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Berenice Bento O QUEE TRANSEXUALIDADE vIVv & x se editora brasiliense pie a Ns ee Xa ae ane id Dados lneenacionas de Catalogacio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, 9, Beas siesta ne SUMARIO L- Apresemtagio .. HL ‘Transexualidade e as armadilhas dos géneros .. HL Conflugnetas: kdentidade e diferenga 1V-- Pouco saber para muito poder: A patologia da transexualidade | V- Entre a dor e a resistencia Andréa Stefanie ea luta pelo diagndstico ooneneon 121 VI- Identidade legal de género: Reconhecimento ou aucorizacie? . 45) 6 Basesice Beso VII- "Na escola se aprende que a diferenga faz dlferenga” VIII - Notas finais ou: nas frestas das no habitam as resisténcias... ast 1X- Glossiro (contingente) comentado. X - Referéncias Bibliogrifias. XI- Notas. - XII - Sobre a autor. 163 177 181 189 205, 223, MANIFESTO CONTRA A NATUREZA Joc! Maldonado Minha vida tem sido uma constante lui contra a Disseram-me que es corpos de “homem” sto mais fortes que os corpos das mulheres. Eu praticava esporte suportando mais que muitos, para demonstra para mim mesmo ¢ pata os demais que isso nao era certo. Diziam que um corpo de “homem” era ato, fort, ativo, tinha por “natureza’ mais sexualidade que o corpo de mulher, © eu, 20 nio poder suportar isto, tenteitrar mew corpo do meio, pont fracasei em minha tentativa de suet tia-me um monstto, por decir, por amar, por ser diferente, por nio querer ser “mic” por naturera. Hoje ji se passaram anos destes dias de constante rebeldia, de constante perseguicio a mim mesmo, Minha vida tem sido uma constante Iuta contra a As explicagdes rebuscadas que diziam que eu estava dlaente ou louco, me faziam sofier até meus limites © que se fiz quando se est firto de chorar? Quanto tempo perdi tentando desmontar suas cons- Quantas veres rerio utilizado meus aparences sos para reduzirme a ser s6 “nature “fracas: Para aqueles que segue “naturalizanda” 0 “femi nino” e 0 "masculino”, para aqueles que espalhaam essa m: semente de ver © ser humano, eu reafiemo minha deci dle desenraizé-la, pois s6 me wouxe sofrimento e, a0 eres: cer, me fer constantes sombras.. Minha vida tem sido uma constante luta contra a gue ite ’ Reafiemo que uma pessoa ¢ ri vida como outra, um femninino é tio vilide como um masculino ¢ os masculi- Nego-me a acreditar que isto nio soja possivel Re cstabelecido”, con rangi”, Reafirmo minha rebeldia contra cud aguito que nos negue, antes de tudo, nossas propria vidas. smo minha rebeldia contra 2 natures, contra “o aquile que nos roube “a espe- Jocl Maldonado, cartunist © atvista de movimento transexual espanol APRESENTACAO’ Em 1984, uma revista exibiu a manchete: “A mulher mais bonita do Brasil é um homem”. Pela primeira vez na histéria do pats, a sociedade comegou a se deparar com as confusées de género em escala midiatica. Roberta Close trouxe para a cena nacional o olhar incrédulo de pessoas *Agradeco ao artista Joc! Maldonado pelos desenhos ¢ pela . Agradeco ao antropélogo Pedro Paulo pela leitura critica dos manuscritos ¢ a Reges Pereira pelo apoio confia mes Pereira fundamental na fase final. 2 erssicr tas {que a examinavam ¢ buscavam naquele corpo exuberante sinais de masculinidade, Por muito tempo Roberta Close reivindicou sua identidade de nero, Afirmava que ert ‘uma mulher tansestial e precisava mudar seu nome e sexo nos seus documentos. Sem muita pressa, a justiga the res- vcd nasceu homem ¢ nada se pode fiver contra ese destino bioldgico”. Por muitos anos, Roberta reve que se submeter a0 constrangimento de portar docu imentos que negavam sua existéncia socal. ‘\aproximacio com a ransexualdade¢ reveladora das convengbes sociais sobre a maseulinidade ea feminilidade, Diariamente profissionais da saide, ju advogados, professors parlamentares, amigos, familiares sio insta dos se posicionar ¢ encontrar ntidos para as demandas reivindicam o pertencimer Pessoas que solicitam cirurgias de transgenitalizagion de pessoas que m género, sio expulsas de casa, no conseguem estuda quem emprego, sio excluidas de todos os campos sociais, entram nna justiga para solicitar a mudancx do nome e do sexo, enfim, um conjuinto de instieuigaes sociais & posto ‘em agi toda ver que alguém afirma: “née me reconheso ge ¢nscldade 13 esse corpo, niio me identifico com o género imposto, quero uma cirurgia corretiva do meu sexo, no suporto cesses seins quie me aprisionam ao desting marerno”. Essis anuriciagées reverberam nas instituigGes como se cas proferidas por uma pessoa transtornada, sem condigdes de significar suas doves, Hegemonicamentea transexualdade ¢analisada como tum transtorno de género, uma enfermidade. Tentarei defender a reve de que a concepgio que atiela e limita © insitos identci- ginero & genitalia gera necessariamente rios que explicitam ¢ esbarram nos limites dessa concep- io, A discussio sobre género e sua relagio coma sexualie dade e corpo, o cariver ideolégico patologizaeso da tran- sexualidade, as tenses inauguradas pelo debate sobre a participasio de mulheres eransexuais feministas, mulheres transexuais ksbicas, homens transexuals gays cm coletivos historicamente organ zagio das identidades, sio algumas questics discutidas 20 iados em torno de certa essenciali- longo desse liv. (© objetivo desse livro € fornecer reflexdes que possi- bilitem problematizar os limites das instituigdes sociais 20, lidar com estas demandas a necessidade de se repensat 08 crtérios de normalidade e anormalidade que sio postos odas as veres que esta 10s diante das pessoas que vivem o género para além da diferenga sexual TRANSEXUALIDADE E AS ARMADILHAS DOS GENEROS Imagine se um alto funcionsrio do Estado brasileivo 10 seu gabinete para mais um dia de intenso tra- ume e penteado no para rerocar a maquiagem, verficar se seu cabelo estava sando roupas, acess ia ao banheiro hhabituais. Antes de comesar s em ordem conferir seo vestide escolhido realmente estava de acordo com os colares, brincos ¢ outtos aces sérios, Provavelmente essa mudanga provocaria rumores, renderia matérias em jomnais e poderia Ihe custar 0 posto de trabalho, A histria de Chevalier D’Eon/Madame Beaumont, altofa Funcionério/a do Rei Luiz XV pode sugerir que as permissbes para as mobilidades entre os génctos nos dois iltimos séculos mudaram consideravelmente, Charles Eon de Beaumont (1728 1810), um/a exeelente espada- re 49 anos acreditou-se ser uma mulher que algumas veres se ves tia de homem. As di desencadeando apostas (Friedli, 1999) e gerando rumors. Seja para melhor exercer sua fungio de espiio do Rei chim, serviu 20 servigo secreto do Rei. Dura 1 sobre scu sexo eram puiblicas, icumbido/a de misses complexas na Riissia e Inglaterra ou porque se sentia confortivel em ser reconhecido/a socialmente como mulher, Chevalice D’Eon/Madame Beaumont nao teve sua posigio na corte frances ame «ada. A tolerineia do Rei e da propria sociedad francesa cm conviver com a diivida sobre 0 sexo de wm alto fun- io do Rei sali que orientavaa leiturae definicio do lugar do feminino ta que a elagio entre corpo e género condicionada 4 genitilia, Nas hist6rias que o/a cercam inexiste uma moral assentad gee mena 7 no pressuposto da determinagio nacural das condutas. ular comportamento ao sexo, género 3 indo o feminino pela presenga da vagina e © masculine pelo pénis, remonta ao século XIX quando 0 sexo pas- sou a conter a verdade dtima de nés mesmos (Foucault, 1985.65). ‘Onde estio os sujeitos que transitam entre os géneros cou que reivindicam legalmente a passagem de um género nence comegam a desaparecer da para outro? Paulin vida piiblica para serem encontrados nos compéndios de medicina e nos espagos confessionais das clinicas. O sistema bindrio (masculino versus feminino) produz € reproduz a ideia de que 0 género reflete, espetha o sexo € que todas as outrasesferas consttutivas dos sujitos estio amarradas a essa determinasio inicial: & navureza:cons- ted sexualidade e posisionaos corpos de acordo com.as supostasdisposigées naturais. Estudos apontaram a existéncia dos transitos entre 0s géneros em oucras culuras ¢ moments histices, Wikan (1998) pesquisou homens que passam a mulheres na sociedade Omiin; Poasa (1998) dedicou-se 2 investigar a comunidade fiafafines, entre os samoanos, Is Bexasice Siero Bullough (1998) realizou ricos de pessoas que mudaram de géneros'. No entanto, ‘considerara medicina eas cigncias psi (psicologia, psiquia- «ria psicanalise) como os saberes apropriados ¢ exclusivos a desvendar os mistérios que levam uma pessoa de um, ‘exo a reivindicar 0 reconhecimento social de outro, data do século XX. Esse protagonismo revela que os teinsitas centre os géneros nas sociedades ocidemtais passaram a ser interpretados como uma doenga. Quando se remere ds experiéncias de trinsitos en fos géneros, € importante no realizar uma anslise pre- sentista (Butler, 1993), caracterizada pela universaliza- io de uma série de pressupostos, independencemente das condigées histéricas e culturais. Sugiro que a cran- sexualidade é uma experiéncia identitéria, caracterizada de géneto, Essa definigio pela medicina e pelas cién- cias psi que a qualificam como uma “doenca mental” e a relaciona a0 campo da sexualidade € nio a0 g¢ Definir a pessoa transexual como doente é aprsioné-lo, fixi-lo em uma posigio existencial que encontra no pro prio individuo a fonte explicativa para seus conflitos, 0 gue é mame » perspectiva divergente daqueles que a interpretam como uma experigneia iden AA transexualidade & um desdobramento inevitivel de ‘uma ordem de géneto que estabelece a inteligiblidade dos xéneros no corpo. A partir do século XX, precisamente a partir de 1950, se observou um saber médico especifico para esta experiéneia identtiria que se materalzow em diagnésticos diferenciados. A impossibilidade de qualquer exame clinico objetive que determina sea pessoa que tei vindica uma identidade transexual € Sum/a transexual de verdade”, leva os/as operadoresias da sade ¢ da justica a perguntar-se: como ter certeza se uma pessoa & realmente torno dessa. questio foram estabeleci dos procedimentos pelo saber médieo/ciéncias psi, para transexual? Fs dleterminar se a pessoa que se diz transexual & realmente transexual © ginico mapa que pode or instadas a se posicionar diante da demanda de mudanga ta as instituigdes que sto de género sio as priprias convengbes sociais heyemdnicas para os géneros, As definigées do que seja uma homem! muller de “‘verdade” se reletem e emergem nas definigies lo que soja urn/a trans 20 iss Ba afiema que o “normal” & a heterossexuaidade, quando se afirma "sou mulher/homem’, & como se estivesse ev cando a heterossexualidade como um dado nacural. Na contemporaneidade, as pessoas transexuais no sio as Ginieas que rompem € cruzam os limites estabe- lecidlos socialmente para os géneros. Asfos travests, 08 transgéneros’, as drag queens, os drug kingr sto exemplos aque desfazem a relagéo simplista vagina-feminino ¢ pénis- smasculino. ‘Transexualidade, travestiidade, transgénero sito expressbes iden: 4s normas de género uma vex que estas sio fundadas no dlimorfismo, na heterossewualidade e nas idcalizagics, AS delimi- srias que revelam divergéncias com nnormas de géneto definirio o considerado “res tando © campo no qual se pode conferir humanidade aos cconpos (Butler, 1990), A especificidade da transexualidade esti na explicica- ‘io dos limites dessas normas de género, A medida que a ivindicagao de passagem do para 0 género identificado exige que os defensores dessas rnormas de género se posicionem. Embors as pessoas que vivem a experiéneia transexual nao apresentem nenhurn tipo de alteragio em suas estrururas cromossomticas ou neto imposto a0 nascer que wamesuaade a de qualquer outro tipo, sio consideradas doentes ments, conforme problematizarei mais adiante’. Por muito tempo a reivindicaio das pessoas transexit~ ais em realizar as cirurgias de transgenitaglo foi interpre- tada como um descjo em ajustar o corpo para que pudesse ter uma unidade entre o género ¢ sexualidade. A mulher transexual demandasia uma vagina para rceber 0 penis ¢ ‘© homem transexual s6 teria sua mascutinidade garantida Sea mulher & passiva, emo- tiva, frigil, dependente, ¢ se @ homem ¢ ativo, racional, com a producio de um pa competiivo, logo se esperaré que as mulheres € homens transexuais implemencem este padro, Estas convengies orienta os médicos € os profissionais da saiide mental ‘quando se aproximam das pessoas transexuais, ‘A expetitncia transexval destaca os gestos que dio Visibilidade e estabilidade aos géneros ¢ estabelece nego- cages interpretadas, na. pritica, sobre 0 masculine © feminino. Ao mesmo tempo quebra a causalidade entre sexa/género/desejo ¢ desnuda os limites de_um sistema bindrio assentado no corpo-sexuado (0 corpo-homem ¢ 0 corpo-mulher). Diante da experiéncia transexual, o obser- rador poe em acio os valores que estruturam os génetos 2 Bexewce Bera nna sociedade. Um homem de batom ¢ silicone? Uma mulher que solicita uma cirurgia pata trar 08 seios © 0 Siero? Mulheres biolégicas que tomam hotménios para fazer a batba crescer e engrossar vor? Ela & ele? Ele & cla? 5 olhares acostumados ao mundo dividido em vag nas-mulheres-eminino e pe hhomens-masculino fcam confusos, perdem-se diante de eorpos que eruzam os limi «es fixos do masculino/feminino e gusam reivindicar uma ide de género em oposicto iquela informada pela «a0 faxéslo podem ser caprurados pes norias de género me diante a medicalizagio e parologizagio da expetiéncia, Na condigéo de “doente”,o centro acolhe com pprazer os habitantes da margem para ct Este centro construré explicagées aceitas como oficais' A simplicidade biniria (agi pénis-homem-masculino) que se supunha organ ttibuir os corpos na estrutura social, perde-se, confunde-se wlher-feminino versus ar e dis E finalmente, chega-se& conelusio que scr homie e/ou mulher nto & to simples Afirmar que a tansexualidade € uma experiéncia ‘dencitiria, que esta relacionada 4 capacidade dos sujei- tos construirem novos sentidos para os masculinos ¢ os (gue é maida 23 femininos, néo significa esquecet a dor © angistia que smarcam as subjetividades daqueles que sentem e descjam viver experigncas g rditas por mio terem comportamentos considerados apropriados para seus 1c Ihes so sexos. AS narrativas das pessoas transexuais nos remse~ tem para uin mundo de dividas, angistas,solidéo e um edo constante de serem rejcitados. Nos relatos biogri- ficos nota-se que sentem dificuldades em falar de seus confltos porque nao sabem como nomei-los*. Como explicar que seu desejo é usar as cores, as foupas, 08 aces sérios € reconstruie 0 corpo com signos pertencentes 20 outro género? Camo encontrar sentido para este desejo se 0 cotpo carrega um genital que atua como o ebstacu- lizador desse trinsito? Relendo 0s corpos: do isomorfismo ao dimorfismo Quando a diferenga sexual passa a ser importante? Por que se determinou o sexo como 0 dado mais importante para se planjar ¢ se criar expectativas sobre comporta- rmentos? Quando os trinsitos entre os géneros passaram ” Bexoacs Beste 4 ser nterpretados como sintomas de uma personalidade transtornada ou desviante? A interpretagio de que existem dois compos diferentes, radicalmente opostos, ¢ que as explicagdes para os com- portamentes dos géneros estéo nesses corpos, foi uma verdade que para se estabelecer e se eornar hegeménica, ‘empreendew uma luta contra out incerpretagio sobre os compos: o isomortismo, Até meados do século XVI, os anatomistas trabalhavam com a convensio de que existia. apenas um corpo e pelo menos dois géneras, dat parecer tum equivoco pensar a transexualidade com um alcance histético para além do periodo onde as identidades pas- sum a ser prisioneiras do corpo e que se desdobra na med calizagio das condutas. A teansexualidade nto & uma experigncia identitiria a-histérica, a0 contririo, revela com toda dor e dramati- ‘cidade os limites de uma orem de género que se menta na diferenga sexual. Quando se retira 0 con histérico dessa experienc! poder articuladas para dei apagam-se as estratégias de jinat que a verdade iiltima dos sujeitos esté no seu sexo. A transexualidade é uma das imiitiplas expresses idem que emergiram como (que ésenaiade x tuma respostainevitivel a um sistema que organiza a vida social fundamentada na produgio de stjeitos “normals! identidades em anormais” © que localica a vet (Os disctursos cientficas sobre as diferengas bioldgicas centre homens e mulheres, construidos nos séculos XVIIL © XIX, foram antecedidos pela rediscussio do novo esta tuto social da mulher ¢ do homem, Por volta da segunda metade do século XVIII, as diferengas anatomicas ¢ fxio- légicas visiveis entre os sexos mio eram consideradas, até que se tomou politicamente importante diferenciar bio- logicamente home theres, mediante 0 uso do dis- ‘curso cientifico. © levantamente biblingritico realizado por ‘Thomis Laqueur (2001) sobre a produgio cientifica que urilizava como fundamento argumentativo império da biologia para explicar a ordem moral, revelou que apenas no século XVII comegaram a aparecer textos com esse recorte, Ao longo dos séculos XVII ¢ XIX, esse quadro muda ¢ das milhares de erabalhos que apontayam a importine diferengas sexuais nia determinagio do comportamento sio esctitos.(Laqueur, 2001:192). 26 Bunesice Baxro Entre os anos de 1860-1870, houve uma multiplica- ‘si0 de discursos médicos que buscavam comprovar quc os comportamentos sexuais e todas os demais tém sta of gem na biologia (Foucault, 1985,1983). A obsessio pelo sexo verdadeiro ¢ a corregéo de possiveis “disfarces*da rnaturcza também estio em curso no século XIX. A iden- tifcasio das "perversies” e do verdadero sexo dos herma- frodicas seria uma tarefa para o olhar do especialista, que conseguiria por um fim 3s dividas sobre as ambigaidades ‘lias, apontando © sexo predominante’. A luta pra a construsio de uma leicura dos corpos fiandamen- das gen ada ma diferenciagdo radical entre os corpos-sextadas se impoe hegemonicamente no século XIX, propiciando @ cemergéncia de novas subjetividades e de novas identidades coletivas. No isomorfismo’, a vagina era vista como um pénis invertido, © steto era o escrow feminino; os ovirios, os tescculos;a vulva, um prepticio ea vagina, um pénis inver- tido, A mulher era fisiologicamente um homem inver: tio que cartegava dentro de si tudo que o homsean trzia exposto, Para os anatomistas nao havia nada de exctaordi- nirio em uma menina, por algum acidente, cornae- 0 gue nmesniade menino. Entre os casos de mudanga de géneto, Laqueur recupers o de Germain Garnier, que até os quinze anos viveu como menina, Na adolescéncia, ao fazer um movie mento ripido, masculina rompeu os ligame tos internos que até entio a prendiam. Em assembleia, a genic ipagio da comunidade € das autoridades com a part ; locais, decidiu-se que Marie mudaria de géneto ¢ passria ase chamar Germain. Segundo 0 médico Ambroise Paté, contemporinco de Germain/Marie Gi nga entre as mulheres «© 05 homens esté a intensidade do ealor corporal: es rio cém tanto calor, nem eapacidade de empurar para fora o que fiieza de seu temperamento mantém preso no set interior, Nesse sentido, Paré afirma que na histéria de Germain/ Marie Garnier nio havia nada de extraordina- rio, (Paré apud Laqueur, 2001:126) No isomorfismo o homem possui a energia necessiria, para gerara vida, ou o calor vital. A mulher, por ser menos: quente ou um homem imperfeito, guardaria a semente produzida pelo calor masculino. Nesse modelo, 0 corpo representado por continuidade ea diferenga é represen- tada em terms de graus (mais quentelmenos quent). A 28 Buxsser Be isomorfismo era um fundament para posicionar os sj 10s na ordem social. AA pesquisa de Lynne Friedli (199) reforga a tese de Laqueur segundo a qual a aparente disputa cientifca entre 6 dimorfismo eo isomorfismo anunciava um noutro campo de uta que estava em pleno curso: redefinigio das posi- ‘goes do masculino ¢ feminino na sociedade, Friedli obser- vou que no século XVIII © niimero de mulheres que se passavam por homens cresceu consideraveln aumento ¢ interpretado pela autora como uma resistencia a0s novos papas de mae, dona de casa e de esposaimputa no na modernidade. A histévia de Germain! Marie Garnier & anterior a ete petiodo, Os historiado- res usavam 0s verbos “tornar-se, "i dos ao fem 1°. Nos casos rela tados por Friedl, fala-se em "passa por”, em uma clara influéncia do dimorfiseas, urs do sexo verdadeiro defendido pelos Em meados do século XIX os teinsicos entre os géne- 105 sio intecrompidos. Todo sujeito tem um sexo ea cign- cia deveria destarer os “disfarces” da natureza ¢ decermi nar 0 sexo verdadeiro a partir de um exame mint (Os coxpos itiam justificar as desigualdades e as diferengas que tern » bicrarquizadas entre o masculino ¢ feminino, Os discursos da diferenca sexual dario suporte a partir de um diseurso “cientifico, 20 julgamento das condutas. Por essa conee ‘gio, a mulher € 0 homem sio portadores de diferenas inmelativiziveis. Da espessura da pele ao tamanho do « nio, da estrutura priquica aos complexos, cado & di renga. A refinada cngenharia da diferenga sexual exqua- drinhou os corpos com o objetivo de provar que no ha nada em comum ene o ferinino eo masculine. O inico momento de enconiro possivel aconteceria no ato sexual ‘No século XVII ainda se utilizayam nomes associados para designar os ovirios ¢ os teticulos, Apenas em 1700 «© 6rgio sexual feminino passaré a ter um nome dliferen- ciado. A “vagina” foi defi bainha ou drgi0 eéncavo no qual 0 penis se encaixa durante a telagio sexual e por onde os bebés nascem” (Laqueur, 2001199). (Os dois atributos que dio sentido ao feminino, a heteros- sexualidade € maternidade, estio presentes nesta defini- ‘go. Se 0 drgio diferenciador e quaificador do Feminino a vagina; se a vagina tem como fungbes a heterossexu alidade e a maternidade, Jogo toda mulher tem vagina, ‘entéo, por este raciocinio as lésbicas no sto mulheres ©as ida como 30 Bensacx essa mulheres transexuais jamais conseguiriam sair da posigao de seres incompletos. ‘Temos que concordar com a teérica lésbico-femi- nista Monique Wittig (1997, 2001), que pelas normas no sio mulheres. A radicalidade de seu pensamento esté em apontar que a hetctossextia- lidade ndo seria exclusivamente uma pritica sexual, mas tum regime de poder. A “mulher” nao é uma identidade ‘natural, mas uma categoria politica que surge no marco do discurso heverocentrado. A dualidade de opres sio_hetetossexualidade/homossexualidade & anterior homem/mulher. A matriz do poder, segundo a aurora, é a hererossexualidade, de género as lési Pensar_a heterossexualidade como um regime de poder significa afirmar que longe de surgir esponta amente de cada corpo recém-nascido, inscreve-se rcite- radamente através de constantes operacbes de repetigio «de recitagio dos eédigos socialmente investidos como .O corpo sextadlo © a suposta ideia da comple- ridade natural, que ganha inteligibilidade através dda heterossexualidade, € uma continua ¢ incessante mate rializagio intencionalmente organizada, condicionada ¢ (gue nme au circunserita pelas convengdes histdricas, © que se apre= senta como a-histérica. Por estas convengées, 0 inico lugar habitivel para 0 feminino é em corpos de mulheres, ¢ para o masculino, cm corpos de homens. Nesses lugares € como existisse uma esséncia prépria, singular a cada corpo, inaleangi- vel pelo outro, Os atos das mulheres ¢ dos homens sio interpretados como “a natureza falando em atos’. Essa hipstese produe promessas fundadas nas idealizagoes de uma “naturera perfeica", como é 0 exemplo do “amor! instinto materno” ou do “homem naturalmente viril” Pelo dimorfismo, a organizacio social deveria ser ditada orientada pcla natureza. Nada se poderia fazer contra pério da nanureza a nio ser render-se a ca, A opo- sicio bindria que constitui 0 dimorfismo dos géneros reduz todos os niveis da vida do sujeito, A sexualidade, as performances de géncro, a subjetividade, a identidade de géncto constituem campos marcados pela diferenga sexual. Nessa ligica dicotdmica, nao & possivel fazer des- colamentos. © masculino ¢ o ferinino s6 conseguem encontrar sua_inteligibilidade diferenga sexual. rando_referenciados 3 2 HenusterHrsro ‘Ao problemarizaro dimorfismo conerapondo-0 30 iso rmorfismo, ndo me preacupo em discutie se os anatomistas do isomorfismo eram limitados pelas condigées téenicas de sua época, mas apontar a imposibilidade de haver dlivergéncia ou conflto enti género aribuidlo € © corpo sexuado em perioclos anteriores modernidade. A exist «ia de um sinico corpo dificulta pensarmos na existéncia dda ransexualidade, experigncia identitiria resultado da medicalizagio das condutas. O principal desafio € perce ber os desdobramentos que © dimorfismo trouxe para o Aambito da onganizagio social, quais os valores que ‘estabelecidos como verdades, por quem foram esa dos, a favor de quem ¢ quais foram silenciados. Pensar a Aistribuicio dos corpos na estrutura social como 0 resul- tado de disputas de visbes significa considerar o proprio logia de discurso cientifico como elemento prenhe de mas de ge sgénero.e como um dos guardies das now Quando afiemamos que nio existe sgénero, que a distribuigao dos corpos na estrutura social E um efeito das normas de género, € importante apon- ‘ar como se produzem e se naturalizam os géneros, segundo Tereza De Lauretis (1984, 1994), quais so as ‘Ogi deme Fs} tecnologias que fazem os géneros. Tio importante quanto a abordagem_hist6rica_desnaturalizante_da_difereng sexual, & perceber como nas interages cot insados a continuar reproduzindo a naturalizagio dos géneros ¢ da sexualidade Nas teias das tecnologias de géneros iorme os meses Observe uma mulher grivida passam, uments a ansiedade sobre o sexo da crianea, Quando o sexo da crianga € revelado, o que era uma abs- trago passa a cer concretude, O feto ja nio € fero, & um ssa revelagio evoca um con junto de expectativas e supasighes em rorno de um corpo ‘queainda é uma promessa (Preciado, 2002), Enquanto o aparclho da ecografia passe pela barriga dda mie, cla espera ansiosa as palavras migicas que ira desencaclear as expectativas. A ansiedade da mae aumenta quando o aparetho comes ila, e 6 termina quando ha o antineio das palavras magicas: 0 exo da crianga, A materialidade udquire vida inte- ligivel quando se anuncia © sexo do feto. ‘Toda a eficicia M Bunustes Bato gue eae 6 simbélica das palavras proferidas pelola médicofa esté em seu poder magico de gerar expectativas que serdo matcria- lizadas posteriormente em brinquedos, cores, modelos de roupas projctos pars ofa fururofaflhofa ances mesmo de © corpo vir ao mundo. Q rede de descjos «expect fem consideragio pa uma complexa 151 nasce encontr para seu futuro, levando-se projeti-la o faro de ser um/a on gc, ser um corpo que tem um/a menino/im pénis/vagina, Essas expectativas slo estruturadas nu ‘complexa rede de pressuposicdes sobre comportamentos, ostos ¢ subjetividades que acabam por anteciparo efeito que se supunha causa, ‘Os brinquedos, as cores das roupas © outros acessé- Figs que compotio 0 enxoval sio escolhidos levande-se ais apropriado natural para uma is, No entant ‘em conta o que seria vagina ou wm p como € possivel afirmar aque todas as crlancas que nascem com vagina gostam de rosa, de bonecas, brinquedos que no exigem muita forga, cnergia ¢ inteligéncia? Aquilo_que_evocamos.como dado natural, 0 corpo-sexuad nefo, Como afirmar que & resultado das normas ite um referente narural, Benssce Besa original para se vivenciar 0 género, se ao nascermos ji encontramos as estruturas funcionande e determinados © certa © o errado, 0 normal e o patolégico? O original ji nasce “contaminado” pela cultura, Antes de nasce compo ji estd inscrito em um campo discursivo, A interpelagio “€ unv/a meninofa’, do apenas cria expoctativas © gera suposigées sobre 0 futuro daquele corpo que ganha vis ilidade através dessa eecnologia Scus efeitos so protéticos: faz corpos (Preciado, 2002), género, portanto, &0 resultado ce tecnologias sofstica- das que prodizem compos-sexuados. As interpelagdes doa médico/a fazem parte de um projeto mais amplo, que nio antecede ao género, mas o produe. A suposta descriez0 do sexo do feto funciona como um batismo que permite a0 corpo adentrar 3 categoria de humanidade’ Quando se diz "é um menino!” nia se esti descrevendo tum menino, mas criando um conjumo de expe para aquele corpo que seri construido como “menino".O ato da linguagem, nessa perspectiva, nio é uma represen- ‘agio da realidad, mas uma interpretagio construtora de significados. John Austin (1990) chamou esta caracteris- ‘ica da linguagem de “capacidade performética”. Quando (que é woes 7 se diz “menino/menina’, nao se esti descrevendo uma mas produzindo masculinidades ¢ feminilidades jonadas ao drgio genital ‘Uma crianga que recede de presente bonequinhas dar de mamar, fogiozinhos © panelinhas para cui onde predomina a cor rosa, esti sendo preparada igénero feminino (passiva, cuidadosa, bondosa) ¢ que ters ugar para exercer estes nna maternidade 6 melhor etn atributos. Ou entio, se esta crianga gana revélveres, car- 10s, bolas ¢ outeos bringuiedos que estimulam a comp. ‘Go e exigem esforgos mentais e corporais esti em curso 0 trabalho de fabricagio do corpo para o mundo piblico. (Os brinquedos concinuam 0 trabalho dofa médico/a que proferiu as palavras migicas: produzem o feminino € 0 masculino. Funcionam como proteses identitiias 0 sexo no & aquilo que alguém tem ot: uma descr ‘fo estitica. O sexo ¢ uma das normas pela qual se vidvel, qualificador de humanidade--matétia_compérca. Os atos que fizem 0s corpos sexuiais também sio expe riéncias compartilhadas pelas signiicagdes culturais. Nao cxiste corpo livre de investimentos discursivs, in natura. [A primeira intervengio que construiu 0 corpo-sexuado 38 Bowser Besa amarrou o destino desse corpo & geniilia, nio & As cirargias sibs #8 subsequer ferdo come objetivo controlar ¢ produzir a “sexualidade normal” em coxpos- sexuados generificades dicotom ficatio a cargo das instituigées, camente. Estas cirurgias © corpo € um texto socialmente construide, um arquivo vivo da histéria do processo de (re)producao sexual, Neste processo, certos cédigos naturalizam-se, uttos, sio ofuscados e/ou sistematicamente iminados, posto as margens do humanamente acctivel, como acon fece com as pessoas transexuais A transexualidade € outras experiéncias de «rinsito ‘entre os géneros demonstra ddos.a.cumprir os descjos de nossas estrucuras corpéreas O sistema nao consegue a unidade desejada. Ha corpos ue escapam ao processo de produsio dos géncros inte- ligiveis,e 20 fazé-lo se péem em risco porque desobede- cetam As normas de género; a0 mesmo tempo, revelam as ii Esse processo de fuga do circere dos corpos-sexuados é Imarcado por dotes, conflios ¢ medos. As divides “por que eu no gosto dessas roupas? Por que odeio tudo que {que no somos predestina- les de transformagio dessas mesmas normas. que é names ” de menina? Por que eno esse corpo, leva os sue tos que vive em conflito com as normas de localizar em si a explicagio para suas dotes, a sentir-se it, Quais ‘uma aberragio, uma coisa impossivel de ex e produzem nas subjetividades ‘6s mecanismos sociais 4 ; essa sensagio de anormalidade? Como as instituigées doperam pata serem eficazes no seu intento de naturalizar 1s géneros? Como o centro produ ¢ se alimenta perver- samente das margens? Reiterages ¢ heteroterrorismo Apés 0 nascimento da crianga, as tecrologias discursi- vas dirigem:se para preparacio do corpo para que desem~ axito o género. © mundo penhe com éxito 0 género. Om " sobre proibigdes e afirmagaes, Essa pedagogia dos géneros hhegeménicos tem como objetivo preparar 0s corpos para a vida referencia na heerossexualidade, consid apa tirda idcologia da complementaridade dos sexos. As “con- imediaramente, Fusdes” nos “papéis” provocam, direta “perturbagées” na orientagio sexual! supte os defensores do binarismo. o Benower Bex As teiteragbes que produzem os géneros e a heteros lade sio marcadas por um terrorismo continue. lo que incen- comportamentos, a cada insulto ou piada gosta de brincar de honeca, are com isso! Isso coisa de meninot” A cada reiteragio de un/a pai/mie ou professor/a, a cada "menino no choral”, ‘os heteroterrorista afin » “comporta-se iso € coisa dle bicha!”, a subjetividade daquele que é 0 objeto dessa reiteragies é minada, Fssas verdades sio.repetidas por diversos Por virias instituigées. A invisibilidade & minhos, tum desses meca- nisms, ¢ quando “o outro”, “o estranho”, “o abjeto" apa rece no discurso, & para ser eliminada. dar vida, através do discurso, para imedia tum processo de Quando um/a pailmae afirma: “Isso é coisa de ‘esa sentenca rem miltiplos efeitos. A erianga n ‘muito bem 0 que & aq le “bicho-papio” que provoca a be que nao quer ser rejctado. Sabe, Portanto, que nio poderi (ainda que nao saiba como) agi como uma bicha, Essas interdigdes ficam mais claras wo longo da vida, A bichas ira dao mie/p: sapatio, © afeminado sio 0 gue resale a war a heterossexualidade, por nio > serem estranhos, externos a ela, mas porque a constitu ou conforme Jacques Derrida, a diferenga gera aquilo que cla proibe, “tornando possivel a propria coisa que ela torna ipossivel" 3). A cransexualidade seria, portanto, 4 materializagio do impossivel, o inomindvel, quilo que transcende a capacidade de compreensio, Nascemos e somos apresentados biidade de conseruirmos sentidos identi sas sexualidades ¢ géneros. Hii um controle minucioso Ginica_possi- Se meninos gostam de brincar de boneca ou m codeiam brincar de easinha, logo surgiré um olhar atemto para aletar os pais que sew/suafilho/a tem comportamen- tos “estranhos”. Dai o perigo que u senta para as normas de me igénero cm diseordincia com 0 corpo-sexuado. ‘A questio central quando se discute trinsitos iden- ios desvincular as identidades de um ponto ides dos géneros nio estio determinante, As mob ‘| a Busustee Bee condicionadas & sexualidade e/ou a outtas vari logicas. Hegemonicamente 0 ro € a sexualidade se ‘expressam unidas. As “confusbes” que uma erianca faz a0 misturar os dois mundos (0 masculino ¢ o feminino) sio interpretadas pelo olhar atencioso das instiuigdes, ‘com um indicador de u ° homossexualidade latemt, Nessa hora, entra 0 conttole produtor: “Isso nio ¢ coisa de menino/at” Controle produtor porque produ mascu- linidades ¢ feminilidaces Passamos a interiorizar essas verdades como se fossem tuma pele, algo que esti conosco desde sempre, 0 que nos fax esquecer dos intimeros, cotidianos, itetados “ensina- lidade normal e natural éa heterossexual, Depois de uma minuciosa e continua engenhatia 0 cial para produzir corpos-sexuados que tenham na heterosse- xualidade a tinica possibilidade humana de viver a sexu alidade, como se pode continuar atribuindo 4 natureza a ‘esponsabilidade daquilo que é 0 resultado de tecnologias sgetenciadas ¢ produzidas pela instituigbes sociais? Reiterar significa que é através das priticas, de uma inrerpretagao em aro das normas de género, que 0 géneto sxiste O género adquire vida através das roupas que guetta “3 compéem 0 corpo, dos gestos, dos olhares, ou seja, de ‘aliscica definida como apropriada, Sio estes sinais cateriores, postos em agi, que estabilizam ¢ lidade ao corpo. Essas infindiveis repetigées como citagdes, e cada ato € uma citagio daquclas verdades cstabelecidas para os géneros, tendo como fi para sua existéncia a crenca de que sio determinados pela nnatureza, Quando se age ¢ se procura reprodurir alo mulher! hhomem “de verdad”, desejando que cada ato seja reco- nnhecido como aquele que nos posiciona legitimamente na orem de género, nem sempre 0 resultado corresponde Aquilo definido e aceito socialmente como atos préprios a Seas “bes nin conseguuem cortes~ tuna homern/mulher ponder As expecta abre-se uma possbili de género, que geralmente utilizam da violéncia fisica ef a partir de suposighes,” de para se desestabil ow simbélica para manter essas préticas as mangens do considerado humanamente normal. O_processo de natu talizagio das identidades ¢ a patologizacio faze parte dese processo de producio das margens, local habitado pelos seres abjetos. que ali dever et. 4“ Benower: eso Tanto as suposigbes quanto as expectativas esto cos- turadas pelas idealizagoes dos géneros, aquelas verdades ue definem os comportamentos, os desejos ¢ os pensi- ‘mentos apropriados para homens/mulheres. A busea por implementar um modelo inatingivel tem alguns desdo- bramentos: pode gerar sentimentos de culpa ¢ frustra ‘io, mas também revela as possibilidades potenciais para as transformagdes, revelando a limitagio das normas de wr As formas idealizadas dos géncros geram hierarquia € exclusio. Os regimes de verdades estiptlam que deter ‘minadas expressdes relacionadas com 0 género sio falsas, enquanto outras sio vendadeiras e originais, condenando 1 uma morte em vida, exilando em si mesmos os sujeitos Que nio se ajustam as idealizagées. 4 seguinte Jigica: ‘homem-masculino, A heterossexualidade daria coeréncia is diferengas binrias ‘entre os géneros!*. A complementaridad prova_inguest de que a humanidade é necessa- ramente heterossextal e que 08 géneros sé tém sentide qwando relacionados is capaci rerentes_de_cada que acide “6 corpo. Através das performances de género, a sociedade controla as possveis sexualidades desviantes. Seri a hete- rossesualidade que justificari a necessidade de se alimen- tarfproduvir cotidianamente os géneros binirios, em pro- esos de retroalimentagio, Os géneros inteligiveis estdo nado & heerossexualidade e esta precisa da com- at para jusificar-se como norma costura, no sentide de que plementaridade dos géner Hi uma amarragio, co genera s6 pode ser enten- ido, s6 adquite vida, quando refer lacio, As performarividades de género que se art amarragio sio postas is margens, analisadas como iden- tidades transtornadas, anormais, psicéticas, aberragoes dda natureza, coisas esquisitas. A repetigio permite a efi cifncia dos atos performativos que sustentatm € reforgam as identidades hegeménicas, mas, também si as repeti- pes deslocadlas do contexto natural dos sexos, & exem- plo da transexualidade, que possibilicam a emergéncia de priticas que interrompam a reprodugao das normas de géneto, ¢ a0 fazé-lo, explicitam 0 cariver excludente da categoria “humano” das pessoas que teconstrocm suas * pposigdes identitérias, wansitando e, portanto, negando 0 corpo reflete 0 sexo, sulam fora dessa 46 Bexewer tesa a pre 1998, 2002). O género nie é ia explicativa do biolégico (Butler, 1990, “esséncia intern ee ida mediante um con- junto de aras postuladas por mein da estilizacio dos cues © que se supoe como uma caracteristica natu- ral dos corpos € algo que se ante jos cores € algo que se antecipa e que se produ Imedlan eto gests compra nauraliados. Ao for mular “género” como uma repetigio estilizada de ara a inclusio de expe um referente bioligico, Nestas expe- hi um deslocamento entre corpo e ses centre corpo ¢ subjetividad mances de género, Aind: entre 0 corpo ¢ : 2 EAM que os significados ue atribuem aos nfveis constivutivos de suas identidades scjam rerminados pelas diferencas sexuais, ~Os atos generificados sio, cntio, interpretades como tages de uma suposta origem, Agir de acordo com uma ulherfhomem é pdr em funcionamento um conjunto de verdades que, acredita-se, esa hs fandamentadas na gue é eid a natureza. No entanto, quando se age se deseja reprodu- zir a/o mulher/homem “de verdade”, desejando que cada ato seja reconhecido como aquele que nos posiciona legi- timamente na ordem de género, nem sempre o resultado corresponde Aquilo definido aceito socialmente como ato préprio a um/a homem/mulher Neste movimento de convent ° mundo do outro género, a discussio do real e do fi sioaparecem. rdade ditada pelos impe- rativos do corpo, ¢ 0 fcticio, © carente de originalida (Como identificar um homem e uma muther “de verdade"? © que sio sentimentos femininos e masculinos? Como ns bidlogicos concluir que este ou aquele sentimento € m: ferinino/masculino? Asios mulheresfhon fm suas ages cotidianas também interpret rmulher/homem “de verdade", isto porque a verdade dos séneros nao esti no corpo, jd nos diz a experiéncia transe- xual, mas nas possibilidades miiliplas de construir novos significados para os géneros (0 suposto mimerismo nao se fundamenta em uma no queéa origem primeira. A prépria ideia de origem perde 0 sentido. A mulher XX e © homem XY (tipos perfeitos ¢ 48 Buse Hrs ‘riginais por suas estruturas cromossomticas exemplares) sio resultados de fecnologias discursivas que orale os homens © mulheres também como cépia desprovida de n fazem 0 género da mesma forma que as pessoas transexuais: trav cio de 105, corporificando 0 g ices. A permanente interpretagio e negociagio com as verdades construidas socialmente para os géneros fazem com que cada ato do fizer-se em género estejainserido em tum campo mais amplo mediante a evocagéo de altrida- des implicitas ¢ explictas. Nio ha identidade de ge 10 por detris das expresses, construgdes, performances do género, nao hi ontologias cultas, Imi intl do género em getal. O que diferencia as performances das/os_mulheres/homens biolégicas/os das/os transexu- a um género é revelar a estrun midade que as normas de género conferem cada uma dels, instaurando, a parti dai, um discursiva ¢ uma produgio incessan dispura c de discursos sobre a Iegitimidade de algumas existe ¢ de outras serem silenciadas ¢ climinadas. Um dos recursos recorrentes de absorgao pelo centro dos seres construidos como abjetos Ogu tosesalade tcolmargem nao “margem no centro como elemento esttumuranic.€ indis- ‘pensivel. Dai climinicla obsessivamente pelos insultos, leis, eastigos, no assassinato ricualizado de uma transexual que precisa morrer cem veres na ponta afiada de uma faca undo. {que se nega a parar mesmo diance do corpo mori Quem estava sendo morto? A margem? Nio seria o medo deo centro admitir que ela (a tansexual/a margem) me hhabita e me apavora? Antes mati-la, Antes agir em nome ‘da norma, da lei ¢ fazer a assepsia que garanti funcionamento ¢ regulagio _das_normas. “mais eficad” & confinar os “seres abjetos” ‘compéndios médicos e trazé-los a vida humana por uma aguilhada que marca um cédigo abrasadlo a cada relatério inédico que diagnostica um “transto A iferenca nao domesticada ‘Até onde a cultura pode interferir na produgio do masculino © do feminino? Como a materialidade dos * Bemce Bev compos € produtida? O que & gé Jue & género? Essas sio pergun- {25 que geram muita teorassobee as determinsnnes explicam a origem dos masculinos dos femininos, ; concepeio que teve grande prestigio. nos estu- los feministas definia género como os atributos culeurais construidos para o masculino eo feminino levando em considerado as diferengas sexuais, para estabelecer su: osgoes eta hitarguiada. Os géneros mudarim le acordo com os imperativos das culturas. No entanco, «sta pluralidade estava fundamentada em uum binarismo versal ancorade na diferenca percebi Estudar os géneros 2 partir das diferencas sexuais, ou de uma estrutura bin tira bind, pode sugerir explicitamente a i dliscurso necessita do pressuposco da diferenca ual, sendo que esse nivel funcionaria como um esti prccultral. A difereng sexual pode rifcat 6 gencro » um limite técito heterosexual eet “ ‘ual para expressar as identida- des de género, as sexualidades, as subjetividades ¢ as cor. poreidades, além de n versus género (cultura). 4 Nos iilimos anos, outra leitura sobre as identidades le género e a melagio entre natural e cultural comegou a inter a dicoromia sexo (natureza) gue rmedede 1 sganhar forga em pesquisas © no ativismo, Os chamados ‘estudos queer tém no livro Gender and srouble: feminism and the subversion of identity (1990), de Judith But smatco fundamental.A autora apontard os limites teéricos ide um construtivismo fundamentado no binarismo, Para ial hete- autora, ginero é uma sofistiada tecnoloy ronormativa, operacionalizada pels i linguisticas, doméstias e escolares.€ que produzem tantemente compos-homens ¢ corpos-mulhetes. Por heteronormatividade entende-se a capaciade da se como norma, a lei que igaes médicas, heterossexualidade apresenta teguls e determina a impossibili marcos. E um lugar que designa a base de intligibilidade cultural através da qual se naturaliza corpos/génerosidese- jos € def hhegemsnico de inteligibidade de-genero, no qual supée que para o corpo ter coeréncia ‘csentido deve haver_ um nediante ino expressa homem, feminine ‘_género estivel (masc capresa mulher) Reproduzir a heterossexualidade consiste em cultivar de vida fora dos © mod ‘0s corpos em sexos diferentes, com aparénicias “naturals” & dlisposigies hererossexuais natura, Essa mautiz nie, opera 3 Raaesier Bev exclusivamente nos marcos de relagtes heterossexuais, mas dissemtina-se, Seu alcance eeficicia estio em pau orien. tar relagées ndo heterossexuais. A bin: tariedade ativo/passive seria uma das formas desst matriz se atualizar € manter-se Os estudos queer terio como um dos cixos 0 estudo ddos_mecanismos histéricos e cu urais que produzem as identidades parologizadas, invertendo o foco de anilise do individuo para as estruturas sociais. Nesse processo de desnaturalizagao, © foco explicativo para a constituigio das identidades desloca-se de idividuo para as gencalo nitam a categoria *humanidade” dos discursos que ws a duas possi vagina, Ou vocé é mulher ou é homem. Dois coxpos, dois géncros, Ou voce & masculino ou feminino, tas sejamos rodos hetcrossexuais. Nada de ambiguidace lum horror a indeterminagao, Os estudos queer ito radicalicar 0 projewo feminista, em um debate interno ao campo, mas que o extrapola, 4 medida que habilita as pessoas transexuais © travesti, as drag queens, os drag kings, as lésbicas, 08 gays, os bis- sexuais, enfim, 68 designados pela liceratura médica ow plas cigncias psi como suj ‘0s transtornados, enfermos, 33 gue é amend pricbticos, desviados, perversos. ese as margens devem mancer uma relagio de disput cxplcitagio do cariter ideoldgico daguecles que produr z sc 4 ns, AS liscursos que alimentam a reprodugio das marge: . te f unas estrururas pnges de ner quo corps espana cn sociais sio interpretadas como um sistema complexo : mento miiltiplas relagdes de poder, € no qual ‘pee moviment sempre possivel intervi, criar espagos de resisténcias: & impre pact ‘exemplo da propria experiéncia tansesul Para desnaturalizar as ide ae uma das estrarégias € transformar ¢ incorporar 0 {nsulto homofébico como elemento identitirio. Em ne entrevista & revista Nacion Gay (httpowww/naciongay — capturado em fevereiro de 2007), Beatriz Preciado aficma preferir ser chamada de sapatio, pois no cotidiano im pois no cotid a smeiam. Lésbica & um. assim que a feconhecem ¢ a nomeiam, Se alguém diz: “Vocé é um sapatio”, categoria médica. Se alguém di i: Sou, € dat? O que voct vai ua das respostas gucer ser Sous eat fazer comigo? Quer me iminar? Sinto muito. Estou ag 2 O que voce & Hetero 0 qué? Vim para fica. E voo equ O insulto, um dos dispositives mais eficazes para * : dugto de seres abjeros que devem ser posts 38 margenss 54 Bens Bast se cansfor indamento para construit uma nova | > identidade marcidi na-e pda disputa, Asumis o mean enquano um elemento identitivio é filar da mangem 420 centto, construir uma concepeio pés-identitiria, Ao ‘mesmo tempo explicta.a violéncia posta em jogo no pro- cesso de nomeagio e hierarquizagio das identidades, A imargem constr nico ao poder-saber O quer fala da margem e permanece i margem, expl ita_a diferenca que se nega a ser domesticada pelo cen- 0 por processos de assimilacio que se efetiva mediante 4 pucologizacio das. ides, As rellexdvs queer estao réximas ao que Foucaule chama de pirotécnica, “uma coisa que serve, finalmente, para um eerco, uma guerra, favor da destruiga favor de que se psa passan de que possa avanear, de que possa fazer cairem os muros.” (PalDroit, 2006:29) Quando se problematiza a relagio dicotmica ¢ deter- minista enire corpo.c-género,¢ se pe em xeque o oll: ue analisa os deslocamentos identtarc tomas de idemidades pervertidas, is OuLtos niveis consttutivos da identidade també uma destruigao. Nao sou que danse am podem & omporem arranjos milkiplos fora do dos compos: ¢ todo poder da forga re la a encialment cma de género pode, poten os © desdobramento na exer da agio, no campo po tico, de um pressuposto teérica_que aponta os lim! dh categoria humanidade assentada na navuralizagio das identidades © medicalizagao das condutas € a hum de radicaliza- sed Disies Humano. Nese proces Sakae o rem sido identifi- vale questionar: por que o feminit cado & mulher ¢ © masculino a0 homem: se discure politicas inelusivas de género 2 Por que quando indicadores de Jéneras se circunscreve o debate ao feminino? igéneros se CONFLUENCIAS: IDENTIDADE E DIFERENGA A afirmagao: “Nao sou gay/lésbica. Sou um/a homem/ mulher transexual” é comum nos discursos das pess (ransexuais. Esta demarcagao identitaria com homossexu- ais cumpre um importante papel de localizar e diferenciar yénero de sexualidade. No entanto, nao se pode derivar dai que todas as mulheres ¢ os homens transexuais sejam heterossexuais, afinal o fato de mulheres e homens tran- sexual assumirem a homossexualidade desfaz qualquer possibilidade de se produzir esta inferéncia. Bower Bisto Ha uma pluralidade © diversidade entre aS pessoas que vive a exper neia transexual, o que contrasta rad calmente com o transexual presente nos documentos cfc! Nas kimas décadas,a formulagio de um dag- psexualidade terminow por sexual universal e homogéneo. ajustar as definicdes e aos crité- néstico diferenciado pa produzit um sujcico tr Aquelave que consegue s rios estabelecidos para saal verdadero! Para muitos profissionais da saiide, labora o relat lum ansexual seria um/a “transe- tesponsiveis em impensivel que sgenitalizagio e se consi Quando uma pessoa que ji vive © leslocamento entre 0 corpo ¢ @ género (“wu uma mulher em wm corpo equivocada’) © vem como objeto de pessoas isam a cirurgia de tr derem lésbicas ou gays. desejo uma pessoa do mesmo género que o seu, produy-se um ‘outro deslocamento, Aafi irmagao idlencitiria “sou um/a homem/mulher em lum corpo equivocada” nada revela termos da orien- tacio/desejo sexual. Se um homem com eromossomos XV afirma: “Sou um homem gay”, nao signifies que tenha conto com 0 género masculino, Quando uma mulher 9 (que mami m cromossomos XX afirma “sou lésbica” no esta afir~ x forto ou conflito com as perfor- ‘mando que renha deseo imances do feminino. Ler a sentialidade pela lente do género, supor 0 mas- cealino € feminino como expresses da complementari- dade do sexo, ou que as teansformagdes corporais reali- rads pela pessoas transexuals sio 0s ajustes neces heterossexuais, € considerar 0 bindrio Jo. Gnico para expressar as construgoes das ‘em 2006, uma longa maré- das as A Revista Epoce publico i sobre transexualidade que afirimava: (..) “De to i nnewhuma € tio hucom- aa bizarra experiéncia wariantes da sexualidade humana, sexualiono, preendida quanto 0 tans ace ve maicer cam cromowamos, geniiceharmnios de mm sex ncer ao género oposto Relacionar ‘master a convicgéo intima de perter wistaepocaglobo.com/Epoca). ae reprexuaidade a0 campo da sxualidade condicionar a transexualida ascii poderia ser lido como uma confusio ou imp 4 aparente confisio significa uma awwalizagion de uma concep ‘ ura bioligica._ vos da identidade dos sujcitos biolbgi « Bensics Basin © masculino e o feminino existiriam para dar sentido 3 complementaridade sexual. Outra variante dessa con. cepeio € aquela que define os homens ¢ as mulheres transexuais como lésbicas e gays que i homossexualidades. Segundo Harry Benja soas transexuais sente (2001), 0 horror que as pes -m por seu Srgio genital é fundamen- talmente porque néo Ihes permite ter relacées sexuais. A ‘motivasto principal para demandi- las seria a vomtade de ‘exercera sexualidade"normal”, com uma pessoa“normal”c com 0 digio apropriado. No entanto, para muitasos, nio 0 dese cde manter relagses hererossexuais que asfos leva a fazer a cirurgia. Nos anos 90, a comunidade transexual comegou 4 questionar as verdades produsidas pelo saher/poder me mali ¢Pasow a caver piblico hii de vida que divergiam do padrio transexual. Vejamos alguns depoi- mmentos de mulheres ransexuaislsbcas apresentados ng resentados por Zachary Nataf (2004), " “Disse-hes [aas psicdleges] que sou bissexual, porén prefiro as mulheres. As ri © melhor que ‘ o 0 qué meena podria ter dito, Pensei que nto tinha vontade de de apresentar a Tentei ser o mais honesta que pude. E provavelmente essa tno foi a melhor politica. (..) Sinto que perdi cinco anos de minha vida. Que vivi pela metade durante cinco anos! (Caroline apud Natal, 2004: 38) ; 1 profissio médica est cheia de liso. Ha de mim. toriea classica que se exper “Sito que duas ou trés semanas discuri com uma psiquiatra sobre © faro de que nem todas as mulheres sio heterossexuais, € fas nio querem ser. Nao the disse dirctamente de que mu ; porguue 56 0 fato de dizé- 6 que eu estava pensando ser, lo teria sido uma ameaca para meu tratamento. Fles © clas deveriam saber mais, porém & uma profissio domi- E para por he ir mim & dificil conviver com ist, Nio estio ‘im contato com o mundo real, Creem que sua mancira (Josephene Asher apud Natal, de viver € a tinica correta 2004:38) *Varias veres consultei psiquiatras, Derant ‘as. Eu tinha me deitado com certo Jo feito. Um dos s6es contraditor mnimero de pessoas ¢ eu gostei de te psiquiatcas me disse que se cu havia aproveitado do sexo o Bunestce Boro gnificava que ew no era transexual, porque se eu fosse, 56 a ideia de fuzer algo com meu corpo dev horrotizar-me, Isso me confundiu muitissimo... Essa ere tude comum nos fins dos anos oitenta. Muitos/as de meus/minhas amigos/as cransexuais mais velhos me contaram isso, ¢ riveram que acreditar nisso para poder conseguir acompanhamento psiquistrico, e entéo vive. Tam 0 sexo como um problema colossal, mesmo quando a cirurgia funcionou, Estimularam as pessoas transextiais a ter expectativas pouco realists. Esta é uma dessasdircas nas quais os médicos confundem as pessoas transextiais com sua ridicula arrogancia.” (Rex Kaveney apud Nataf, 2004: 43) Histérias de vida de pessoas transextiais que tém uma vida sexual ativa, que vivem com seus/suas comy ros/as antes da cirurgia, pessoas que fuzem a cirurgia nio Para manterem relagdes heterossextais, pois se conside- ram lesbieas¢ gays, desconstroem as respostas padeoniza 4as dadas pelo poder/saber médica, Outras pessoas tran- sexuais questionam a eficcia da cirurgia para suas vidas defendem que 0 acesso €o exercicio da masculinidade ou da feminilidade nao serio ncia de garantidos pela exist (0 que nasal 6 64 Bouter Resto penis ou de uma vagina sos, princip: Nesses um 05, principal re indicacao € o ditcito legal a identidad de género, Ne Kancia da cieurgia para : tas pessoas que in transexual, Nao se trata ¢ r rata de uma questio secundatis, ‘mas a possibilidade concreta de se reconh de agregar humanidad plein = im pelas normas de género, is de existire ns0 que © bioldgico e, iio em parla opi E acredito que vai passar muito tempo a i influéncia dimi rp hoeas sio deci a. E acredito também que durante ess: tempo, que eu vejo muito i muito longo, sempre vai haver Pesoas Pai ea cru de conven va sera imprescindivel para sentir-se bem.” (Kat a oa (Kate Bornstein apul A organizagio de transexuais em coletivos, so de listas ¢ paginas na internet, : prolifera de livros os a publicac: fs pela eta psa umguconsng ais eficar da visio patologizada da transexualidade. O get ramevuaidae 6 No filme TiumsAmérica hd uma cena que exemplifica vivencias transexuais. Bree ¢ seit cesta multiplicidade de le jovem fitho chegam & casa de uma mulher transew fencontram uma reuniio de amigos/as, Ela comega a con~ versar com ov/as convidadoslas. Um casal de mulheres transexuais Ksbicas explicaIhe como foram seus processos: “Mas na Gpoca éramos homens. Fizemos a cirur- umos de mios dadas na sala de gia no mesmo dia, Fi recuperacio, Em outro espaco da sala, 0 rapaz conversa com um hhomem. “Ache q Com um sorriso vitorioso, 0 homem responde: Andamos entre vocés. Nao somos deficientes sexunis, somos abencoados sexuais. Jé fui mulher € homem ¢ sei nais coisas do que vocés de um sexo s6 podem imaginar.” ‘Um casal de mulheres transexuais Ksbicas, uma mulher transexual recém-cirurgiada que reccbe informagbes sobre Ailauadores vaginais, uma mulher cromossomos XX, um homem transexual € outros/as convidados/as reunidos! ts para trocar experiéncia, cantar, beber e comer guact- inole, Essa cena no representa um delirio do roteirisa e voc’ era homem de verdade...” 66 Bounce Buse Em dezembro de 2006, Angela e Sabrin transexuais késbieas, casaram-se em Madi Carla Anconelli, Angela 14, duas mulheres “Somos outra forma de fami (0) Somosas primeiras Kesbieas eransexuais da Espanha que se casam. Queremos 4que 4 ccriménia © sua publicidade verdades ¢ para esclarecer am para romper a diferenga entre identidade de ssénero (somos duas mutheres cmbora. biologi ‘renhamos nascido “meninos’) ¢ orientagio sexual (nds duas gosta 108 de mulheres." hetp:/Avwwcarlaan toneli.com) Voltemes a Bree. A cena festiva contrasta com o momento da consulta ao psiquiatra. Ela precisa de uma autorizagio assinada por ele para fizer a cinurgia de cransger alizagio. Fle the pergunta: “Vocé é feliz2”.O “siminicial titubeia. Provavelmente, nessa hora pensou: % cu falar que sou feliz ele poder no assinar a auto- ‘Sra. Osborno, nao existe resposta certa aqui.” Continua: “A Associaga Psiquidtsica Americana (APA) consi- dra disforia sexual uma doenca mental grave.” que seams o Dai o medo de Bree. Ela sabe que preciss interpretar senga para conseguir a aucorizacio. No enranto, eae mental” ¢ esboga parece no suportaraexpressio “docnga wma reagio, “Apes cnurgia nem tapincsin min Yo que um ciurgia plist ve comer oes mismo epi i yar sed vat como una doen pla APA. A cr = “apenas ck melhores condighes de vida deve ser tealizada em casos extrema- detec jnecologista conse ginecolog ‘ ‘ou ser uma mutes, Nao stra cure uma doenca mental? gia mo cura nada, para ofa enferm iad ‘ 0" no consegue reverter-se po dos, quando esa “aber minhos terapéuticos. ; outros can s acseaie De um lado a muleiplicidade de vivéncias degtnane descxualidade ita uma densa e complexa articu- lidade que explici ie lagio de identidades, do outro @ poder normacizad % i i ualidade é uma doenga. No ee lante nos seus mérodos de observacio, clasilicagio tados, considera uma exper doenca, sem ter nenhuma prova, neni tivo que legitime esta classficagao. médica, 30 vis oem sons cone he eal ia identitéria como uma jum indicador obje- © 6 Haaser teste As ieee ma nat © ou a scents pase coli que hj unl compgrtithado por todos os que vive ma experia ansexual. Da mesma forma que outras catego site Press nem egotan a dienkad vin ua unaided mal pl geil Fysr un cae ramen anda que pects, como rods idenidades sen a 0 mesmo que se atibuie uma je oma 40 termo transexual ow define a“ expressat dos sujeitos que ontoligica como fsa, portadora de sintomas repel an Se ansorm que ind sang” Se 0 processo de despatologizagio da ass necessariamente pel teansexualidade ces la problematizagio de uma walizamte € essencialista da identidade, por outro lado, ipo de disputa dis. éncia transexual, cone ere ar no depaces com ter ioge quand ce syst ¢ cama + denies Ne ‘momento, nos deparamos com os processos subj 805 subjetivos quando saimos desse cam, ‘cursiva e fechamos 0 foew no su) para se encontrar respostas part estes conflitos, quence o Disjungées identitérias: transexualidade € travestilidade ‘A afirmagio “eu sou unn/a homem/mulher transexual” uma evocagio identivéria que implica uma demarcagio com outras identidades, geralmente com outras postas 3s margens pelas normas de género, ‘A complexidade do processo d isto social de um sujeito se poe em sou é inaugurar dis dliscurso, Definire explicar 0 qu putas implicitas com outras identidades, com alterdades «que povoam a “minha subjetividade”, Este € 0 mecanismo inediante 0 qual os sujeitos incomporam aspectos © 0 transformam, coral ou parcialmente, enquanco, elementos ‘consticutivos de stas identidades, Na experiénci swal,o debate sobre o que ser transexual caraceriza-se Ja demarcagio com ara into a travestilidade sio campo do ipalmente “Tanto a transexualidade q eonstrugées identitirias que se lea gina tepresentam respostas aos confi sna ordem dicoromizada e nacuralzada para os géneros ‘comm escutarmos Porestarem referenciadas no genet 70 Bensece era mulheres tra re radicalmente das ransexuais diferenciand lo. 3 | travestis. Nas diversas listas de discuss | € um debate recorrente: ane Si comuns as divergencias '4 mensagem que discute as | quando alguém escreve a | diferengas entre identidade transexual e travesti “Transexual é uma coisa e ra nS ui oie tava [vest] Cau, Sto encas. Blas séo gritantes, Hoje nao operada € nem por isso vivo como travesti’, Travest Pessoas que se sentem en Pesos qs m parte como mulher, am alguns caracteres masculinos. ormalmente néo pre- 120 pre redesignagio sexta Tempo ¢, no necessariamente sio gore Pessoas prostituidas, bt pros 80 se di por falta jd que sio muito discriminadas, naa « Nestis, um pouco por nio saberem se io ister suits € um pouco por falta de opgio,” ae dle opgio. (texto ecrvo para ‘um grupo de discussao na internet) ‘ m Por que a “prostiuicio” & posta como algo pres 8 travesti? Ser que as mulheres. transexuais (ge eae n também no vendem sexo? As travestis sio_definidas como “muito discriminadas”. As pessoas transexuals no sio? Nesse texto hi a produgio de uma hierarquizaga0 de identidades que se da pela diferenciagie radicalizada centre cransexuais e travestis. Embora haja eerta ocorrén- cia dessa demarcacio, nao se pode afirmar que haja con- senso em torno dessa posigio entre as pessoas que vivem a transexualidade, Essa linha rigida, como se fosse um muro que sepa rasse transextitlidade e travestlidade, para muitas pessoas 40. Muitas se definiram ao longo transexuais € uma fi de suas vidas como cravestis, embora se sentissem muthe- res. Butler (1990) afirmou que no existe uma separacio tadical entre hetcrossexualidade e homossexualidade, pois, ‘esa separagio é uma resposta do tipo bindria que nada stas estruturas. O1 rovela das intersegdes que ‘deal de identidades puras e transparentes configura-se como algo inatingivel, Esta formulagio pode ser stil para se pensar as inrersegbes entre ranvestlidades e transexua- lidides. Tale o esforgo permanente em defnir limites © incomensurabilidades sejam indicadores de proximidades nur estas duas expres Heaasice fee Para outras pessoas transexuais, a “wansexual” revela precat reta e vive o género, i “Eu defendo minha identidade de género ¢ no uma ‘categoria chamada ‘transexual’, Esta categoria em si nic Passa de uma ponte, bem genética que abarca uma deter. minada condicio de género. (,.) Eu estou mais interes | sada & em outra eatcgoria hum: -chamada mulher | Mas como toda categoria eu nao ponho ela em oposigao 4 nenhuma outra, Ai é que esti o problema ¢ talver o | Peincipal elemento do patrircalismo que define mulher ‘em-opesigio.ao_homem, homem-razio, mulher-emogio £ dai toda a_questio da infetiorizagéo feminina através dlaquele que identifica a si como diferente ereforcaessas slifreness, para dominar. (..) Da mesma forma, por uma questo de inseguranga, hi uma cendéncia em seprodurit ssse mesmo mecanismo na consttuigfo da categoria ‘tan. sexual’, Fla passa a ser oposta aqui uma outra, chamada. “raves travesti entra como tudo aquilo que Asiitado. E ainda por cima, enguem-se baree Lbascadas em aspectos extremamente ri co quanto, 2 hiaurkamene os acs dla das pea resale 2 0 gue é amex répria categoria sociais masculinos ¢ ferninives (..)" Joana. YahooGrupo ipria categoriv soci inos e feminivos (..)” (Joana, Yah Jais mascul amente a forma como inter- de discussio) ‘Uma das diferencas tradicionalmente apontadas oe anevada € waved tava na ean de cirurgia. Considerava-se que todas as pessoas tr eivindicagio de mudanga de género 3 re foe dade imos anos, esta centralidade izagdo das cirurgia. Nos 6 eal coon 2 ia or on Wea tana a mags do ger «nina conden 3 zagio assurnida cing. Essa relat comet amen das rome eas \ejamos alguns depoimentos sobre cra oa “Bu pen ene fier eo ier a iu) ® vyerdade é que, embora eu nio goste do sone ucla aversio tipica que a maior tenho aq i ‘lo, por io tenho nojo em lavé-l, p jem pelo seu membro. Eu mio ble Ein E usei-o muito na vida, Agora, leve t a bormonal que fio siete para queue malt poveaibidoequas ada de eyo Eos pou ide Scena oo passeios, amizades.. que me resta mina vida soil como mules, m paso, iad 10 mulher me di satisfagio sexual Viver com rm “ Bwenice Bex E como sou mais Ksbiea do questio de sexo com pe : com Penetracio, qualquer que seja ela Hi algum tempo eu tinha certera de que 4 cis pe Hoje nto set mais, ste Porque eu me assumi ‘mulher, vou a todos os lugares como mulher ¢ boa, sou respeitada... Eu pensava, ao f wan lum processo de autoacc te aceitar melhor, falar em cirurgia, em: voactitagio para que as pesoas possam - Gona:Disaso Talon Gren A importincia da cieurgi, a decisio em submerer exec dos hospitais que a realiza, o melhor momento ‘Para fila, sio_ questdes que passam por decisdes que ‘sto condlicionadas § biografa 0a transex FE importante lembrar que ais a cirurgia represen para muitas pessoas transexu- 3 Sr Possibilidade de reconhecer-se 0 corpo, pois ha uma intensa relacio de abjeci Sngio genial. Conforme ratou Valkitia, E horrivel nos sentirmos mulher mulheres, vitacomo nem, Eau comarpepconee entrada na mudanga de nome. A operagao nio er importante, mas melhorow i para dar & minha vi ‘meira ver que fiz xixi como mulher, foi um alivio, A pri Estou ‘que hetero, ndo faco muits mats leve, me libertei de um corpo que nio era met que t rameruaidade 75 (Walkitia Santos. Jomnal Tribuna do Brasil, 2006) Por mais que estas categorias Wentitirias seconfundam ou se aproximem, ainda persistem as perguntas: qual(s) (9) diferenca(s) entre travestilidade e transexual ‘oponto de unidade entre travestlidade ¢ transex esti no confliro com o definide hegemonicamente para 0 feminino ¢ 0 masculino, quais seriam os elementos que as dade Aiferenciatiam? Afiemar que as mulhes das travestis porque se sentem mulheres € tomar a cate- oria mulher como um dado que por si sé evoca um conjunco de atributos que pertence a todas as mulheres. Simulraneamente, afirmar que me diferencio de voce por- {que me sinto mulher é uma evocagao auroritéria & medida (que afiemo o que sou a partir da antecipacio ¢ negacio ola ourro/a pelo meu discurso. Quando mergulhamos nesse debate, defrontamo-nos uum outto, Intenso, sobre os significados do que seja auais se diferenci 6 masculino e feminino. E nesse processo que se nora a disputa das identidades. Parece que ser transexual ainda oa como algo que confere mais legitimidade e poder, | ooo %6 Basasice Bex somo se a categoria médica Jho de limpeza, assepsia de ‘categoria da rua’. O Tig € ques agit ~scterhera no cent, Os “normals” experigncias idemttéras, de “anormal rormat’ “aberragoe, cosas exis”, = iferensas que aparentemente as delimitam esto Mag, emPe embaralhande-s, ou porque alguém s¢ idemtificava como travesti encontia na eategnris se So 4 oe aia ance Maran cee ce abe um pov porn sere eo wscxuais © um pouco por falta de lifeenea nfo esté fundamentalmente na form, somo se vive individualmente o género, pois ag see a subjetividede vamos enconttar uma gaia de ne Ale sio articuladas como Pessoais, rampou. ode de respostas 4 outa radical, | incorteto afirmar que uma esti mais prixima da, fzwe rab de verdad, poisa propria iginalidade. renciam estas 08 quais se explicita ou vi asdi simplificam tudo sob a rubrics ormas de género. As mulheres e os homens transexuais 0 gue rusia ulher de verdade” ¢ Talver a diferenca esteja nos mecanismos mediante luram para serem reconhecidas socialmente ¢ legalmente dleacordo com o género identificado, Pata que isto ocorra, acionam uma complexa rede de discursos localizados em instituigoes médicas, religiosas, educacionais, poli- tieas, juridicas, familiares. Quando afirmam: "sou uma homem/mulher. Queto ser reconhecido nessa condi de género”, segue a pergunta inevitivel: “Como vocd & uum/a homem/malher se nao cem pénis!vagina®” ‘A medicalizagio das identidades tem como um dos seus pressupostosa genitalizagao das identidades. Eésobre estas construgdes que a experiéncia transexual incide. Em alguns paises europeus ¢ nos EUA, até 0s anos 80, poucas \oves ousiram divergir do saber médico que paralogiza ‘ transexualidade, Ao longo dos anos 90, movimentos sociais transexuais comecaram a construir uma visibil dade que inicialmente se fundava na demanda da cir 7 asesce tno Nos anos 1990, iniciam-se a problematizacio dos proto- colos médicos reguladores das cru ‘aura uma dispata com as verdades hegemdnicas produ das pelo CIE-10, SOC e DSMAV?, No Brasil, sio as pessoas transexuais que sevindicam a identidade legal de género © que tém apontado os fi 54 tes de uma visio intena & propria transexuaidade que © § resume a violin, a discriminagio € margnaizagio que 22 sofiem, a uma Ginica paca: a citurgia de transgenitaliza- 5, da. Conforme cresce a politizagio dos movimentos ¢ sua £2) inclusio na perspectiva das Ditetos Humanos, ocomte uma ‘© ampliagio do programa de ago, Poltizaio é a capacidade 1 de © sujeito sair do concreto vivide para uma abstragio 1 uke peste queen eondigto de all ake ex |) uma carcteritica individual, mas nas articulaydes de poder eo produzem como ser anormal, Ele passa a perceber que enquanto as normas de género nao forem questiona- as, 0 discursos hegeménieos localizados nas insicugies continuario seu trabalho de produgio de seresabjetos. de fat, se ins | Foram as pessoas transexuais que puseram em movi- ‘mento instiwigées que se posicionam a cada demanda pelo reconhecimento do. género identificado. Pode-se Oger dnc conclu que as pessoas rests aps algumas conguis- tas de dretas pelo movimento transexual, © asumsam transenutis pars usufruinem dos dividends, Mas se iso de fao acontcer, 9 revela mais uma vera failidade das identidades que se pensam frase estes Quando apresento « posbilidade (rig) de que a difernciagio entre avestiidade e ransexalidade esta nos dsposcvosacionados para que cimenco da identidade de género, pode-s argumentar que eto, ma verdad, conttruindo mais uma pare para separi-las, Também se poderia argumentar que a travesti | ¢ efetve 0 reconhe- osene sor patie 10 uma vex que nio se submete ao poder! ico, fibres de corps-dimnfios, 20 contr tio dos corpos transexuals que dejar ardentemente serem “consertados” pelo hospital-fibrica, compos dese- { do dejo noxmatizalor do Estado (ater, 2003) Outra vex, devemos refutar tais argumentos: as traves publico implantes de silicones seguros, usim i ros rogues de gine comparithados cont xs mile 0 mace sexsi, izem teapias hormonais, cet, crags 10 oso, ft de sobranclha, elugio de rests, modelo. komm da mancibula,raspagem da traquei' Usiizo sm recio as express “parece-me", “her porque ao define trasexualidade como uma experéncia «campo da contngéncia, da ideoidade € wn proceso tens, aber, mar 1 quetemoscliminae «por outras que deseamos”. Nao se tata da “dentidade iddenttiria me remeto pa -siivida,. A ‘eado por disputas com alveridades: transexual versus identidade travesti", mas de apontar os _mecanismos que operam nas subjetividades para consteuir iddentificagbes ¢ repulsas, ¢ como estes mecanisinos sio smaterializados nas interacoes com as institu "esse campo das dispucas, hi uma intensa movimen- ‘ago, um trabalho de convencimento © uma p ddefesa da “minha” identidade de géneeo. No entanto, uma identidade de género que s6 tem possibilidade de ecxistin de ser inteligivel, mediante a aucorizagio das tituigées guardiis das normas, nesse momento se esta Jece um outro campo de dispuras ¢ de hierarqui ‘campo que se insere a wansexualidade, (gerd minis st Os limites das identidades essenciais, A organizagio de grupos em tomo de questbes espe- cificas da transexualidade rem como marco 0 1 Encontro, Nacional de Transexuais, realizado em novembro de 2005, ‘em Brasilia, quando foi fundado © Coletivo Nacional de Transexuais com a participagio © representagio de 9 Estados Brasileiros de 4 Regides do Territério Nacional. “Também se aprovou a eriagio de uma lista de diseussio na internet que tem como abjetivo ser um frum de inteslo- cscs e debares sobre as especificidades ¢ peculiaridades dla transesualidade, tendo como eixos de organizagio a Ita pela Cidadania e Direitos Hamano, No documento aprovado hi um conjunto de metas, Aefinigdes 10 com os movimentos sociais, a academia, o Poder Executivo eo Poder Judici dade médico-ciemtiica, 0 documento estabelece: ransexuaidade do enfoque patologi- ccobjetivos que o Coletivo deveria perseguir na No que se refere& comuni= “Desvincular zador, sendlo o mesmo elemento critico na formagio de i Ligica discriminatdria e inadequada do atendimento is demandas da conwunidade transexual.” we 2 Parse Beso Nos iiltimos anos, ativistas eransesuais atuam em algumas fientes: no Ministério da Sade (Comité Técnico “Saide da Populagio GLB") reaizam @ monicoramento ddo Programa Brasil Sem Homofobia', No Ambito do lexis- lacivo rentam sensibilizaros/as patkamentares na formula ‘0 de uma legislagio que assegure is pessoas transextais ‘um marco legal que discipline as citurgias €o processo de mudangas de nome e sexo nos documentos Além do processo de organizacio politica das pessoas ‘ransexuais em coletivos especificos, hi uma demanda crescente pela participagie em outros espaces politicos, formados historicamente por pessoas nio transexuais. ipagio stas, mulheres eransexuais Ksbicas Mulheres transexuais feministas pleitiam a part Assumem sua orientagio sexual e querem uni nto lsbico, homens transcxts gays desejam estar pre- sentes na vida dos coletivos gays. A configuracio plural interna experineia transexual gera outs desdabramen- tos ¢ extrapola os limites das identidades eoletivas cons- “touidashstorcamente por suits que compartlham le mentos de unidude que prestupde uma identi iva cstivel. Ogee dame 8 Os sujeitos coletives historicamente construidos a partic da essencializagio das identidades, diante dessas emandas, produzem uma reflexio sobre “o que & ser mulher ¢ quem pode falar em nome das umulheres? Quem ¢ individualmente identifcar-se slo as lisbicase os gay como uma mulher transexual Ksbica ¢ 0 resultado de um. tenso pracesso de organizagio da subjetividade, reivindi- car a participagio em um coletivo de mulheres lésbicas desdabra-se em conflitos que extrapolam os limites pesso- ais, Historicamente as mulheres sbicas estruturam uma experigncia coletiva onde © pressuposto do descjo pelo mesmo sexo a visibilizagio das yioléneias is quais sto luplamente subunetidas (condigio de género e orientacio sexual) pela heteronormatividade norteiam suas agdes. A presenca de corpos Ksbicos mito femnininos poderé incer- romper esta linha de unidade? Possibilicaré novas linhas de problematizagéo dos pontos que sustentam a luta con- tra a heceronormatividade? istas conhecidas por contrapor-se& par- Entre as ei ticipagio de mulheres transexsais em coletivos de mulhe- tes estd a norte-americana Janice G. Raymond (1979). A aurora denuncia as cransexuais ferininas como um II ||] 8 Banexsx oro |) (Sembusee, uma tentativa a mais de o poder patriarcal inva \y ir o teritério Feminino, sugerindo que as pessoas eran- sexuais teriam a fungio de liquidar a populagio Feminina, ‘As mulheres narurais deveriam, segundo a aurora, denun- igo. Esse debate remonta a9s anos 1990 ¢ teve seus primeiros embates 0s ce resistira esa nova forma de dot EVA, quando as acvistas ransexuats comogaram a pat cipar das reuniées de grupos gays, feminists e Ksbicos. A | cestnciaa ease parcfpaco pared ncvikve, ws das Ksbi- ||) da América Latina e do Caribe. | No podemos pariar de um cipigo que neg |) bicas, porque: lentificam como Ks- (gu mermaid 8 = Ps nn st mules € una consi alu so pa ens gu scr com gin cone pat a urna ea amar as ule e- Husk. O minim € una propo ples que desi ana ewan pr do maclno o0 tr fh copa de vver mos corer ldo abe de no, questionando-o einventande novas formas para lo. 0 feminismo promoxe a diversidade sexual, afe- com ele novasidentidades e formas de ser mulher ede ser hhomem ne mundo. Para ser Késbiea e feminista, nao & necessirio ter endemos como ferninistas ‘Trompas de Falépio, nos que no podemos considerar algumas formas anatGrmicas de nascimento mais legitimas que outras para identifi cear-se como mulher, como lésbica e feminista, Nossas identidades sio resultados de nossas historias, elas se ‘materializam em nossos corpos, negar a construcio delas Edesconhecer_ quem somos, inventando séncia ‘que nio existe = Este um espago onde a discusso aborts refle- iva esti fechada em suas bases dle paricipagio, pois smo que ¢ estivel para a comada de 86 Bearsice Beso, decisis & injusto, jé que estas tém que ser por consenso, ‘quer dizer, pela vontade da minora. = _Nio validaremos um eventa que nos parece disci ipossivel encontrar a diversidade € ‘minatéro, onde se adiferenga. Como Aiteana, grupo pelos deitos das lsbica temox iimpulsionado o debate e a inchisio de mulheres trans no “sie Encontro Feminista Latino-amerian (Sio Paulo, 2005), também paricipamos no VI Encontro Lésbico feminista (México, 2004) onde propuscmosa inclusdo das mulheres trans nos encomtros seguintes. Nosso compro- miss € seguir manifestando a forma em que entendemos nosso feminismo © nossa identidade como Kibieas, que nada tem em comum eom este VIF Encont «sto organizando, Solicicamos-Ihes que se lei esta carta em plenstia, que que vocts rigs a faremos piiblica a nivel nacional e internacional Sauidamos-thes aentamente, Ai Assungiof Paraguai.” -ana-Grupo por los derechos de las lesbianas — Essa carta repercuriu em vsrias partes do mundo ¢ foi os. Em 2004, publicada em intimeros enderegos eletnd Ogu decide o | no VI Encontro Lésbico-Feminista da América Lat © Care, realizado no Mésico, essa discussio também acir- rou animos ¢ dividiu as partcipantes. No relitério do evento sel ) Ouuras, definimos que precisamente por ser 0 corpo uma conser al ndo podiamos perder de vista 0 que tem significado o corpo para as lsbicas e mulheres, explorado, discriminado por anos e por séculos e que 36 imudar 0 sexo da noite para o dia, no mudava as histo rias, € que havia diferengas nas construcdes politicas das trans, ¢ das Iésbieas feministas. Se questionou essa visio cesencialista hioldgica do corpo ¢ da politica, além do que defendiamos o espago politico dos enconttos Ksbicos Feminists como uma construgo coletiva nossa ¢ que no iamos permitir que novamente a masculinidade fora om denro do corpo aenrara nosso espagoss embor nie dex cartissemosas lianas estratigicase conjunturas. Ao Final do encontro ao dela entrar ou no as transexus no Fo consenso, nio obstante tenha nos tomado grande parte do tempo que deveriamas aproveitar com outos temas mais importantes para as Késbicas feministas, ¢ apesar de que nem se havia diseutide no nosso encontro 0 tema, ‘umas transexuais i nha participado no segundo dia na noite de poesia exbtica, situagio que algumas denuncia- ‘mos em plendio (..) (hetp:/www.radionumerocritico, clidocu/Encuentro_Lesbico_Feministapdf, Capturado em 5/3/2007) Uma das respostas a esta posigio veio de Carla Antonelli, axivista transexual espanhola, “Mudar de sexo da noite para o dia? Ninguém muda de sexo da noite para o dia (..) Reduzir tudo & gen dade & realmente escandaloso, ainda mais se isto vem de alguéin denominado feminist, entre outras coisas porque contradiz os principios bisicas do mesmo. (...) Com que aucoridade moral se pode pedir igual- dade de ditcitos com o resto da sociedade, no margina- lizagio, nio exclusio e plenaintegrasio se quem pede ao fim vive prsionc fem suas propras fobias, neste caso por a transfobia? (..) (herpe//wwwcarlaanntonell.com, Capturado em 6/3/2007) As ide rartirde verdades que alimentam sua reproduc. Os estudos feministas jf apontaram os limites e perigos lades_ col vas se estruturaram historica- I que eee » de-uma muther universal’. No entanto, a ddugio de elementos que posam desestab algo que ocorra sem dispuras ou rupruras. Os interesses lentidades coletivas sia sto de espacos id-las nio & jue estio em jogo na defesa das complexos c vio desde 6 apego A manusens de fala, que visbilizam sueits silenciados pel de gino, esencializago da experieneia, 4 manutengio de benelcios matriais obtidos através da reproduo das caregoras rgidas que fundam esas identidades. ara muits/as, a possive partiipacio de pessoas transexuais idenifcada como um asst, uma invasio identcade lisbica,feminisae gay, medida que poderia fragilzar a unidade historicamente consteuda Em relagio& participagio de homens rransexuats gays Qdebute revels a genitliracio das identidades sewuais, Segundo Cesirio, “Sou homem. Sou GAY E sou transexual No nasci com penis [Alguns homens no nasceram com penis, porque seus genes no ‘processaram suas ordens normalmente. %0 Sowsatee Beso Alguns outros homens no nasceram com pénis por- ‘que seus genes thes enviaramn ma ‘vagina E alguns outros homens perderarn seu penis em aci- dentes (mordide de cachorro, peso em prensa, 0 amante mento arrancou). Nos, homens sem penis, perdemos ‘11 nascemos sem um pedago de came, Ngo sem a nossa Virlidade, sem a nossa maseulinidade, ow sem nossa personalidad: Porque, independentedo que gostamos, NOS SOMOS, E geralmemte no vou a certs encontros de homens ou de ramsexusis ou da comunidade GLBT porque, sendo ‘homem ser pénis geralmente sou exci ou lado com dlesprezo,(u)” (texto escrito para um dos YahooGrupos) Para a concepgdo que genitalzs as sexulidades, um hhomem gay sem pénis sera a prépria ipossibiidade da cxisténcia. Qual a importincia daquele corpo? Onde esté 44 2 Staio qualificador de sua sexuaidade? Como é possivel existe? © “olhar com desprezo” significa a propria des- «renca na possbildade de exstineia de homens cransexu- ais gays, mas se existe, deve ser mantido Tonge A pergunca que se pode fazer para aquelesfis que ‘usam a essncia, entendida como alguma coisa que tas r asfos mulheres/homens, gays ¢ Ksbicas compartitham ¢ 6 mediante a presenga desses elementos essencias cles!as que momncutie ” cxistem e podem ctiar lagos identititios & como enten- der os processos de organizagio das subjetividades, das performances de géneto € das sextalidades das pessoas transextiais e suas reivindicagdes de serem reconhecidos! as como membros do género escolhido, se nao compar tiham nenhunma esséncia com as homens ¢ as mulheres biologica? Pode-se argumentar que nio se trata de uma essen cia, mas de experigncias vividas © compantilhadas por mulheres, impossiveis de serem aleangadas pelas mulheres ‘ransexuais uma ver que tiveram sua socializacao mareada pelos principios etruturantes do masculine, No entant, sc todas as mulheres compartiharam experiéncias singu- lares 20 feminino, por que umas se engajam no feminismo ce ourras nao? A experigncia é um dado importante para a cemergéncia dos movimentos sociais, no entanto, por que inulheres de classe média alta, empresiia, deveviam lar por salrios iguais por Funcbes iguais? Por que mulheres lésbieas que aio quetem ter filhos deveriam turar pelo dircito a0 aborso? ate J (ge ormenidae % tizagio que nio esti colada ox experiéncia. Em que momento decide que a luta pelos fios postos para se pensar as identidades coletivas a partir dda transexualidade, sugito um exercicio de deslocamento identicirio, Imagine que uma ativista de um coletivo lk bicorfeminista comece 0 processo transexualizador. Ela sempre foi uma companheira presente. Compartlha ¢ contribui efetivamente para a organizagio da entidade em que atua. No entanto, depois de um longo processo de | | conflitos internos inicie 0 proces transexualizador. Logo |] ssxsorcomeranta engrosar eas plosaceser. As rans formagées corpora e performiticas etio em curso, El ‘pede &s amigas que espeitem sua identidade de género e diz que gostaria de ser chamado por “ee”. Ela, agora ele, rnio tem dvidas em relagio & importincia da luta pela visibilidade Késbica, afinal dedicou-se anos a este fim. O que mudou? Teremos um homem politicamente Kbico/ feminista? Como reagrs o coletivo de que far parte? ‘Sio deslocamentos dessa ordem que a transexualidade inaugura. Quando estamos discutindo a organizacio de sujeitos coletivos, outros condicionantes devem ser leva- dos em conta, Uma mulher tansexual que passa a fazer parte do movimento feminist revela um determinado SUTEITOS CLE TOS she direitos humanos das pessoas transexuals na est em con- tradigio com a lea feminist, nao se pode precisat, Emibora a transexualidade seja a referncia ein para se pensar os limites tenses que habitam a estrutura dos sujeitos coletives,talver se possa sugerir uma ampliagao « complerificicio do processo de organizagao das ienti- dades coltivas. Seria uma grande aberragio um homem feminist? Um branco que se dedia radicalmente luca contra o racismo? E.radicalmente significa colocar-se em petigo frente is normas, a0 poder. ‘A comscncia politica nasce por outs caminhos _que mio se encontram necesariamente com a experi cia, Asumir como ninhaa dot do out (Songs 2009) Sentir se profundamente tocado pelas violéncias que sio cometidas daviamente contra as lésbicas, por exemplo, tomar-se uma Kbico-poliea, significa articular novas feemas de onganizaro pola ede aliangas que vi alm do limites ditados ou inscritos no corpo. No caso das mullires transexuals Femi que chegari a momento em que 0 género de origem nso. as, acredito >” Brasier Baro imporcari. No entanto, esta possibilidade sinaliea com algo mais: a afetiva possi dade de construirmos novas cestratégias, definighes signifcados para os chamados sujetos coleivos. (© debate, portant, sobre a participagio de pessoas twansexuas implica uma discussio sobre os préprios prin. cipios fundadotes das identidades eoletivas e de uma rele ‘do sobre o lugar da verdade dltimo sobre “o que & ser quem sem dircico falar em nome de uma coletividade. as identidades nao sio fixas tampouco determinaclas pe nnacureza, quando este debate transpose os limites pessoas, ou seja, quando chegs as portas das identidades cole vas, teremos que pensar-como dar coeréncia no campo da dlisputa politica a esta concepcio nbmade de identidade (Braidoti, 2000). Nio se ata de explodir as identida- des coletivas, mas pereeber que a complenidade e fuidez sus erateizu a dns no podem ser suas € um sujeito que estabilize (ou invisible) as POUCO SABER PARA MUITO PODER: A PATOLOGIA DA. ‘TRANSEXUALIDADE Na década de 1950 foram publicados os primciros artigos que registraram e defenderam a especificdade do “fendmeno transexual", Essa tendéncia se intensificou a0 Jongo das décadas de 1960 © 1970!. Ao mes produziam-sc jndicadores que sugeririam ode deve ‘que diferenctariam transexuais de tempo, buscado o diagnésti gays, lsbicas ¢ ravests. 9% Basesce Reso © endoctinologista Harry Benjamin dedicou-se cor afinco para estabelecer as frequéncias que justifcariam diferenciagio das pessoas transexuais. Seu livto O fend: ‘meno transexual, publicado em 1966, forneceu as bases para se diagnosticar “o idadeiro cansext partir de alguns indicadores que irdo definir se as pessoas que chegam as clinicas ou aos hospitas solictando a cirurgia sio “transexuais de verdad”, Ele defenders a cirurgia de transgenitalizagio como a nica alternatva cerapeutica possivel para as pessoas transexual Para evitar que cometam suicidio, as cirugias deve- riam ser recomendadas, defendia Harry Benjamin. Esta posigio contrapunha-se 4 dos profissonais da psicologia, psiquiatriae psicanalise, sempre reticentes ds intervengies corporais como alternativasterapéuticas, consideradas por muitos psicanalistas como mutilagées. Benjamin, 20 eon tririo,afirmava que para “o transexual de verdade”, psi- ‘coterapiaseram inieis. Nesses esos, apenas as cirurgias poderiam represencar a solucio para as “enfermidades” dlaqueles que tém abjegio 20 corpo. Em 1969, ralizou-se em Londres o primeieo con- gresso da Associagao Harry Benjamin que passia. a } ge msde c’hamar-seHatey Benjamin International Gender Dysphoria Association (HBIGDA) em 1977. A wansexualidade pase sou a set considerada como uma “disforia de género", termo cunhado por Joh Money em 1973 A HBIGDA legitimouse como uma das Associagies responsiveis pela normatizagio do “tratamento™ para 2 pessoas transexuais emt todo © mundo, A HBIGDA publica regularmente as Normas de Tratamenvo Stave of Care ou SOC) que orientam profssionais que wabalham com transexualidade em todo mundo. Atualmente.0 SOC cst em sua 6. versio. Além desse guia, dois outros documentos sie recor hecidos como oficiais na orientagio do diagnénticn de transcxualdade: 0. Manual de Diagnostica e Enavtiens de Distirbios Mentais (DSM-4. versio), da Associacio Psiquiderica Americana (APA) ¢ © Cédigo Internacional de Doengas (10, Versio, da Organizagio Mundial de Satide. Nesses documentos hi o pressuposto de que @tran- sexualdade, por se cratar de uma docnga, tem basicamente ‘0s meamos sintomas em todas as partes do mundo. A pato- logiracio caminha de mios dads © desejo em produrir um diagnéstico diferenciado para os arm Beto twansexuais, anunciado precariamente na década de 1960, sganha coneretude nos anos de 1980, A sua inclusio no Gédign Internacional de Doengas, em 1980, foi um mareo no processo de definigio da transexuaidade enquanto uma doenca A indusio no DSM, no CID-10 ¢ a construgio de 1m fundamenadas pelos resultados de um estudo com dez pessoas transexuais de dade adulta realizado por Leslie Lothstein (1983) , at vés de estudos clinicos que representavam uma classe ‘muito Fimvitada de sujitos. Segundo Stone (2003:27), a origem das clinicas dedicadas 8 disforia de género & uma visio em miniatura da construgao de critérios genéricos. A uum diagndstico diferencial f ‘dia fandacional de que se parti nestas clinica era esta dar uma aberracio humana interessante ¢ porencialmente financtivel Nests és documentos (DSM-IV, CID-10 SOC) ‘pessoas trinsexiss sio construdas como portadoras de tum conjunto de indicadores comuns que as posicionam como transtomadas, independentes das vardveis cult ris, sociais e econdmicas. Hé algumas diferencas entre ‘estes documentos, Para o SOC, “o transexual de verdade” gue amernaiade ” tem como tinica alternaiva para resolver seus “cranstor- nos" ou “distor jas de tansgenitalizacio. ino DSM-IV, a questio da ciruegia € apenas tangenciada, visto aque sua preocupagio principal esti em apontar as mat c fase 1 apresenia festagies do “tanstorno” na infaineia, adolesc adulea, © CID-10 é0 documento mais objet as caractersticas geraise 0 cdigo que deve estar presente ‘em todos os diagndsticos referentes a0 “transexualismo”. Manual de Diagndstico e Estatisticas de Em 1980, a APA aprovou a tereeta versio do DSM. incluindo a uansexualidade no tol dos ~ de Identidade de Genero", no capitulo dodicado aos “Distinbios de Identidade de Genero’ sio, stabeleceu os critéios diagndsticos para as chamadas, sua quauta ver= “pertusbagdes mentais, incluindo componentes descriti- vas, de diagnéstico e de tratamiento, constieuindo um ins trumento de trabalho de referéncia para os profissionais da satide mental em todo 0 mundo” (herps//wwwepsiqueeb. med. br/eid/persocid.huml,caprurado em 10/3/2007). 100 Baars Beso Jane Russo (2004) observa que o DSM, a parirde sua io psico-socios ‘outra biologizante da sexualidade e do genero, Esse giro terceira versio, passou de uma para rmedicalizante teve como desdobramento um aumento considerivel no nimero dos chamados “ranstornos”,além da inclusio de novos tipos* que passaram a ser teageupa- dos em novas eategorias. Na parte referente & “Desordem Senual ede Identidade de Genero", hi uma longa lista de tipose subtipos. As “Desordens de ldentidade de Genero” subdivide-se em desordens de género na infincia, na adoleseéncia, na fase adulta € ranstornos dle especifcados. Embora.a proliferagao de clasificagbes possa represen. tar uma demareacio com um viés psicanalitico presente nna primeira ¢ segunda versies do DSM, com a transexs- alidade no é possivel afirmar que houve essa rupeura ou uuma disjungio entre os saberes psiquiftricos ¢ psicanali ticos na leitura e métodos de intervengio nos casos das chamadas “desondens de género O livro do pricanalisa freudiano Robert Stoller, A experigncia transexual, referénciaobigatéria para psica- nalistas que se aproximam da transexualidade, nio esti 8h Opetmmamtine — WIT yo) em desacondo com as orentagbes prescritas no DSM. £ como se os “achados" clinicos do autor tomassem forma ¢ simplicdade no mansal. Seller desemvolen a tse de que a respasa para 0s “desvos’ de deveria sr pesquisa na personalidade ds mac. Segundo cle, ame dessa crianga é nna mulher que, devido &inveja que tem dos homens ¢ © seu desejo inconsciente de ser homens fea to ez como nascimento do iho que eans- fere seu desejo para ele, provocando uma ligagio extrema entre filho © mac. Esstrelagao. da figura do pai 4 instaure. A mio passagem pelo conllito de Edipo e sua resolugio cerianga se desenvolva de forma “normal”. © psicanalsta Stoller € um radical defensor do dimor- nbidtiea eo ocultamento o permitem que 0 conflito de Edipo rtidade de genera da permirem que fismo, Para ele, as performances de género, a sexualidade vidade sio do sujeito que se apresentam colados uns aos outros. O constitusivos da identidade ‘masculino € 0 feminino s6 se encontram por intermédio dacomplementaridade da heterossexualidade. Quando ha qualquer nivel de descolamento,o terapeuta deve intervir no sentido de restabelecer a ondem ¢ a “coeréncia’ entre 02 Beaasce Bax corpo, género e sealidad. F esse mapa que forneceré as bases fundamentas para a canstrucio do seu diagnéstico (© DSMLIV no representa uma oposigio a esta visio, 20 contritio, tale possa ser considerado como sua ope racionalzagio ou um detalhamento daguilo que Stoller desenhou, A obra de Stoller nio conscguiw a visibilidade entre os operadores da satide que estio em Clinieas ou Programas de Transgenitaliragio talver por articular expli cages psicanaliicas para a emengéncia 3 transexualidade © DSM ofercee © necessivio aos membros de equipes envolvidas na produsio de um diagnéstico as demandas de cirurgias. Alguns pontos fandamentais de unidade as concepgdes de Stoller ¢ is do DSM: a defini da transexualidade como um transtorno de idemtidade; no ‘aso das crlangas, se os pais procuturem “ajuda” poderio farer seus filhos tetornar & posigio de géncro “normal” 4 cirurgia no € uma alrernativa terapéutica: a interver «glo do terapeuta poderia bloquear 0 desenvolvimento da transexual Em 1994, 0 Ci nndstico de “Transexualismo” pelo de “Transtorno de Wdentidade de mité do DSM-IV substicuiu 0 diag- Jénero”. Dependendlo daidade,aquelescom que amu 103 uma “forte e persistence idemtificagio com 0 sexo oposto ¢ tum persiscente incdmodo com seu sexo ou um sentimento de impropriedade dos papeis de genero desse sexo passa ram a ser diagnosticados como Transtorno de Kdentidade de Género na Infincia (302.6), Adolescéncia © Adulto 02.85)", Paraas pessoas que no cumprem os crtérios, 0 DSM-IV empregou o rermo de "Transcorno de Klentidade de Género. Nio Espevificado (GID-Nos-302.6)". ‘Os smtimeros representam os cédigos que identiicam internacionalmente os tipos de “tanstornos de genera” De acordo com o DSM-IV, as caracteristicas diagnds- ticas do “Transtorno da Identidade de Género” obede- cem a dois componentes que devem estar presentes no dlagnstico. “Deve haver evidéncias de uma forte € persstente idemiticagao com o género oposto, que consiste do desejo de ser, ou a insisténcia do individuo de que ele € do sexo. ‘posto. (.) Também deve haver evidéncias de um des- conforto per sensagio de Para que este diagndsticoseja feito, deve haver evidencias rence com o priprio sexo atribuido ou uma iadequacio no papel de género deste sexo. de sofrimento clinicamente significaivo ou prejuiro no 104 oars thr funcionameno social ou ocupacional ou em outras reas importantes da vida do individuo, Apés a earacterizagio, o DSM-IV identifica a presen do “transtorno’ Na infincia: or Fases da vida n meninos, a identificagdo com © género posto & rmanifesadks por uma acentuada preocupagio com ati dades tradicionalmente femininas, Hles podem manifestar uma preferéncia por vesti-se com roupas de meninas out ulheres ou improvisar ese itensa partir de materia dis poniveis, quando os artigos genuinos nfo esto & sua dispo- sic. (.) Existe uma forte atragio pelos jogose passatempos

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