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David Graeber Divida Os primeiros 5.000 anos ‘TRADUGKO Rogério Bettoni TRes. ESTRELAS Sumario 1, Sobre a experiéncia da confusio moral 6 2. O mito do escambo 32 3. Dividas primordiais 58 4. Crucldade e redengio 96 5. Breve tratado sobre os fundamentos morais das relagdes econémicas 116 6. Jogos com sexo e morte 164 7. Honra e degradagio, ou Sobre as fundagGes da civilizacao contemporanea 212 8. Crédito versus lingotes ¢ 0s ciclos da hist6ria 270 9. Idade Axial (800 a.C. - 600 4.C) 284 10. Idade Média (600 4.C. -1450.d.C.) 320 11. Idade dos Grandes Impérios Capitalistas (1450 d.C. 1971 4.C.) 388 12. Ocomego de algo ainda por determinar (1971 - presente) 454 Posficio: 2014 494 Notas 505 Bibliografia 605 indice remissivo 667 1. Sobre a experiéncia da confusdo moral divida + substantivo x quantia que se deve em dinhelro. 2 estado em {que se encontra quem deve dinheiro (em divide). sentimento de gratidio por um favor ou um bem recebido. ‘Se voc# deve 20 banco 100 mil délares, banco controla vocé. Se ‘voce deve 20 banco 100 milhdes de délares, voce controla.obanco, H& alguns anos, em razio de uma série de coincidéncias estranhas, fui auma {festa ao ar livre na Abadia de Westminster. Ao chegar ali, se desconforto. Nao por causa dos convidados. Eles eram agradaveis e cordiais, a festa fora organizada por um homem generoso e encantador, 0 padre Graeme, O problema que me senti um peixe fora d’agua. Em dado mo- mento, padre Graeme se aproximou de mim e disse que havia uma pessoa, junto a um chafariz ali perto, que eu certamente gostaria de conhecer. Entdo um pouco de ime apresentou a uma mulher esbelta ¢ elegante que, segundo ele, era advo sgada, “mas do tipo a juridico a gru ‘océs tedo muita coisa para conversa” sta; ela trabalha para uma fundagdo que 4 suporte -am contra a pobreza em Londres. Provavelmente és conversamos. Ela me falou de seu trabalho. Eu contei que estive envolvido durante muitos anos com 0 movimento de justia global —"movi- mento antiglobalizacao”, como costumava ser chamado pelos meios de co- ‘municagio. Fla ficou curiosa:€ claro que jé havia ido sobre Seattle, Genova, és lacrimogéneo ¢ conflitos nas ruas, mas quis saber se tinhamos de fato realizado algo. —Na verdade — disse eu —, fico bastante impressionado com o tanto que conseguimos realizar nesses primeiros dois anos. —Por exemplo? —Bem, + exemplo, n6s conseguimos destruir quase completamente orm Por ironia do destino, ea disse que no sabia bem o que era o rat. Entéo expliquei que o Fundo Monetario Internacional agia basicamente como fiscal das dividas do mundo — diriamos que é“o equivalente, nas altas financas, dos caras que vém quebraras suas pernas”. Comecel a falar sobre os aspectos histéricos, explicando que, durante a crise do petréleo na década de 1970, 08 s da Organizacio dos Pafses Exportadores de PetrOleo (Opep) injetaram tanto do dinheiro obtido com suas riquezas recém-descobertas nos bancos do Ocidente que estes ficaram sem saber onde investir; falei que o Citibank © 0 Chase, com isso, comecaram a espalhar agentes pelo planeta para tentar convencer os p ‘08 €0s ditadores do Terceiro Mundo a tomar empréstimos (na época, isso era chamado de ‘go-go banking’); falei de como eles comecaram fazendo os empréstimos a taxas de juros extremamente baixas que quase ime- diatamente dispararam para 20% ou coisa assim, devido a rigida politica finan- ceira des Estados Unidos no infcio da década de 1980; de como, nas décadas de 1980 €1990, isso levou a crise da divida externa dos paises do Terceiro Mundo; decomo o Fat interveioe insistiu que, para obterem refinanclamento, os pat ses pobres deveriam abandonar o subsidio de precos dos produtos alimenti- «ios basicos, ou mesmo politcas para a manutengio de reservas estratégicas de alimentos, e abandonar a assistncia médica e a educacdo pablicas;falei de como tudo isso levou 20 colapso dos principais apoios com que contavam alguns dos povos mais pobres ¢ vulneraveis do mundo. Falei da pobreza, do saque de recursos piiblicos, do colapso das sociedades, da violencia endémica, dda subnutricdo, da falta de esperanca e de vidas destruidas, —Mas sobre isso 0 que voce defende? — perguntou a advogada — Sobre o Ft? Queremos aboli-to —Nio, sobre divida do Terceiro Mundo. — Ah, queremos aboli-la também. Nossa primeira reivindicagao foi que 0 Fat parasse de impor politicas de ajuste estrutural, que estavam pro- vocando todos os danos mais imediatos, mas isso, para a nossa surpresa, ‘nds conseguimos realizar rapidamente. © objetivo de mais longo prazo era. anistia da divida. Algo como 0 Jubileu biblico. Na nossa opiniio— eu disse —, trinta anos de transferéncia de dinheiro dos paises mais pobres para 0 paises mais ricos jé bastam. —Mas —contestou ela, como se fosse uma coi 0 dinheiro emprestadol preciso pagar as propria bvia—eles pegaram das. diferente da que eu Entio percebi que aquela seria uma conversa mui tinha imaginado no inicio. Por onde comecat? Bu poderia ter explicado que esses empréstimos foram originalmente tomados por ditadores nao eleitos, que depositaram a maior parte do dinheiro diretamente em suas contas particularesna Suiga,e poderia ter dito para cla pensar se era justo insistir que os emprestadores fossem reem- bolsados, nao pelo ditador ou seus camaradas, mas com o dinheiro da comida que literalmente se tirava da boca de criancas famintas. Ou pensar que muitos desses paises pobres na verdade jétinham pagado trés ou quatro vezesa quan- tia que tomaram emprestada, mas que, gracas ao milagre dos juros compostos, ainda nio haviam reduzido de maneira significativa o principal da divida. Eu também poderia observar que existe uma diferenca entre tomar empréstimos e refinanciar empréstimos, e que para obter refinanciamentos os paises pre~ cisam seguir uma politica econémica ortodoxa de livre mercado criada em ‘Washington ou Zurique, com a qual seus cidadaos nunca concordaram nem is concordariam. E poderia observar ainda que era um pouco desonesto insistir que os Estados adotassem constituigdes democraticas e depois ressalvar que, independentemente de quem fosse eleito, os paises nao teriam controle tica, Eu poderia ter dito ainda a ela que as politicas econd- ‘micas impostas pelo Fu nem sequer funcionavam. Entretanto, o problema ai cera mais basico: a suposi¢do de que dividas tém de ser quitadas. Na verdade, o que mais me chamou a atengao na frase “é preciso pa- gar as préprias dividas” foi que, mesmo de acordo com a teoria econdmica padrio, isso nao é verdade. O emprestador deve aceitar determinado grau de risco. Se todos os empréstimos, mesmo que insignificantes, fossem re- cuperdveis ~se nao existissem as leis de faléncia, por exemplo -, os resulta- dos seriam desastrosos. Que taz6es teriam os emprestadores para conceder empréstimos absurdos? — Bu sei que isso pode parecer senso comum — disse eu, mas 0 en- gragado € que, em termos econdmicos, nao é assim que os empréstimos de- vyem funcionar. As instituigdes financeiras s4o veiculos de direcionar recursos para investimentos lucrativos. Se o banco tivesse a garantia de receber o seu dinheiro de volta, mais os juros, ndo importando o que ele fizesse,o sistema como um todo nao funcionaria. Imagine se eu entrasse na agéncia mais pré- xima do Royal Bank of Scotland e dissesse: “Vejam s6, acabo de apostar uma fortuna em cavalos, Serd que vocés podem me emprestar alguns milhdes de libras?”. claro que eles ririam na minha cara. Mas fariam isso s6 porque sa~ bem que, se 0 meu cavalo no chegar em primeiro lugar, ndo haverd chance de receberem o dinheiro de volta. Mas imagine se houvesse um tipo de lei que garantisse ao banco receber o dinheiro de volta, nao importando o que acontecesse, mesmo que isso significasse, por exemplo, eu vender a minha filha como escrava, retirar 0s meus Srgaos para comercializar ou algo desse esse caso, por que no? Por que perder tempo esperando que alguém entre no banco com um plano viavel de montar uma lavanderia ou alguma coisa assim? Essa ¢ basicamente a situagio que o Fad criou em escala global ~ por isso vimos todos aqueles bancos dispostos a desembolsar bilhSes de délares para um bando de vigaristas. A-conversa nao foi tio longe porque, em determinado momento, apa- eceu um especialista em financas, bébado, que nos viu conversando sobre dinheiro ¢ comegou a nos contar rias engracadas sobre risco moral ~ que logo derivou para uma explicagao Tonga e enfadonha de suas conquistas sexuais. Fui me esquivando e escapuli. Eu nunca soube ao certo como interpretar essa conversa. Seria posstvel que uma advogada ativista nunca tivesse ouvido falar do Fut ou ela estava sé brincando comigo? Conclui que, de um jeito ou de outro, ndo fazia diferenca. Durante varios dias, aquela frase continuou ressoando na minha cabesa: “E preciso pagar as proprias dividas.” A razio de a frase soar to poderosa se deve ao fato de ela no ser um enunciado econdmico: é uma afirmagio moral. Afinal de contas, 4 moralidade em si ndo diz respeito a pagar as proprias dividas? Dar as pes- soas 0 que Ihes é devido? Accitar as proprias responsabilidades? Cumprir as obrigacées para com os outros, assim como esperamos que os outros cumpram as suas para conosco? Quebrar uma promessa ou se recusar a pagar uma divida nao sao os exemplos mais ébvios de como fugir da propria responsabilidade? Percebi que era essa aparente obviedade que justamente tornara a de- dlaragio tio capciosa. Esse 6 0 tipo de discurso capaz. de fazer coisas terri- veis parecerem totalmente banais e desinteressantes. Talvez eu pareca estar exagerando, mas é impossivel nao ser contundente com questdes desse tipo depois de testemunharmos seus efeitos. Eu os testemunhei. Durante quase dois anos morei nas montanhas de Madagascar. Pouco tempo depois da minha chegada houve um surto de malaria. Foi um surto particularmente mortal porque a doenga tinha sido erradicada daquela regido havia muitos anos, de modo que, depois de algumas geracdes, a maioria das pessoas jé tinha perdido a imunidade. O problema era obter o dinheiro para manter 0 programa de erradicacao do mosquito: realizar testes periédicos para garan- tir que os transmissores ndo procriassem, e também para as campanhas de pulverizagao, caso se descobrisse que eles haviam procriado. Nao era tanto dinheiro assim, mas, devido aos planos de austeridade impostos pelo FMI, © governo teve de cortar o programa de monitoramento. Dez mil pessoas morreram. Conheci jovens mies chorando a morte de seus flhos. f defender o argumento de que a perda de 10 mil vidas humanas se justfique pelo fato de que o Citibank nio poderia ter prejuizos acarretados por um empréstimo irresponsavel que, de todo modo, nao faria grande diferenca no balango patrimonial do banco. Mas a advogada na festa era uma pessoa intei- ramente correta ~ alguém que, além disso, trabalhava para uma instituicio beneficente ~e considerava a questio ao pé da letra, em toda a sua obvie- dade, Como ela mesma disse, os pafses, afinal de contas, deviam dinheiro, ecertamente "é preciso pagar as proprias dividas”. Essa frasecontinuoume perseguindo durante as semanas seguintes. Porque divida? Oque tora esse conceito tio estranhamente poderoso? A dividados consumidores a forga vital da nossa economia. A divida passou a sera ques- to central da politica internacional. Mas ninguém parece seber exatamente o que ela é, ou como pensécla. © proprio fato de nao sabermos o que é divida, a propria flexibilidade do conceito, é0 fundamento da sua forca. Se ha algo que a histbria nos mos- tra, € que ndo existe maneita melhor de justificar relagdes baseadas na vio- lencia, de fazer essas relages parecerem morais, do que reenquadré-las na Jinguagem da divida— sobretudo porque isso faz com que a vitima seja vista como alguém que comete algo errado. Os mafiosos sabem disso. Assim como os comandantes de exércitos conquistadores. Hé milhares de anos, homens violentos se sentem autorizados a dizer a suas vitimas que elas Ihes devem algo. No minimo, elas “devem suas préprias vidas” (uma frase impressio- nante) por terem sido poupadas da morte. Hoje em dia, por exemplo, a agressii contra 2 humanidade, ¢ os tribunais internacionais, quando sio acionados, geralmente exigem que os agressores paguem uma compensagao. A Ale- ‘manha teve de arcar com reparages gigantescas depois da Primeira Guerra Mundial, eo Iraque ainda esta pagando ao Kuwait pela invasio comandada Por Saddam Hussein em 1990, No entanto, a divida do Terceiro Mundo, a ivida de paises como Madagascar, Bolivia e Filipinas, parece funcionar pre- ap zede> 40s op wry e ‘o1eIU9 ON s9zej Baan ogu anb epeu sozej ap win ogy opeuise owalns o ‘emuisu euMIN ty ‘joa ap opm sexe8sa1 sjodop wed seysardure aure a osjayup 0 2eBed v o-noftago “paua o vred wpewode eunze © W092 sj0q op uiao ap vou pun nosuesse onb opeianiut op: nooy OBIPE| _,opua4op 23 eaniso na anb sned eiuanburs sajanbe mbe exon ‘posg ta, 2581p 2 o81ure nau o esed jana our ‘oxtayunp 0 ranBag ,apuesd ori uae opu ozynfasd o anb auy, :Jasuad ‘exrerse9 & earSuroye ne osuenbuz _jwuead ewsseg, snoxts3 anb ewse run wo ona(ns wm ‘psiaasues Pn Puln 9p OpuA'soUt ap arueyp nod ‘squodar 2p ‘opwenb ‘oBeure umn wos exequrtes n2 ep O12) ays ‘uaszig a1ueipawioo op sexaejed sejpd epesoyjour ‘eua> e sousefan — aueBoj2 ou ou} “eSuDI2yTP UI py SOsINO UH SEH -eumyusu ‘2quauresaqo ‘S0se9 sop aured rorew EN ésarejop fur op .ownsa3d tua, wun e5ej 24] 290 anb afin ‘2000 exed epeiode eusze e wi0> ‘on win 2 ,opSoioxd ap wxei, ap sasp[0p [fur 9p ortoureBed o a80x2 2 2008 eied vue e eiuode aonb saisBupS win annua eSuasayip v fend) se[duroquod souresisaxd nb eoygsoly opisanb eusn ‘off ura yewuatrepuny ster OBfe ey ‘ur3104 ‘apepyiqesuodsaist eadosd ens sod sopesnes urezoy seura|qoad snas ot09 wre _=}sua say] soapgIDo Ise sazopasap Sop SOPEL SO.a— Ope] OF FBO BU CAMILLE] ” sagod o 9 seaseSepeyy 2 soonessorstse so.opanap so ogs soprun sopersy so ‘oseo assou sopSemis puso ep eperjdure owt opssaa Bu OWOD apepreMIE =p sretpuntu soonuguo29 sopz0oe so seurfeum sourapod ‘opou 012099, €.8Pt9}n a1q9}9 to ap soLI0W a1 anuDLUeSOpardu WELJOS 2, ‘orejas um ZIP Sou ouro>*, soH>1q 9 BuIfAs ap so21aqOD, ‘se[NasHUILL SepP> wid sorun sopeoyl “Hie uiesa sezqod sosopaaap ‘,uuntio9 10128, on ‘seanapsoad ap seauanbaiy sevsta zoqg2as umtpod a ‘sope: m sopeti> sod soptias ‘oyuta esopefas sozenuef urequn ‘easjeyssey no 299] 9p sagstid seu epesso exano wun sessed pour eu Stop wa SepIpIatp uroH9s saostsd sesso ap oxy o oy ze{ndod wsuasduan eu ser ~sodxo uteioy soxopaaap so ureseraozeou9 2s anb ura sagstid sep s90Sipuon se ‘optrenb ‘oorupisg oaod o wresezipepueose sreus aab sexsoqoasop sep eum ‘or sour SON “siual9yIp esroureus ap soperen wre10} audits ‘sa10p=aap op soda ‘sous99 9 ‘seplasp ap sodn sousa> ‘e11o3sry ep oBu0] oF ‘amb apeproA 9230 “opusdaiuose piso anb op apepyyeau e 328au 2p oana(qo oarun 0 wiod’,somnqin, o10> opt “,sownspidwa, ow0> souroureed sosso zee uno sist sted 0 amb ap cnuauunBie 0 rapus}op [198 9 seut—oupduur wan 9 ou onb ewizye ‘ore 9 ‘soprup sopeisg sop ousaa08 SOUpDS snas ap somnqin trer8rx9 a1uausseinBaz sorspdust so 2 9p sepeuscyp arotamuso urexa o1oxtz191 o1sdosd op 2103 sax seuaiuaa weyunuet anb sozearrur sepoupod se ‘opessed on ysoangist nO) esoumnsgidura ops :sopiun soper -enuno> 9 anb oxayup 9559 opor ap opSenais v9 yenb “opotz 0359] “oyzesit09 0 ogt:3 ‘soprun sopeasy sop sassazatut so u109 ‘ood o199 938 ‘opnauiosduio> sso syed 0 295 ouw>}saure-2120% oanN0sa] Op sojman soiues zmssod anb eyse eu v omsour 918 ont op seu “(nueTpe sreur sepeonidxe ogras onb szozes sod ‘feroadso ose> tn 9 syed assa) oof ou ‘onu eum e anb sjodap oonod uin nopnu oss] “09 appnbe woo sofed soruatuedinbo > seusse ap sepeBouivo seurs|soue-9}J0U soseq sod sopiaioud sopor asenb ~ ojfo5 op sasred a uesiny “epueitey ‘onde "Tes op e109 ‘eyueusajy —soprun sopeisy sop sazexpur sopesoimoad usu -ropnad ops ‘sose2 sop euoreur 8u ‘anb sagged ura sreuorominsut ssxopseaut 4od sopnueur osnosay, op soqnan ap eutioj ¥auinsse ‘opniuos ‘soprun soprisy " umeaesapysto9 soz sezmntt anb ‘sexessoistze sosaud 50) "Sa10195 Sop oanosay o vied opezsjeur> ayu9ut termos de divida, as pessoa de fato deve o que a quem. vitavelmente comegam a perguntar quem Discusses sobre a divida existem hé pelo menos 5 a maior parte da his il anos. Durante ria humana ~ pelo menos da histéria dos Estados €deimpérios ~,a maioria dos seres humanos recebeu a informacio de que é devedora.* Os historiadores, em especial os historiadores das ideias, estra- nhamente tém relutado em considerar as consequéncias humanas dessa situagio, tanto mais quando se leva em conta que ela ~ mais do que qual- quer outra ~tem causado indignagao e ressentimento. E improvavel que as pessoas fiquem sat as se dissermos a elas que sio inferiores, mas mui raramente isso as levard a uma rebelido armada. Contudo, é bastante prov’- vel que inspiremos manifestagdes de firia nas pessoas se dissermos que elas so iguais em seu fracasso, que por isso nao merecem nem mesmo aquilo que tem, ou seja, o que tém nao é seu por direito. £isso que histéria parece ‘os ensinar. Durante milhares de anos, a luta entre ricos e pobres assumiu de ‘modo geral a forma de conflitos entre credores e devedores ~ de argumen- tos sobre o que é certo e o que € errado em relacio a pagamento de juros, servidio por divida, anistia, eintegracdo de posse, restituigdo, sequestro de ovelhas, apreensio de vinhas e venda de flhos dos devedores como escravos, Nessa mesma logica, nos éltimos 5 mil anos, com uma regularidade impres- sionante, as insurreigdes populares comecaram da mesma maneira: com a destruicao ritual dos registros de dividas ~ fossem eles tabuletas, papiros, placas ou qualquer outra forma existente em dada época e local. (Depois disso, os rebeldes geralmente foram atras dos registros de posse de terra ¢ apuragio fiscal.) Como o grande helenista Moses Finley gostava de dizer, ‘no mundo antigo todos os movimentos revoluciondrios tinham um tinico plano: “Anular as dividas e redistribuira terra”? Nossa tendéncia a ignorar isso é ainda mais estranha quando pensamos em tudo que nossa linguagem moral ereligiosa contemporinea deve, origi- rnalmente, a esses mesmios conflitos. Termos como “perdao” e“remissdo” so apenas 0s mais Sbvios, pois foram tirados diretamente da linguagem das an- tigas finanges. Em sentido mais amplo, podemos dizer o mesmo de palavras como “culpa’, “liberdade”, “perdio”e até “pecado”. Discussdes sobre quem 6 realmente deve o que a quem tiveram papel central no nosso vocabulério bsico para nomear 0 que é certo eo que é errado. (O fato de grande parte dessa linguagem terse originado de debates sobre a divida torna 0 conceito estranhamente incoerente, Afinal de contas, para debater com o rei era preciso usar linguagem do rei, quer as premissas ini- cis fizessem sentido, quer nao. “ shutsarmos astra da did, eno, o que descobrmnos em pric meiro lugar é uma profunda confuséo moral. Sua manifestagao mais 6bvia que, praticamente em todos os lugares, a maioria dos seres humanos sus~ {enta a0 mesmo tempo que: 1) pagar o dinheiro que se tomou emprestado é ‘uma obrigaco moral, e 2) toda e qualquer pessoa que tena o costume de estar dinheiro é mé, on erie que as opinives sobre esse limo ponto variam considera: velmente, Um exemplo extremo poderia sera situago que 0 antropélogo francés Jean-Claude Galey encontrou na regio leste do Himalaia, onde, ainda na década de 1970, as castas inferiores ~ chamadas de “derrotados” pois se acreditava que essas pessoas fossem descendentes de uma populagio conquis- tada muitos sécuilos antes pela casta dos donos das terras— viviam em uma situacdo de permanente dependéncia financeira, Sem terras e sem dinheiro, far empréstimos aos proprietirios simplesmente ram insignifican- clas eram obrigadas as para ter o que comer — no pelo dinheiro, pois as quant tes, mas porque os pobres devedores tinham de pagar 0s juros na ~ de trabalho, 0 que significava que, quando muito, eles tinham comida cabrio enquanto limpavam as dependéncias dos credores e arrumavam o telhado de suas choupanas. Para os “derrotados” ~ assim como para amaior parte da populacio, na verdade ~ as despesas mais importantes da vida eram com ca~ samentos e funerais. Para isso era preciso boa quantia de dinheiro, que sempre snha de ser tomada emprestada. Nesses casos era pratica comum, explics Ga- Tey, que 0s agiotas exigissem uma das filhas do tomador do empréstimo como ‘garantia, Assim, muitas vezes, quando um homem pobre precisava fazer um cempréstimo para o casamento da filha, a garantia era a propria noiva. Bla tinha de aparecerna casa do emprestador depois da noite de népcias, passer alguns ‘meses li como concubina e mais tarde, quando ele jé se entediara, era enviada v ara algum campo de extraco de madeira da regido para trabalhar durante tum ou dois anos como prosticuta, pagando assim a divida do pai, Uma vez aga a divida ela voltava para 0 marido e comecava a sua vida de casada.> Isso parece chocant ivez até ultrajante, mas Galey nao relata nenhum ent de injustica generalizado na populacio. Todos pareciam achar que era.assim mesmo que a coisas funcionavam, Tampouco havia muita preocu- Pacio entre os brimanes locais, que eram os drbitros supremos em questdes de moralidade— o que nao surpreende muito, uma vez que os agiotas mais Proeminentes muitas vezes eram os préprios brimanes, Mesmo nesse caso, é claro, torna-se dificil saber o que as pessoas diziam entre quatro paredes. Se um grupo de rebeldes maoistas estivesse prestes a tomar de repente 0 controle da regito (alg vam nessa parte da india ural) e capturassem usurérios locais para serem julgados, nds ouviriamos todo tipo de opinides, Anda assim, o que Galey descreve, como eu disse, representa um extremo dessa possibilidade:o extremo em que os préprios usurérios sdo as autorida- des morais supremas, Compare isso, digamos, com a Franga medieval, onde © status moral dos agiotas estava seriamente em questio. A Igreja Cat sempre proibiu a pratica de emprestar dinheiro ajuros, mas as regras muitas ‘exes calam em desuso, levando a hierarquia da lgreja a autorizarcampanhas de pregacio, a mandarfrades mendicantes de cidade em cidade para alertar 08 usurdrios de que, se nio Se arrependessem e restituissem plenamente to- dos os juros cobrados das vitimas, eles certamente iriam para inferno, Esses sermdes, muitos dos quais sobreviveram, so cheios de historias de horror sobre o julgamento de Deus reservado aos emprestadoresimpeni. fentes: casos de homens ricos acometidos pela loucura ou por doengas ters. ‘els, assombrados no leito de morte por pesadelos com cobras ou deménios ue logo lacerariam ou comeriam sua carne. No século x1t, quando essas campanhas chegeram ao auge, comesaram a ser empregadas sanges mais diretas. O papado expediu ordens aos pérocos locais para que todos os usu. ‘irios conhecidos fossem excomungados: estavam proibidos de reccber os sent sacramentos e sob nenhuma circunstancia seus corpos seriam enterrados em solo sagrado, Um cardeal frances, Jacques de Vitry, registrou por volta de mo 8 hist6ria de um agiota particularmente influente cujos amigos tentaram seiner roo pra que ete isa grosneprine sareter0 0 cemitério local: camo vais oso mor ae mintenes ope Spates "emer acre ines bere gualéavontdedeDeus qu ear com o coro. Para onde que vrmnoolkn ires, ld eu o enterrarei”. Sasol shum campos oa enor O po edn so a ges nese eta ups aexqbers aa Ga cidade cer a bo sibulo em queladrdes eram enforeados. © asno entZo dew um pi- soecnrovoconosercum monte dexcrenentn nbs dopa poteclangou corp sobre atura mundial, é quase impossivel encontrar ‘Ao examinarmos ° ov sma tnica representagio favordvel aalgum agiota — ou, seja como for, agiota profissional, que, por definisao, é aquele que cobra juros. NZo we exste otra prfissio (ade gos?) com ua imager rim lo conga Tate dalgo especialmente note quando pensmos que, 9 omtiio dos algozes, os uuritis geralmente esto ene os asics e poderos éeswascomunidades, Condo, prbpro noms “usuriri™ erocaimagensde autres, dinheiro sujo, cobrangas abusivas, comércio de almas ports ‘tudo, o deménio, muitas vezes representado como uma eee des 7 um condor malign coms ose egistos ou come una igure Pa 3s costas do usuririo, esperando 0 momento de tomar posse da alm: vito que_em razdo de seu ofcio,obviamente fe um pacto com onferno. in perms histricos howve apenas duas maneies efcaes de um empres- crfigiede aes mnsabilidade em um ter- tadortentar fugir de seu oprébrio: ou jogando a responsabilidad coe ceiro, ov afirmando que 0 tomador do empréstimo é ainda pior. Na Europa: re dieval, por exemplo os fidalgosincorriam na primeira cago empregindo deus como seus sub-ogados, Mitos lava inclusive em “osss"judeos noe seja,judeus sob sua protecio pessoal, embora na pratica isso geralment signiticasse que eles, em primeiro hugar, negariam aos Indes gue vam am seus territ6rios quaisquer meios de arcar com a prépria sobrevivencia, usura (assegurando-s ‘eura (essegurando-se de que fossem muito odados)« depol3€voltariam €sses judeus, afirmando serem criaturas detestaveis e tomando para si 0 dinheiro deles. A segunda categoria 6 mais comum ~ mas costuma levar imo sao igualmente de que, muito prova- conclusio de que ainbas as partes envolvidas no em culpades; de que. situagio como um todo é despr velmente, as duas partes so malditas Outras tradigdes religiosas tém perspectivas diferem leis od medievais, além de os empréstimos a juros serem admissiveis (a tinica condigio era que os juros no excedessem op sco ° ncipal) era comum di- er que o devedor que nio pagasse renasceria como escravo da residéncia de oa credor ou, em c6digos posteriores, renasceria como seu cavalo ou boi, siemacon onto deere rape emmatacoreng lo budismo. Todavia, no moment réioses fo em que se supunha que os usurari tavam indo longe demai amotipede teva olen “ is, comesava a aparecer exatamente o mesmo istorias encontradas na Europa. Um escritor japoné: critor japonés medieval c delas indo tratar-se de uma historia verdadeira ~, sobre o tertivel de tse de Hiromushime, esposa de um abastado governante dis ie le 76 a.C. Por ser uma mulher excepcionalmente gananciosa, al, por volta ch acresentava gua agutrdente dearor qu vendeur bastante cams ls Ro dam sn empresa "um mer peqsno, mismo di a elt se unr fe Ques emperors prep Iasquando rein pagan cn gan gens Orne lnohinia de anc ogadneraenorme-perene deren, es mais que a quantidade do empré: i sf aocober + did entodemonsrva enhuma compatie orca dose can esas ficaram angustadas:abandonaram sua residéniaparase atten, dela, peregrinando para outras provincias.* “ee Depois que ela morreu, «po ss monges rezaram sobre seu caixio durante 4ias. No sétimo, misteriosamente ela voltou 3 vida: anes “Aqueles qué'chegavam para vé-la deparavam com um fedor indescritivel havia se transformado em um boi com chifres Da cintura para cima, de dez centimetros na testa, As duas mios tinham virado cascos, eas unhas estavam rachadas, lembrando agora frente do casco de um boi. Da cintura para baixo, porém, 0 corpo ainda era humano. Ela nfo gostava de arroz ce preferia se alimentar de grama, Nao comia, ruminava. Nua, deitava sobre © proprio excremento? fami. Curiosos chegavam de todo canto. Sentindo culpa e vergonha, lia tentou desesperadamente comprar 0 perdido: saldou todas as dividas que tinha com as pessoas ¢ doou grande parte de sua riqueza para instituigdes, religiosas. Por fim, compassivamente, o monstro morreu. ‘O autor, um monge, sentia que essa historia representava um claro exem- plo de reencarnacio prematura~a mulher estava sendo punida, de acordo coma lei do carma, por violacdes que cometera contra “o que € tanto razofvel quanto correto". © problema era que as escrituras budistas, no que diz. res- peito ao tratamento que davam explicitamente& questo, no forneciam um precedente. Em geral, eram os devedores que supostamente reencarnariam como bois, nao 0s credores. Sendo assim, no momento de explicar a moral da histéria, o autor deu um esclarecimento muito confuso: Assim diz um sutra: “Quando no restituimos aquilo que tomamos empres- tado, nosso pagamento ser renascer na forma de boi ou cavalo”.“O devedor , repetindo: “O deve- é como um escravo, 0 credor & como um mestre.” dor é um faisio, seu credor, um faledo". Se sua situacio for ade quem conce- 10, nao pressione excessivamente o devedor para que The eteréde trabalhar dew um empr pague. Se assim o fizer, voc® renascerd como cavalo ou para seu devedor e pagar muito mais do que lhe é devido."” is instalados Como fica, entio? Os dois nio podem acabar como an no curral um do outro. ‘Todas as grandes tradigdes rel as parecem martelar nesse dilema, de ‘uma forma ou de outra. Por um lado, uma vez. que todas as relacdes humanas, cavolvem a divida, codos esto moralmente comprometidos, £ provavel que meupadasdealgo to somenteporeauren emrenaes ses, correm um grande risco de se tornarem culpadas Seo pagamento for atrasado, Por outro lado, quando dizemos oon - {esas como seniodevessenadaa ningun dicimeme estamos, descr. Iguém como um modelo de virtude, No mundo secula consiste basicamente em cumprir nossas oby frcsaarse temos uma persistente tendéncia a ima Os monges talvez possam evitar 0 secular, mas 0 rigacdes para com os outros, e iginar essas obrigagses como dividas. lema solando-se totalmente d ante de nds parecemos conden: sovnvens ee idenados a viverem umm universo A historia de Hiromushi Sria de Hiromushime é o exemplo perfeito do im, acusagao para o acusador ~ assim como na hist Cetigomawes asno, a énfase dada ao excrement tem um sentido de justica poética, inate Ha um modo muito mais intenso e: visceral de colocar means weno: Quem realmente deve o que a quem?", mame oe di ° oe “nosso. Pagamenso sera renascer como. ‘cavalo sabones “ Se vocé for um credor injusto tera que “pagat 7 memes ‘exatamente que nosso senso de moral e tum acordo comercial? © que signifi livro:o que significa dizer justica é reduzido a linguagem de ica reduzirmos as obrigagdes morais a ido de tal forma moldada pek certo ponto, a diferer ac 7 Shee adhe a 0, diferenga entre “obrigacao e divida. ésimplese bvia a ‘tea esto de page cena quanta de dinero Diswrendannec ae diferentemente de qualquer outra forma de obrigacio, pode ser quantificada ‘com precisdo. Isso permite que as dividas sejam tomadas como alguma coisa simples, fra e impessoal ~0 que, por sua vez, permite que sejam transferiveis. Quando se deve um favor, ou a propria vida, a outro ser human sede algo devido apenas aquela pessoa. Mas quando sio devidos 40 mil délares a 296 de juros, na verdade nao importa quem é o credor; tampouco importa, a qualquer uma das partes, pensar no que a outra precisa, deseja ou & capaz, de fazer—como ocorreria pensar seo que se deve é um favor, respeito ou gra- tiddo, Nao & preciso calcular os efeitos humanos; s6€ preciso caleularo prin- cipal, saldo a pagar, as multas eas taxas de juros. Se voc® tiver de abandonar aa sua casa e mudar para outras provincias, se sua filha for para um garimpo ‘como prostituta, tudo bem, sera uma desgraca, mas isso é secundério para ocredor. Dinheiro é dinheiro, etrato étrato. essa perspectiva,o fator crucial, ¢ 0 assunto que seré explorado detalha- tem o dinheito de transformar a npessoal -e, a0 fazer isso, dejustifi- damente nestas paginas, € capacidade ‘moralidade em uma questio dearitmé car situagBes que, de outra maneira, pareceriam ultrajantes ou obscenas. 0 fator davvioléncia, ao qual dei algum destaque até agora, pode parecer secundério. O que criaadiferenca entre uma “divida” e uma simples obrigagdo moral nao € a presenga owa auséncia de homens armados que podem fazer com quea obti- gacio seja cumprida tomando as posses do devedor ou ameagando quebrar as suas pernas, mas é simplesmente o fato de o credor ter 0s meios de especiticar, em termos numéricos, exatamente quanto 0 devedorIhe deve, ‘No entanto, dluz de uma anélise mais profunda, descobrimos que esses icacdo ~estdo intimamente ligados. dois elementos ~a violencia ¢ a quai Naverdade, é quase impossivel encontrarmos um sem 0 outro. Os usuririos franceses tinham amigos e mandantes poderosos, capazes de intimidar até ‘mesmo as autoridades da Igreja. De que outra maneira cles conseguiriam cobrar dividas que eram tecnicamente ilegais? Hiromushime era totalmente inflexivel com seus devedores — “no demonstrava nenhuma misericordia”- mas, por outro lado, seu marido era 0 governante. Ela nao tinha de demons- trar misericOrdia. Quem nao dispde de um exército armado atris de si nio tem condicées de ser tdo severo. 3 © modo como a violencia, ou a ameaca de violencia, transforma as rela- Ges humanas em matemiética vai a dest sparecer muitas outras vezes no decorrer * Trata-se da maior fonte de confusio moral que parece rodear tudo 0 que diz respeito 20 tema da divida. Os di Ser Go antigos quanto a propria civilizagio. Fodemos observat o processo os Primeiros documentos da antiga Mesopotamia; sua expressio filosé. fica inicial aparece nos Vedas, reaparece em infindéveis formas ao longo da bistia escrta ainda serve de base para aestrutura essencial de noseas ‘uigdes atuais ~ Estado e mercado, nossas concepcdes mais basicas de putureza¢ Uberdade, moralidade, sociabildade-, todas elas moldadas por historias de guerra, conquista e escravidio de uma somos capazes de perceber isso coisas de outra forma. mantira que jé nfo Porque jd ndo conseguimos imaginar as For motivos Obvios, este é um momento particularmente importante para Teexaminar ahist6ria da divida. Em setembro de 2008 viu-se 0 inicio de uma crise financeira que quase levou a economia: Em muitos aspectos, ‘mundial a repentina estagnacio. 50 de fato ocorreu: muitos navios pararam de cruzer 8 occanos ¢ outros milhares foram abandonados ou até destruidos e man. dados para o fero-velho." Guindastes de construgdo foram desmontados ols nao havia o que construir. Os bancos pararam de fazer e A fiiria e @ perplexidade das pessoas ndo foram a iinica o Ga crise: comecou também um debate pblico efetivo sobre anaturces ce divide, do dinheiro e das instituigdes financeiras, um debate que poderia mudar o destino dos paises mpréstimos. onsequéncia Mas fot apenas um momento. O debate nunca chegou a acontecer realmente, FHavia uma razdo para as pessoas ao menos estarem prontas para essa conversa: historia que todas elas tinham ouvido nos dez ou mais anos an tevlores se sevelou uma mentira colossal, Nao hd uma maneira mals pat. vel de dizer isso. Durante anos, todos nds ouvimos falar de ume penea de sMovasbes financeiras ultrassofisticadas erivativos de crédito emercadori, 24 derivativos de da divda et. E3ses novos mercados de derivatives eram to inacreitvel- mente sofisticados que ~ de acordo com uma hist6ria que se ouvia a época— uma famosa empresa de investimentos teve de empregar astrofisicos para operat programas de compra e venda tio complexos que nem os financistas conseguiam entender. A mensagem era clara: deixe isso para 0s profissio- nals, voct provavelmente ndo conseguiré entender nada, Mesmo que vocé ‘no goste muito dos investidores financeiros (e poucos parecem dispostos a defender que eles tenham algo de agradavel) trata-se de um pessoal muito capacitor na verdade, Go excepcionalmentecapacitado que fiscalizacto ‘mesmo diversos académicos se deixaram levar por isso. Eu bem me lembro de ir a conferéncias em 2006 ¢ 2007 em que cientistas sociais badalados apresenta- ram artigos argumentando que essas novas formas de securitizaclo, aliadas a novas tecnologias da informacZo, anunciavam uma transformagio iminente lade ~e até da propria realidade. " Eeles eram mesmo) nna propria natureza do tempo, da possi Lembro de ter pensado: Entio, quando a situacao degringolou, descobriu-se que muitas dessas inovagdes financeiras, etalvez.a maior parte delas, ndo passavam de fraudes sm operagSes como oferecer hipotecas muito bem elaboradas. Consist ara familias pobres ~ pla wvestidores institucionais (representando, talvez, os fundos de pensio do titularda hipoteca), afirmando que ele renderia dinheiro independentemente do que acontecessee que permitiria aos dito investidore passarem os pa- cotes para. frente como se fossem dinheiro; transferir a responsabilidade de pagar a aposta para um conglomerado de seguros gigante que, caso tivesse de se esconder embaixo do peso de sua divida resultante (0 que certamente teria entdo de ser socorrido pelos contribuintes (como de fato «esses conglomerados foram socorridos).? Em outras palavras, parece bro com uma elaborada ¢ incomum versio do que os bancos fizeram quando eemprestaram dnheiradtadores na Bolivia eno Gabo no inal da década de 2970: realizaram empréstimos totalmente irresponséveis com a plena ciéncia las de tal maneira que tornavam inevitavel 0 de que, quando os politicos e burocratas soubessem o ‘que tinham feito, estes Jutariam para garantir que fossem reembolsados de qualquer maneira, no Importavam quantas vidas humanas tivessem de ser arruinadas e destruidas A diferena, no entanto, foi que dessa vez os banqueiros o fizeram em ‘uma escala inconcebivel: a soma total da divida acumulada era muito maior do que a soma do produto interno bruto de todos 0s paises — isso deixou 0 ‘mundo em um estado de panico e quase destruiu o proprio sistema Exércitos e policia se reuniram rapidamente para combater as revoltas e agitacdes esperadas, mas, a principio, nenhuma se materializou. Tampouco hhouve mudancas significativas no modo de funcionamento do sistema. Na época, todos imaginaram que, com ins igBes centrais do capitalismo (Lehman Brothers, Citibank, General Motors) desmoronando, e vindo a luz ‘tudo que havia de logro naquela suposta sabedaria superior, ns pelo menos Tecomegariamos uma discussio mais ampla sobre a natureza da divida e das instituigées de crédito, E ndo apenas uma discussio, ‘A maior parte dos norte-americanos parecia estar aberta a soluges radicais, Pesquisas mostraram que uma maioria avassaladora achava que os bancos ndo deviam ser resgatados, independentemente das conseuéncasecond- aicas, mas que os cidados comuns acuados por causa de hipotecas podres deveriam ser socorridos, Por isso ter ocorrido nos Estados Unidos, trata-se de algo bastante extraordinario, Desde a época colonial, os norte-america- fos sdo a populacao menos solidéria com os devedores. O que é esiranho, de certa forma, pois o pais foi povoado por devedores em fuga, Mas trata-se ddetum pais onde aideia de que a moralidade estérelacionada 20 pagamento as proprias dividas € muito mais atraigada do que em qualquer outro. Na €oca colonial, costumava-se pregar nos postes, pelas orelhas, os devedores insolventes. Os Estados Unidos foram um dos iltimos paises do mundo a adotar uma lei de falencia: embora em 1787 a Constituigio tenha incumbido © novo governo da criagdo de uma, todas as tentativas foram rejetadas ou rTevogadas em razo de “fundamentos mor 898.” Foi uma mudanca hist6rica. Por isso mesmo, talvez, as pessoas encarregadas de conduzir no século xxr debates nos meios de comunicacio ¢ os legisladores decidiram ‘que esse nio era o momento. O governo dos Estados Unidos fez um curativo 26 de 3 trthdes de d6lares para tentar resolver o problema enio mudou nada. (Os banqueiros foram salvos, mas os devedores pequenos ~ com pouguissi- mas exceges ~no."* Pelo contrério, no meio da maior recessdo econémica deste a décatade o,f comegimos er uma rag adress cont os devedores— conduzida pelas corporacées financeiras que, para aplicar todaa forsadalei contra os cidadios comuns que passam por problemas Sane 10s, agora recorrem ao mesmo governo que as socorreu. “Nao é crime dever dinheiro’, afirma o Star Tibune de Minneapolis-Saint Paul, “mas as pessoas esto sendo presas rotineiramente por ndo conseguirem pagar suas dividas". Em Minnesota, “o uso de mandados de prisio contra devedores aumentou 60% nos iltimos quatro anos, com 845 casos em 2009. [.] Em Illinois eno sudoeste de Indiana, alguns condenam a prisio devedores que nao cumprem ‘0s pagamentos de dividas expedidos pela Justica. Em casos extremos, as pestoas fcam presas até conseguirem o valor do pagamento minimo, Em 1m juiz. sentenciou um cidadao de Kenney, Ilinois, & prisio ‘por tempo indeterminado’, até que conseguisse a quantia de trezentos d6- f lepésito de madeira”. lares para pagar a divida feica em um dep tim ours plas, estamos vendo oretorno de alg mito paso comas prises de devedores. Alguma coisa afnal tinha que acontecer. Em 201, depois que uma onda de movimentos populares varreu o Oriente ‘Médio e ecoou no mundo todo, milhares de pessoas na Europa ena Amé- ir na necessidade de uma discussio sobre rica do Norte comegaram a insi as questdes basicas levantadas em 2008. As manifestacées logo consegui- ram chamar a atencdo para sie, em seguida, foram alvo de uma repressio € da teprovacao da imprensa. Tudo isso apesar de a economia mundial estar mergulhando inexoravelmente em uma nova catéstrofe fi- nanceira~ea nica pergunta verdadeira é quanto tempo ela vai durar.Che- 1 em que até mesmo algumas das principaisinstituigOes sto sbrigadass amit que essa catastrofe esta obrigadas a admitir, ainda que de maneira téci de fato se aproximando. Em meados de 2012, 0 Banco Central american propds um ambicioso plano de alivio das hipotecas, plano que a classe po- litica simplesmente no quis levar em consideragio. Durante um tempo, até 0 Fail, sob a diregdo de Dominique Strauss-Kahn, comecou a tentar se reposicionar como a consciéncia do capitalismo global, emitindo alertas de que, sea economia continuasse no curso atual, algum tipo de crise seria inevitavel e provavelmente nio haveria outro resgate financeiro: as pessoas simplesmente nio apoiariam iss0, ¢, por fim, tudo iria desmoronar. “Fut ta que segundo resgate financeito seria uma ‘ameaga & democtacia”, dizia uma manchete a €poca." (& claro que por “democracia” eles entendem smo") Certamente isso significa que, mesmo aquelas pessoas que se sentem responsaveis por manter o funcionamento do sistema econémico global atual, pessoas que ha apenas alguns anos agiam como se pudessem adivinhar que o sistema em vigor existiria para sempre, agora veem pot todo lado a iminéncia do apocalipse. Nesse caso, o Fh tem raziio, En6s temos todos os motivos para acreditar que iar de transformag&es extremamente importantes. Sabe-se quea tendéncia comum é imaginar tudo o que nos cerca como absolutamente novo. E isso é to mais verdadeiro com relacZo ao dinheiro, Quantas e quantas vezes no nos disseram que o aparecimento da moeda Virtual - ou seja, a transformacdo do dinheiro em plastico e das cédulas em informagao eletrOnica ~ esté nos levando a um mundo financeiro novo, ‘nunca visto? A suposigdo de que jé viviamos nesse territério inexplorado, é claro, foi um dos fatores que ajudaram grupos como Goldman Sacks ¢ AIG &convencer as pessoas com tanta facilidade de que provavelmente ninguém entenderia seus novos e fascinantes instrumentos financeiros. Quando ana- lisamos a questo em uma escala hist6rica ampla, no entanto, a primeira estamos n coisa que aprendemos é que ndo ha novidade nenhuma na moeda virtual. Na verdade, essa era a forma original de moeda. Sistemas de crédito, contas a Pagar, até mesmo contabilidade de despesas, tudo isso jé existia muito antes do dinheiro vivo. Essas coisas so t€o antigas quanto a propria civilizacio. ‘Também descobrimos que a hist6ria tende a alternar periodos dominados Por lingotes —em que 0 ouro e a prata sto considerados moeda —e periodos em que a moeda é tida como uma abstra¢o, uma unidade virtual de conta~ bilidade. No entanto, em termos histéricos, a moeda virtual, ou dinheiro de = crédito, vem primeiro, ¢ 0 que testemunhamos hoje é um retorno de supo- siges que teriam sido consideradas Obvias e de senso comum, digamos, na dade Média ou até mesmo na antiga Mesopotamia. Porém, a historia nos dé pistas fascinantes do que podemos esperar. Por ‘exemplo: no passado, 0s periodos de moeda virtual, ou dinheiro de crédito, implicaram invariavelmente a criagdo de instituigdes feitas para evitar um descontrole completo ~ para evitar que os emprestadores se juntassem aos icos e esvaziassem o bolso das pessoas, como parecem fazer agora, Esses periodos sio acompanhados pela criagao de instituicdes destina- das aproteger os devedores. A nova era do dinheiro de crédito em que estamos parece ter se iniciado de maneira invertida. Ela comegou com a criacio de instituigoes globais como o Fat, destinadas a proteger nao os devedores, mas, 0s credores. Ao mesmo tempo, dentro da escala hist6rica que empregamos aqui, uma década ou duas nao é nada. Nao temos ideia do que esperar, iro, portanto, é uma histéria da divida, mas também recorre a essa histéria a fim de fazer perguntas fundamentais sobre 0 que so 0s seres hu- manos ¢ a sociedade humana, ou sobre o que eles poderiam ser ~ sobre 0 que realmente devemos uns aos outros e até o que significa fazer essa per- io, destruir uma série de mitos —néo s6 jo no proximo capitulo, mas também gunta. Assim, olivro tenta, de ito do escambo, que é discu mitos rivais sobre dividas primordiais para com os deuses, ou para com 0 Estado ~ mitos que, de uma forma ou de outra, sdo a base das suposigbes criadas pelo senso comum sobre a natureza da economia ¢ da sociedade. Na ética do senso comum, Estado e Mercado se destacam acima de tudo rica, porém, re- ‘como principios diametralmente opostos. A realidade his vyela que os dois nasceram juntos e sempre estiveram entrelagados. Veremos que todas essas concepcdes equivocadas tém em comum 0 fato de tende- ema reduzir todas as relagdes humanas troca, como se nossos lagos com a sociedade, ou mesmo com o proprio Cosmos, pudessem ser imaginados nos mesmos termos de um acordo comercial. Isso nos leva a outra questao: se elas no forem troca, o que serdo? No capitulo 5, comegarei a responder a 29 €8sa questio recorrendo aos frutos da antropologia para fazer uma deseri- ‘40 ampla da base moral da vida econdmica. Depois retorno & questo das origens do dinheiro para mostrar como 0 proprio principio de troca surgi em toda parte como efeito da violencia ~as origens verdadeiras do dinheiro devem ser buscadas no crime e na recompensa, na guerra e na escravidio, na bonra,na divida ena redengio. Isso, por sua vez, abre caminho para comecar, zo capitulo 8, uma verdadeira hist6ria dos tltimos 5 mil anos da divida edo crédito, com suas grandes alternancias entre periodos de dinheiro virtual ¢ fisico. Muitas das descobertas do capitulo sio surpreendentes, como o fato dos concetos modernos de direitos liberdades terem sua orgem na antiga Tei da escravidio, de o capital de investimento ter sua origem no budismo chinés medieval, ou ainda o fato de que muitas das mais famosas teses de ‘Adam Smith parecem ter sido plagiadas de obras escritas p ‘mercado na Persia medieval (uma ideia que, aprop6: teressantes para compreender 0 apelo atual do isl pol cenario para uma abordagem nova do Pelos impérios capitalistas, enos permite pelo menos comecar a perguntar 0 ‘que pode realmente estar em jogo nos dias atuais, Durante muito tempo, o consenso intelectual foi que nfo podemos mais fazer Grandes Perguntas. A cada dia que passa, no entanto, parece que ndo temos outra escolha. 2. O mito do escambo Para cada pergunta sutile complexa hi uma resposta pperfeitamente simples e clara: a que esté errada, H LMENCKEN (CrTAGhO LIVREMENTE ADAPTADA) Qual 6a diferenca entre a mera obrigacio, a sensacio de que é preciso se comportar de determinada maneira, ou de que se deve algo a alguém, ea divida propriamente dita? A resposta € simples: o dinheiro, A diferenca entre a divida ea obrigacdo é que a divida pode ser quantificada com precisa. Eisso requer dinheiro, Nio é 56 0 dinheiro que torna a divida possivel: dinheiro e divida apare- cem em cena exatamente ao mesmo tempo. Alguns dos primeiros documen- tos escritos que chegaram aténés sto tabuletas mesopotémicas com registros de créditos e débitos, provisdes distribuidas pelo templo, dinheiro devido pelo aluguel das terras do templo, com o valor de cada item especificado precisa- mente em grdos ¢ prata, Algumas das primeiras obras de filosofia moral, por sua vez, Séo reflexos do que significa conceber 0 comportamento moral nos _mesmos termos com que se trata a divida ~ ou seja, em termos monetirios. Una historia da divida, portant ia dodi- nheiro—ea maneira mais fécil de compreender o papel que a divida desempe- inheiro é necessariamente uma his nnhow na sociedade humana consiste em acompanhar as formas que assumiu, ¢ 0 modo como o dinheiro foi usado ao longo dos séculos, bem como as discussdes resultantes sobre o significado disso tudo. Ainda assim, cesta é necessariamente uma hist6ria do dinheiro bem diferente daquela coma qual estamos acostumados. Quando os economistas falam sobre a origem do dinheiro, por exemplo, eles sempre consideram a divida algo secundario. Primeiro vem 0 escambo, depois 0 dinheiro; 0 crédito s6 se desenvolve pos- teriormente. Mesmo quando consultamos livros sobre a hist6ria do dinheiro, Por exemplo, na China, Franga ou india, o que geralmente encontramos éuma hist6ria da cunhagem, com pouguissimas discusses sobre acordos de crédito. Durante quase um século, antropélogos que segue a mesma linha de ra- . Colares de corais jéseriam lum questdo totalmente diferente; seria preciso dat em troca outro colar ou pelo menos outra joia os antropélogos costumam se referir a essas si. {tuagdes como criadoras de diferentes “esferas de troca’.® De certa forma, isso simplificaas coisas. Quando o escambo transcultural se torna uma coisa ‘gular e corriqueira, ele tende a funcionar de acordo com priacfpios seme. thats: existem apenas certas coisa trocadas por otras (toupas porlancas, Por exemplo), o que facilta a elaboracao de equivaléncias tradicionais. No entanto, isso nao nos ajuda em nada no problema da origem do dinheiro. Ao contsério toma tudo ainda mais difcl. Por que estocar sal, uro ou peixe se les s6 podem ser trocados por certas coisas e ndo outras? Na verdade, ha boas raz6es para acreditarmos que o escambo no é um Fenomeno paricularmente antigo, masque 6 se difundia de fato nos tempos ‘moderos. Na maioria dos casos que conlnecemos el acontece entre pessoas femillrizadas com o uso da moeda mas que, por uma ou por outreraz30, no ‘om tanto dinheirodisponivel Sistemas de escambo maiselaborados em geral alloram como consequéncia do colapso de economias nadonais:- mais ecente- ‘ments,na década de1990,na Rissia,¢ por ola de 2002, a Argentina, quando ‘5 rublos (no primeiro caso) e os lares (no segundo) desapareceram Em determinadas ocasiées ainda é possivel encontrar algum tipo de moeda come. sando a se desenvolver: por exemplo, nos acampamentos de prisionsiros de Suerra ¢ em muitas prisdes €sabido que os reclusos usam cigtrros como um "ipo de moeda, para o deleite e a comogio dos economistas profissionais”” fo amos falando de pessoas que cresceram usando o di- csvset eames" neiro e agora precisam se sans ‘eter sido isso que aconteceu quando a maior parte da Europa’ foe rarvo escamo" depois do colapso do Império Romano e também depois waco Império Carolingio desmoronos da mesma maneira. As pessoas con- versaram mantend suas contas no antigo diahciro imperil, mesmo Gut so urtsem mals moedasurhadas>*De mania emelbant, ox acs omens que gostam de rocarbciletas por umentos, conhecem muito bem theiro. O dinheiro existiu naquela parte do mundo por milhares simplesmente preferem a troca direta entre iguais —nesse caso, homens couso do de anos. E ema jue a consideram mais masculi ; roras mis notévelé que mesmo nos exemplos de Adam Smith sobre pete 10s etabaco usados como dinheiro acontecia o mesmo tipo de coisa. Nos noe que se seguiram A publicagdo de A rgueza das nae, os pesquisado~ se meigunram amir pure dos exxmplos edesecbrien uae eh tsa aspen ecb ates an com o uso do dinheiro e na verdade usavam o dinheiro ~ como unidade de contas ® Tomemos o exemple do bacalhau seco, supostamente usado como ‘moeda em Terra Nova. Como afirmou o diplomata inglés A. Mitchell Innes hha quase um século, o que Adam Smith descreve na verdade era uma ilusa0 criada porum simples acordo de crédito: Nos primeiros dias da indiistria de pesca em Terra Nova, nao havia una populagao permanente europeia: os pescadores iam pesos: porada de pesca, € os que nfo eram pescadores eram com ion diam para os pescadores seus suprimentos diri pravam o peixe seco e vendiam para os p nosis. Estes vendiam a pesca para os comerciantes conforme o prego de mer cm libras, xelins e pennies, e obtinham como retorno um crédito nas contas, ents. O salle develorporpae dos com gual pgnvar por eu soprime ° contre : jlaterra ou na Franga. quasea meta ois no areca: Nao realmente entrassem em um a ne apeme saberna local, jogassem um prego no baled resem caneode erg Osemprepdores.napoca de Adam Podiamatassrumanoou ma nein eacontdense cong ‘os empregados levassem embora a a sobra de mat i era considerad active que is produtos que fabricaram ow alguma de trabalho, como madeira, tecidos, cord 7 ram de fato interessantes por serem prego Es pregos erie Produto dos empregadores. Entio eles enagtabernas abrir uma conte. quando a oasio permit, evan Rode Pregos para liquids divide, O fo dea liter tornado tabaco wine ‘moeda correntna Virginia parece ter sido uma rentativa dos agriultons de rigar os comerciantes locais a aceit de colheitas. Com efeito, cores de itar 0 produto como crédito na época Obrigou todos os comerciantes na Virginia a sistema do Egito faradnico (que parece semelh, a Si c i ante), 0 da China da dinastia Shang Koaual Powcosbame 0u10 da civilizagdo do Vale do Indo (be © qual ndo sabemos nada). Alids, sabemos muita coisa sobre a Mesopota coisa s - nentos cuneiformes era de natu- mia porque a grande majoria dos docum reza financeira, Tr ‘A economia suméria foi dominada por vastos complexos de templos e palécios. Essescomplexos muita vezes eram presiddos por milhares de pes- soas:sacerdotes e oficiais, artestos que trabalhavam em oficinas, fazendeiros «epastores que comandavam suas propriedades. Ainda que a Suméria antiga fosse dividida em diversas cidades-Estado independentes, o passaco descorti- nado da Mesopotémia até cerca de 3500 a.C. revelou que os administradores dos templos jé pareciam ter desenvolvido um sistema tinico e uniforme de contabilidade —um sistema que, em alguns aspectos, continua conosco até hoje, na verdade porque devemos aos sumerianos algumas coisas como a contagem por dizias, ahora de 60 minutos ou a divisio do dia em 24 horas.* ‘A unidade monetcia basica era o siclo de prata. O peso de um siclo de prata era.stabelecido como o equivalent a um gur ou bushel de cevada. O siclo era udividido em sessenta minas, correspondendo a uma porgao de cevada — ‘com base no principio de que havia trinta dias em um més, eos trabalhadores do templo recebiam duas ragdes de cevada por dia. ficil perceber que 0 sdinheiro”, nesse sentido, nao é de modo nenhum o produto de transagbes comercials. Na verdade, ele fi criado por burocratas para rastrear os recursos c transferiritens entre departamentos. (Os burocratas do templo usavam o sistema para calcular as dividas mos ete.) em prata. Bfetivamente, a prata era (cluguéis, impostos, empr linheiro. Fela de fato circulava na forma de pedacos no cunhados, “barras brutas”, como disse Adam Smith.” Nisso ele estava certo, Mas praticamente 6 essa parte do relato estava correta. Para comegar, a prata nao circulava muito. ‘A maior parte dela ficava armazenada nos tesouros do templo e do palécio, e alguns desses tesouros continuaram guardados no mesmo lugar durante milhares de anos ~literalmente. Seria muito fécil na época padronizar oslin- tema confiével para garantir sua pureza, Existiu tecnologia para isso, No entanto, ninguém sentit a necessidade particular de fazé-1o. Uma das raz6es é que, apesar de as dividas serem calculadas em prata, clas ndo precisavam ser pagas em prata—na verdade, elas podiam ser pagas nenos com qualquer coisa de que se dispusesse. Os camponeses que dinheiro ao templo ou 20 palacio, ou para algum oficial do templo ou juidado suas dividas principalmente com cevada, © por isso era tio im era p te fixara proporcdo da prata para a cevada, Mas mente aceitavel aparecer com cabras, mobilia ou lépis-lazi. Os templos palécios eram operagies industrais gigantescas ~ desse modo, po- diam dar utiidade a praticamente qualquer coisa. Nas pracas de mercado que surgiram nas cidades da Mesopot Presos também eram calculados em prata, ¢0 preco das mercadorin ‘Zo eram totalmente controladas pelos templos e palicios tendia a flutvay de acordo com a oferta e a procura, Mas, mesmo aqui, as evidéncias que ‘emos sugerem que a maioria das transacées era baseada no crédito, Os comerciantes (que as vezes trabalhavam para os templos, is vezes de forms independente) estavam entre os poucos que usavam com freq cia a prata PE Bansasoes: mas até mesmo cles faziam a maior parte de suas transagdes A base do crédito, eas pessoas comuns que compravam cerveja das “cer- ras" 01 dos estalajadeiros locais também abriam uma conta que seria iquidada, na época da colheita, com cevada ou outra coisa em mios.® tivessem Nessa altura, praticamente todos os aspectos do relato convencio: sobre as origens do dinheiro caem por terra. Pouguissimas vezes urna teors hist6rica foi refutada de maneira tao absolutae sistemética, Nas rimeiras décadas do século xx, jd se conheciam todas as pecas para quea ria do dlnheiro fosse inteiramente reescrta. A primeira pega foi movimemate por Mitchel! Innes ~o mesmo que citei ao falar do bacalhau - em dois enscies Publicados no Banking Lay Journal de Nova York, em 1913 e914, Nels, Mitchell Innes expde sem nenhum rodeio a falsas suposicdes nas quais se bascare a historia da economia como a conhecfamos esugere que precisamos na rer dade de uma histéria da divida: UUme dos falcias populares em relagio ao comércio € que, nos tempos mo- dernos, fl introdutidoum recurso econdmicochamado cdo que, anes de esse recurso ser conheci ‘odas as compras eram pagas em dinheiro ‘vivo, em outras palavras, em moedas. Uma investigacdo cuidadosa mostra ue justamente o inverso é verdadeiro. Antigamente, as moedas Papel muito menor mo comércio do que tém hoje. Na verdade, a quanti- 58 TT ra Yio pequena que nem sequer b: iglesa medieval] e dos estame aadedemotas apo — inhagem era (Jo insignificante snos pagamentos. Com efeito, a seats ves ores no hestvam cm erareodas de creuasdo para que muitas vezes os rel s, €apesar disso 0 comércio conti- aque fossem recunhadas ¢ redistri rmuava exatamente do mesmo j fi etaria € definitivamente fa verdade, nosso relato-padrao da hist6ria mon amene ” ido, NOs no comecamos com o escambo e depois passamos; pel deseo tera do dinheiro, até chegarmos 20 desenvolvimento dos sistemas dec ‘ocontrario. O que hoje chamamos de moeda virtual veio primeiro. tempo depois, e seu uso se difundiu ape- ir por completo os sistemas de ‘A moeda de metal apareceu mu ns nas de maneira desigual, sem jamais substi nema de crédito, O escambo, por sua ver, parece ser principalmente ue oes roduto acidental do uso da cunhagem ou do dinheiro em papel:e ” “sorcos,oeacambo tem sido prneipalmenteo que as pessoas acostumadas com transages em dinheiro vivo fazem quando, por alguma razo, néo tém. é nteceu: essa nova crits, NZo que os: anomie ivessem refutado Mitchell Innes. Eles simpl sunt ois Os is no mudaram seus relatos — mesmo que ent igure, Os mans “ todas as evidencias deixassem claro que ees estavam errados. “ continuam escrevendo histérias do dinheiro que na’ veradesie cage parting do presuponto de qe pad, ns nner eminem prsson gi sn sf desias come peas em ques economia "sor para o exe ido dessa frase fosse evidente, ainda que i" : ose Dem gu oe ene ea itantes de uma cidade holandesa em 950 d.C., por exemplo, oonanaugeea -0s para tocar no casamento de suas consegiam que calheres ou mis s ° . ainda como isso se dava em Pemba ou em Samarcanda.

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