivel, bem como de aves, quadrupedes e répteis” (Rm 1.23). Eles sufocam e extinguem, tanto quanto podem, a consciéncia que a revelacao geral Ihes da do CriadorJuiz transcendente, e com seu inextirpavel senso de deidade se apegam a objetos indignos. Isto, ao revés, leva a um drastico declinio moral, com a conseqtiente miséria, como primeira manifestacao da ira de Deus contra a apostasia humana (Rm 1.18,24-32). 1 No momento atual, no Ocidente, as pessoas idolatram e, na realidade, adoram objetos seculares, tais como a empresa, a familia, o futebol e sensagdes agradaveis de varias espécies. Mas, o declinio moral persiste como resultado, tal como ocorreu quando os pagaos adoraram jdolos literais nos tempos biblicos. Os seres humanos nao podem suprimir completamente sua percepcao de Deus, bem como de seu julgamento presente e futuro; o préprio Deus nao permitira que o facam. Algum sentido do que é certo e errado, como também de ser subme- tido a um Juiz divino, sempre permanece. Em nosso mundo decaido, todas as mentes que nao estao de algum modo anestesiadas tém uma consciéncia que, em certos pontos, as dirige e, de tempos em tempos, as condena, dizendo-lhes que devem sofrer pelos erros cometidos (Rm 2.14ss.); e quando a consciéncia fala nestes termos é, na verdade, Deus quem esta falando. A humanidade arruinada é, em certo sentido, ignorante de Deus, uma vez que 0 que as pessoas gostam de crer, e de fato créem, com vistas ao objeto de seu culto falseia e distorce a revelacao de Deus, da qual nao podem escapar. Em outro sentido, contudo, todos os seres humanos permanecem cénscios de Deus, de modo culpavel, com desconfortaveis pressentimentos do julgamento vindouro, que esperam nao se cumpra. Somente o evangelho de Cristo pode falar de paz a esse aflitivo aspecto da condicao humana. 12 TESTEMUNHA INTERIOR A ESCRITURA FE AUTENTICADA PELO ESP{RITO SANTO E v6s possuts ungdo que vem do Santo e todos tendes conhecimento. 1JOAO 2.20 Por que os cristaos créem que a Biblia é a Palavra de Deus, sessenta ¢ seis livros formando um unico livro de instrucao, no qual Deus nos revela a realidade da redencgao por meio de Jesus Cristo, o Salvador? A resposta é que o proprio Deus confirmou isto por meio do que chamamos a testemunha interior do Espirito Santo, Nas palavras da Confissao de Westminster (1647): Podemos ser movidos e induzidos pelo testemunho da igreja a uma alta e reverente estima pela Sagrada Escritura. E a sacralidade do assunto, a eficdcia da doutrina, a majestade do estilo, a harmonia de todas as partes, a finalidade do todo (que é dar toda gloria a Deus), a plena descoberta que faz do tinico caminho para salvacdo do homem, as outras muitas incompardveis exceléncias, e a sua total perfeicdo, séo argumentos por meio dos quais ela abundantemente evidencia por si mesma ser a Palavra de Deus: ndo obstante, a plena persuasdo e cerleza que temos da sua infalivel verdade e divina auloridade deve-se a obra interior do Espirito Santo que da testemunho da Palavra em nosso coracdo. (1.5) O testemunho do Espirito sobre a Escritura ¢ como seu testemunho a respeito de Jesus, que encontramos declarado em Joao 15.26 e 1 Joao 5.7 (cf. 1 Jo 2.20,27). Nao é uma questao de dar nova informacao, mas de esclarecer mentes 13 antes obscurecidas, que nao discerniram a divindade por meio da apreensao de seu tinico impacto — 0 impacto, de um lado, do Jesus do evangelho, e, de outro lado, das palavras da Escritura Sagrada. O Espirito ilumina nossos coracgées para dar-nos a luz do conhecimento da gloria de Deus, nao somente na face de Jesus Cristo (2 Co 4.6), mas também no ensino da Sagrada Escritura. O resultado deste testemunho é um estado de espirito em que ambos, Salvador e Escritura, se evidenciam diante de nés como divinos — Jesus, uma pessoa divina; a Escritura, um produto divino — de um modo tao direto, imediato ¢ impressionante como aquele em que gostos € cores se tornam evidentes por se imporem aos nossos sentidos. Em conseqiiéncia disto, nao mais achamos possivel duvidar da divindade, seja de Cristo ou da Biblia. Assim, Deus autentica para nos a Escritura Sagrada como sua Palavra — nao por alguma experiéncia mistica ou informac¢ao secreta sussurrada as escondidas no ouvido interior de alguém, nao por argumento humano isolado (por mais forte que ele seja), nem pelo testemunho isolado da igreja (comoyente como é quando visto ao longo desses dois mil anos). Deus 0 faz, antes, por meio de sua luz perscru- tadora e poder transformador, pelos quais a Escritura atesta por si mesma sua origem divina. O impacto dessa luz e desse poder é 0 préprio testemunho do Espirito “pela Palavra e com ela em nosso coracao”. Argumento, testemunho de outrem, e nossa prépria experiéncia pessoal podem preparar-nos para receber esse testemunho, mas sua concessao, como a concessao da fé na divina obra salvifica de Cristo, € prerroga- tiva exclusiva e soberana do Espirito Santo. A iluminacao do Espirito testemunhando a divindade da Biblia € experiéncia crista universal, ¢ tem sido assim desde o principio, embora muitos cristaos nao tenham sabido verbaliza-la ou manejar a Biblia de modo compativel com cla. 14 AUTORIDADE DEUS GOVERNA SEU POVO ATRAVES DA ESCRITURA Toda a Escritura é inspirada por Deus e util para 0 ensino, para a repreensdo, para a corregao, para a educagao na justica. 2 TIMOTEO 3.16 O principio cristao da autoridade biblica significa, por -- um lado, que é propésito de Deus dirigir a crenca € con- duta de seu povo mediante a verdade revelada que a Escritura Sagrada anuncia; por outro lado, significa que todas as nossas idéias a respeito de Deus devem ser medidas, testadas e, onde necessario, corrigidas e ampliadas, tendo como referéncia o ensino biblico. A autoridade como tal é direito, reivindicacao, aptidao e, por extensdo, poder de controlar. A autoridade no Cristianismo pertence ao Deus Criador, que nos levou a conhecé-lo, ama-lo e servi-lo, e seu modo de exercer sua autoridade sobre nés é por meio da verdade e sabedoria de sua Palavra escrita. Do ponto de vista humano, cada livro biblico foi escrito para promover o servico de Deus com mais consisténcia e dedicacao, ¢, de igual modo, do ponto de vista divino, toda a Biblia tem este proposito. E uma vez que o Pai deu ao Filho plena autoridade para governar 0 cosmos em seu nome (Mt 28.18), a Escritura funciona precisamente como 0 instrumento do senhorio de Cristo sobre seus seguidores. Toda a Escritura €é, neste sentido, como as cartas de Cristo as sete igrejas (Ap 2-3). Onde encontrar hoje a verdade definitiva de Deus? Ha trés respostas, cada qual a seu proprio modo recorrendo a Biblia. 15 As igrejas catélica romana e ortodoxa encontram a verdade de Deus, como créem, nas interpretacdes da Escritura incor- poradas em sua propria tradic4o e consenso. Elas visualizam a Biblia como verdade dada por Deus, porém insistem que a igreja deve interpreta-la, sendo infalivel quando assim procede, Contrastando com essa visio, individuos rotulados de libe- rais, radicais, modernistas, ou subjetivistas, encontram a verdade de Deus nas idéias, impressées, julgamentos, teorias e especulacoes que a Escritura provoca em suas mentes. Enquanto rejeitam o conceito neotestamentario da inspiracao da Escritura, € nao consideram sua Biblia totalmente digna de confianca ou como receptaculo das transcric6es absolutas € peremptérias da mente divina, estéo confiantes de que o Espirito guia-os a pingar e escolher desta forma o que resulta da sabedoria de Deus. O protestantismo historico, entretanto, encontra a verdade de Deus no ensino das Escrituras canénicas como tais. Ele recebe essas Escrituras como inspiradas (isto €é, como sopro de Deus, 2 Tm 3.16), inerrantes (ou seja, totalmente verdadeiras em tudo o que afirmam), suficientes (a saber, dizendo-nos tudo 0 que Deus deseja dizernos e tudo o que precisamos saber para a salvacao e a vida eterna), e claras (isto é, objetivas ¢ auto-interpretativas sobre todos os assuntos de importancia) . As duas primeiras posic6es tratam os julgamentos humanos sobre a Biblia como decisivos para a verdade e a sabedoria; a terceira, enquanto valoriza a heranca de conviccao da igreja e é sensivel 4 exigéncia por coeréncia, que o pensamento racional envolve, submete sistematicamente todos os pensa- mentos a Escritura, que toma seriamente como canon. Cénon significa uma regra ou padrao. As duas primeiras posicdes se referem a Escritura como canon, mas deixam de considera-la com a devida seriedade como regra que funciona para a fé € para a vida. Assim, na pratica, elas nao aceitam plenamente sua autoridade, enquanto sua profissdo crista, embora sincera, é conseqtientemente falha. 16 CONHECIMENTO O VERDADEIRO CONHECIMENTO DE DEUS VEM POR MEIO DA FE “Mas 0 que se gloriar, glori 0. em me conhecer € saber que eu sou 0 SENHOR, e faco misericordia, juizo e justica na tena; porque destas coisas me agrado”, diz o SENHOR. JEREMIAS 9.24 Em 1 Timéteo 6.20,21 Paulo adverte Timéteo contra “os falatérios intiteis e profanos e€ as contradicées do saber (grego gnosis), como falsamente Ihe chamam, pois alguns, professando-o, se desviaram da fé”. Paulo esta atacando as tendéncias teos6fico-religiosas que evoluiram para 0 gnosticis- mo no segundo século desta era. Mestres dessas crencas ¢ praticas aconselharam os crentes a considerar seu compro- misso cristéo como que um confuso primeiro passo na estrada do “conhecimento”, € os incentivaram a tomar novos passos ao longo dessa estrada. Esses mestres, porém, tinham a ordem material como desprezivel e o corpo como uma prisao para a alma, adotando a iluminacao como a resposta completa 4 necessidade espiritual do homem. Negavam que o pecado fosse alguma parte do problema, ¢ o “conhecimento” que ofereciam incluia somente palavras de encantamento, contra- senhas celestiais, disciplinas misticas e concentracao extatica. Eles reclassificaram Jesus como um mestre sobrenatural que parecia homem, embora nao fosse; a Encarnagao e a Reconciliagao eram negadas, e substituiram 0 convite de Cristo para uma vida de amor santificado por prescric6es para © ascetismo ou permissdo para a licenciosidade. As cartas de 17 Paulo a Timéteo (1 Tm 1.3,4; 4.1-7; 6.20,21; 2 Tm 3.1-9); Judas 4,8-19); Pedro (2 Pe 2); ¢ as duas primeiras cartas de Joao (1 Jo 15-10; 2.9-11,18,29; 3.7-10; 4.1-6; 5.1-12; 2 Jo 7-11) se contrapéem explicitamente as crencas € praticas que mais tarde emergiriam como gnosticismo. Em contraste, a Escritura fala de “conhecer” a Deus como a pessoa espiritual ideal: a saber, a plenitude de uma fé rela- cionamento que traz salvacao e vida eterna e gera amor, esperanga, obediéncia e gozo. (Ver, por exemplo, Ex 33.13; Jr 31.34; Hb 8.8-12; Dn 11.32; Jo 17.3; Gl 4.8,9; Ef 1.17-19; 3.19; Fp 2.8-11; 2 Tm 1.12.) As dimensoes deste conhecimento sao intelectuais (conhecer a verdade acerca de Deus: Dt 7.9; Sl 100.3); volitivas (crer em Deus, obedecer-lhe e adord-lo em termos daquela verdade); € morais (praticar a justica € 0 amor: Jr 22.16; 1 Jo 4.7,8). A fé-conhecimento focaliza o Deus encarnado, o homem Cristo Jesus, o mediador entre Deus ¢ nés pecadores, por meio de quem vimos a conhecer seu Pai como nosso Pai (Jo 14.6). A fé procura conhecer a Cristo e seu poder especificamente (Fp 3.8-14). O conhecimento da fé € 0 fruto da regeneracdo, a doacao de um coracao novo (Jr 24.7; 1 Jo 5.20), e da iluminacao pelo Espirito (2 Co 4.6; Ef 1.17). O conhecimento-relacionamento € reciproco, implicando afeicao pactual de ambos os lados: conhecemos a Deus como nosso, porque Ele nos conhece como dele (Jo 10.14; Gl 4.9; 2 Tm 2.19). Toda a Escritura nos foi dada para ajudar-nos a conhecer a Deus deste modo. Trabalhemos para usé-la para seu adequado propésito. 18 CRIACAO DEUS E O CRIADOR Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia esta a terra das tuas riquezas. SALMO 104.24 “No principio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). -- Ele os fez por meio do fiat (latim: faca-se), sem qualquer material pré-existente; sua decisao de que as coisas deveriam existir (“Haja...”) fez com que elas surgissem e formou-as em ordem com uma existéncia que dependia de sua vontade, ¢ que era, no entanto, distinta de sua esséncia divina. Pai, Filho e Espirito Santo envolyeram-se juntamente (Gn 1.2; Sl 33.6,9; 148.5; Jo 1.1-3; Cl 1.15,16; Hb 1.2; 11.3). Os seguintes pontos devem ser assinalados: (a) O ato da Criacao é um mistério para nés; ha mais nele do que podemos compreender. Nao podemos criar por fial, e nao sabemos como Deus péde. Dizer que Ele criou “do nada” € confessar 0 mistério e nao explicalo. Em particular, nao podemos conceber como a existéncia dependente pode ser existéncia distinta, nem como anjos e seres humanos em sua existéncia dependente podem nao ser robés, mas criaturas capazes de decisdes livres, pelas quais sao moralmente responsaveis perante Aquele que os fez. Entretanto, a Escritura em todos os lugares ensina que é assim. (b) Espaco € tempo sao dimens6es da ordem criada; Deus nao esta “em” um ou outro; nem esta sujeito a um ou outro, como nos estamos. 19 (c) Como a ordem universal nao foi autocriada, ela tampouco é auto-sustentavel, como Deus é. A estabilidade do universo depende da constante manuten¢ao divina; este é um ministério especifico do Filho de Deus (Cl 1.17; Hb 1.3), sem isso toda criatura de toda espécie, nds inclusive, cessaria de ser. Como Paulo disse aos atenienses, “ele mesmo é quem a todos da vida, respiracao e tudo mais. . . . pois nele vivemos, € nos movemos, e existimos” (At 17.25,28). (d) A possibilidade de intromissGes criativas (p. ex., mila- gres de poder criativo; criacao de novas pessoas mediante a atividade procriativa humana; reorientacdo dos coracées humanos c redirecionamento das vontades e energias huma- nas na regeneracao) é tao velha como o proprio cosmos. Até quando Deus, cm sua atividade mantenedora, realmente continuara a criar novas coisas, que nao podem ser explicadas em termos de qualquer coisa que foi antes, esta além de nosso poder de saber; porém, certamente este mundo permanece aberto ao seu poder criativo em todos os pontos. Saber que Deus criou o mundo a nossa volta, e nés mesmos como parte dele, é basico 4 verdadeira religiao. Deus deve ser louvado como Criador, em razao de sua maravilhosa ordem, variedade e beleza de suas obras. Os salmos, como 0 104, sao modelos desse louvor. Deus deve ser crido como o Senhor soberano, com um plano eterno abrangendo todos os eventos e destinos, sem excecao, e com poder de redimir, recriar € renovar; tal crenca torna-se racional quando nos lembramos de que € no Criador todo-poderoso que estamos crendo. Reconhecer a cada momento nossa dependéncia do Deus Criador para nossa existéncia faz com que se torne apropriado viver vida de devogao, compromisso, gratidao ¢ lealdade para com Ele, sem qualquer impureza. A retidao comega aqui, com Deus, 0 soberano Criador, como o primeiro ponto de convergéncia de nossos pensamentos. 20 AUTO-REVELACAO “ESTE E O MEU NOME” Disse Deus ainda mais a Moisés: “Assim dirds aos filhos de Israel: ‘O SENHOR, 0 Deus de vossos pais, o Deus de Abrado, 0 Deus de Isaque, e 0 Deus de Jaco, me enviou a vos outros’: este 60 meu nome eternamente, e assim serei lembrado de geracdo em geragao.” EXODO 3.15 No mundo moderno, © nome de uma pessoa € + meramente uma etiqueta de identificagado, como um mimero, que pode ser mudado sem prejuizo. Os nomes biblicos, entretanto, tem seu cendrio na ampla tradi¢ao em que os nomes pessoais dao informacoes, revelando, de certa forma, quem sao as pessoas. O Velho Testamento constante- mente celebra o fato de que Deus tornou seu nome conhe- cido a Israel, e os os salmos dirigem louvor ao nome de Deus incessantemente (SI 8.1; 113.1-3; 145.1,2; 148.5,13). “Nome” aqui quer dizer o proprio Deus, tal como Ele se revelou por palavras e atos. No Amago desta auto-revelacao € o nome pelo qual Ele autorizou Israel a invoca-lo — Yahweh, como os eruditos modernos escrevem; jeovd, como se usa traduzi-lo; o SENHOR, como ele € impresso nas versées do Velbo Testa- mento em portugués. Deus declarou este nome a Moisés, quando lhe falou do meio da sarca ardente que nao se consumia pclo fogo. Deus iniciou por identificar-se como o Deus que empenhou a si mesmo em um pacto com os patriarcas (cf. Gn 17.1-14); depois, quando Moisés Ihe perguntou qual ele diria ao povo ser o nome desse Deus (pois a antiga pressuposicao era que a oracdo seria ouvida somente se fosse citado corretamente o ai nome daquele a quem era dirigida), Deus primeiro disse “EU SOU O que SOU” (ou “serei o que serei”), depois o encurtou para “EU SOU”, e finalmente chamou a si mesmo “o SENHOR (hebraico Yahweh, um nome que soa como “EU SOU” em hebraico), o Deus de vossos pais” (Ex 3.6,13-16). O nome, em todas as suas formas, proclama sua realidade sobe- rana eterna, auto-sustentada, autodeterminada — o modo sobrenatural de existéncia que o sinal da sarca ardente tinha significado. A sarca, podemos dizer, foi a ilustracao divina tridimensional de sua vida inexaurivel. “Este € 0 meu nome eternamente”, disse Ele — isto é, 0 povo de Deus deveria sempre pensar nele como o rei vivo, reinante, potente, irrestrito, irreduzivel, que a sarca ardente demonstrou (Ex 3.15). Mais tarde (Ex 33.18-34.7) Moisés pede para ver a “gloria” de Deus, e, em resposta, Deus “proclamou 0 scu nome” assim: “SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longa- nimo, € grande em miseric6rdia e fidelidade; que guarda a misericordia em mil geragdes, que perdoa a iniqtiidade, a transgressao e o pecado, ainda que nao inocenta o culpado...” Na sarca ardente Deus tinha respondido a pergunta: De que forma Deus existe? Aqui Ele responde 4 pergunta: De que forma Deus procede? Esta proclamacao fundamental de seu carater moral € muitas vezes reiterado em passagens poste- riores (Ne 9.17; Sl] 86.15; JI 2.13; Jo 4.2). E tudo parte de seu “nome”, isto é, sua revelacao de sua natureza, pelo qual Ele deve ser adorado para sempre. Deus completa esta revelacao da gl6ria de seu carater moral chamando a si mesmo “zeloso” “pois o nome do Senhor é Zeloso [ciumento]” (Ex 34.14). Isto repete, com énfase, o que Ele disse de si mesmo na sancao do segundo mandamento (Ex 20.5). O zelo afirmado € pactual: é a virtude do amante comprometido, que deseja lealdade total daquele a quem sujeitou a si para honra-lo ¢ servir-lhe. No Novo Testamento, as palavras € atos de Jesus, o Filho encarnado, constituem uma plena revelacao da mente, perspectiva, caminhos, planos e propésitos de Deus Pai (fo 22 14.9-11; cf. 1.18). “Santificado seja o teu nome”, na oracgao do Senhor (Mt 6.9), expressa o desejo de que a primeira pessoa da Divindade seja reverenciada e louvada, como o esplendor de sua auto-revelacéo merece. A Deus deve ser dada gléria por todas as glérias de seu nome, isto é, sua gloriosa auto- revelacao na criacao, providéncia e graca. 23 AUTO-EXISTENCIA DEUS TEM SIDO SEMPRE Antes que os montes nascessem e se formassem a terra eo mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus. SALMO 90.2 i Algumas v as criancas perguntam, “Quem fez TP Deus?” A resposta mais clara é que Deus nunca precisou ser feito, porque Ele sempre esteve la. Ele existe de uma maneira diferente de nés: nds, criaturas suas, existimos em forma dependente, derivada, finita e fragil, mas nosso Criador existe em forma eterna, auto-sustentada e necessaria — neces- saria quer dizer no sentido de que Deus nao tem, por sua imanéncia, de sair da cxisténcia, como, inversamente, nao temos em nés a faculdade de viver para sempre. Nos necessariamente envelhecemos e€ morremos, porque € nossa presente natureza fazer isso; Deus necessariamente continua para sempre imutavel, porque é sua natureza eterna fazer isso. Este 6 um dos muitos contrastes entre a criatura e o Criador. A auto-existéncia de Deus é uma verdade basica. No inicio de sua apresentacao do Deus desconhecido aos iddlatras atenienses, Paulo explicou que esse Deus, 0 Criador do mundo, “nem € servido por maos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois cle mesmo é quem a todos da vida, respiracado ¢ tudo mais” (At 17.25). Os. sacrificios oferecidos aos idolos nas religides tribais de hoje, como na antiga Atenas, sao tidos como algo que mantém a idolatria, porém o Criador nao precisa de tal sistema de apoio. A palavra aseidade, significando que Ele tem vida propria e que extrai 24 sua inexaurivel energia de si mesmo (a se significa em latim “de si mesmo”), foi cunhada pelos tedlogos para expressar esta verdade, que a Biblia faz clara (SI 90.1-4; 102.25-27; Is 40.28-31; Jo 5.26; Ap 4.10). Em teologia, equivocos infindaveis resultam de se supor que as condicdes € os limites de nossa propria existéncia finita se aplicam a Deus. A doutrina de sua ascidade permanece como um baluarte contra tais equivocos. Em nossa vida de fé, facilmente nos empobrecemos por abracar uma id¢ia tao pequena c limitada de Deus, e, de novo, a doutrina da ascidade de Deus ergue-se como um baluarte para ce ocorréncia. E vital para a satide espiritual crer que Deus € grande (cf. Sl 95.1-7), © compreender a verdade de sua aseidade é 0 primeiro passo na estrada dessa crenca. 25 TRANSCENDENCIA A NATUREZA DE DEUS E ESPIRITUAL Assim diz o SENHOR: O céu é 0 meu trono, ea terra o estrado dos meus pes; que casa me edificareis vés? E qual é 0 lugar do meu repouso? ISAIAS 66.1 -|- “Deus é espirito”, disse Jesus 4 mulher samaritana junto ao poco (Jo 4.24). Embora plenamente pessoal, Deus nao vive em um corpo e por meio dele, como nés, e, por isso, nao esta ancorado em uma moldura espaco-tempo. Deste fato, além do fato adicional de que Ele é auto-existente e nao marcado, como nés somos, pela desintegracao pessoal (falta de concentracao e controle), que o pecado produziu em nés, varias coisas decorrem. Primeiro, Deus nao é limitado nem pelo espaco (Ele esta continuamente em todo lugar em sua plenitude) nem pelo tempo (nao ha o “momento presente”, no qual Ele esteja contido, como nés estamos). Os tedlogos se referem a liberdade limitativa de Deus como sua infinidade, sua imensidade e sua transcendéncia (1 Rs 8.27; Is 40-12-26; 66.1). Como Ele mantém todas as coisas existentes, assim tem Ele todas as coisas em todos os lugares sempre diante de sua mente, cada qual em sua propria relacao com seu plano € proposito totalmente abrangente para todo item e toda pessoa em seu mundo (Dn 4.34,35; Ef 1.11). Segundo, Deus é imutavel. Isto significa que Ele é totalmente consistente: por ser necessariamente perfeito, Ele nao pode mudar, seja para melhor ou para pior; e porque nao esta limitado no tempo, Ele nao esta sujeito a mudanga, como 26 as criaturas (2 Pe 3.8). Longe de estar afastado e imovel, Ele esta sempre ativo em seu mundo, constantemente fazendo novas coisas surgirem (Is 42.9; 2 Co 5.17; Ap 21.5); mas, em tudo isso, Ele expressa seu perfeito cardter com perfeita consisténcia. E precisamente a imutabilidade de seu carater que garante sua fidelidade as palavras que tem falado e aos planos que tem feito (Nm 23.19; Sl 33.11; MI 3.6; Tg 1.16-18); e € essa imutabilidade que explica porque, quando as pessoas mudam sua atitude para com Ele, Ele muda sua atitude para com elas (Gn 6.5-7; Ex 32.9-14; 1 Sm 15.11; Jn 3.10). A idéia de que a invariabilidade de Deus envolve indiferenca ao que se passa neste mundo € precisamente 0 oposto da verdade. -Terceiro, os sentimentos de Deus nao estao fora de seu controle, como os nossos freqiientemente estao. Os tedlogos expressam isto dizendo que Deus € impassivel € insensivel, porém aquilo que Ele sente, como o que Ele faz, é uma questao de sua prépria escolha deliberada e voluntaria e esta incluida na unidade de seu ser infinito. Deus jamais é nossa vitima no sentido de que o fazemos sofrer naquilo que Ele nao tinha previamente escolhido sofrer. Contudo, sao abundantes as passagens que expressam a realidade das emocées de Deus (alegria, tristeza, ira, deleite, amor, ddio, etc.), sendo um grande equivoco esquecer que Deus sente — embora em forma de necessidade que transcende a experiéncia emocional de um ser finito. “Quarto, todos os pensamentos e acoes de Deus envolvem todo o seu ser. Esta é a sua integracao, as vezes chamada “sua simplicidade”. Ela se coloca em completo contraste com a complexidade e falta de integracao de nossa propria existéncia pessoal, na qual, como resultado do pecado, raramente ou talyez nunca somos capazes de concentrar a totalidade de nosso ser e todos os nossos poderes sobre qualquer coisa. Um aspecto da maravilha de Deus, entretanto, é que Ele simultaneamente da total e indivisa atencao nao apenas a uma coisa de cada vez, mas a todas as coisas € a todas as pessoas em todo lugar em seu mundo passado, presente futuro (cf. Mt 10.29,30). 27 Quinto, o Deus que € espirito deve ser adorado em espirito e verdade, como Jesus ensinou (Jo 4.24). “Em espirito” quer dizer “com um cora¢ao renovado pelo Espirito Santo”. Nem rituais, movimentos de corpo ou formalidades devocionais constituem adoracao, sem o envolvimento do coracdo, o qual somente o Espirito Santo pode induzir. “Em verdade” significa “com base na revelacao da realidade de Deus, que culmina na Palavra encarnada, Jesus Cristo”. Antes de mais nada, esta é a revelacao do que somos como pecadores perdidos e do que Deus € para nés como Criador-Redentor pclo ministério mediador de Jesus. Nenhum lugar sobre a terra é atualmente determinado como tinico centro para adoracao. A habitacdo simbélica de Deus na Jerusalém terrena foi substituida, quando veio o tempo (Jo 4.23), por sua morada na Jerusalém celestial, de onde Jesus agora ministra (Hb 12.22-24). No Espirito, “perto esta o SENHOR de todos os que 0 invocam, de todos os que 0 invocam em verdade”, onde quer que estejam (SI 145.18; cf. Hb 4.14-16). Esta disponibilidade universal de Deus é parte das boas novas do evangelho; ela é um precioso beneficio, ¢ nao deve ser apenas considerada superficialmente. 28 ONISCIENCIA DEUS VE E CONHECE Os olhos do SENHOR estado em todo lugar, contemplando os maus ¢ os bons. PROVERBIOS 15.3 Onisciéncia é uma palavra que significa “conhecer todas as coisas”. A Escritura declara que os olhos de Deus percorrem todos os lugares (J6 24.23; Sl 33.13-15; 139.13-16; Py 15.3; Jr 16.17; Hb 4.13). Ele busca todos os coragoes e observa os caminhos de cada um (1 Sm 16.7; 1 Rs 8.39; 1 Cr 28.9; S1 139.1-6,23; Jr 17.10; Le 16.15; Rm 8.27; Ap 2.23) —em outras palavras, Fle conhece cada coisa entre todas as coisas € sobre todas as pessoas por todo o tempo. Ele também conhece o futuro, ndo menos que 0 passado e o presente, € possiveis eventos que nunca acontecem, nado menos que os eventos reais que acontecem (1 Sm 23.9-13; 2 Rs 13.19; SI 81.14,15; Is 48.18). Nem tem Ele de “acessar” informacées sobre as coisas, como um computador que restaura os dados de um arquivo; todo o seu conhecimento esta imediata e diretamente em sua mente. Os escritores biblicos se surpreendem com a capacidade da mente de Deus a este respeito (S] 139.1-6; 147.5; Is 40.13,14,28; cf. Rm 11.33-36). O conhecimento de Deus associa-se 4 sua soberania: Ele conhece cada coisa, tanto em si mesma como em relacgao a todas as outras coisas, porque Ele a criou, sustenta e a faz funcionar a todo momento, de acordo com seu plano para cla (Ef 1.11). A idéia de que Deus pode saber, e prever, todas as coisas sem controlar todas as coisas parece nao somente nao- escrituristica, mas ilégica. 29 Para 0 cristao, o conhecimento da onisciéncia de Deus traz a certeza de que ele nao foi esquecido, mas esta sendo e sera cuidado de acordo com a promessa de Deus (Is 40.27-31). A qualquer um, porém, que nao seja cristao, a verdade do conhecimento universal de Deus deve causar pavor, pois ela vem como um lembrete de que nao se pode ocultar seja a si mesmo ou a seus pecados da vista de Deus (SI 139.7-12; 94.1- 11; Jo 1.1-12). 30 SOBERANIA DEUS REINA Mas ao fim daqueles dias eu, Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu, tornou-me a vir o entendimento, e eu bendisse o Altissimo, e louvei ¢ glorifiquei ao que vive para sempre, cujo dominio é sempiterno, e cujo reino é de geragdo em geracao. DANIEL 4.34 A assercao da absoluta soberania de Deus na criacao, -+- providéncia e graca é fundamental a crenca biblica e ao louvor biblico. A visto de Deus no trong, isto €, reinando, retorna 4 lembranca (1 Rs 22.19; Is 6.1; Ez 1.26; Dn 7.9; Ap 4.2; cf. SI 11.4; 45.6; 47.8,9; Hb 12.2; Ap 3.21); e somos constantemente lembrados em termos explicitos de que o SENHOR (Yahweh) reina como rei, exercendo dominio sobre as coisas grandes e também as mintisculas (Ex 15.18; S147; 93; 96.10; 97;99.1-5; 146.10; Pv 16.33; 21.1; Is 24.23; 52.7; Dn 4.34,35; 5,.21-28; 6.26; Mt 10.29-31). O dominio de Deus é total: Ele decide 4 medida que escolhe e executa tudo aquilo que decide, e ninguém pode parar sua mao ou impedir seus planos. E claro em toda a Escritura que as criaturas racionais de Deus, angélicas e humanas, tém livre acao (poder de decisao pessoal naquilo que fazem); nao seriamos seres morais, responsaveis perante Deus 0 Juiz, se assim nao fosse, nem seria possivel distinguir, como faz a Escritura, entre os maus propésitos dos agentes humanos e os bons propésitos de Deus, que soberanamente governa a acao humana como meio planejado para seus préprios objetivos (Gn 50.20; At 2.23; 31 13.26-39). Nao obstante, 0 fato da livre acdo nos confronta com o mistério, uma vez que o controle de Deus sobre nossas atividades livres ¢ autodeterminadas € tao completo quanto o € sobre qualquer outra coisa, ¢ como isto pode ser escapa ao nosso conhecimento. Regularmente, porém, Deus exerce sua soberania permitindo que as coisas tomem seu curso natural, em lugar de intervir miraculosamente causando uma ruptura. No Salmo 93, a realidade do governo soberano de Deus é afirmado para (a) garantir a estabilidade do mundo contra todas as forcas do caos (v. Ib-4), (b) confirmar a fidelidade de todos os testemunhos e instrucdes de Deus (v. 5a), ¢ (c) requerer de seu povo reveréncia a santidade (v. 5b). Todo o salmo expressa alegria, csperanca e confianca em Deus, e nao é de admirar. Faremos bem em abrigar seu ensino no coracao. 32 ONIPOTENCIA DEUS E ONIPRESENTE E ONIJPOTENTE “Ocultar-se-ia_ alguém em esconderijos, de modo que cu nao 0 veja? — diz 0 SENHOR; porventura, ndo encho eu os céus ea terra?” — diz o SENHOR. JEREMIAS 23.24 Deus esta presente cm todos os lugares; nao devemos, porém, imagina-lo ocupando espacos, porque Ele nao tem dimensoes fisicas. E como puro espirito que Ele permeia todas as coisas, em uma relacdo de imanéncia que € mais do que nés, criaturas corpéreas, podemos compreender. Uma coisa clara, contudo, é que Ele esta presente em toda parte na plenitude de tudo 0 que Ele é ¢ de todos os poderes que possui, de sorte que as almas necessitadas que oram a Ele em qualquer lugar do mundo recebem a mesma plenitude de sua atencao indivisa. Por ser Deus onipresente, Ele € capaz de dispensar sua atencao a milhdes de individuos ao mesmo tempo. A crenca na _ onipresenca de Deus, assim compreendida, é refletida em: Salmo 139.7-10; Jeremias 23.23,24; Atos 17.24-28. Quando Paulo fala do Cristo elevado ao céu para encher todas as coisas (Ef 4.10), a disponibilidade de Cristo em toda parte na plenitude de seu poder é certamente parte do sentido que esta sendo expresso. E verdadeiro dizer que Pai, Filho e Espirito Santo estao hoje juntamente onipresentes, embora a presenca do Filho seja espiritual (por meio do Espirito Santo), nao fisica (no corpo). “Bem sei que tudo podes, ¢ nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (J6 42.2). Assim, J6 testifica a onipoténcia de 33 Deus. Onipoténcia significa, na pratica, o poder de fazer todas as coisas que em sua perfeicéo racional e moral (isto é, sua sabedoria e bondade) Deus deseja fazer. Isto nao quer dizer que Deus pode fazer literalmente todas as coisas: Ele nao pode pecar, mentir, mudar sua natureza, ou negar as exigéncias de seu carater santo (Nm 23.19; 1 Sm 15.29; 2 Tm 2.13; Hb 6.18; Tg 1.13,17); nem pode Ele fazer um circulo quadrado, pois a nocao de um circulo quadrado é, em si mesma, contradit6ria; nem pode Ele cessar de ser Deus. Porém, tudo o que Ele deseja ¢ promete Ele pode fazer e fara. Teria sido demasiado para Davi dizer — “Eu te amo, 6 SENHOR, forca minha. O SENHOR é a minha rocha, a minha cidadela, o meu libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a forca da minha salvacao, o meu baluarte” (S] 18.1,2)? Teria sido excessive para outro salmista declarar “Deus € 0 nosso reftigio € fortaleza, socorro bem presente nas tribulacées” (46.1)? Nao quando eles conheciam Deus como onipresente € onipotente, embora, de outra forma, pudesse ter sido. Conhecimento da grandeza de Deus (e sua onipresenca € onipoténcia sao aspectos de sua grandeza) naturalmente produz grande fé ¢ grande louvor. 34 PREDESTINACAO DEUS TEM UM PROPOSITO “Eu vos tenho amado”, diz 0 SENHOR; “mas v6s dizeis: ‘Em que nos tens amado?’ “Nao foi Esai irmao de Jacé?” — disse o SENHOR; “todavia amei a Jacé, porém aborreci a Esau...” MALAQUIAS 1.2,3 Os quarenta ou mais escritores que produziram os sessenta e€ seis livros da Escritura no espaco de tempo aproximado de mil e quinhentos anos viram-se, ¢ a seus leito- res, envoltos na realizacao do propésito soberano de Deus para este mundo, propésito que o levou a criar, que o pecado depois rompeu, € que sua obra de redencao esté presente- mente restaurando. Esse propésito era, e é, em esséncia, a incessante expresso e gozo do amor entre Deus ¢ suas criatu- ras racionais — amor manifesto em sua adoracao, louvor, gra- tiddo, honra, gloria e servico prestados a Ele, € na comunhao, privilégios, alegrias e dadivas que Ele lhes da. Os escritores lancam um olhar aquilo que ja se fez para promoyer 0 plano salvifico no planeta terra danificado pelo pecado, e olham a frente o dia de sua completitude, quando o planeta terra sera recriado com gloria inimaginavel (Is 65.17-25; 2 Pe 3.10-13; Ap 21.1-22.5). Eles proclamam Deus como 0 todo-poderoso Criador-Redentor e se apoiam constan- temente nas multiformes obras da graca que Deus realiza na hist6ria para assegurar para si um povo, uma grande compa- nhia de individuos reunidos, com os quais seu propdsito original de dar e receber amor possa ser cumprido. E os escri- tores insistem que, como Deus se mostra absoluto no controle 35 dos fatos ao conduzir seu plano ao ponto atingido no momen- to em que eles escrevem, assim Ele continuara com o total controle, executando todas as coisas de acordo com sua pro- pria vontade, completando assim seu projeto redentor. E dentro desta moldura de referéncia (Ef 1.9-14; 2.4-10; 3.8-11; 4.11-16) que se inserem as quest6es sobre predestinacado. Predestinacao é uma palavra freqiientemente usada para significar a preordenacao de Deus de todos os eventos da hist6ria universal, passados, presentes e€ futuros, e este uso € bem apropriado. Contudo, na Escritura ¢ na linha teolégica prevalecente, predestinacao significa especificamente a deci- sao de Deus, tomada na eternidade antes da existéncia do mundo e de seus habitantes, com respeito ao destino final dos pecadores individuais. De fato, o Novo Testamento usa as palavras predestinacao e eleicao (ambas sinénimas), somente para indicar a escolha divina de pecadores particulares para a salvacéo e a vida eterna (Rm 8.29; Ef 1.4,5,11). Muitos, entretanto, tém chamado a atencao para o fato de a Escritura também atribuir a Deus uma decisao antecipada sobre aqueles que nao se salvarao (Rm 9.6-29; 1 Pe 2.8; Jd 4), e assim tornou- se comum na teologia protestante definir a predestinacgao de Deus como incluindo tanto a decisao de salvar alguns do pecado (eleicdo) como, paralelamente, sua decisao de condenar os restantes por seu pecado (reprovacao) . A pergunta, “Sobre que base Deus escolhe individuos para a salvacao?”, responde-se ocasionalmente: com base em sua presciéncia de que, quando se defrontassem com o evangelho, eles escolheriam Cristo como seu Salvador. Nessa resposta, presciéncia significa uma previsao passiva da parte de Deus daquilo que os individuos se inclinam a fazer, sem que Ele predetermine sua acao. Porém (a) Anteverem Romanos 8.29; 11.2 (cf. 1 Pe 1.2 e 1.20, onde a Biblia NVI traduz 0 grego antevisto por “escolhido”) significa “amor prévio” e “designacao prévia”: nao expressa a idéia de uma antecipacao do espectador sobre o que acontecera espontaneamente. 36 (b) Uma vez que todos estéo naturalmente mortos em pecado (isto é, excluidos da vida de Deus e incliferentes a Ele), ninguém que ouve o evangelho jamais chegara ao arrependi- mento e a fé sem um toque intimo que somente Deus pode transmitir (Ef 2.4-10). Jesus disse: “Ninguém podera vir a mim, se pelo Pai nao lhe for concedido” (Jo 6.65, cf. 44; 10.25-28). Os pecadores escolhem Cristo somente porque Deus os escolheu para essa escolha e os inspirou a fazé-lo pela reno- vacao de seus coragoes. Embora todos os atos humanos sejam livres no sentido de autodeterminados, nenhum deles esta livre do controle de Deus, conforme seu eterno propésito e preordenacao. Os cristéos devem, portanto, agradecer a Deus sua conver- s4o, olhar para Ele para que os guarde na graca para a qual os trouxe, e confiantemente esperar seu triunfo final, de acordo com seu plano. 37 TRINDADE DEUS E UM E SAO TRES Assim diz o SENHOR, Rei de Israel, seu Redentor, o SENHOR dos Exércitos: “Eu sou o primeiro e eu sou o ultimo, e além de mim nao hé Deus.” ISAIAS 44.6 O Velho Testamento insiste constantemente em que ha somente um Deus, 0 auto-revelado Criador, que deve ser adorado e amado com exclusividade (Dt 6.4,5; Is 44.6 45.25). O Novo Testamento confirma-o (Mc 12.29,30; 1 Co 8.4; Ef 4.6; 1 Tm 2.5), porém fala de trés agentes pessoais, Pai, Filho e¢ Espirito Santo, que operam juntos em forma de equipe para efetivar a salvacdo (Rm 8; Ef 1.3-14; 2 Ts 2.13,14; 1 Pe 1.2). A formulacao histérica da Trindade (derivada da palavra latina érinitas) procura circunscrever e salvaguardar este mistério (nado expland-lo, pois ele esta além de nossa compreensao), € nos confronta com a mais dificil nogao talvez que a mente humana ja teve de assimilar. Ela nao é facil; mas é verdadeira. . A doutrina origina-se dos fatos que os historiadores do Novo Testamento relatam, e do ensino revelador que, huma- namente falando, decorreu desses fatos. Jesus, que orou a seu Pai € ensinou seus discipulos a fazerem 0 mesmo, convenceu- os de que Ele era pessoalmente divino, e de que a crenca em sua divindade e na retitude de dedicar-lhe adoracao e oracao € basica 4 fé neotestamentaria (Jo 20.28-31; cf. 1.18; At 7.59; Rm 9.5; 10.9-13; 2 Co 12.7-9; Fp 2.5,6; Cl 1.15-17; 2.9; Hb 1.1- 12; 1 Pe 3.15). Jesus prometeu enviar outro Paraclito (Ele 38 mesmo tendo sido o primeiro), ¢ Pardelito significa um minis- tério pessoal multiforme, como conselheiro, adyogado, ajudador, confortador, aliado, sustentador (Jo 14.16,17,26; 15.26,27; 16.7-15). Este outro Paraclito, que veio no Pente- coste para cumprir este ministério prometido, era o Espirito Santo, reconhecido desde 0 inicio como uma terceira pessoa divina: mentir a Ele, diz Pedro nao muito depois do Pente- coste, € mentir a Deus (At 5.3,4). Assim, Cristo prescreveu 0 batismo “em nome (singular: um Deus, um nome) do Pai, e do Filho, e do Espirito Santo” — as trés pessoas que sao um Deus, a quem os cristaos se submetem (Mt 28.19). Portanto, encontramos as trés pessoas no relato do préprio batismo de Jesus: o Pai reconheceu o Filho, e 0 Espirito mostrou sua presen¢a na vida ¢ no ministério do Filho (Mc 1.9-11). E assim que lemos a béncao trinitaria de 2 Corintios 13.14, e a oracao por graca e paz do Pai, Espirito e Jesus Cristo, em Apocalipse 1.4,5 (teria Joao colocado o Espirito entre o Pai e o Filho, se nao reconhecesse 0 Espirito como divino no mesmo sentido em que Eles sao?). Estes sao alguns dos mais notaveis exemplos da perspectiva e énfase trinitarias do Novo Testamento. Embora a linguagem técnica do trinitarianismo nao seja ai encontrada, a fé e o pensamento trinitérios estao presentes por meio de suas paginas, e, neste sentido, a Trindade deve ser reconhecida como doutrina biblica: uma eterna verdade a respeito de Deus, que, embora nao explicita no Velho Testamento, é clara e marcante no Novo. A afirmacao basica desta doutrina € que a unidade de um Deus € complexa. As trés “subsisténcias” pessoais (como sao chamadas) sdo centros co-iguais e co-eternos de autocons- ciéncia, cada qual sendo “Eu” em relacao aos dois que sao “V6s”, e cada qual participando da plena esséncia divina (a “substancia” da deidade, se assim podemos chamé-la) junta- mente com os outros dois. Eles nao sao trés papéis represen- tados por uma pessoa (0 que seria modalismo), nem sao eles trés deuses agrupados (0 que seria triteismo); o Deus (“Ele”) é, igualmente, “Eles”, e “Eles” estao sempre juntos e sempre 39 cooperando, com o Pai iniciando, o Filho aquiescendo €o Espirito executando a vontade de ambos, que também € sua. Esta € a verdade acerca de Deus, a qual foi revelada mediante as palavras e obras de Jesus, e que da suporte a realidade da salvacdo, 4 medida que o Novo Testamento a expde. A importancia pratica da doutrina da Trindade € que ela requer que demos igual atencao ¢ igual honra as trés pessoas na unidade de seu gracioso ministério para conosco. Esse ministério € 0 ponto central do evangelho, que, como de- monstra a conversa de Jesus com Nicodemos, nao pode ser declarado sem incluir seus diferentes papéis no plano da graca de Deus (Jo 3.1-15; notem-se especialmente os w. 3, 5-8, 13-15, bem como os comentarios expositivos de Joao, que a Biblia NVI traduz como parte da prépria conversacao, w. 16- 21). Todas as formulacées nao-trinitarias da mensagem crista sao, pelos padrées biblicos, inadequadas e, de fato, fundamen- talmente falsas, tendendo naturalmente a deformar a vida crista. 40 SANTIDADE DEUS E LUZ “Eu sou o SENHOR, vosso Deus; portanto, vos vos consagrareis € sereis santos, porque eu sou santo...” LEVITICO 11.44 Quando a Escritura chama “santo” a Deus, ou a pessoas -|- indiyiduais da Divindade (como ela freqtientemente faz: Lv 11.44,45; Js 24.19; 1 Sm 2.2; SI 99.9; Is 1.4; 6.3; 41.14,16,20; 57.15; Ez 39.7; Am 4.2; Jo 17.11; At 5.3,4,32; Ap 15.4), a palavra significa tudo a respeito de Deus que o coloca separado de nos e faz dele objeto de nossa reveréncia, ado- racao e temor. Ela cobre todos os aspectos de sua grandeza transcendente e perfeicao moral, e, assim, € um atributo de todos os seus atributos, salientando a “Divindade” de Deus em cada ponto. Cada faceta da natureza de Deus e cada aspecto de seu carater pode apropriadamente ser chamado santo, precisamente porque Ele o é. A esséncia do conceito, porém, € a pureza de Deus, que nao pode tolerar qualquer forma de pecado (Hc 1.13) e, por isso, impoe aos pecadores a constante autocontricao em sua presenca (Is 6.5). Justica, que significa fazer em todas as circunstancias coisas que sao corretas, é uma expressao da santidade de Deus. Deus manifesta sua justica como legislador e juiz, e também como guardador da promessa e perdoador do pecado. Sua lei moral, que requer conduta que se equipare a sua propria, é “santa, justa e boa” (Rm 7.12). Ele julga justamente, de acordo com o mérito real (Gn 18.25; SI 7.11; 96.13; At 17.31). Sua “ira”, isto 6, sua ativa hostilidade judicial ao pecado, é 4 totalmente justa em suas manifestacdes (Rm 2.5-16), e seus “julgamentos” especificos (castigos eqilitativos) sao gloriosos e dignos de louvor (Ap 16.5,7; 19.1-4). Toda vez que Deus cum- pre a promessa de sua alianca, agindo para salvar seu povo, pratica um gesto de “eqitidade”, isto é, justica (Is 51.5,6; 56.1; 63.1; 1 Jo 1.9). Quando justifica os pecadores pela fé em Cristo, Ele o faz com base na justica aplicada, isto é, 0 castigo de nossos pecados na pessoa de Cristo, nosso substituto; portanto, a forma tomada por sua misericordia justificadora mostra que Ele é absoluta e€ totalmente justo (Rm 3.25,26), e nossa propria justificacao se revela judicialmente justificada. Quando Joao diz que Deus é “luz”, nao havendo nele treva alguma, a imagem esta afirmando a santa pureza de Deus, 0 que torna impossivel a comunhao entre Ele e 0 profano inten- cional, e requer a busca da santidade e retidao de vida como objetivo central do povo cristao (1 Jo 1.5-2.1; 2 Co 6.14-7.1; Hb 12.10-17). A convocacao dos crentes, regenerados e perdoa- dos que sao, a praticarem uma santidade que se equipare a prépria santidade de Deus, e desta forma agradando a Ele, é constante no Novo Testamento, como certamente o foi no Velho Testamento (Dt 30.1-10; Ef 4.17-5.14; 1 Pe 1.13.22). Porque Deus é santo, 0 povo de Deus deve também ser santo. 42 BONDADE DEUS E AMOR Rendei gragas ao SENHOR, por que ele é bom, porque a sua misericordia dura para sempre. SALMO 136.1 A declaragao “Deus € amor” é freqhentemente expli- -- cada em termos de (a) revelacao, dada por meio da vida e ensino de Cristo, da vida sem fim do Deus tritmo como sendo de mtituo afeto e honra (Mt 3.17; 17.5; Jo 3.35; 14.31; 16.13, 14; 17.1-5,22-26), ligada a (b) reconhecimento de que Deus fez os anjos e os humanos para glorificar seu Criador, compartilhando o jubiloso intercambio dessa vida divina, a feicao de sua propria maneira humana. Porém, verdadeiro como isto pareca ser, quando Joao diz “Deus é amor” (1 Jo 4.8), o que ele quer dizer (como continua a explanar) é que o Pai, por meio de Cristo, verdadeiramente nos salvou, a nés outrora pecadores perdidos que agora cremos. “Nisto se manifestou o amor de Deus em nés: em haver Deus enviado 0 seu Filho unigénito ao mundo, para vivermos por meio dele. Nisto consiste 0 amor: nao em que nés tenhamos amado a Deus,” — nés nao o fizemos —, “mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciagao pelos nossos pecados” (wy. 9,10). Como sempre, no Novo Testamento, “nds”, como objetos e beneficiarios do amor redentor, significa “nés os que cremos”. Nem aqui nem em outro lugar “nés” ou “nos” se refere a cada individuo pertencente 4 raga humana. O ensino do Novo Testamento sobre a redencao é inteiramente particularista, e quando se diz que “o mundo” foi objeto de amor e redencao 43 (Jo 3.16,17; 2 Co 5.19; 1 Jo 2.2), a referéncia é ao grande numero dos eleitos de Deus dispersos por todo o mundo no meio da incrédula comunidade humana (cf. Jo 10.16; 11.52,53), nao para cada e toda pessoa que existiu, existe ou existira. Se assim nao fosse, Jodo e Paulo estariam contradi- zendo o que disseram em outros textos. Este amor redentor soberano é uma faceta da qualidade que a Escritura chama bondade de Deus (SI 100.5; Mc 10.18), isto é, a gloriosa benignidade e generosidade que toca todas as suas criaturas (SI 145.9,15,16) e que deve levar todos os pecadores ao arrependimento (Rm 2.4). Outros aspectos dessa bondade sao a misericérdia e a compaixao ou piedade, que mostra benignidade 4s pessoas infortunadas, livrando-as de suas desventuras (SI 107,136), bem como a paciéncia, cleméncia e demora em irar-se que continuam a mostrar bondade para com as pessoas que persistem no pecado (Ex 34.6; SI 78.38; Jo 3.10-4.11; Rm 9,22; 2 Pe 3.9). A expressao suprema da bondade de Deus ainda €, contudo, a surpreendente graca e inexprimivel amor que revela bondade ao salvar pecadores que merecem unicamente condenacao: salvando-os, sobretudo, ao custo espantoso da morte de Cristo no Calvario (Rm 3.22-24; 5.5-8; 8.32-39; Ef 2.1-10; 3.14-18; 5.25-27). A fidelidade de Deus a seus propésitos, promessas e pessoas é um outro aspecto de sua bondade e louvabilidade. Os humanos mentem e quebram sua palavra; Deus nao. Nos piores tempos ainda se pode dizer: “As suas miseric6rdias nao tém fim”; “A tua benignidade, SENHOR, chega até aos céus” (Lm 3.22,23; Sl 36.5; cf. Sl 89, especialmente os wv. 1,2,14,24,33, 37,49). Embora os meios de Deus expressar sua fidelidade sejam algumas vezes inesperados e desconcertantes, parecendo antes infidelidade ao observador ocasional em curto espaco de tempo, o testemunho final dos que andam com Deus ao longo dos altos e baixos da vida é que “todas [promessas] vos sobrevieram, nem uma delas falhou” (Js 23.14,15). A fidelidade de Deus, ao lado de outros aspectos de sua bondade gratuita demonstrados em sua Palavra, é sempre 44 0 terreno firme sobre o qual depositamos nossa fé ¢ esperanga. 45 SABEDORIA A DUPLA VONTADE DE DEUS E UMA Seja bendito 0 nome de Deus de eternidade a eternidade, porque dele é a sabedoria e o poder. DANIEL 2.20 Sabedoria na Escritura significa escolher o fim melhor ¢ mais nobre a que visamos, servindo-nos dos meios mais apropriados ¢ cefetivos para isso. A sabedoria humana é exposta nos livros da Sabedoria do Velho Testamento (J6, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Canticos de Salomao, mostrando-nos como sofrer, orar, viver, desfrutar e amar, respectivamente) e na carta de Tiago (recomendando uma consistente conduta crista): isto significa desenvolver o “temor” de Deus — ou seja, culto e servico reverente a Ele — © propésito do homem (Pv 1.7; 9.10; Ec 12.13), e cultivar a prudéncia, constancia, paciéncia ¢ zelo, como meios de alcanca-la. A sabedoria de Deus é vista nas suas obras da criacdo, preservacao e redengao: é sua escolha para sua prépria gléria como alvo (SI 46.10; Is 42.8; 48.11), e sua deci- sao de alcancé-la, primeiro pela criacao de uma variedade maravilhosa de coisas e pessoas (SI 104.24; Pv 3.19,20), segundo, por suas bondosas providéncias de toda sorte (SI 145.13-16; At 14.17), ¢ terceiro, pela “sabedoria” redentora do “Cristo crucificado” (1 Co 1.18-2.16), bem como pela igreja universal resultante (Ef 3.10). A operacao da sabedoria de Deus envolve a expressao de sua vontade em ambos os sentidos que essa frase contém. No primeiro e fundamental sentido, a vontade de Deus é sua 46 decisao, ou decreto, acerca do que acontecer4 — “seu eterno propésito, de acordo com o conselho de sua vontade, pelo qual, para a sua propria gloria, ele predestinou tudo quanto sucede” (Catecismo Menor de Westminster, Pergunta 7). Esta €a vontade de Deus sobre os eventos, referida em Efésios 1.11. No segundo e secundario sentido, a vontade de Deus é sua ordem, isto é, sua instrucdo, dada na Escritura, de como as pessoas devem e nao devem conduzirse: é algumas vezes chamada sua vontade de preceito (ver Rm 12.2; Ef.5.17; C1 1.9; 1 Ts 4.3-6). Algumas dessas exigéncias tém raizes em seu carater santo, que nos cumpre imitar: como sao os principios do Decalogo ¢ dos dois grandes mandamentos (Ex 20.1-17; Mt 22.37-40; cf. Ef 4.32-5.2). Algumas de suas exigéncias emanam simplesmente da divina instituicdo: como sao a circuncisao e as leis sacrificiais e purificadoras do Velho Testamento, e como sao o batismo € a Ceia do Senhor em nossos dias. Todas, porém, obrigam igualmente a consciéncia, e o plano de Deus para os eventos ja inclui as “boas obras” de obediéncia que os que créem realizarao (Ef 2.10). E as vezes dificil acreditar que a penosa obediéncia, que nos coloca em desvantagem no mundo (como a obediéncia leal a Deus comumente faz), seja parte de um plano predestinado a promover tanto a gléria de Deus como nosso préprio bem (Rm 8.28). Porém, temos de glorificar a Deus crendo que assim €, e que um dia veremos como sera; porquanto sua sabedoria é suprema e infalivel. Uma das formas em que Deus realiza a sua vontade de eventos, ou decretos, € tornando conhecida a sua vontade de preceitos, sua instrugao, e admi- nistrando a resposta de livre arbitrio a ela, mesmo quando essa resposta do homem for de incredulidade e desobedién- cia. Paulo ilustra isto quando diz aos Romanos que a descren- ca de Israel tem seu lugar no plano de Deus para o progresso do evangelho (Rm 11.11-15,25-32): uma compreensao que induz ao clamor: “O profundidade da riqueza... da sabedoria... de Deus! ... A ele, pois, a gléria eternamente. Amém” (w. 33,36). Seja este também nosso clamor. 47 MISTERIO DEUS E INSUPERAVELMENTE GRANDE Teu, SENHOR, é 0 poder, a grandeza, a honra, a vilovia e a majestade; porque teu é tudo quanto ha nos céus e na terra; teu, SENHOR, é 0 reino, e tu le exallaste por chefe sobre todos. 1 CRONICAS 29.11 Deus é grande, diz a Escritura (Dt 7.21; Ne 4.14; SI 48.1; 86.10; 95.3; 145.3; Dn 9.4): maior do que possamos com- preender. A teologia afirma isto retratando-o como incompre- ensivel — nao no sentido de que a légica seja algo diferente para Ele do que € para nds, de sorte que nado possamos acompanhar de forma alguma as obras de sua mente, mas no sentido de que nunca poderemos compreendé-lo plenamen- te, exatamente por ser Fle infinito e nos sermos finitos. A Escritura fala de Deus habitando nao somente em espessa e impenetravel obscuridade, mas também em luz inalcancavel (S1 97.2; 1 Tm 6.16), ambas imagens expressando a mesma idéia: nosso Criador esta acima de nés, e esta além de nosso poder tomar sua medida em qualquer hipétese. Isto € expresso algumas vezes ao se falar do mistério de Deus, usando esta palavra nao no sentido biblico de um segredo que Deus revelou agora (Dn 2.29,30; Ef 3.2-6), mas no sentido, desenvolvido mais recentemente, de uma realidade que nao temos capacidade de compreender adequadamente, a despeito do muito que se tem dito sobre ela. Deus nos diz na Biblia que a criagao, o governo providencial, a Trindade, a Encarnacao, a obra regeneradora do Espirito, a uniao com Cristo em sua morte € ressurreicao, e a inspiracao da Escritura 48 — para nao ir além — sao fatos, e tomamos sua palavra pelo que eles sao; acreditamos, porém, que cles 0 sao sem conheci- mento de como podem ser. Como criaturas, somos incapazes de compreender plenamente quer 0 ser quer as acées do Criador. Assim como seria equivocado, de qualquer modo, nos supormos conhecedores de todas as coisas sobre Deus (e com isso aprisiond-lo na caixa de nossa propria nogao limitada sobre Ele), do mesmo modo seria errado duvidar quanto ao nosso conceito constituir ou nao um real conhecimento dele. Parte do significado de nossa criacao 4 imagem de Deus é que somos capazes tanto de saber a respeito dele como de conhe- célo relacionalmente em um verdadeiro ainda que limitado sentido de “conhecer”; e o que Deus diz na Escritura sobre si mesmo € verdade quanto a isso. Calvino fala a respeito de Deus como tendo transigide com nossa fraqueza e se acomo- dado a nossa capacidade, seja na inspira¢ao das Escrituras, seja na encarnacao do Filho, de sorte que Ele pudesse dar-nos uma genuina compreensao sobre si. A forma e substancia do modo de falar dos pais a um bebé nao se compara com 0 contetido total da mente dos pais, que ele ou ela pode expressar plena- mente ao falar a outro adulto; mas a crianca recebe por meio desse modo de falar como bebé a informacao factual, real ainda que limitada, sobre os pais, ¢ 0 amor € a confianca responsiva cresce conseqiientemente. Esta é a analogia neste caso. Vemos agora por que nosso Criador se apresenta a nos antropomorficamente, como tendo um rosto (Ex 33.11), uma mao (1 Sm 5.11), um braco (Is 53.1), ouvidos (Ne 1.6), olhos (J6 28.10), e pés (Na 1.3), bem como sentando-se em um trono (1 Rs 22.19), voando ao vento (SI 18.10), ¢ lutando em batalha (2 Cr 32.8; Is 63.1-6). Estas nao sao caracteristicas do que Deus é em si mesmo, mas do que Ele é para nés, a saber, o Senhor transcendente que se dirige a seu povo como Pai € amigo, € que age como seu aliado. Ele se coloca diante de nés desta forma para nos atrair 4 sua adoracao, amor e confian¢a, muito embora conceitualmente sejamos sempre como as 49 criancinhas que ouvem a voz dos pais falando como bebés e conhecem somente em parte quem fala (1 Co 13.12). Nao devemos esquecer-nos jamais do que, em qualquer caso, a teologia € para a doxologia: a expresso mais verdadeira de confianca em um grande Deus sera sempre a adoracao, e uma adoracao apropriada para louva-lo por ser muito maior do que podemos imaginar. 50 PROVIDENCIA DEUS GOVERNA ESTE MUNDO A sorte se langa no regaco, mas do SENHOR procede toda decisdo. PROVERBIOS 16.33 “As obras da providéncia de Deus sao a mais santa, sabia -|- € poderosa preservacao ¢ direcao de todas as criaturas € de todas as acoes” (Breve Catecismo de Westminster, P. 11). Se a Criacaéo foi um exercicio tinico da energia divina ao fazer que o mundo existisse, a providéncia € um exercicio continuo da mesma energia, pela qual o Criador, de acordo com sua propria vontade, (a) mantém todas as criaturas como seres, (b) envolve-se em todos os eventos, e (c) dirige todas as coisas a seu fim determinado. O modelo é de orientacao pessoal intencional com total e efetivo controle: Deus tem 0 comando completo deste mundo. Sua mao pode estar escondida, mas secu governo é absoluto. Alguns tém restringido a providéncia de Deus a presciéncia sem controle, ou sustentacdo sem intervencao, ou supervisao geral sem preocupacao com detalhes, porém o testemunho da providéncia, conforme formulado acima, € extraordina- riamente preponderante. A Biblia ensina claramente o controle providencial de Deus (1) sobre 0 universo como um todo, Sl 103.19; Dn 4.35; Ef 1.11; (2) sobre o mundo fisico, J6 37; SL 104.14; 135.6; Mt 5.45; (3) sobre a criacdo irracional, Sl 104.21,28; Mt 6.26; 10.29; (4) sobre os negocios das nacoes, J6 12.23; SI 22.28; 66.7; At 17.26; (5) sobre 0 nascimento e o destino na vida humana, 1 Sm 16.1; Sl 139.16; Is 45.5; Gl 51 1,15,16; (6) sobre os sucessos e fracassos aparentes na vida dos homens, Sl 75.6, 7; Le 1.52; (7) sobre coisas aparentemente acidentais ou insignificantes, Pv 16.33; Mt 10.30; (8) na protegdo ao fusto, St 4.8; 5.12; 63.8; 121.3; Rm 8.28; (9) suprindo as necessidades do povo de Deus, Gn 22.8,14; Dt 8.3; Fp 4.19; (10) dando respostas a oracoes, 1 Sm 1.19; Is 20.5,6; 2 Cr 33.13; Sl 65.2; Mt 7.7; Le 18.7,8; e (11) na execracao e punicao do iniquo, St 7.12,13; 11.6. (L. Berkof, Teologia Sistematica, 3° ed., Luz Para o Caminho) Uma clara nocao sobre o envolvimento de Deus no processo universal ¢ nos atos das criaturas racionais requer um conjunto complementar de afirmagoes, como: uma pessoa pratica uma acao, ou um evento é desencadeado por causas naturais, ou Satandas se manifesta — contudo, Deus prevalece. Esta é a mensagem do livro de Ester, em que o nome de Deus nao aparece em parte alguma. Outra: fazem-se coisas que se op6em ao conselho da vontade de Deus — nao obstante, elas cumprem seu propédsito por meio dos acontecimentos (Ef 1.11). Outra: os humanos intentam fazer o mal — porém Deus, que superintende, usa suas acdes para o bem (Gn 50.20; At 2.23). Outra: os humanos, sob o dominio de Deus, pecam — entretanto Deus nao € 0 autor do pecado (Tg 1.13-17); antes, Ele é seu juiz. A natureza do enyolvimento “simultaneo” ou “confluente” de Deus em tudo o que acontece em seu mundo — sem violar a natureza das coisas, o avanco dos processos causativos, ou a livre intervengdo humana — que faz com que sua vontade resultante ocorra, € um mistério para nds, mas o consistente ensino biblico sobre o envolvimento de Deus é como afirma- mos acima. Dos males que infestam o mundo de Deus (perversidade moral e espiritual, desperdicio de bens, desordens fisicas e rupturas de um cosmos arruinado), podemos dizer em resumo que: Deus permite o mal (At 14.16); pune o mal com o mal (SI 81.11,12; Rm 1.26-32); transforma em bem o mal (Gn 50.20; At 2.23; 4.27,28; 13.27; 1 Co 2.7,8); usa o mal para testar e disciplinar aqueles a quem ama (Mt 4.1-11; Hb 12.4- 52 14); e um dia Ele restauraré completamente 0 seu povo do poder e presenca do mal (Ap 21.27; 22.14,15). A doutrina da providéncia ensina aos cristéos que eles nunca estao sob o dominio de forcas cegas (ventura, oportu- nidade ou sorte); tudo quanto acontece a eles é divinamente planejado, ¢ cada evento € acompanhado de um novo chama- mento a crenca, obediéncia e regozijo, sabendo que tudo € para o bem espiritual e eterno de cada um (Rm 8.28). 53 MILAGRES DEUS MOSTRA SUA PRESENCA E PODER O SENHOR atendeu @ voz de Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, € reviveu. 1 REIS 17.22 A Escritura nao tem uma palavra especifica para + milagre. O conceito € uma combinacao de idéias ex- pressas por trés termos: maravilha (ou prodigio), obra poderosa e sinal. . Maravilha € 0 primeiro conceito. (Milagre, do latim miracu- dum, tem o sentido de algo que evoca admiracao ou espanto.) Um milagre é um acontecimento observado que desperta a consciéncia da presenca e do poder de Deus. Providéncias e coincidéncias surpreendentes, e eventos admiraveis como um parto, tao significativos quanto as obras de um novo poder criativo, sao apropriadamente chamados milagres, uma vez que comunicam esta consciéncia. Ao menos neste sentido, ha milagres hoje em dia. A obra poderosa focaliza a impressao produzida pelos milagres e aponta para a presenca na historia biblica dos atos sobrenaturais de Deus, envolvendo o poder que criou o mundo do nada. Assim, a restauracao a vida dos mortos, que Jesus realizou trés vezes, sem contar sua prépria ressurreigao (Le 7.11-17; 8.49-56; Jo 11.38-44), e que Elias, Eliseu, Pedro e Paulo fizeram uma vez cada um (1 Rs 17.17-24; 2 Rs 4.18-37; At 9.36-41; 20.9-12), é obra desse poder criativo; ela nao pode ser explicada em termos de coincidéncia ou pela natureza no 54 desenvolvimento de seu curso. O mesmo é verdadeiro nas curas organicas, muitas das quais sao narradas pelos Evan- gelhos; elas também demonstram recriacéo e restauracao sobrenaturais. O sinal, como um rétulo para os milagres (0 rétulo usado regularmente no Evangelho de Joao, onde sete milagres-chave sao registrados), indica que eles significam alguma coisa; em outras palavras, eles carregam uma mensagem. Os milagres na Escritura estao quase todos agrupados no tempo do éxodo, de Elias e Eliseu, e de Cristo e seus apéstolos. Antes de mais nada, eles consagram os operadores de milagres como represen- tantes e mensageiros de Deus (cf. Ex 4.1-9; 1 Rs 17,24; Jo 10.38; 14.11; 2 Co 12.12; Hb 2.3,4); e também anunciam algo do poder de Deus na salvagao e julgamento. Tal é o seu significado. A crenca no miraculoso é inerente ao Cristianismo. Tedlogos que refutam todos os milagres, obrigando-se assim a negar a encarnacao e a ressurreicao de Jesus — os dois mila- gres supremos da Escritura — nao devem alegar que sao cristaos: a alegacao nao é valida. A rejeicao de milagres pelos cientistas de ontem nao resultou da ciéncia, mas do dogma de um universo de absoluta uniformidade que os cientistas incorporaram a seu trabalho cientifico. Nada ha de irracional na cren¢a de que Deus, que fez o mundo, pode ainda penetrar nele criativamente. Os cristaos devem entender que nao é a fé nos milagres biblicos, e na capacidade de Deus operar mila- gres hoje, se assim o quisesse, mas a dtivida acerca destas coisas é que é irracional. 55 GLORIA A GLORIA MANIFESTA DE DEUS REQUER A GLORIA CONCECIDA Como o aspecto do arco que aparece na nuvem em dia de chuva, assim era o resplendor em redor. EZEQUIEL 1.28 O alvo de Deus é sua gloria, mas isto necessita de cuida- dosa explanacao, pois é facilmente mal interpretado. Ele aponta nao para 0 egoismo divino, como s¢ imagina algu- mas vezes, mas para o amor divino. Certamente, Deus deseja ser louvado por seu. mcrecimento de louvor e exaltado por sua grandeza e bondade; Ele deseja ser apreciado pelo que é. Mas a gloria, que é seu alvo, 6 um relacionamento de dois lados, de duas etapas: é, precisamente, uma conjuncao de (a) atos reveladores de sua parte, por meio dos quais Ele mostra sua gl6ria aos homens e aos anjos com espontanea generosi- dade, com (b) adoracao responsiva da parte deles, por meio da qual lhe prestam gloria de gratidao pelo que tém visto € recebido. A alternancia de contemplar a gloria de Deus e dar- Ihe gloria é a verdadeira realizagao da natureza humana em sua esséncia, O que traz suprema alegria ao homem, tanto quanto a Deus (cf. Sf 3.14-17). “Gloria” no Velho Testamento encerra associacdes de peso, valor, riqueza, esplendor e dignidade, todas as quais estao presentes quando se diz que Deus revelou sua gléria. Deus estava respondendo ao apelo de Moisés para que mostrasse sua gloria quando Ele lhe proclamou seu nome (isto €, sua natureza, caréter e poder; Ex 33.18-34.7). Com aquela proclamacgao houve uma manifestacdo fisica que inspirou 56 medo e reveréncia, o Shekina (habitacao de Deus), uma nuvem brilhante que era vista como um fogo consumidor. O Shekinah era Ele mesmo chamado gléria de Deus; Ele apareceu em momentos significativos da historia biblica como sinal da presenga ativa de Deus (Ex 33.22; 34.5; cf. 16.7,10; 24.15-17; 40.34,35; Lv 9.23,24; 1 Rs 8.10,11; Ez 1.28; 8.4; 9.3; 10.4; 11.22.23; Mt 17.5; Le 2.9; cf At 1.9; 1 Ts 4.17; Ap 1.7). Os escritores do Novo Testamento proclamam que a natureza, carater, poder e' propdésito da gloria de Deus é agora aberta a nossa visao na pessoa e papel do Filho encarnado de Deus, Jesus Cristo (Jo 1.1418; 2 Co 4.3-6; Hb 1.1-3). A gloria de Deus, anunciada no plano e obra da graga, pela qual Ele salva os pecadores, deve gerar o louvor (Ef 1.6,12,14), isto é, a expressao de gloria a Deus por palavras faladas (cf. Ap 4.9; 19.7). Todas as atividades da vida devem também ser exercidas com 0 objetivo de prestar a Deus homenagem, honra e prazer, 0 que significa a concessao de gloria em nivel pratico (1 Co 10.31). Deus nao dividiria com idolos o louvor para a restauracdo do seu povo, porque os idolos, sendo irreais, em nada contri- buem para esta obra de graca (Is 42.8; 48.11); e Deus hoje nao dividira o louvor pela salvacao com os seres humanos, porque nos também sendo objetos desta salvacao nada contribuimos para ela além de nossa necessidade dela. Do principio ao fim, e em todas as etapas do processo, a salvacao vem do Senhor, e nosso louvor deve mostrar nossa consciéncia disto. E por isso que a teologia da Reforma foi tao insistente no principio “Gloria a Deus somente” (soli Deo gloria), e € por isso que preci- samos manter este principio com igual zelo hoje. 57 IDOLATRIA DEUS EXIGE TOTAL DEVOCAO “Castiga-la-ei pelos dias dos baalins, nos quais thes queimou incenso, e se adornou com as suas arrecadas € com as suas joias, e andou atras de seus amantes, mas de mim se esqueceu”, diz o SENHOR. OSEIAS 2.13 Embora haja somente um Deus € somente uma fé verda- deira, a saber, a que é ensinada na Biblia, nosso mundo apostata (Rm 1.18-25) sempre esteve cheio de religides, e o antiqiissimo impulso em direcdo ao sincretismo, pelo qual aspectos de uma religido assimilam-se a outra, mudando assim ambas, ainda esta entre nés. Na realidade, ele revive de forma alarmante em nosso tempo por meio da renovada busca académica de uma unidade transcendente de religides e o desabrochar do amalgama popular das idéias do Oriente e do Ocidente, que se autodenomina Nova Era. Esta pressao nao é nova. Tendo ocupado Canaa, Israel era constantemente tentado a introduzir o culto cananita dos deuses e deusas da fertilildade no culto de Yahweh, e a fazer imagens do proprio Yahweh — mudancas ambas proibidas pela lei (Ex 20.3-6). A questao espiritual era se os israelitas se lembrariam de que Yahweh, 0 Deus do pacto, era plenamente suficiente para eles, e além disso reivindicava sua fidelidade exclusiva, de sorte que adorar outros deuses era adultério espiritual (Jr 3; Ez 16; Os 2). Este foi um teste em que a nacao falhou grandemente. De modo semelhante, o sincretismo foi muito difundido ¢ aprovado no primeiro século do império romano, em que 58 predominava 0 politeismo e em que floresceu toda sorte de cultos. Os mestres cristaos ]utaram muito para manter a f€ a salvo de ser assimilada pelo gnosticismo (uma espécie de teo- sofia em que nao havia lugar para a encarnacao € a expiacao, uma vez que, para ela, o problema do homem era a ignoran- cia, nao o pecado), ¢ mais tarde pelo neoplatonismo e€ pelo maniqueismo, ambos os quais, como o gnosticismo, viam a salvacao no expediente da separacao fisica do mundo. Estes conflitos foram relativamente bem-sucedidos, e as formula- cées classicas do credo sobre a Trindade e¢ a Encarnacao sao parte de seu permanente legado. A Escritura € rigorosa a respeito do mal de praticar a idolatria. Os idolos sao escarnecidos como ilus6rios, nao exis- tentes (S] 115-4-7; Is 44.9-20), mas escravizam seus adoradores em uma supersticao cega (Is 44.20), que significa infidelidade perante Deus (Jr 2), e Paulo acrescenta que os dem6nios ope- ram por intermédio dos idolos, fazendo deles uma ameaca espiritual concreta; 0 contato com os falsos deuses somente corrompe (1 Co 8.4-6; 10.19-21). Em nossa cultura ocidental pos-crista, que est4 preparada para preencher 0 vazio espiri- tual que as pessoas sentem ao voltar-se com simpatia para o sincretismo, a feiticaria e os experimentos com 0 ocultismo, as adverténcias biblicas contra a idolatria precisam ser tomadas com sensibilidade (cf. 1 Co 10.14; 1 Jo 5.19-21). 59 ANJOS DEUS UTILIZA AGENTES SOBRENATURAIS Entao perguntei: “Meu senhor, quem sao est Respondeu-me 0 anjo que falava comigo: “Eu le mostrarei quem sao eles.” Enido, respondeu 0 homem que estava entre as murteiras, e disse: “Séo os que o SENHOR tem enviado para percorrerem a terra.” ZACARIAS 1.9,10 Anjos (seu nome significa “mensagciros”) séo uma das duas classes de seres pessoais que Deus criou, sendo a outra o género humano. Ha muitos deles (Mt 26.53; Ap 5.11). Sao agentes morais inteligentes, ndo encarnados ou visiveis de forma usual, embora capazes de mostrar-se aos humanos no que se parece como forma fisica (Gn 18.2-19.22; Jo 20.10-14; At 12.7-10). Eles nao se casam ¢ nao estao sujeitos 4 morte (Mt 22.30; Le 20.35,36). Podem mover-se de um ponto no espaco para outro, ¢ muitos deles podem congregar-se em areas dimi- nutas (Le 8.30, onde a referéncia é aos anjos caidos). Como os seres humanos, os anjos foram originalmente postos sob provacao, e¢ alguns deles cairam em pecado. Os muitos que passaram no teste estao agora, evidentemente, confirmados em um estado de santidade e gloria imortal. O céu € seu centro de operacdes (Mt 18.10; 22.30; Ap 5.11), onde continuamente adoram a Deus (SI 103.20,21; 148.2) e de onde saem para prestar servico aos cristaos por ordem de Deus (Hb 1.14). Estes sao os anjos “santos” e “eleitos” (Mt 25.31; Mc 8.38; Le 9.26; At 10.22; 1Tm 5.21; Ap 14.10), a quem a obra da graca de Deus por meio de Cristo est4 presente- 60 mente demonstrando mais da sabedoria e gléria divinas do que eles antes conheciam (Ef 3.10; 1 Pe 1.12). Os santos anjos guardam os crentes (SI 34.7; 91.11), os pe- queninos em particular (Mt 18.10), e constantemente observam 0 que se passa na igreja (1 Co 11.10). Esta implicito que eles sao mais instruidos a respeito das coisas divinas do que os humanos (Mc 13.32), e que exercem um ministério especial para os crentes no momento de sua morte (Lc 16.22), porém nao dispomos de detalhes sobre qualquer destes oficios. E bastante ressaltar a relevancia dos anjos dizendo que, se em algum tempo estivermos necessitando de seu mi- nistério, nds o receberemos; € que, assim como o mundo espia os cristaos na esperanca de vé-los tropecar, assim também os bons anjos olham os cristaos na esperanca de ver o triunfo da graca em suas vidas. O misterioso “anjo do SENHOR?” ou “anjo de Deus”, que aparece com freqiéncia nos primérdios da historia do Velho Testamento e que algumas vezes se identifica com o Deus de quem se distingue em outras ocasi6es (Gn 16.7-13; 18.1-33; 22.11-18; 24.7,40; 31.11-13; 32.24-30; 48.15,16; Ex 3.2-6; 14.19; 23,.20-23; $2.34-33.5; Nm 22.22-35; Js 5.13-15; Jz 2.1-5; 6.11-23; 9.13-23), é, em um certo sentido, Deus agindo como seu pré- prio mensageiro, sendo comumente visto como um apareci- mento pré-encarnado do Deus Filho. A atividade angélica foi proeminente nos grandes momen- tos decisivos do plano divino da salvacao (os dias dos patriar- cas, o tempo do éxodo e da entrega da lei, 0 periodo do exilio e restauracao, e 0 nascimento, ressurreicéo € ascensao de Jesus Cristo), e sera proeminente novamente quando Cristo voltar (Mt 25.31; Mc 8.38). 61 DEMONIOS DEUS TEM OPOSITORES SOBRENATURAIS Sacrificios ofereceram aos deménios, ndo a Deus; a deuses que nao conheceram, novos deuses que vieram ha pouco, dos quais néo se estremeceram seus pais. DEUTERONOMIO 32.17 “Deménio” ou “Diabo”, como as versées mais antigas -|- traduziram as palavras, é 0 grego daimon e daimonion, os termos usuais dos Evangelhos para designar os seres espiri- tuais, corruptos e hostis a Deus e ao homem, os quais Jesus muitas vezes exorcizou de suas vitimas durante seu ministério terrestre. Os deménios eram anjos caidos, criaturas imortais que servem a Satanas (Jesus equiparou Belzebu, seu suposto principe, a Satanas: Mt 12.24-29), Tendo aderido a rebeliao de Satanas, foram cles cxpulsos do céu para aguardar o julgamento final (2 Pe 2.4; Jd 6). Suas mentes estao perma- nentemente voltadas a oposicao a Deus, a bondade, a verdade, ao reino de Cristo e ao bem-estar dos seres humanos, tendo um poder e liberdade de movimento reais embora limitados, porém, na frase pitoresca de Calvino, eles arrastam suas correntes aonde quer que vao ¢ jamais esperam suplantar a Deus. O nivel e intensidade das manifestacoes demoniacas nas pessoas durante o ministério de Cristo eram peculiares, nao tendo paralelo nos tempos do Velho Testamento; era indubi- tavelmente parte da desesperada batalha de Satanas por seu reino contra 0 ataque de Cristo sobre ele (Mt 12.29). Os deménios foram revelados como possuidores de conhecimen- 62 to e forca (Mc 1.24; 9.17-27). Eles infligiram, ou pelo menos exploraram, enfermidades fisicas e mentais (Mc_ 5.1-15; 9.17,18; Le 11.4), Reconheciam e temiam a Cristo, a cuja autoridade estavam sujeitos (Mc 1.25; 3.11,12; 9.25), embora, por sua propria confissao, somente por meio de esforco em oracao era Ele capaz de expeli-los (Mc 9.29). Cristo autorizou e deu condicgdes aos Doze e aos Setenta para exorcizar em seu nome (isto é, por seu poder — Le 9.1; 10.17), € 0 ministério do exorcismo continua ainda como uma necessidade pastoral ocasional. A igreja luterana do século dezesseis aboliu o exorcismo, crendo que a vitéria de Cristo sobre Satands havia suprimido a invasiao demoniaca para sempre, porém isto foi uma precipitacao. O exército de deménios de Satands usa também estratégias mais sutis, ou seja, o embuste e o desanimo em suas muitas formas. A oposicao a estes artificios € a esséncia do combate espiritual (Ef 6.10-18). Ainda que os deménios possam causar transtornos de muitos tipos as pessoas regeneradas, em quem habita o Espirito Santo, eles nao podem impedir o propésito de Deus de salvar seus eleitos, do mesmo modo que nao podem evitar seu proprio tormento eterno. Assim como o Diabo € 0 Diabo de Deus (esta é a frase de Lutero), os dem6nios sao os deménios de Deus, inimigos derrotados (Cl 2.15), cujo poder limitado € prolongado apenas para 0 pro- gresso da gloria de Deus, enquanto seu povo contende com eles. 63 SATANAS OS ANJOS CAIDOS TEM UM LIDER _Uin dia em que os filhos de Deus (anjos) vieram apresentar-se perante o SENHOR, veto também Satands entre eles. JO16 -|- Satanas, lider dos anjos caidos, surge, como eles, em plenitude somente no Novo Testamento. Seu nome significa “adversdrio” (opositor de Deus e de seu povo), e é assim que o Velho Testamento o apresenta (1 Cr 21.1; J6 1-2; Ze 3.1,2). O Novo Testamento da a ele titulos reveladore. “Diabo” (diabolos) significa “acusador” (a saber, do povo de Deus: Ap 12.9,10); “Apoliom” (Ap 9.11) significa destruidor; “o tentador” (Mt 4.3; 1 Ts 3.5) e “o maligno” (1 Jo 5.18,19) significam 0 que os titulos indicam; “principe” ¢ “deus deste mundo” apontam Satanas presidindo sobre os estilos de vida anti-Deus da espécie humana (Jo 12.31; 14.30; 16.11; 2 Co 4.4; cf. Ef 2.2; 1 Jo 5.19; Ap 12.9). Jesus disse que Satands foi sem- pre um homicida e é 0 pai da mentira — ou seja, ele é tanto © mentiroso original como o patrocinador de toda a falsidade e dolos subseqiientes (Jo 8.44). Finalmente, ele é identificado como a serpente que enganou Eva no Eden (Ap 12.9; 20.2). O retrato é de inimaginavel torpeza, malicia, ftiria e crueldade dirigidas contra Deus, contra a verdade de Deus e contra aqucles a quem Deus estendeu seu amor salvador. A astuicia enganosa de Satanas é ressaltada pela afirmacao de Paulo de que ele se torna um anjo de luz, disfarcando o mal como sendo o bem (2 Co 11.14). Sua ferocidade destruti- va aparece em sua descricao como um leao que ruge e devora 64 (1 Pe 5.8), e como um dragao (Ap 12.9). Como foi inimigo jurado de Cristo (Mt 4.1-11; 16.23; Le 4.13; Jo 14.30; cf. Le 22.3,53), assim € ele hoje dos cristaos, sempre esquadri- nhando as fraquezas, desviando as forcas e solapando a fé, a esperanca ¢ o carater (Le 22.32; 2 Co 2.11; 11,3-15; Ef 6.16). Ele deve ser tomado seriamente, pois a malicia ¢ a astiicia 0 fazem temivel; porém, nao tio seriamente a ponto de provo- car um medo horroroso dele, uma vez que ele 6 um inimigo derrotado. Satands é mais forte do que nés, mas Cristo triunfou sobre ele (Mt 12.29), e os cristaos também triunfarao sobre ele, se Ihe resistirem com os recursos suprides por Cristo (Ef 6.10-13; Tg 4.7; 1 Pe 5.9,10). “Maior é aquele que esta em vés do que aqucle que esté no mundo” (1 Jo 4.4). Admitindo a realidade de Satanas, tomando seriamente sua oposicao, observando sua estratégia (qualquer que seja, exceto o Cristianismo biblico), ¢ considerando que estamos sempre em guerra contra ele — isto nao significa uma incli- nacao por um conceito dualistico de dois deuses, um bom, outro mau, lutando entre si até as tiltimas consequéncias para ambos. Satands é uma criatura, super-humana mas nao divina; ele tem muito conhecimento e poder, porém nao é nem onisciente nem onipotente; cle pode movimentarse de formas que os humanos nao podem, mas nao é onipresente; € € j4 um rebelde derrotado, nao tendo mais poder do que Deus Ihe permite e estando destinado ao lago de fogo (Ap 20.10). 65 HUMANIDADE DEUS FEZ OS SERES HUMANOS A SUA IMAGEM Criou Deus, pois, 0 homem a sua imagem, @ imagem de Deus 0 criou; homem e mulher os criou. GENESIS 1.27 A declaracao no inicio da Biblia (Gn 1.26,27, com ecos -+- em 5.1; 9.6; 1 Co 11.7; Tg 3.9) de que Deus fez 0 ho- mem 4 sua prépria imagem, de modo que os humanos sao semelhantes a Deus como nenhuma outra criatura terrestre é, nos diz que a dignidade especial de sermos humanos € que, como tais, podemos refletir e reproduzir em nosso proprio nivel de criaturas as santas caracteristicas de Deus, e, assim, agir como seus representantes diretos na terra. Foi para isso que nés humanos fomos criados, e, em certo sentido, somos humanos somente na medida em que o estamos fazendo. A extensao da imagem de Deus no homem nao é definida em Génesis 1.26,27, mas 0 contexto a torna clara. Génesis 1.1- 25 mostra Deus como pessoal, racional (com inteligéncia e vontade, capaz de formar planos e exccuta-los), criativo, competente para controlar o mundo que fez, e moralmente admiravel, no sentido de que tudo o que Ele criou é bom. Obviamente, a imagem de Deus inclui todas estas qualidades. Os versiculos 28-30 mostram Deus abencoando as criaturas humanas recém-criadas (0 que deve significar dizer-thes seu privilégio e¢ destino) e outorgando-lhes o governo sobre a cria- cao como seus representantes e€ assistentes. A capacidade humana de comunicacao e relacionamento tanto com Deus como com outros humanos, e o dominio que lhes foi atribui- 66 do por Deus sobre a criacao inferior (ressaltada no Salmo 8 como resposta 4 pergunta ‘Que € 0 homem?’), despontam como facetas adicionais da imagem. Aimagem de Deus no homem na Criacao consiste, pois, (a) em ser 0 homem uma “alma” ou “espirito” (Gn 2.7, que a NVI corretamente traduz “ser vivo”; Ec 12.7), isto é, uma criatura pessoal, autoconsciente, divina, com uma capacidade divina para o conhecimento, pensamento e acao; (b) em ser o hom- em moralmente integro, uma qualidade perdida na queda e que esta sendo agora progresssivamente restaurada em Cristo (Ef 4.24; Cl 3.10); (c) no dominio sobre 0 ambiente. Comu- mente e racionalmente, acrescenta-se que (d) a imortalidade divina do homem e¢ (e) 0 corpo humano, por meio do qual experimentamos a realidade, expressamos nossa identidade e exercitamos nosso dominio, pertencem também a imagem. O corpo pertence 4 imagem, nao diretamente, uma vez que Deus, como notamos antes, nao possui um corpo, mas indire- tamente, visto que as atividades divinas de exercer dominio sobre a criacao material e demonstrar afeicdo a outros seres racionais tornam nossa corporificacao necessaria. Nao ha vida humana plena sem um corpo funcional, quer aqui ou na vida futura. Esta verdade, implicita em Génesis 1, tornou-se expli- cita na encarnagao e na ressurreic¢ao de Jesus Cristo: como imagem verdadeira de Deus em sua humanidade, bem como em sua divindade. O Senhor Jesus glorificado é corporificado por toda a eternidade, exatamente como serao os cristaos. A queda diminuiu a imagem de Deus nao somente em Addo e Eva, mas em todos os seus descendentes, isto €, em toda a raca humana. Retemos a imagem estruturalmente, no sentido de que nossa humanidade € intacta, porém nao funcional- mente, porque somos agora escravos do pecado e incapazes de usar nossos poderes para espethar a santidade de Deus. A regeneracao inicia 0 processo de restauracao da imagem moral de Deus em nossa vida, porém, enquanto nao estivermos plenamente santificados e glorificados, nao refletiremos Deus perfeitamente em pensamento e acao, do modo como a espécie humana foi criada para fazer e como 0 67 Filho encarnado de Deus fez em sua humanidade e faz atualmente (Jo 4.34; 5.30; 6.38; 8.29,46; Rm 6.4,5,10; 8.11). 68 A RACA HUMANA OS HUMANOS SAO CORPO E ALMA, EM DOIS GENEROS Entdo, formou 0 SENHOR Deus ao homem do pé da terra e the soprow nas narinas o folego de vida, e 0 homem passou a ser alina vivente. GENESIS 2.7 Homem e mulher os criou. GENESIS 1.27 Cada ser humano neste mundo consiste de um corpo material animado por um eu distinto e imaterial. A Escritura da a este eu o nome de “alma” ou “espirito”. “Alma” enfatiza a distincao da individualidade consciente de uma pessoa como tal; “espirito” contém as nuancas do eu derivado de Deus, dependéncia dele e distincao do corpo como tal. O uso biblico leva-nos a dizer que lemos e somos tanto almas como espiritos, mas é um equivoco pensar que alma e espirito sao duas coisas diferentes; uma visdo “tricotomica” do homem como sendo corpo, alma e espirito é incorreta. A idéia comum de que a alma é apenas um orgao da consciéncia temporal ¢ que o espirito é um orgado distinto de comunhao com Deus trazido a vida na regeneracao cria um descompasso entre 0 ensino biblico e o uso da palavra. Além disso, Ela conduz a um anti-intelectualismo deformado, segundo © qual o discerni- mento espiritual e 0 pensamento teolégico sao separados para empobrecimento de ambos, sendo a teologia tida como “pré- alma” € nado espiritual, enquanto a percepcao espiritual se 69 imagina desvinculada do ensino e aprendizado da verdade revelada de Deus. A corporificagao da alma é inerente ao designio de Deus para o género humano. Por intermédio do corpo, como foi dito antes, devemos experimentar nosso ambiente, desfrutar e controlar as coisas 4 nossa volta, e relacionar-nos com outras pessoas. Nada havia de mau ou corruptivel no corpo feito inicialmente por Deus, e nao tivesse o pecado surgido, a doenca, envelhecimento e deterioracao fisica que levam a morte, como a conhecemos, nao fariam parte da vida humana (Gn 2.17; 3.19,22; Rm 5.12). Agora, porém, os seres humanos sao corruptos do comeco ao fim em seu ser psicofisico, como comprovam claramente seus desejos desordenados, tanto fisicos como mentais, os quais guerreiam entre si e também contra os principios da sabedoria e da retidao. Na morte a alma deixa 0 corpo inanimado para tras, porém esta nao é a feltz libertacao que os filésofos gregos e alguns cultistas imaginaram. A esperanga crista nao é redencao por libertar-se do corpo, mas redencao do préprio corpo. Ante- vemos nossa participacao na ressurreicao de Cristo na ou por meio da ressurrei¢ao de nossos préprios corpos. Embora a exata composicao de nossos futuros corpos glorificados seja atualmente desconhecido, sabemos que sera alguma espécie de continuidade de nossos corpos terrenos (1 Co 15.35-49; Fp 3.20,21; Cl 3.4). Os dois géneros, macho e fémea, pertencem ao modelo da Criacao. Homens e mulheres sao igualmente portadores da imagem de Deus (Génesis 1.27), € sua dignidade é, conse- quentemente, igual. A natureza complementar dos géneros é vista como conducente a uma cooperacao enriquecida (ver Gn 2.18-23), uma vez que seus papéis sao desempenhados nao apenas no casamento, procriacao e vida familiar, mas também em atividades mais amplas da vida. A percepgao da insondavel diferencga entre pessoas de géneros distintos converte-se em uma escola para 0 aprendizado da pratica e alegria da apre- ciacao, abertura, honra, servico e fidelidade, todas as quais pertencem a cortesia que a realidade misteriosa do outro 70 género requer. A ideologia do “unissexo”, que deprecia a significagao dos dois géneros, perverte assim a ordem de Deus, enquanto 0 estribilho francés sobre a distincao dos gé- neros, “vive la différence!” (viva 0 contraste), expressa 0 ponto de vista biblico. 71 PARTE DOIS DEUS REVELADO COMO REDENTOR A QUEDA O PRIMEIRO CASAL HUMANO PECOU Vendo a mulher que a Grvore era boa para se comer, agradavel aos olhos, e Grvore desejdvel para dar entendimento, tomou-the do fruto e comeu, e deu também ao marido, e ele comeu. GENESIS 3.6 Paulo, em Romanos, afirma que todo o género humano -. esta naturalmente sob a culpa e 0 poder do pecado, do reino da morte, e sob a inevitavel ira de Deus (Rm 3.9,19; 5.17,21; 1.18,19; cf. todo o trecho, 1.18-3.20). Ele retrocede até ao pecado de um homem, a quem, falando em Atenas, descreve como nosso ancestral comum (Rm 5,12-14; At 17.26; cf. 1 Co 15.22), Esta é a autorizada interpretacao apostolica da historia registrada em Génesis 3, onde encontramos a narrativa da queda, a desobediéncia do homem original a Deus e¢ a religiosidade resultando no pecado ¢ na perdigao. Os pontos principais nessa histGria, vistos através da lente da interpretacdo paulina, sao os seguintes: (a) Deus fez do primeiro homem representante de toda a posteridade, do mesmo modo que ia fazer de Jesus Cristo o representante de todos os eleitos de Deus (Rm 5.15-19 com 8.29,30; 9.22-26). Em cada caso o representante devia envolver todos os que ele representava nos frutos de sua acao pessoal, fosse para o bem ou para mal, exatamente como um lider nacional envolve seu povo nas conseqiiéncias de sua acao quando, por exemplo, declara guerra. O plano divinamente escolhido, por meio do qual Adao determinaria o destino de 75 seus descendentes, foi chamado pacto de obras, embora esta nao seja uma expressao biblica. (b) Deus colocou o primeiro homem em um estado de felicidade e prometeu continuar isso para cle € sua posterida- de, se ele mostrasse fidelidade por meio de um comporta- mento de obediéncia positiva perfeita, e especificamente por nao comer de uma drvore descrita como a arvore do conheci- mento do bem e do mal. Parecia que a arvore trazia este nome porque a questao era saber se Addo deixaria que Deus lhe dissesse 0 que cra bom e o que era mau, ou procuraria decidir isso por si mesmo, desconsiderando 0 que Deus havia dito. Comendo daquela arvore, Adao estaria, de fato, reivindicando que poderia conhecer e decidir o que era bem ou mal para ele, sem qualquer referéncia a Deus. (c) Adao, guiado por Eva, que, por sua vez, foi guiada pela serpente (Satanas disfarcado: 2 Co 11.3 com v. 14; Ap 12.9), desafiou Deus comendo o fruto proibido. Os resultados foram, primeiro, que o anti-Deus, auto-enaltecido e obstina- do, expresso no pecado de Addo tornou-se parte dele e da natureza moral que ele transmitiu a seus descendentes (Gn 6.5; Rm 3.9.20). Segundo, Adao e Eva viram-se dominados por um senso de poluicdo € culpa que os fez envergonhados e atemorizados perante Deus — com boa razao. Terceiro, foram amaldicoados com expectativa de sofrimento e morte, e expulsos do Eden. Ao mesmo tempo, contudo, Deus comecou a mostrar-thes a misericérdia salvadora; Ele fez para eles vestes de pele para cobrir sua nudez, e prometeu-lhes que a semente da mulher esmagaria um dia a cabeca da serpente. Isto pre- nunciava Cristo. Embora narrando a hist6ria em um estilo um tanto figurado, o Génesis nos pede que a leiamos como histéria; no Génesis, Adao liga-se aos patriarcas e com eles ao resto da raca humana pela genealogia (caps. 5,10,11), 0 que faz dele parte significativa da hist6ria no tempo e€ no espaco, tanto quanto Abraao, Isaque e Jacé. Todos os principais personagens do livro, exceto José, sio apresentados como pecadores, de uma forma ou de outra, e a morte de José, como a de quase todos 76 os demais na histéria, é cuidadosamente registrada (Gn 50.22- 26); a afirmacdo de Paulo “em Addo todos morrem” (1 Co 15.22) apenas torna explicito o que Génesis ja claramente implica. Pode-se argumentar razoavelmente que a narrativa da queda proporciona a unica explanac¢ao convincente da per- versidade da natureza humana que o mundo jamais viu. Pascal disse que a doutrina do pecado original parece uma ofensa 4 razao, mas, uma vez aceita, ela faz, sentido total com toda a condicao humana. Ele estava certo, e a mesma coisa pode e deve ser dita da propria narrativa da queda. 77 PECADO ORIGINAL A DEPRAVACAO CONTAMINA A TODOS Eu nasci na inigiiidade, e em pecado me concebeu minha mde. SALMO 51.5 A Escritura diagnostica 0 pecado como uma defor- -+- midade universal de natureza humana, em todas as circunstancias e em todas as pessoas (1 Rs 8.46; Rm 3.9-23; 7.18; 1 Jo 1.8-10). Ambos Testamentos tém nomes para ele que revelam seu cardter ético como rebeliao contra os preceitos de Deus, errando o alvo fixado por Deus para nos, transgredindo a lei de Deus, desobedecendo 4s instrucdes de Deus, maculando a pureza de Deus com nossa corrupcao & incorrendo em culpa perante Deus 0 Juiz. Esta deformidade moral é dinamica: 0 pecado permanece patente como uma energia em reacao irracional, negativa ec rebelde ao chamado e comando de Deus, lutando contra Deus com o intento de manipulé-lo. A raiz do pecado é 0 orgulho e inimizade contra Deus, espirito que é visto na primeira transgressao de Adao; ¢ atos pecaminosos sempre tém atras de si pensamentos, moti- vos e desejos que, de uma forma ou de outra, expressam a oposi¢ao obstinada do coracao decaido as reivindicacées de Deus em nossa vida. [O pecado pode ser compreensivelmente definido como falta de conformidade a lei de Deus em acao, habito, atitude, perspectiva, disposicao, motivacdo e modo de viver. Os textos que ilustram diferentes aspectos do pecado incluem Jeremias 17.9; Mateus 12.30-37; Marcos 7.20-23; Romanos 1.18-3.20; 7.7-25; 8.5-8; 14.23 (Lutero disse que Paulo escreveu Romanos para “superlativar o pecado”); 78 Galatas 5.16-21; Efésios 2.1-3; 4.17-19; Hebreus 3.12; Tiago 2.10,11; 1 Joao 3.4; 5.17. Carne em Paulo usualmente significa um ser humano levado por desejo pecaminoso; a NVI traduz estes exemplos da palavra por “natureza pecaminosa”. As faltas e vicios peculiares (isto é, formas e expressdes do pecado) que a Escritura detecta e denuncia sao muito nume- rosos para relacionar aqui. Pecado original, significando o pecado derivado de nossa origem, nao é uma expressao biblica (foi Agostinho quem a cunhou), mas é uma expressao que traz a uma proveitosa foca- lizacgao a realidade do pecado em nosso sistema espiritual. A assercao de pecado nao significa que 0 pecado pertence a natureza humana como Deus a fez (“Deus fez o homem reto”, Ec 7.29), nem que o pecado esta envolvido no processo de reproducao € nascimento (a impureza ligada 4 menstruacao, esperma e parto, em Levitico 12 e 15 era somente tipico e cerimonial, nao moral e real), mas sim que (a) a pecabilidade marca todos desde o nascimento, e esta 14 na forma de um coracdo motivacionalmente torcido, anterior a quaisquer pecados reais; (b) esta pecabilidade interior € a raiz e fonte de todos os pecados reais; (c) ela nos vem por derivacao de uma forma real, embora misteriosa, desde Adao, nosso primeiro representante diante de Deus. A afirmacao do pecado original indica intrinsicamente que nao somos pecadores porque pecamos, mas sim que pecamos porque somos pecadores, nascidos com a natureza escravizada ao pecado. A expressao depravacao total é comumente usada para tornar explicitas as implicacées do pecado original. Ela significa uma corrup¢ao de nossa natureza moral e espiritual que é total nao em grau (pois ninguém é tao mau quanto pode ser), mas em extensao. Ela declara que nenhuma parte de nés é intocavel pelo pecado e, portanto, nenhuma acao nossa é tao boa como deve ser, e conseqiientemente nada em nos ou acerca de nés jamais parece meritério aos olhos de Deus. Nao podemos con- quistar o favor de Deus, nao importando o que venhamos a fazer; a menos que a graca nos salve, estamos perdidos. 79 A depravacao total vincula a capacidade total, isto é, 0 estado de nao poder em si mesmo responder a Deus € 4 sua Palavra de modo sincero e prazenteiro (Jo 6.44; Rm 8.7,8). Paulo chama a este alheamento do coracao decaido um esta- do de morte (Ef 2.1,5; Cl 2.13), e a Confissio de Westminster diz: “O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo 0 poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvacao, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, € incapaz de, pelo seu proprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.” 80 INCAPACIDADE OS SERES HUMANOS DECAIDOS SAO TANTO LIVRES COMO ESCRAVIZADOS Enganoso é 0 coragdo, mais do que todas as coisas, € desesperadamente corrupto; quem o conhecera? JEREMIAS 17.9 Uma idéia clara a respeito da condicao degradada do homem requer uma distincao entre o que nos dois Ulti- mos séculos tem sido chamado livre agéncia e 0 que desde o comeco do Cristianismo tem sido chamado livre arbitrio. Agostinho, Lutero, Calvino e outros falaram do livre arbitrio em dois sentidos, 0 primeiro trivial, o segundo importante; mas isto era confuso, sendo melhor sempre usar livre agéncia para o seu primeiro sentido. A livre agéncia é uma marca dos seres humanos como tais. Todos os seres humanos sao agentes livres no sentido de que tomam suas préprias decisoes a respeito do que devem fazer, escolhendo o que lhes agrada a luz de seu discernimento do que é certo ¢ errado e das inclinacées que sentem. Assim, eles so agentes morais, responsaveis para com Deus e€ entre si por suas escolhas voluntarias. Assim foi Adao, antes e depois de pecar; assim somos nés agora, e assim sao os santos glorifi- cados que estao confirmados na graca em tal sentido que eles nao mais tém em si esta inclinacao para cometer pecado, A incapacidade para pecar sera um dos deleites e glorias do céu, mas nao extinguira a humanidade de ninguém; os santos glorificados farao ainda escolhas de acordo com sua natureza, € essas escolhas nao serao de forma alguma o produto da livre 81 agéncia humana, exatamente porque elas serao sempre boas € retas. O livre arbitrio, porém, tem sido definido por eruditos cristaos, a partir do segundo século, como a capacidade de escolher todas as op¢des morais que uma situacao oferece, e Agostinho afirmou contra Pelagio e a maioria dos Pais gregos que o pecado original nos tirou o livre arbitrio neste sentido, Nao temos capacidade natural de discernir e escolher os caminhos de Deus, porque nao temos inclina¢gado natural em direc4o a Deus; nossos coracées sdo cativos do pecado, somente a graca da regeneracao pode libertar-nos desta escravidao. Isto, em substancia, foi o que Paulo ensinou em Romanos 6.16-23; somente a vontade libertada (Paulo fala em homens libertados) livre e fervorosamente escolhe a retidao. Um amor permanente pela retidao — isto é, uma inclinacao do coracao pelo modo de vida que agrada a Deus — é um aspecto da liberdade que Cristo nos da (Jo 8.34-36; GL 5.1,13). Vale a pena notar que vontade é uma abstragao. Minha vontade nao € parte de mim no sentido de que eu decida mover-me ou ficar parado, tal como minhas maos ou meus pés; € precisamente a escolha de agir e, em seguida, de entrar em acdo. A verdade sobre a livre agéncia, e sobre Cristo liber- tando o escravo do pecado do dominio do pecado, pode ser mais claramente expresso se a palavra vontade for eliminada e cada pessoa diga: Eu sou o agente livre moralmente responsa- vel; ewsou o escravo do pecado que Cristo deve libertar; eu sou o ser degradado que tenho unicamente em mim a escotha contra Deus até que Ele renove meu corac¢ao. 82 ALIANCA DEUS FAZ COM OS HUMANOS PECADORES UMA ALIANCA DE GRACA Disse o SENHOR a Abrao: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nacao, e te abencoarei, e te engrandecerei 0 nome. Sé tu uma béngdo! Abencoarei os que te abengoarem e amaldicoarei os que te amaldicoarem; em ti serdo benditas todas as familias da terra,” GENESIS 12.1-3 Aliancas ou pactos na Escritura sao acordos solenes, -- negociados ou impostos unilateralmente, que impdem a ambas as partes permanentes relagoes definidas, com promes- sas especificas, reivindicacées e obrigagées de ambos os lados (por exemplo, a alian¢a do casamento, MI 2.14). Quando Deus faz uma alianca com suas criaturas, somente Ele estabelece seus termos, como mostra sua alianca com Noé e com cada criatura vivente (Gn 9.9), Quando Addo e Eva falharam em obedecer aos termos da alianca de obras (Gn 3.6), Deus nao os destruiu, mas revelou-lhes sua alianca de graca, prometendo-lhes um Salvador (Gn 3.15). A alianca de Deus apoia-se em sua promessa, como esta claro em sua alian- ¢a com Abraao. Ele chamou Abraao para ir a terra que Ele lhe daria, e prometeu abencod-lo € a todas as familias da terra por meio dele (Gn 12.1-3). Abrado atendeu ao chamado de Deus porque acreditou em sua promessa; foi sua fé na promessa que lhe foi imputada para justica (Gn 15.6; Rm 4.18-22). A alianca de Deus com Israel no Sinai tomou a forma de um 83 tratado de suserania do Oriente Préximo, isto é, uma alianca real imposta unilateralmente sobre um rei vassalo e um povo servil. Embora aquela alianca requeresse obediéncia as leis de Deus sob a ameaca de sua maldicao, ela foi uma continuagao de sua alianca de graca (Ex 3.15; Dt 7.7,8; 9.5,6). Deus deu scus mandamentos a um povo que Ele jé havia redimido e reivindicado (Ex 19.4; 20.2). A promessa da alianca de Deus tornou-se mais forte por meio dos tipos e sombras da lei dada a Moisés. O malogro dos israclitas em guardar a alianga mosai- ca mostrou a necessidade de uma nova redencao e€ alianca, se é que 0 povo de Deus devia ser verdadciramente dele e Ele deles (Jr 31.31-34; 32.38-40; cf. Gn 17.7; Ex 6.7; 29.45,46; Lv 11.44,45; 26.12). A alianca de Deus com Israel era uma preparacao para a vinda do proprio Deus, na pessoa de seu Filho, para cumprir todas as suas promessas e dar substancia as sombras lancadas pelos tipos (Is 40.10; MI 3.1; Jo 1.14; Hb 7-10). Jesus Cristo, o mediador da nova alianca, ofereceu-se como o verdadeiro e final sacrificio pelo pecado. Ele obedeceu 4 lei perfeitamente, e como o segundo cabeca representante da raca humana, tor- nouse o herdeiro de todas as béncaos pactuadas de perdao, paz e comunhao com Deus em sua criacdo renovada, as quais bén¢aos Ele agora confere aos crentes. As providencias tipicas e temporarias para a concessao daquelas béncaos foram abolidas pela realizacao do que elas anteciparam. O envio do Espirito de Cristo do trono de sua gléria sela o povo de Deus como seu, ainda que Ele tenha dado a si mesmo por ele (Ef 1.13,14; 2 Co 1.22). Como assinala Hebreus 7-10, Deus providenciou uma versao avancada de sua unica alianca eterna com os pecadores (13.20) — uma alianca melhor com promessas melhores (8.6), baseadas em um sacrificio melhor (9.23), oferecido por um sumo sacerdote melhor em um santudrio melhor (7.26- 8.6; 8.11,13,14), e garantindo uma melhor esperanga que a da primitiva versao da alianca, nunca tornada explicita, a saber, gloria sempiterna com Deus em uma “patria superior, isto é, celestial” (11.16; cf. v. 40). 84 O cumprimento da velha alianca em Cristo abre a porta da fé aos gentios. A “semente de Abrado”, a comunidade defi- nida, com a qual a alianca se fez, foi redefinida em Cristo. Gentios ¢ judeus, que estao unidos a Cristo pela fé, tornam-se asemente de Abraio por meio dele (Gl 3.26-29), ao passo que ninguém que esteja fora de Cristo pode estar em alianca com Deus (Rm 4.9-17; 11.13-24). O alvo dos procedimentos na alianca de Deus é, como sempre foi, a reuniao e santificacao do povo da alianca “de todas as nacoes, tribos, povos e linguas” (Ap 7.9), que um dia habitarao a nova Jerusalém em uma renoyada ordem universal (21.1,2). Aqui o relacionamento pactual encontrara sua mais plena expresso — “eles serao povos de Deus e Deus mesmo estar com cles” (21.3). Em direcdo a este alvo, a moldagem de Deus sobre os eventos do mundo continua em acao. A estrutura da alianca compreende a inteira administragao da graca soberana de Deus. O ministério celestial de Cristo continua a ser a do “mediador de uma nova alianga” (Hb 12.24). A salvacado € a salvacdo da alianca; a justificacao, a adocao, a regeneracao e a santificacdo sao as misericordias da alianga; a cleicdo foi a escolha de Deus dos futuros membros da comunidade de sua alianca, a igreja; o batismo e a Ceia do Senhor, correspondendo a circunciséo e a Pascoa, sao ordenancas da alianca; a Ici de Deus € a Ici da alianea, ¢ sua observancia € a expressio mais verdadeira de gratidao pela alianca da graca e de lealdade ao nosso Deus da alianca. Pactuar com Deus em resposta 4 sua alianca conosco deve constituir um exercicio devocional regular para todos os crentes, seja na privacidade ou na Ceia do Senhor. Uma compreensao da alianga da graca guia-nos do comec¢o ao fim ¢ ajuda-nos a apreciar as maravilhas do amor salvifico de Deus. 85 A LEI DEUS LEGISLA E EXIGE OBEDIENCIA Chamou Moisés a todo o Israel e disse-lhe: “Ouvi, 6 Israel, os estatutos e juizos que hoje vos falo aos ouvidos, para que os aprendais e cuideis em os cumprirdes.” DEUTERONOMIO 5.1 O homem no foi criado aut6nomo, ou seja, livre para -- servir de lei a si mesmo, mas feénomo, isto €é, compelido a guardar a lei de seu Feitor. Isto nao era sacrificio algum, por- quanto Deus o havia construido de tal modo que a obediéncia grata Ihe daria a maior felicidade; dever e deleite seriam coincidentes, como o foram em Jesus (Jo 4.34; cf. SI 112.1; 119.14,16,47,48,97-113,127,128,163-167). O coragao humano degradado nao aprecia a lei de Deus, tanto por ser lei como por ser de Deus; aqueles, porém, que conhecem a Cristo descobrem nao somente que amam a lei e desejam observa-la, agradecidos pela graca (Rm 7.18-22; 12.1,2), mas também que o Espirito Santo os leva a um grau de obediéncia, iniciando no coracao, obediéncia esta que antes nao tinham (Rm 7.6; 8.4-6; Hb 10.16). A lei moral de Deus foi abundantemente anunciada na Escritura — 0 Decdlogo (os Dez Mandamentos) —, outros estatutos mosaicos, os sermées dos profetas, o ensino de Jesus, e as cartas do Novo Testamento. Ela reflete seu carater santo € seus propésitos para os seres humanos criados. Deus reco- menda a conduta que Ele tem prazer de ver e proibe aquela que o ofende. Jesus resume a lei moral em dois grandes mandamentos: ame a scu Deus e ame a seu préximo (Mt 86 22.37-40), dos quais dependem todas as instrucdes morais do Velho Testamento. O ensino moral de Cristo e¢ de seus apostolos é a velha lei aprofundada e reaplicada a novas circunstancias — vida no reino de Deus, onde reina 0 Salva- dor, ¢ na era p6s-Pentecoste do Espirito, em que o povo de Deus é conclamado a viver em seu meio a vida do céu, € a ser a contracultura de Deus no mundo. A lei biblica é de varios tipos. As leis morais determinam o comportamento, que temos sempre o dever de observar. As leis politicas do Velho Testamento aplicam princfpios da lei moral 4 situacdo nacional de Israel, quando 0 povo era uma igreja-estado, o povo de Deus na terra. As leis do Velho Testa- mento acerca dos cerimoniais de purificagao, dieta e sacrificio eram decretos tempordrios para fins instrutivos, os quais o Novo Testamento aboliu (Mt 15.20; Mc 7.15-19; 1 Tm 4.3-5; Hb 10.1-14, 13.9,10), porque seu sentido simbélico tinha sido preenchido. A justaposicao da lei moral, judicial e ritual nos livros mosaicos continha a mensagem de que a vida sob Deus deye ser vista e vivida nao compartimentalmente, mas como uma unidade multifacetada, e também de que a autoridade de Deus como legislador deu forca igual a todo o cédigo. Entre- tanto, as leis eram de diferentes espécies, com diferentes propésitos, ¢ as leis politicas e cerimoniais eram de aplicacao limitada, e isto parece claro tanto pelo contexto imediato como pelo restante do ensino de Jesus, cuja afirmacgao de uma forca universal imutavel da lei de Deus diz respeito 4 lei moral como tal (Mt 5.17-19; cf. Le 16.16,17). Deus requer a total obediéncia da pessoa total as totais implicacdes de sua lei como foram dadas. Ela obriga “o homem todo... a uma inteira obediéncia para sempre”; “é espiritual, € assim alcanca a compreensao, vontade, afeicdes € todos os outros poderes da alma, como também as palavras, obras e gestos” (em outras palavras, 0 desejo deve ser justo, assim como as acoes; € a exterioridade farisaica nao € suficiente: (Mt 15.7,8; 23.25-28); e os corolarios da lei sao parte de seu contetido — “onde um dever é prescrito, o pecado contrario é proibido; e onde um pecado ¢ proibido, o dever contrario é prescrito” (Catecismo Maior de Westminster, P. 99). 87 A LEI EM ACAO A LEI MORAL DE DEUS TEM TRES PROPOSITOS Eu nao teria conhecido 0 pecado, sentio por intermédio da lei. ROMANOS 7.7 A Escritura mostra que Deus destinou sua lei para fun- cionar de trés modos, que Calvino cristalizou em uma forma classica para o beneficio da igreja como o triplice uso da lei. Sua primeira funcao é ser um espelho que reflete para nds tanto a justica perfeita de Deus como nossa prépria pecami- nosidade e deficiéncias. Assim, “a lei nos obriga, 4 medida que tentamos atender a suas exigéncias, e nos torna fatigados em nossa fraqueza debaixo dela para sabermos como pedir a ajuda da graca” (Agostinho). A lei destina-se a dar-nos conhe- cimento do pecado (Rm 3.20; 4.15; 5.13; 7.7-11) pois nos: mostra o perigo da condenacdo e nossa necessidade de perdao. A lei destina-se também a conduzir-nos em arrependi- é a Cristo (G1 3.19-24). Sua segunda funcao é restringir o mal. Embora nao possa mudar 0 coracao, a lei pode, em certa extensao, inibir a ilega- lidade por suas ameacas de julgamento, especialmente quando amparada por um codigo civil que aplica no presente punicdes por violagées provadas (Dt 13.6-11; 19.16-21; Rm 13.3,4). Assim, ela garante alguma ordem civil e, de certo modo, protege o justo do injusto. Sua terceira funcao é guiar os regenerados_4s boas_obras que Deus planejou para cles (Ef 2.10). A lei diz aos filhos de Deus 0 que agrada ao Pai celestial. Ela pode ser chamada seu 88 mento e codigo de familia. Cristo estava falando deste terceiro uso da lei quando disse que os que se tornam seus discipulos devem ser ensinados a guardar a lei e a fazer tudo o que cla ordena (Mt 5.18-20; 28.20), e que 6 sua obediéncia a seus manda- mentos que prova a realidade de seu amor por Ele (Jo 14.15). O cristao é livre da lei como um suposto sistema de salvacdo (Rm 6.14; 7.4,6; 1 Co 9.20; GI 2.15-19; 3.25), mas esta “sob a lei de Cristo”, como uma regra de vida (1 Co 9.21; GI 6.2). 89 A CONSCIENCIA DEUS INSTRUI O CORACGAO E LIMPA-O A terra esta contaminada por causa dos seus moradores, porquanto transgridem as leis, violam os estatutos e quebram a alianca eterna. ISAIAS 24.5 A consciéncia é 0 poder inato de nossas mentes de -|- exercer autojulgamentos morais, aprovando ou desa- provando nossas atitudes, acodes, reacdes, pensamentos ¢€ planos, ¢ dizendo-nos, em caso de desaprovacao, que devemos sofrer por isto. A consciéncia tem em si dois elementos, (a) um discernimento de certas coisas como sendo certas ou erradas, e (b) uma capacidade de aplicar leis e regras a situagoes especificas. A consciéncia, distinta de nossos outros poderes mentais, nao tem paralelo; parece uma pessoa separada de nos, falando freqiientemente, quando gostaria- mos que estivesse em siléncio, e dizendo coisas que preferi- riamos nao ouvir. Podemos decidir prestar atengado a consciéncia, porém nao podemos decidir se ela nos ouvird ou nao; nossa experiéncia mostra que ela decide isto por si mesma. Por sua insisténcia em nos julgar pelos padrdes mais altos que conhecemos, nés a chamamos a voz de Deus na alma, € nesta extensao assim é ela. Paulo diz que Deus escreveu algumas das exigéncias de sua lei em cada coracao humano (Rm 2.14,15), € a experiéncia confirma isto. (“Coracao” na Escritura é freqitentemente sinédnimo de “consciéncia”: a NVI corretamente traduz o hebraico “sentiu Davi bater-lhe o coracao” como “Davi sentiu 90 remorso, em 1 Sm 24.5, e ha outros exemplos.) Mas a consciéncia pode ser malformada, ou condicionada a ver o mal como bem, ou insensivel ou dopada por repetidos pecados (1 Tm 4.2), € em tais casos cla sera menos do que a voz de Deus. Os julgamentos particulares da consciéncia devem ser recebidos como a voz de Deus somente quando se harmonizam com a propria verdade e¢ lei de Deus expressas na Escritura. Por conseguinte, as consciéncias devem ser educadas para julgar escrituristicamente. As consciéncias dos individuos comumente refletem os padroes da familia ou da comunidade, ou a falta deles. O livro de Juizes conta histérias terriveis de coisas feitas em uma €poca em que “cada qual fazia 0 que achava mais reto” (17.6; 21.25). A supersticao ou escrttpulo pode levar uma pessoa a ver como pecaminosa uma ac¢ao que a Palavra de Deus declara nao ser pecaminosa; mas, para uma consciéncia assim “fraca” (Rm 14.1,2; 1 Co 8.7,12), fazer o que ela considera pecami- noso transforma-se efetivamente em pecado (Rm 14.23), ¢, portanto, tais pessoas nunca devem ser pressionadas a fazer o que conscientemente nao querem. O ideal do Novo Testamento é uma consciéncia “boa” ¢ “limpa” (pois a justica 6 0 propésito e o pecado deve ser evitado: At 24.16; 1 Tm 1.5,19; Hb 13.18; 1 Pe 3.16). Mas, para isso, nossa consciéncia deve primeiramente ser “limpa” pelo sangue de Cristo; devemos reconhecer que, por ter Cristo em sua morte sacrificial suportado o sofrimento que nos era destinado, em razio de nossas mas acdes, elas nao mais constituem uma barreira A nossa comunhao com Deus (Hb 9.14). 91 A ADORACAO DEUS OFERECE UM MODELO LITURGICO Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou. Ele é 0 nosso Deus, ¢ nés, povo do seu pasto e ovelhas de sua mao. SALMO 95.6,7 racionais A auto-revelacdo de seu Criador. E uma honra- ria ¢ glorificacao a Deus por meio de um grato ofcrecimento retribuidor a Ele por todas as boas dadivas, e todo 0 conheci- mento de sua grandeza ¢ graca a nés concedidas. Isto inclui o louvor a Ele pelo que Ele ¢, agradecendo-lhe os seus feitos, desejando-the gloria adicional por seus atos de misericérdia, julgamento e poder, e crendo nele pelo futuro bem-estar nosso e de outrem. Posturas de mistica solenidade ¢ celebra- cao animada, todas fazem parte dela: Davi dancou com ardente entusiasmo “diante do SENHOR’, quando trouxe de volta a arca a Jerusalém, ¢ se pos humildemente perplexo “perante o SENHOR”, quando lhe foi prometida uma dinas- tia, e sua adoracao evidentemente agradou a Deus em ambas ocasides (2 Sm 6.14-16; 7.18). Aprender com Deus é também adoracao: atencao a sua palavra de instrucao honra-o; a desatencao é um insulto a Ele. Uma adoracao aceitavel requer “maos limpas ¢ um coracao puro” (SI 24.4), como também a disposicao de expressar a devocao em atos de servico e em palavras de adoracao. A base da adoracao é 0 relacionamento pactual, por meio do qual Deus se associou aqueles a quem salvou e reivindicou 1 Adoracao na Biblia é a resposta devida pelas criaturas 92 para si. Isto foi verdadeiro na adoracdo a Ele prestada no Velho Testamento, como agora na ador: ista. O espirito da adoracao pactual, como o Velho Testamento 0 modelou, € uma mescla de temor respeitoso e alegria pelo privilégio de aproximar-se do poderoso Criador com total auto-humilhacao € confissio honesta de pecado, insensatez e necessidade. Sendo Deus santo e nds, humanos, imperfeitos, isto deve ser sempre assim neste mundo. E como a adoracgao deve ser o ponto central na vida celestial (Ap 4.8-11; 5.9-14; 7.9-1 7;11.15- 18; 15-2-4; 19.1-10), assim deve ser na vida da igreja sobre a terra, e deve ser desde ja a principal atividade, tanto individual como corporativa, na vida de cada crente (C1 3.17). Na legislagdo mosaica, Deus deu a seu povo da alianca um modelo completo para adoracaio. Todos os elementos da verdadeira adoracao foram incluidos nele, embora alguns fossem tipicos, apontando para Cristo e deixando de valer apos sua vinda. No livro de Salmos, hinos € preces para uso na adoracao dos israelitas foram providenciadas. Os cristaos corretamente os utilizam em sua adoracao hoje, fazendo ajustes mentais quando a referéncia é dirigida a caracteristicas peculiares da dispensacao da alianca de Deus no Velho Testamento — rei terreno de Israel, reino, inimigos, batalhas e experiéncias de prosperidade, empobrecimento ¢ disciplina divina, além do que era tipico do modelo judaico de adoracao. Os principais aspectos no modelo littirgico que Deus deu a Israel foram os seguintes: (a) O sdbado, cada sétimo dia seguinte aos seis dias de trabalho: um dia santo de descanso, a ser observado como um memorial da Criacdo (Gn 2.3; Ex 20.8-11) € redencdo (Dt 5.12-15), Deus insistiu na guarda do. sdbado (Ex 16.21-30; 20.8,9; 31.12-17; 34.21; 35.1-3; Lv 19.3,30; 23.3; cf. Is 58.13,14) e fez da quebra do sabado um pecado mortal (Ex 31.14; Nm 15.32-36). (b) Trés festas anuais nacionais (Ex 23.14-17; 34.23; Dt 16.6), nas quais 0 povo se reunia no santu io de Deus para oferecer sacrificios, celebrando sua generosidade, para buscar 93 e agradecer a reconciliagaio e comunhao com Ele, e para comer e beber juntos como expressado de alegria. A festa da Pascoa e do Pao Asmo, realizada no décimo quarto dia do pri- meiro més, comemorava 0 éxodo. (Ex 12; Lv 23.5-8; Nm 28.16- 25; Dt 16-1-8); a Festa das Semanas, também chamada Festa da Colheita e Dia dos Primciros Frutos, marcava o fim da colheita dos graos, ¢ era realizada cingiienta dias apds 0 sabado que iniciava a Pascoa (Ex 23.16; 34.22; Ly 23.15-22; Nm 28.26-31; Dt 16.9-12); e€ a Festa dos Tabernaculos ou Tendas, também chamada Festa do Ajuntamento, realizada do décimo quinto ao vigésimo segundo dia do sétimo més, celebrada no fim do ano agricola e também como lembranca de como Deus guiou Israel pelo deserto (Lv 23.39-43; Nm 29.12-38; Dt 16.13-15). (c) O Dia da Expiagao, comemorado no décimo dia do sétimo més, quando o sumo saccrdote levava 0 sangue ao pro- piciatorio no centro do santudrio para expiar os pecados de Israel durante 0 ano anterior, ¢ 0 bode emissario saia para 0 deserto como sinal de que aqueles pecados tinham entao ido embora (Lv 16). (d) O sistema sacrificial regular, envolvendo diariamente ¢ mensalmente as ofertas queimadas (Nm 28.1-15), e mais uma variedade de sacrificios pessoais, caracteristicas comuns aos quais eram que qualquer coisa ofertada devia ser sem defeitos e que, quando um animal era oferecido, scu sangue devia ser esparzido sobre o altar das ofertas queimadas para que fosse feita a expiacao (Lv 17.11). Rituais de purificacdo pessoal (Lv 12-15; Nm 19) e devocao (por exemplo, a consagracao dos primogénitos, Ex 13.1-16) também faziam parte do modelo dado por Deus. Sob a nova alianga, em que os tipos do Velho Testamento cederam lugar a seus antitipos, o sacerdécio, sacrificio e inter- cessao de Cristo substituiram todo o sistema mosaico de expia- cao do pecado (Hb 7-10); o batismo (Mt 28.19) e a Ceia do Senhor (Mt 26.26-29; 1 Co 11.23-26) substitufram a circun- cisao (G1 2.3-5; 6.12-16) e a Pascoa (1 Co 5.7,8); 0 calendario festivo judaico nao mais obriga (GI 4.10; Cl 2.16); nogoes do cerimonial de purificacao, imposto por Deus para a conscien- 94 tizacao de que algumas coisas afastavam 0 homem de Deus, cessaram de ser aplicadas (Mc 7.19; 1 Tm 4.3,4); 0 sabado foi renovado com a casuistica de fazer o bem do que nada fazer (Le 13.10-16; 14.1-6), ¢ recontado na base de um dia mais seis € nao mais seis mais um. Parece claro que os apéstolos ensina- ram os cristaos a adorar no primeiro dia da semana, o dia da ressurreicao de Jesus, “o dia do Senhor” (At 20.7; Ap 1.10), tratando-o como o sabado cristao. Estas mudangas foram importantes, porém o modelo do louvor, agradecimento, gozo, crenca, pureza e servico, que constitui a verdadeira adoracao, continua imutavel até estes dias. 95 OS PROFETAS DEUS ENVIOU MENSAGEIROS PARA DECLARAREM SUA VONTADE Suscitar-thes-ei um profeta do meio de seus iymaos, semelhante a ti, em cuja boca porei as minhas palavras, é ele thes falara tudo o que eu the ordenar. DEUTERONOMIO 18.18 Os profetas can6nicos, cujos livros ocupam mais de uma quarta parte do Velho Testamento, foram chamados por Deus para screm 6rgaos e canais de revelacao. Eram ho- mens de Deus que permaneceram no seu consclho (Jr 23.22), conheceram sua mente ¢ estavam capacitados a declara-la. Deus Espirito Santo manifestou-se neles ¢ por meio dcles (2 Pe 1.19-21; Is 61.1; Mq 3.8; At 28.25-27; 1 Pe 1.10-12). Eles sabiam que Ele estava fazendo isso; por isso ousaram iniciar suas mensagens com “isto diz o SENHOR” ou “um ordculo do SENHOR’” ¢ apresentar 6 proprio Yahweh como o que falava © que eles estavam transmitindo. A profecia compreendia a predicao (antecipacao), mas usualmente isto se fazia em um contexto ao pronunciar as adverténcias ¢ exortacdes de Deus ao povo da alianca no pre- sente (julgamento). As predicées se relacionavam com a vinda do rei e do reino de Deus apos os julgamentos purificadores; a preocupagao principal dos profetas era cxortar ao arrepen- dimento, na esperanca de que, para o momento, os julgamen- tos fossem evitados. Eles eram, antes de tudo, reformadores, inculcando a lei de Deus e relembrando ao povo sua fidelidade pactual, que nunca deveriam ter negligenciado. 96 Jesus Cri : eles se Asua pregacdo 4 nacdéo somava-se a oracao por el: dirigiam a Deus a respeito do povo tao fervorosamente como quando se dirigiam ao povo a respeito de Deus, e cumpriam um tinico ministério de intercessio (Ex 32.30-32 [Moisés]; 1 Sm 7.5-9; 12.19-23 [Samuel]; 2 Rs 19.4 [Isafas]; cf. Jr 7.16; 11.14; 14.11). ‘alsos profetas cram uma calamidade para Israel. Ligados profissionalmente com 0 culto organizado de Israel, diziam o que © povo queria ouvir ¢ falavam de seus prdéprios sonhos € opinides, em vez de comunicar as palavras de Deus (1 Rs 22.1- 28; Jr 23.9-40; Ez 13). No Novo Testamento, um livro, Apocalipse, anunciz como a profecia verdadcira ¢ digna de confianca, recebida diretamente de Deus (na realidade, de Deus Pai por meio de to: Ap 1.1-3; 22.12-20). O ministério dos apéstolos trouxe instrucdo diretamente de Deus a seu povo, exatamente como 0 ministério profético do Velho Testamento havia feito, embora a forma de apresentacao fosse diferente. Os profetas do periodo neotestamentario estavam ligados aos apéstolos na fundacao da igreja (Ef 2.20; 3.5); como expositores do cumprimento em Cristo das csperancas do Velho Testamento (Rm 16.25-27). O livro de Hebreus pode ser bem um exemplo deste tipo de ministério profético. SE 97

Você também pode gostar