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DA PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIARIA Relatério apresentado & Comisséo Revisora sébre o Capitulo II do Livro | da Parte | do Projecto — art. 12.° e segs. — (1) Pelo Dr. José GuaLBeRTO DE Sh CARNEIRO | —Intitula-se éste capitulo — Da personalidade e capacidade judicidria. Os arts. 12.° a 16." referem-se & personalidade. Os arts. 16.° a 30." & capacidade. O art. 31.° & falta de personalidade e incapacidade judicidria, & irregularidade de representacao ¢ ao suprimento das duas Gl- timas. © art, 32." & regularizagao da representac3o, por falta de al- guma autorizacao ou deliberagao exigida por lei. Finalmente, o art. 33.° A regularizacio da situacgio dos cén- juges, autores ou réus, quando falte outorga ou autorizacio do outro, ou o respectivo suprimento judicial. Vou expér os pequenos reparos que o estudo déste capitulo me sugere : Mas, préviamente, cuidarei da colocagéo da matéria. A meu ver, éste capitulo ficaria melhor precedendo o refe- rente & legitimidade das partes. Antes de se definir essa legitimidade e de se regular o litiscon- (I) Estes artigos correspondem aos art.°" 5.° ¢ segs. do Cédigo (N. da R.). REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 263 sércio, julgo natural que se determine quem pode ser parte e recorrer ao tribunal. Nao pode apreciar-se a legitimidade de pessoas ou organismos feridos de incapacidade judicidria. Depois de estabelecidos os requisitos da capacidade e de se prescrever a representacao judicidria é que surge, naturalmente, o problema do interésse. Durante muito tempo, a capacidade judiciéria foi, entre nés, considerada requisito da legitimidade. Entendo que bem se desintegrou do conceito da legitimidade, pois a capacidade judicidria tem autonomia. Mas ela apresenta-se, se n&o erro, com todo o aspecto de quest&o prévia, relativamente & do interésse. N&o importa que o autor ou réu sejam ou nao interessados em que o juiz conhega de objecto da lide se qualquer daqueles no tiver capacidade judicidria ou estiver mal representado. Proponho, pois, que se inverta a ordem dos capitulos II e III. 2 — Segundo o art. 12.°— «A personalidade judicidria consiste na susceptibilidade de ser parte em juizo como autor ou como réu. Quem tiver personalidade jurfdica tem, por isso mesmo, personalidade judiciarian. A minha principal observacio refere-se a dever ou néo man- ter-se a distingo entre personalidade e capacidade judicidria. Ouso sustentar que aquele conceito deve ser banido do Cédigo. A personalidade judiciéria é, afinal, a capacidade de ser parte, que Chiovenda considera o primeiro requisito dos sujeitos priva- dos da relagao processual (Principii, 4.* ed., pag. 583) Se tivesse personalidade judicidria apenas quem possuisse per- sonalidade juridica, seria mais defensdvel que se conservasse aquela designacao, que alids nao tem, entre nds, tradigdes. Mas o projecto d& capacidade para serem partes A heranca, A massa falida e a outros patriménios auténomos, embora nao tenham personalidade juridica (art. 13.°); confere essa capacidade s sucursais, agéncias ou filiais de qualquer banco, sociedade 264 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS, ou companhia que tenha individualidade juridica (a séde, cuido eu), quando a accao proceda de acto ou facto praticado por aquelas (art. 14.°) e se as mesmas, estabelecidas em Portugal, representarem banco, sociedade ou companhia com séde no es- trangeiro (§ tinico do art. 14.°); finalmente, permite demandar sociedades nao legalmente constituidas, mas que procedem, de facto, como se o estivessem (art. 15.°). Ora, se nem sempre a personalidade judicidria é conferida a quem tenha personalidade, julgo preferivel pdr de lado aquela designac&o, considerando a capacidade de ser parte, um dos pres- supostos da relacdo juridica processual, como integrada na capacidade judiciéria, que, déste modo, ficaré com sentido mais complexo do que lhe é atribufdo no Projecto, regulando-se também a representacao judicidria, que abrange nao sé a dos incapazes, como também a das pessoas colectivas e patriménios dotados de capacidade judiciaria. A ser aceite éste alvitre, deveriam ser modificados os arts, 12.°, 13.° e 31,°, suprimindo-se 0 '16.°. O capitulo respectivo trataria—Da capacidade e da repre- sentagdo judicidria. O art. 12.” poderia ter redaccSo equivalente a esta: «A capacidade judicidria compreende a susceptibilidade de ser parte € a aptidio para estar em juizo, por si ou por intermédio de legal representante.» Suprimiria a referéncia a situagao da parte em juizo, como au- tor ou como réu, por nao abranger tédas as situacdes das partes. 3 —O art. 113.° dispde que — «A heranga cujo titular ainda nao existe ou nfo é conhecido, a massa falida e os outros patri- ménios auténomos, podem ser partes em juizo, embora nio te- nham personalidade juridican. Este artigo reflete a ligio do eminente autor do Projecto, a pags. 403 e seguintes do Processo ordindrio e sumério. A referéncia & heranga afigura-se-me de manter. O art. 1.084.° do Projecto, substituindo 0 692. do Cédigo, REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 265, disp3e que, quando a heranga carecer de curador, o juiz nomed- -lo-4 oficiosamente ou a requerimento de qualquer legatario, cre- dor, ou interessado em que haja quem represente a heranga em juizo. Os arts. 1.823.° e 1.824.° do Cédigo Civil permitem a nomeagio de administrador de heranga, deixada a nascituros ou a herdeiro instituido debaixo de condic¢Zo suspensiva, com os mesmos di- reitos e obrigagdes do curador porvisério dos bens do ausente. Mas o art. 13.° apenas dé capacidade judiciéria & heranga quando o titular dela nao exista ou nao seja conhecido. Ora nao sé voto pela negativa como entendo haver antinomia entre o art. 13.° e os do Projecto sébre heranca jacente. Pode o herdeiro existir e ser conhecido e ser nomeado curador para a heranga. Quanto A massa falida, o art. 56.°, n.° 11.", do Cédigo de faléncias comete ao magistrado sindico a representacio dessa massa em juizo, activa ou passivamente, ou a designagao de advo- gado a quem deve ser conferido o mandato. Nao se sabe bem se a massa é representada pelo sindico ou pelo administrador. Oart. 22.°, § 2.°, do mesmo Cédigo declara que o administrador fica representando o falido para todos os efeitos, nos térmos pres- critos no Cédigo. Ao sindico compete resolver sébre a conveniéncia de propér quaisquer acgSes em nome da massa ou de seguir as que contra ela forem intentadas (art. 56.°, n.° 10,°) e autorizar os administra- dores a transigir em qualquer pleito judicial de valor nao superior a 20.000$00 (n.° 14.° do mesmo artigo). Parece, pois, que, contra o declarado no n.° 11.°, ao sindico nao compete representar, activa ou passivamente, a massa. A massa nao deixa de pertencer ao falido— acérdao da Re- lagiio de Lisboa, de 21 de Maio de 1933, na Revista dos Tribunais, ano 51.°, pag. 158. Sendo assim, poderia talvez suprimir-se a referencia & massa falida. 266 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS ¢Mas deverdo a heranca e a massa falida ser qualificadas como patriménios auténomos ? cE bastaré a referéncia a outros patriménios com aquela de- signag&o> O sr. Dr. José Alberto dos Reis define patriménio como massa patrimonial que se comporta no comércio jurfdico como uma pessoa ¢ cuja administracaéo é confiada a determinado represen- tante. Mas esta nogdo est longe de ser pacifica. O conceito de patriménio parece encontrar-se ainda em for- macio. O mais desenvolvido estudo que lhe foi consagredo em Por- tugal, o do sr. Dr. Paulo Cunha, acha-se incompleto e revela as incertezas doulrindrias que existem. A expresséo patriménio auténomo nao é tao precisa que possa adoptar-se, sem perigo, no Cédigo, pois nao é conceito definido por lei. Ha quem sustente a existéncia de patriménios auténomos nas relagdes entre cénjuges, emquanto outros combatem ésse sentido amplo do conceito. E ébvio que o ilustre autor do Projecto teve em mente aquela nogo de patriménio que no seu livro formula. Entendo, contudo, que todo 0 cuidado sera pouco ao empregar uma expresséo de sentido algo flutuante, sem que se acentue, tanto quanto possivel, o pensamento que ditou o texto em que ela é empregada. Quando se mantivesse a referéncia a patriménios auténomos, deveria antepér-se 0 adjectivo idénticos, que teria o efeito de res- tringir a amplitude dessa expressio, 4— Suponho que o sr. Dr. J. Alberto dos Reis, ao redigir o art. 13.°, ter& pensado nas associagdes sem personalidade juridica e fundagées. . - No citado livro, fala da discussio, suscitada na Alemanha e REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 267 na Itdlia, Acérca da representacdo judicial das unides e grupos que se formam para fins determinados (sociedades de beneficéncia, de concursos, de exposigées, etc.), sem personalidade juridica. A questio tem-se levantado também nos nossos tribunais, parecendo-me acanhada e geradora de situagdes quasi insoliveis a solug’o que tem predominado. A jurisprudéncia tem negado capacidade judiciéria a associa- ges funcionando legalmente, com o fundamento de a declaracSo a que se refere a lei de 14 de Fevereiro de 1907 ter fins mera- mente policiais — acérdao da Relag&o do Pérto, de 20 de Outubro de 1928, na Revista dos Tribunais, ano 48.’, pag. 127; sentenga, na Revista de Legislagao e Jurisprudéncia, ano 61.°, pag. 141. O acérdao do Supremo Tribunal de Justica, de 10 de Maio de 1935, na Revista dos Tribunais, ano 53.°, pag. 246, declarou as sociedades civis particulares partes ilegitimas em juizo, por falta de personalidade jurfdica. Contra essa solugio se insurgiu o ilustre Director da Gazeta da Relagao de Lisboa, esbogando eu, ao anotar ésse acérddo, a divida de a capacidade andar ligada & personalidade juridica. Cuido que as associagdes, quando funcionam regularmente, devem ter capacidade activa e passiva de serem partes. E, mesmo quando funcionam irregularmente, se Ihes deve aplicar o princfpio do art. 15.", que no Projecto vem apenas para sociedades. Também deverd fazer-se, no Cédigo, referéncia as fundagdes € aos organismos corporativos, para prever o caso de nao ser reconhecida a alguns, no diploma de constituigio, capacidade para serem partes. Como conclusio do que deixo exposto nos ntimeros anteriores, proponho a seguinte redaccdo para o «Art, 13.°—Tém capacidade para serem parte em juizo, além das pessoas, singulares ou colectivas, a heranca, a massa falida, as associagdes legalmente existentes, os organismos corporativos, fundagdes e idénticos patrimé- nios auténomos.» 268 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 5 —Reza assim o Art. 14.° — As sucursais, agéncias ou filiais de qualquer banco, sociedade ou companhia que tenha individualidade juridica podem demandar e ser demandadas quando a acg&o proceda de acto ou facto praticado por elas. § tinico, — Se o banco, sociedade ou companhia tiver a sede'em pais estrangeiro, as sucursais, agéncias ou filiais estabelecidas em Portugal podem demandar e ser deman- dadas, ainda que a accao derive de acto ou facto prati- cado pela administragao principal. O Cédigo vigente, a propésito da competéncia, estabelece, no art. 18.°, § 1.°, que 0 juizo do domicilio das sucursais, agéncias ou estabelecimentos filiais de qualquer banco, sociedade ou com- panhia, é competente para reconhecer das causas contra elas inten- tadas, quando disserem respeito a contratos celebrados ou obriga- gdes contrajdas pelas mesmas sucursais, agéncias ou estabeleci- mentos filiais. E o§ 2.° dispde que a disposic&o do § antecedente é igualmente aplicavel as sucursais, agéncias ou estabelecimentos filiais de bancos, sociedades, companhias ou quaisquer associagdes que tiverem a sua sede em pais estrangeiro, por quaisquer actos ou contratos feitos em Portugal. Estes preceitos tém sido considerados de legitimidade e de competéncia — Processo ordindrio e sumdrio, pags. 401 e 684. A terminologia— banco, sociedade ou companhia — vem do Cédigo. Nao me parece, todavia, insusceptivel de reparos. As companhias s&o sociedades. E também da esséncia do banco ser sociedade — Decreto n 10.474, de 17 de Janeiro de 1925, arts, il.” e 3.°, E nfo hé razSo para ndo poder demandar ¢ ser demandada a sucursal, agéncia ou filial de casa bancéria, que o art. 4.° désse diploma define. Poderia pensar-se em ampliar o princfpio do artigo aos re- REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 269 presentantes de quaisquer estabelecimentos, pertencentes embora a individuos, E, em orientacgao perfeitamente oposta, seria Ifcito sugerir a supressao do artigo — por desnecessério ou por inconveniente. Por desnecessdrio, a manter-se a referéncia a patriménios au- ténomos e a dar-se a tal expressdo sentido que abranja as filiais, agéncias ou sucursais. Por inconveniente, porque a lei, dando capacidade judicidria, activa e passiva, as sucursais, filiais ou agéncias, altera a situagao juridica désses organismos. Eles denunciam mandato conferido pela sociedade a certas pessoas, que administram a filial, sucursal ou agéncia. A entidade mandante é quem dispée do activo do organismo secund4rio e quem responde pelo passivo, Por isso bastaria manter a regra de competéncia do Cédigo, para facilitar a propositura de acgées. A manter-se o artigo, néo vejo necessidade de referéncia & individualidade jurfdica da representada, e o preceito poderia ter esta redacco : «As sucursais, agéncias ou filiais de qualquer sociedade ou casa bancdria podem demandar e ser demandadas, quando a accSo proceda de acto ou facto praticado por elas. O § inico do artigo visa o facilitar a proposig&o de acgdes por sucursais, agéncias ou filiais, de sociedades estrangeiras, ou contra aquelas, por actos praticados pela séde. O principio é aceitavel. Tém, porém, cabimento, acérca désse parAgrafo, as consi- deragdes que atrés fizemos sdbre o corpo do artigo. 6— Dispée o art. 15.°: «As sociedades que nao se acharem legalmente cons- titufdas, mas que procederem, de facto, como se 0 esti- vessem, nao poderao opér, quando demandadas, a irregu- 270 REVISTA DA ORDEM* DOS ADVOGADOS laridade da sua constituigéo; mas pode também a accao ser proposta contra as pessoas que tenham praticado, em nome da sociedade, 0 acto ou facto de que a causa emerge.» A inovago é moralizadora. : E no vejo razio para nao se ampliar a quaisquer associagées, j4 que o térmo sociedade se entende, geralmente, como referin- do-se a pessoas colectivas de direito privado e fins interessados. O artigo é baseado na jurisprudéncia indicada no nota 2, a pags. 399 do Processo ordindrio e sumdrio. Faco, porém, aqui, o reparo suscitado a propésito do art. 14.". ¢ Nao sera a sociedade ilegalmente constituida patriménio au- tonomo? O nosso cédigo Comercial, regulando a liquidagao e partilha das sociedades irregulares, mostra que elas tém existéncia de facto. E, se a nao tivessem, de nada valia ao autor de acg4o contra elas movida obter a condenagao, da sociedade, pois nao poderia fazer penhora nos bens sociais. O artigo n&o prevé o caso de a sociedade ilegal demandar ter- ceiros; a lei italiana e a alema permitem ao réu deduzir a ex- cepgao da irregularidade de constituigéo da sociedade. O siléncio do Projecto a tal respeito pode trazer futuras difi- culdades de interpretagao. 7 — Na sua parte final, o artigo faculta a proposigio de accao contra as pessoas que tenham praticado, em nome da sociedade, © acto ou facto de que a causa emerge. Nao conter4 éste passo matéria substantiva? Se se as pessoas que contrataram em nome da sociedade {és- sem demandadas como representantes dela, o artigo regularia a representacao judicidria, matéria sem diivida adjectiva. Mas nao é, decerto, ésse o intuito da passagem aludida, que, interpretada dessa forma, constitufria redundancia; a sociedade havia de ter sido citada na pessoa de algum representante, sendo légico que o autor demandasse aqueles com quem tratou, O final do artigo visa, cuido eu, o caso de o autor exigir res- REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 27 ponsabilidade Aqueles que, em nome da sociedade, se obrigaram para com éle, Ora isto é matéria de puro direito civil ou mercantil. O art. 107." do Cédigo Comercial, referindo-se ds sociedades que n&o se constitufrem nos térmos désse Cédigo, torna solidaria- mente responsaveis pelos respectivos actos todos quantos em nome delas contratarem. Varias interpretagdes tem @ste artigo; emquanto a generali- dade dos arestos e das opinides o interpreta no sentido que parece ser o do art. 15.° do Projecto, outros responsabilizam também as pessoas que tenham representado a sociedade, embora em actos diversos daquele de que emerge a acciio, tendo eu seguido o cri- tério, alids ousado, do Sr. Dr. Cunha Goncalves, que responsa- biliza todos os sécios (Revista dos Tribunais, ano 51.°, pag. 93, nota). Seja como fér, o final do art. 15." parece-me deslocado no Cédigo de Processo, pelo que proponho a supressiio dessa parte, sem que isso, a ser aceite, signifique que, além da sociedade ilegalmente constitufda nao podem ser demandados outros respon- sdveis. 8—Pelo corpo do art. 17." — wOs incapazes 26 podem estar em juizo por intermédio dos seus representantes, 2xcepto nos actos que sdo admitidos a exercer pessoalmente. Tem como fonte o art. 9.°, § 1.°, do Cédigo. Apenas se substitufram as palavras — «representados nos tér- mos da lei» por estoutras — «por intermédio dos seus represen- tantes», Qualquer das redaccdes traduz a idéia rigorosa e que tem sido salientada, de que esté em juizo o representado, e nao o repre- sentante. Quanto A expressao final — «excepto nos actos que sao admi- tidos a exercer pessoalmente» lembro que se altere, em ordem a dar-lhe contetido mais vasto, abrangendo nao sé os casos em que a lei de processo permite a comparéncia pessoal do incapaz como de um modo geral, os actos que éle deve poder praticar, por emergirem da capacidade relativa que a lei civil lhe da. 272 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS O art. 20.° talvez devesse ser pardgrafo tinico do art. 17.°, passando o actual § unico désse artigo a constituir o art. 18.°. 9 — Diz o § tinico do art. 17.°: «Se houver conflito de interésses-entre o incapaz e o seu representante ou o cénjuge déste, serd o incapaz re- presentado na causa por um curador especial. Sucedera o mesmo quando o conflito surgir entre varios incapazes su- jeitos ao mesmo representante. Neste caso a cada grupo de interessados em conflito seré nomeado um curadorn. O artigo reproduz ¢ amplia o art. 153.° do Cédigo Civil. O conflito entre ascendentes ou descendentes do representante € © incapaz deve determinar também a nomeag&o de curador especial. Pelo Projecto, as nomeacées devem ser requeridas nos termos do § tinico do art. 18.°. Mas pode o autor ignorar o conflito de interésses. Deve im- pér-se ao representante do incapaz a obrigagio de declarar a existéncia désse conflito, conferindo-se essa faculdade ao autor, ao Ministério Puiblico e aos parentes sucessiveis do incapaz e até a éste. E, sendo o incapaz réu, emquanto o curador especial nao fésse nomeado, o, processo ficaria suspenso. Se houvesse urgéncia na proposigao da accio, ela devia ser intentada pelo Ministério Publico ou por qualquer parente suces- sivel, como gestores de negécios, sujeitando-se os parentes & sangao do art. 45.” se o curador nao ratificasse a gestao. 10— O art. 18 dispae : «Quando o incapaz nao tiver representante, poderd requerer-se a nomeac’o déle no juizo competente, Pode também requerer-se ao juiz da causa a nomeagio de um curador provisério, havendo urgéncia na proposigéo da accao. Neste ultimo caso, logo que a acco seja proposta, REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 278 Pprovocar-se-A no juizo competente a nomeag&o do repre- sentante geral, que vird ocupar no processo a posicio do curador provisério, cessando as fungées déste. § tinico. — As nomeagées a que se referem éste artigo € 0 § tinico do artigo antecedente devem ser requeridas pelo Ministério Publico ou por qualquer parente até ao 6.° grau, quando o incapaz tenha de ser autor; quando haja de fi- gurar como réu, serdo requeridas pelo autor.» A primeira parte teve por fonte o art. 9.°, § 2.°, do Cédigo. Mas éste diz— «Quando o incapaz nfo tiver representante devidamente nomeado...», A nova redacgao é preferivel, pois, tendo o incapaz repre- sentante nomeado, éste deve representa-lo; a redaccao actual pode fazer supor que a legalidade da nomeacSo do representante no- meado pode ser discutida por quem tenha de demandar o incapaz. Embora o Cédigo de Processo nao deva regular matéria tri- butaria, entendo que nao haveria inconveniente em declarar, em § unico désse artigo, que os actos processuais concernentes a fa- cultada nomeagio sero gratuitos. 11 — Quando haja urgéncia na proposig&éo da acc&o, deveria ela poder ser intentada pelo Ministério Piiblico ou por qualquer parente sucessivel do incapaz, se éle tivesse de ser autor, com obrigacao de, no mesmo dia em que ela fésse intentada, ser re- querida, no juizo competente, a nomeagao do representante; e, sendo o incapaz réu, dever a aco intentar-se contra o Ministério Publico, com a mesma obrigacao. Assim se evitard a demora da nomeagao do curador provisério. O Ministério Piblico e og parentes sucessiveis que, pelo in- capaz, intentassem a acco seriam, como no caso de conflito de interésses, atrés versado, considerados gestores de negécios do incapaz; se o representante déste (ou o respectivo corpo tu- telar) nao ratificasse a gestéo, deveriam os gestores parentes in- correr na responsabilidade cominada para os advogados, no art. 45.°. Ano 5.9, no" 3 4 18 28 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 12 —Segundo o art. 19.°. «Os tutores e curadores nao podem propér accdes que n&o sejam conservatérias sem autorizagao do conselho de famflia ou do juiz, salvo se da demora da proposigio da acgdo puder resultar a exting&o do direito ou de qualquer garantia.» Se no art. 4.°, § unico, do Projecto houvesse norma idéntica & do art. 2.°, § 5.°, do Cédigo, o art. 19.° seria desnecessario. No Cédigo Civil acha-se regulada a competéncia dos tutores e curadores para proposic&éo de accdes —arts. 59.°, 185.°, 224.°, no T°, 243.9, n° 9.°, 321.°, 339.°, 351.° e 2.083°. 13 —O art. 20.° dispde : «Quando a acco seja proposta contra menor n&o eman- cipado com mais de catorze anos ou contra interdito por prodigalidade , além do representante do incapaz, sera ci- tado o préprio incapaz; se o menor ou interdito fér autor, ser admitido a intervir como assistente.» J& atraz aludi a essa disposiga0, que julgo dever constituir pardgrafo do art, 17.°. Parece que o texto projectado nao distingue, pelo que o artigo se aplicaria a qualquer acco, o que nao julgo plausivel, quanto ao interdito por prodigalidade. Ante o § 3.° do art. 9.° do Cédigo, entende-se geralmente que © curador désse interdito nao carece de ser citado, se se tratar de acto respeitante & sua pessoa. Mas também ha quem considere genérico e obrigatério o § 3.” déste artigo— acérddo da Relagio do Pérto de 29 de Abril de 1936, na Revista dos Tribunais, ano 54.°, pag. 142. Se, como entendo, o interdito por prodigalidade pode estar em juizo desacompanhado do seu representante, quando se trate de actos que respeitam & sua pessoa, éste deverd intervir como assistente ou opoente. REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 275 O artigo nao regula o caso de o réu menor atingir a puberdade no decurso da causa. Deve, a meu vér, prescrever-se a citagio déle. 14 — Pelo art. 21.° wAs pessoas que, nao estando declaradas interditas, se acharem de facto impossibilitadas, por deméncia ou por qualquer outro motivo, de receber a citag&o para a causa, serao representadas nesta por um curador nomeado pelo juiz, nos térmos do art. 188.°. § 1. —Cessar4 esta representagio quando fér julgada desnecessdria a curadoria ou quando se juntar documento que prove ter sido declarada a interdig&o. A desnecessidade da curadoria ser4 apreciada sumariamente pelo juiz, a re- querimento do curatelado, que pode produzir quaisquer pro- vas para justificar o seu pedido. § 2.°— Tendo sido decretada a interdig&o, ser& ime- diatamente citado o tutor para vir ocupar no processo o lugar de curador.» A referéncia do corpo do artigo é, agora, ao art. 171.° do Projecto. O art. 21.° teve por fonte o art. 12.° do Cédigo. Mas, emquanto éste fala de demente nao julgado interdito, art, 21.° alude ds pessoas que, nao estando declaradas interditas, se acharem impossibilitadas, por deméncia ou por qualquer outro motivo, de receber citagdo para a causa. Como o Cédigo vigente, o projecto supde apenas o caso de © incapaz ser réu. Cuido, porém, que convém prescrever igualmente o caso de ser autor incapaz nio interditado, de que o art. 18.° nao cura. A referéncia a qualquer outro motivo é vaga, Mais circunstanciados sao os §§ 2.° e 3.° do art. '171.°, aos quais, certamente, o art. 21.° quis referir-se. 276 do REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 15 — Os arts. 22.° e 23.° estado assim redigidos : «Art. 22.°. Se o ausente em parte incerta ou o repre- sentante do incapaz nao deduzir oposi¢ao, incumbird ao Ministério Puiblico a defesa dos direitos do incapaz ou au- sente, para o que ser devidamente citado, correndo nova- mente 0 prazo para a contestacdo e impugnacao, Quando o Ministério Piblico representar o autor, o juiz cometer& a defesa do réu a um advogado ou a um solicitador, se no auditério néo houver advogado. § unico. —Cessar4 a representacio do Ministério Pé- blico ou do defensor oficioso logo que o ausente compa- Tega ou o seu representante ou o do incapaz constitua man- datério judical. Art. 23.°. — Quando a accio seja proposta inicamente contra incertos, serio éstes representados pelo Ministério Pablico. Se o Ministério Pablico representar o autor, o juiz nomeard, para servir como agente especial do Ministério Publico na representagao dos incertos, um advogado, ou um solicitador na falta de advogado. § Gnico. — Cessaré esta representacdo logo que se apre- sente, para intervir como réu, alguma pessoa cuja legiti- midade seja reconhecida por sentenca.» Reproduzem, com alteragées louvveis, os arts. 13.° e 14.° Cédigo. Proponho que o térmo auditério do art. 22.° seja substituido por comarca, expressio de sentido mais concreto. 16— Sébre os cénjuges, como autores, hA no Projecto estas disposicées : «Art, 24.°.—O marido pode, sem outorga da mulher, propér quaisquer accdes, excepto as que tenham por fim fazer reconhecer a propriedade perfeita ou imperfeita de bens imobilidrios comuns. § unico. — A outorga da mulher, quando necessaria, REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 277 pode ser suprida judicialmente se a mulher a recusar sem justo motivo ou se n&o puder ser-lhe pedida. Art, 25.2. —A mulher casada tem a mesma capacidade judiciaria activa que o marido, quando, por auséncia ou impedimento déste, Ihe pertenca a administracio dos bens do casal. Emquanto o marido exercer a administracgao, a mulher s6 poderd propér accées destinadas a fazer valer os seus direitos préprios e exclusivos de natureza extra-patrimonial, para o que nao carece de autorizagao marital. As acgdes que tenham fim directamente patrimonial, serio propostas pelo marido, ainda que digam respeito a bens préprios da mu- lher. : § nico. — No caso previsto na primeira parte do ar- tigo a autorizacéo do marido, quando necessaria, sera su- prida pelo juiz se aquele a recusar sem justo motivo ou se nao puder ser-lhe pedida. O art. 24.° altera o art. 1.191.° do Cédigo Civil, que inibe © marido de estar em juizo por causa de questdes de propriedade ‘ou posse dos bens imobilidrios sem outorga da mulher. Este artigo nem sempre tem sido interpretado com inteligéncia. Chegou-se ao ponto de um assento do Supremo Tribunal de Justicga decidir que éle é aplicdvel &s acgSes possessérias referidas no art, 20.° do decreto n.° 5.411, ainda quando o réu seja o proprio senhorio (Assento de 16 de Julho de 1935, no Didrio do Govérno de 25). A redaceSo projectada afasta exagéros como ésse do assento. Mas 0 artigo refere-se apenas a bens imobilidrios comuns. Parece que os cénjuges devem estar em juizo sempre que a aceSo tenha por fim reconhecimento da propriedade de imobi- liérios. Mas, pelo menos, quando os bens sejam préprios da mulher, deveré ela ir a juizo, alterando-se, portanto, também o final do art. 25.°, 17— Manda o art. 26.° propér contra ambos os cénjuges 278 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS «1.°, As acgdes derivadas de actos ou factos praticados por ambos os cénjuges ; 2.°. As acgées emergentes de acto ou facto praticado por um dos cénjuges, em que pretenda obter-se sentenca que venha a executar-se sSbre bens comuns ou sébre bens préprios do outro cénjuge, salvo o caso previsto no art. | do Cédigo Comercial ; 3.°. As accdes imobilidrias e tédas aquelas que tenham por fim fazer reconhecer ou constituir qualquer énus sobre bens imobilidrios de um ou de ambos os cénjuges ou ex- tinguir énus constitufdos em beneffcio dos mesmos bens.» Quanto 4 ressalva do final do n.° 2.°: O art. 15.° do aludido Cédigo presume comuns as dividas pro- venientes de actos comerciais contraidos sé pelo marido comer- ciante, sem outorga da mulher. de Antes do assento de 9 de Abril de 1935, no Didrio do Govérno 7 de Maio, era opiniao quasi geral que aquela presung3o n&o dispensava o credor de demandar a mulher do comerciante; o unico efeito da mesma presungao era dispensar o credor de fazer prova sébre o proveito para o casal, incumbindo aos cénjuges elidirem a dita presungao. A ressalva em referéncia visa, se nao me engano, a manter a tese do assento, que considero errénea. Por isso proponho a supressiio dessa ressalva. 18 — O art. 27.° preceitua : «Autorizada a separagao de pessoas e bens, cada um dos cénjuges adquire plena capacidade judicidria, como se © casamento estivesse dissolvido. No caso de simples separagao judicial de bens a mulher pode demandar e ser demandada, sem autorizacgio nem intervengio do marido, desde que se trate de accées rela- cionadas com o exercicio da sua administracgio. Em tudo o mais se observard o disposto nos arts. 24.° a 26.°.» A primeira parte do artigo briga com o art. 1.216.° do Cédigo Civil, segundo 0 qual a disposic&o entre vivos dog bens imobilié- REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 279 rios que ficam pertencendo a cada um dos cénjuges depois da separag&o depende do consentimento de ambos, podendo ser ju- dicialmente suprido o daquele que, sem justo motivo, o recusar. Se, depois da separacio, os cénjuges nao podem dispor livre- mente dos imobilidrios que lhes tocarem, nao se explica que cada um déles possa, isoladamente, ser autor em ac¢&o que vise ao reconhecimento da propriedade, perfeita ou imperfeita, de imo- biliarios e que possa ser réu nas acgdes a que se refere o art. 26.°, § 30, 21 — Eis o teor do art. 28.°. «O Estado é representado pelo magistrado do Ministério Publico que funcionar junto do tribunal competente para @ causa. § tinico, — Se o litigio tiver por objecto bens ou di- reitos do Estado, mas que estejam na administragéo ou fruigio de entidades auténomas, podem estas constituir advogado que intervenha no processo juntamente com o Ministério Piiblico, para o que serao citadas quando o Estado seja réu. Havendo divergéncia entre o Magistrado do Ministério Piblico e 0 advogado constituido, prevale- cer& a opiniao do primeiro.» Reproduz, completando-os, o art. 10.° do Cédigo vigente e o art, 2.° do decreto n.° 21.287. Nao suscita qualquer reparo. 22 —O art. 29.° estA assim redigido : «A representag&o, em juizo, das outras pessoas colec- tivas sera exercida por intermédio dos érgaos designados na lei ou no pacto social. Na falta de disposigao a tal res- peito, a representagSo pertencera aqueles a quem incumbir a administragao da pessoa colectiva.» O texto projectado é mais completo que o do art. 11.° do Cé- digo vigente, que se limita a dizer que os corpos colectivos sio representados pelos seus chefes, sindicos ou fiscais, ou por quem suas vezes fizer, 280 REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS Nao hé, porém, no Projecto preceito idéntico ao do § 2.° désse artigo, segundo o qual as sucursais, agéncias ou estabelecimentos filiais de qualquer banco, sociedade ou companhia, serfo repre- sentados pelos seus chefes na sede da respectiva administracao. 23 — Pelo art. 30.°, «Os patriménios auténomos serao representados pelos seus administradores ou curadores, salvo se a lei dispuser de modo diverso. As sociedades que nao tiverem personalidade juridica seréo representadas pelas pessoas que procederem como directores, gerentes ou administradores.» Lembro apenas o que escrevi sdbre os nimeros 3 e 4. 24 — Preceitua o art. 31.°: «A falta de personalidade, a incapacidade judiciéria € a irregularidade da representaco tém o mesmo efeito que a ilegitimidade da parte; mas as duas iltimas podem ser supridas pela intervengao ou citac&o do representante legitimo. Se éste ratificar os actos anteriormente praticados o Processo seguir os seus térmos como se o vicio nao exis- tisse ; no caso contrério ficaré sem efeito tudo quanto se tenha processado a partir do momento em que a falta ou a irregularidade se cometeu. § vinico. — O juiz pode, quando julgar conveniente, fi- xar 0 prazo dentro do qual hao-de ser supridas a incapa- cidade ou a irregularidade. Se 0 nao fizer, o suprimento pode ter lugar a todo o tempo.» De acérdo com o n.° 2 déste parecer, eu diri «A incapacidade para ser parte e a irregular represen- tacgao tém o mesmo efeito que a ilegitimidade da parte ; mas a irregularidade da representag&o pode ser suprida pela...» REVISTA DA ORDEM DOS ADVOGADOS 281 Do mesmo modo modificaria 0 § unico. E, a ser aceite a alteragio da ordem dos capitulos 2.° e 3.°, ste artigo teria de sofrer a modificag&o conseqiiente. Os arts, 32.° e 33.° no suscitam, em meu entender, qualquer divida. José Gualberto de Sd Carneiro

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