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Obra do homenageado

poesia

Livro de poemas de Jorge Fernandes (1927)

prosa

Contos & Troças e Loucuras – contos humorísticos de Jorge Fernandes e versos de


Ivo Filho (1909)
7faces
caderno-revista de poesia
ISSN 2177-0794

Natal - RN
a josé saramago

Não contemos os dias que passaram:


Hoje foi que nascemos. Só agora
A vida começou, e, longe ainda,
Pode a morte cansar à nossa espera.

José Saramago, Os poemas possíveis


Novecentos e cinquenta cavalos suspensos nos ares...
- Besouro roncando zum... zum... umumum...
Aonde irá aquele Rola-Titica parar?

Jorge Fernandes, Aviões I In Livro de poemas de Jorge Fernandes


sumário

Apresentação

“O poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face”


por Pedro Fernandes
12
Jorge Fernandes: o seu a seu dono
por Márcio de Lima Dantas 19
Caderno de poemas, parte 1

Carlos Augusto Cavalcanti


Perdoem-me ao entrar em desespero; Se eu te perdi; Amigo astronauta
21
César Augusto Rodrigues
O palhaço cai; Existo; Poema 26
Clauder Arcanjo
30
Chá de mármore

Daniel Morga
Geometria 32
Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)
As lavadeiras de sonhos; Explorando o barbarismo 34
Edson Bueno de Camargo
Indiscutível; Folhas ao vento; Desconstrução 38
Eloisa Menezes
Fraquezas do encontro 44
Jorge Humberto
A verdade das coisas; Na simpleza das coisas 46
Entremeio

Jorge Fernandes, o poeta da cidade sonhada


por Maria Lúcia de Amorim Garcia
50
Caderno de poesia, parte II

José Rogério Dias Xavier


Água, tanta água
62
Kalliane Sibelli
Prece; Poema àquele que me lê; Vestida de tempo; Sentença 64
Marcelo Moraes Caetano
Tigre de papel; Scripta Manent 73
Mário Lúcio Barbosa
Na latitude do caju; Canto praieiro 76
Renata Iacovino
Um gracejo; Feiticeira; Às avessas 81
José Antonio Rodrigues Júnior
Cena 86
José Rosamilton
O silêncio
88
Tino Portes
Onomatopeicos; Pé no chão; Modo de fazer; Alucinógeno 90
Valquíria Gesqui Malagoli
Estrelas; Evolução; Veraneio; Esperança 95
Vinícius dos Santos
Labirintos; Céu de anil 100
nota do editor

Caro leitor,

O caderno-revista que você tem agora em mãos é o segundo número de uma ideia
minha, das muitas que me acompanham desde meu lançamento na rede mundial de
computadores com o blogue Letras in.verso e re.verso. Com a colaboração dos
nomes de Márcio de Lima Dantas e Maria Lúcia de Amorim Garcia, meus
convidados; e de Carlos Augusto Cavalcanti, César Augusto Rodrigues, Clauder
Arcanjo, Daniel Morga, Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus), Edson Bueno de
Camargo, Eloisa Menezes, Jorge Humberto, José rOgério Dias Xavier, Kalliane Sibelli,
Marcelo Moraes Caetano, Mário Lúcio Barbosa, Renata Iacovino, José Antonio
Rodrigues Júnior, José Rosamilton, Tino Portes, Valquíria Gesqui Malagoli, Vinícius
dos Santos, poetas que por excelência foram eleitos a compor essas páginas. O
caderno-revista tem interesse de trazer ao espaço literário virtual novos ventos,
novas escritas, sem necessariamente serem de solo potiguar (lugar físico onde
nasceu a ideia); porque a ambição dessa ideia é do tamanho da Web: não tem
fronteiras; além de que, é propósito maior estabelecer correntezas de diálogos entre
os nomes daqui e os de outros lugares. A partir dessa segunda edição, o caderno-
revista se vincula oficialmente a uma outra ideia posta na rede assim que do
lançamento da primeira edição: o Selo Letras in.verso e re.verso. O Selo Letras
in.verso e re.verso foi criado devido ao número significativo de edições virtuais
lançadas nos dois últimos anos pelo espaço Letras in.verso e re.verso. Logo, além do
espaço 7faces (set7aces.blogspot.com) a ideia agora fica exposta para ser
descarregada também no espaço do selo (seloletras.blogspot.com).

Pedro Fernandes
poeta e editor da ideia
apresentação

O poema
essa estranha máscara
mais verdadeira
do que a própria face

Mário Quintana

O mundo contemporâneo tem passado por movimentos diversos que encareceram


o modo de existir dos sujeitos. Tanto é verdade que o fantasma encarnado na
palavra “crise” tem sido o que hoje a tudo povoa. A consolidação das primeiras
marcas desse fenômeno de crise, surgido pela soma de uma série de episódios, se
dá, sobretudo, por aqueles elementos desencadeados da Primeira Guerra Mundial
(1914-1918). Sem dúvidas, as transformações que este episódio, em particular,
trouxe ao mundo não se resume apenas à modificação das linhas espaciais do
continente físico europeu e as subjetivas dos indivíduos (dos seus modos de agir e
ser), mas, feito rastilho de pólvora, se alastra e contamina o mundo todo e todos os
setores; no terreno da arte não foi diferente: também as transformações se fizeram
marcantes. Lembremo-nos dos movimentos da chamada era moderna que
solavancaram esse território introduzindo novas temáticas, novas formas de uso da
arte e novos modos e usos da linguagem.

É nesse contexto de modernidade que o ano de 1927 será, como um marco,


significativo para a cidade do Natal. Pela época o eixo Rio-São Paulo lia Primeiro
caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade, de Oswald de Andrade, ou Clã
do jabuti, de Mário de Andrade, dois dos principais precursores do movimento
modernista no País e duas obras símbolo dessa nova maneira de fazer e entender
arte literária. O motivo de tal importância desse ano é que por aqui, também como
no Centro-Sul, se assistia a publicação de um livro inusitado, tanto na forma (86
páginas, 15X21, em forma de caderno de desenho e impresso em papel barato tipo
de jornal) quanto no conteúdo (portando singelos quarenta poemas). E ainda vinha
com um título inusitado, Livro de poemas de Jorge Fernandes. Tudo isso, aos olhos
do nosso provincianismo causou, certamente, estranhamento e, por que não,
celeuma no meio artístico, ainda, de certo modo, encantado com os versos
primaveris exalando o perfume da rima perfeita.

A poesia de Jorge Fernandes inaugura por cá aquilo que já se operava com grande
veemência pelo Sudeste. De modo que é uma poesia significativa porque rompe
com a estética perfeita e bem desenhada do parnasianismo e vem apresentar que o
exercício poético é mais do que “escrever versos metrificados/ contadinho nos
dedos”, mas uma labuta constante que se apropria da matéria do próprio cotidiano
e da língua corriqueira para refundar novas maneiras e usos da linguagem; o
entendimento de que no poema se fundam novos territórios e novas dimensões do
pensar e do existir; o poeta cria para si um mundo à parte (uma máscara, para uso
dos versos de Mário Quintana) que lhe outorga fins mais puro e mais verdadeiro do
que a própria realidade. Em Jorge Fernandes são elementos materiais da
modernidade – as máquinas das fábricas, os automóveis, a velocidade, a imagem, a
visualidade sonora, e os aviões, sobretudo (está aí o motivo da capa desta edição).

Além de toda essa importância para o cenário da Literatura no Estado, e esse será
outro motivo pelo qual sai esta edição em homenagem ao poeta, ano passado foi
publicada uma belíssima edição reunindo toda a produção de Jorge Fernandes;
trata-se do livro Jorge Fernandes – o viajante do tempo modernista, organizado, em
mais de trinta anos de pesquisa, pela professora Maria Lúcia de Amorim Garcia. Tal
empreitada da professora reinaugura o olhar para a obra-prima de Jorge Fernandes
e apresenta-nos outras faces do poeta e do fazer-se poeta. Logo, o nome de Jorge
Fernandes constitui, peça fundamental a que esse caderno registra em homenagear
na sua segunda edição: um poeta dono de um espírito moderno, que redescobre o
poder da palavra; um poeta para uma era ainda mais sofisticadamente moderna e
novamente ressignificado na corrente literária do Rio Grande do Norte.

Pedro Fernandes
poeta e editor da ideia
Jorge Fernandes (1887-1953)
o homenageado

“Habitualmente, vivo assim – sorrindo... O riso, para mim, exprime tudo... E, no ato
mais sério, estando rindo, sou mais sério, sorrindo que sisudo!”

Jorge Fernandes de Oliveira é filho de Natal (RN) e representa para o movimento


modernista no estado potiguar, o que os Andrade representam para o mesmo
movimento no Centro-Sul do País. Teve um único livro de poemas, publicado em
1927 – Livro de poemas de Jorge Fernandes. Junto com Ivo Filho, o autor publicou,
em 1909, um livro de contos: Contos & Troças e Loucuras. Apesar de membro de
família de posses, de intelectuais e homens de notoriedade pública, Jorge Fernandes
não chegou sequer a concluir os estudos. Ao abandonar os bancos escolares vai
trabalhar numa fábrica de cigarros e depois como caixeiro-viajante.

Seu livro mais famoso, o de poemas, sai com tiragem pequena em papel rústico e é
impresso na tipografia do jornal A Imprensa.
Imagem da capa da 1a. Edição do Livro de poemas de Jorge Fernandes, publicada em 1927. créditos da
imagem especificados no fim do caderno.
Jorge Fernandes: o seu a seu dono
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por Márcio de Lima Dantas

A recente publicação do livro Jorge Fernandes: o viajante do tempo modernista


(Natal: RN Econômico, 2009) é digna de ser festejada, não apenas porque compilou
em uma bela edição a obra daquele considerado pelo nosso meio literário como
uma das referências-maiores do nosso cânone, mas também por ser um livro no
qual o esmero, o rigor acadêmico, a pesquisa diligente e séria confluiriam para um
requintado projeto gráfico amadurecido no carbureto da paciência e do bom gosto.
Gerações vindouras de aficcionados e pesquisadores muito serão gratos à
professora Maria Lúcia de Amorim Garcia, visto terem todo um material
sistematizado acerca do poeta Jorge Fernandes: rica iconografia, alguma fortuna
crítica, além de generosas margens com anotações esclarecedoras do texto
apresentado.
7faces – Márcio de Lima Dantas 17
Agora outra coisa. É consabido que uma literatura nacional não se faz apenas com
grandes nomes. Se há rios-poetas pujantes, largos, - percorrendo paisagens diversas,
com sua fauna e flora, irrigando com paul fértil as vazantes encontradas em espaços
e tempos diferentes, - há que contemplar, para melhor compreender, os cursos de
água que se inscrevem como afluentes, os córregos venerandos que banham
obscuras aldeias, os riachos possibilitadores de despertar estados líricos naqueles
que se encontram à sua beira, que nem por isso, assim simples, anônimos, perdem
sua importância.

Leiloeiro do tempo...
Uma hora... duas horas...
muitas horas...
- Dou-lhe uma!...
O pêndulo suavemente
esperaa o lanço...
Consternação...
Cabeças desperadas de
agonias...
- Dou-lhe duas!...
Indecisão...
Dou-lhe três!...
Fábirca universal arrematou.

Isso posto, gostaria de trazer essas ideias-preâmbulo para o fato do poeta norte-rio-
grandense, Jorge Fernandes, deste livro, integrar o cânone da literatura produzida
no estado, se bem que sempre em um patamar tão alto que suplanta o nível da sua
voltagem estética, se quisermos dar o seu a seu dono (não se esqueçam que a
insignificante poesia de Auta de Sousa é tida em alta conta, até por scholares e bons
poetas do Rio Grande do Norte). Com efeito, não podemos faltar com a lucidez: a
musa soprou pouco fôlego, parcimoniosa em engenho e arte. Temos que lembrar
em Jorge Fernandes o fato do seu valor histórico superar o valor estético, quer dizer,
jamais poderemos não tê-lo como referência, mas, na acepção de Harold Bloom,
não seria considerado um “poeta forte”. A prova? É que não se tornou uma
obsessão aos seus pósteros de mister, como Zila Mamede, presença ali obrigatória,
deixando tisnas nas mãos dos outros depois dela, numa inquietante “angústia da
influência”. Ora, o que a poesia de Jorge Fernandes tem de ethos descritivo, - quase
tudo o que produziu de poemas se enquadra numa espécie de coleção de
fotografias com forte poder de sugestão, muito perdeu em poder de reflexão, - de
metáforas que dissessem algo do Ser na sua errância pelos aceiros e picadas do
mundo. Enfim, o que ganhou em evocação imagética, sugestão de fenômenos e
paisagens, perdeu em mímeses e em metafísica. Outra alternativa é dizer dele o que
sempre se diz, fazendo coro com o discurso dos cavilosos cordeiros contentes, que
aceitam a geral voz da maioria, sem maior conhecimento do que seja uma legítima
obra de arte, sem ter um pingo de senso crítico, desconhecendo os avanços
qualitativos da teoria da literatura ou os métodos empregados nas tantas Histórias
da prosa e da poesia.

Saliento aqui, nesta obra, a beleza e magnitude do ensaio de abertura, procedendo


por meio dos largos palmos teóricos da poética e da semiótica uma leitura amorosa
do poeta, contemplando não somente as imagens obsessionais dele, mas
apontando a valia dos recursos manuseados (onomatopeias, disposição gráfica no
plano da página, arcaísmos da região) pelo autor do Livro de poemas, de forma
inovadora, não apenas chamando atenção para as coisas até então não dignas de
serem formatadas no discurso poético, sobretudo para os procedimentos que logo
mais seriam de uso comum nos vindouros artistas que fariam uso de tais signos.

De toda maneira, seria injusto deixar de louvar esta germânica empreitada, a saber:
organizar, anotar, arrolar um vocabulário, apresentar imagens inéditas em um só
tomo tudo o que ficou conhecido como produção do poeta Jorge Fernandes.

7faces – Márcio de Lima Dantas 19


caderno de poemas, parte 1

Carlos Augusto Cavalcanti, César Augusto Rodrigues, Clauder Arcanjo,


Daniel Morga, Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus), Edson Camargo
Bueno, Eloisa Menezes, Jorge Humberto
Carlos Augusto Cavalcanti

Palmas, TO
carlinhos.cavalcanti@gmail.com
www.carlinhoscavalcanti.blogspot.com

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perdoem-me ao entrar em desespero; se eu te perdi; amigo


astronauta

Nascido em Conceição do Araguaia, interior do Pará, filho de Rachel


da Conceição de Melo e Barros e Carlos Augusto Cavalcante Barros.
Com 11 anos mudou-se com os pais para Belém onde terminou o
Primeiro grau. Com 15 anos mudou-se novamente para Brasília para
morar com parentes e terminar o Segundo grau. Com 16 anos
experimentou escrever pela primeira vez para fazer letra de música.
Ao terminar o curso de Graduação, foi para Palmas-TO assumir
concurso federal.
Perdoem-me ao entrar em desespero
Perdoem-me quando quebrar o silêncio
Perdoem-me as palavras mal colocadas

Ao extravasar minha tristeza


Através do desarranjo do texto
Ficará explícito também meu medo
Por isso me desculpem...
Perdoem o meu descarrego

Desculpem a conturbada controvérsia


Não liguem para as violações da regra
Esqueçam os erros e a falta de métrica
Apossarei sem licença da licença poética

Num instante, por um momento


Apenas leiam-me como eu escrevi
Com displicência, sem saber o que fiz
Sintam como eu me senti, perdido e vago
Descaradamente sem pudor e piegas

7faces – Carlos Augusto Cavalvanti 22


Se eu te perdi
Já não me conheço
Peço-te de joelhos
Que perdoe este infeliz
Envergonha-me, o espelho
Por todo mau que te fiz
Se eu te perdi
Tanto mau não só pra ti
De tudo que eu tinha pra dividir
Tomei o pior e fiquei pra mim
Carreguei mais da metade
De toda a infelicidade
Que foi te trair
Se eu te trai
Trair-te me fez um mártir
Também traí a mim mesmo
Descubro, definitivamente
Que nem minha pessoa, respeito
Se eu te traí
Sou mais que imperfeito
Este não tem culpa
Por assim sê-lo
E eu me fiz sem desculpa
Pelo teu recente desprezo
Se eu te perdi
Perdi também o direito
De, por mim, ficar triste
Fico desmerecido de pena
Perder-te foi meu último erro
Com a única certeza
De um ser sem valores:
Se eu te perdi...

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 23


Agora, também, percebo
Que, sem você
De repente, me perco
Se eu te perdi...
Eis aqui escombros
Eu e meu desamparo
Eu e meus olhos baixos
Deficientes, inexpressivos
Secos, desentusiasmados
Eu e, novamente, eu sozinho
Do meu lado. Onde, sem você
Já não me encontro mais...
Sou retrato de natureza-morta
Que sussurra aos ouvidos de quem olha
Gritos de desesperança da minha alma

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 24


Amigo astronauta
Como faço para ir até o alto
Como te alcanço com pés descalços

Ensina-me tua arte


A arte de elevar-se
Colocar-se a altitude
Ao meio misturar-se

Na ausência de gravidade
Não tomarei teu espaço
Teu espaço que me tomará
Com toda espontaneidade

Amigo astronauta
Estenda tua mão amiga
Será a mão de Deus
Será a mão que finda
Será o gesto que salva
Será o ato que me resigna

Sinal que vem dos céus


Amparo que vem de cima
Acalento da minha alma
Minha única saída

Deixa-me ir
Deixa-me subir
Eleva-me daqui
Suspende este tênue impulso de vida

7faces – Carlos Augusto Cavalcanti 25


César Augusto Rodrigues

São João da Boa Vista, SP


cesarasrodrigues@gmail.com
www.comediafajuta.blogspot.com

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o palhaço cai; existo; poema

Cesare (pseudônimo) nasceu no começo do outono de 1984


em São João da Boa Vista. Graduado em jornalismo,
cinéfilo, leitor de haicai, Pessoa, Cummings, Rimbaud,
Benjamin, Paz e afins, arrisca-se com a poesia desde a
infância e vem experimentando com ensaio, prosa e drama.
Conta poucas publicações, de maior relevância um conto
em um caderno especial d’O Estado de São Paulo e a
montagem pela Cia Bella da peça Retalhos de Vila das
Águas.
o palhaço cai

desolado
no chão
rio um riso de tintas

instantes antes flutuava ava ava...

e distraído por ecos


espatifei-me de frente
com o obelisco limítrofe
para a realidade

7faces – César Augusto Rodrigues 27


existo
vou e desvou
revoo

fujo obliquo
qual catástrofe inédita
qual reflexo assustado

reflito minha sombra


nas espumas
dos teus sonhos

na brisa fria
que exala do teu sopro

renasço incoerente
no teu credo

e no teu beijo
como no teu grito
ressoo

revoo
desvou e vou
desisto

7faces – César Augusto Rodrigues 28


poema

sou o grito do pássaro acuado


sou fado
interminável confusão de desvarios quietos
tumulto ritmado na ponta dos pés
desesperada fuga do claustro

sou a lágrima que destrói a tranquilidade do lago


o sussurro que disparata o sonho
o vacilo o transtorno a desilusão

sou equívoco
fátuo
alheio à morte

e quem ouve o meu grito


me julga o sopro da noite

7faces – César Augusto Rodrigues 29


Clauder Arcanjo

Mossoró, RN
aclauder@uol.com.br

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chá de mármore

Antonio Clauder Alves Arcanjo (Clauder Arcanjo), nascido


em Santana do Acaraú – CE aos 3 de março de 1963, é
engenheiro, professor, contista, poeta, cronista semanal,
resenhista literário e colaborador de sites, revistas e jornais
e várias partes do País. A reunião de contos, intitulada
Licânia, marcou a sua estreia em 2007. Entre seus trabalhos
inéditos, o autor tem obras nos gêneros poesia, crônica,
romance e resenhas literárias. Recentemente lançou a
reunião de contos Lápis nas veias.
Chá de mármore

Para Paulo de Tarso Correia de Melo

Fiz chá de mármore na sala


E arrumei o lugar.
(Emily Dickinson)

Eu tento cantar A áurea presença,


Faltam-me versos, fiel cantar.
O céu me usurpa tudo,
E eu, tolo e zonzo, a recriar...
Na sala, as tarefas da casa;
Além d’Uma arma carregada,
Sob este silêncio a pulsar.
O medo a invadir minha solidão,
Aceito o risco, O outro céu?!...
Farei, então, chá de mármore
Neste samovar, e poucos se servirão.

7faces – Clauder Arcanjo 31


Daniel Morga

Rio Grande, RS
dmt7@pop.com.br

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geometria

Daniel Morga nasceu na cidade do Rio Grande, estado do


Rio Grande do Sul, em 23 de abril de 1975, onde reside até
hoje. É funcionário do Banco do Brasil e cursa o quarto ano
da faculdade de Letras Português-Francês na Universidade
Federal do Rio Grande.
Geometria

Triângulo amoroso.
Círculo vicioso.
E eu, sobre o trapézio.
Contudo é importante circular:
Nessa grave parábola
Sou quadrado e obtuso,
Mas como oblíquo não me enquadro.

7faces – Daniel Morga 33


Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)

Itaquaquecetuba, SP
eucaliptos.jequitibas@gmail.com

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as lavadeiras de sonhos; explorando o barbarismo

Dimythryus, heterônimo do poeta Darlan Alberto T. A.


Padilha, é licenciado em Letras pela Faculdade UNIESP-SP,
Embaixador da Paz, título que lhe fora atribuído pelo Cercle
Universel des Ambassadeurs – Suisse–France (Genebra –
Suíça). Entre suas premiações destacam-se o “Prix
Francophonie”, a Menção Honrosa Diplome d`honneur no
10o. Concours International de Litterature Regards 2009
(Nevers – France), e o 6o. Concurso Poético do Cancioneiro
Infanto-Juvenil para a Língua Portuguesa 2010 (Almada –
Portugal).
As lavadeiras de sonhos

Tu te tornas eternamente responsável


Tu deviens responsable toujours
Por aquilo que cativas.
de ce que tu as apprivoiisé.

Antoine de Saint-Exupéry
In-Le Petit Prince, 1940

A transparência de um rio
Iguala-se as lágrimas que abundantes se cristalizam
Numa imagem formidável da leve correnteza.

Em sua orla sob as pedras


O colorido das roupas se espalham
Em meio à canção das lavadeiras.

Preocupadas com o sol


Compenetradas em suas músicas
Distantes do resto do mundo.

Distantes das lágrimas


Que fundamentam minhas mágoas
E por outro lado constituem todo este rio.

As lavadeiras inundam-se nos rios


Nas lágrimas de suas vidas
Na particularidade de seus problemas.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 35


Enquanto as lágrimas desesperadas
Tentam lavar, levar as nódoas de suas vestes
Sob a força de suas mãos ressecadas pelo sabão.

A correnteza em sua límpida transparência


É fria e dói, dispersas nos versos de cada lavadeira
Que sonha com um mundo que imagina longe dali.

As pedras acompanham
Ensaboadas de desdém
Descrentes dos sonhos, de qualquer mundo existente.

Ao final o sol se põe


E as cores sucumbidas de lágrimas
Desfiam-se sobre a palidez da vida.

As lavadeiras se retiram
Deixando quarar o seu mundo
A espera de um sonho que nunca se realiza.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 36


Explorando o barbarismo

Lá no firmamento a luz rainha

O que seria d’uma pétala


Sem o astro poeta a endeosa-la
O que seria d’um poeta
Sem a seedosa pétala
Para eviternizá-la
O que seria das estrellas
Sem seu brilho?
O que do mar
Teria sua graça
Sem que annuviar-se em belleza
Ruído e natura?
O mesmo que meu coração
Sem sua su’existência
Sem sua presença
Mesmo que inviso
Sempre em evidencia
Talhado n’alma
No destino...
Précis de ce que le premier emeraude

Conde Duklye

Em francês arcaico: Précis de ce que le premier emeraude


Em francês usual : Precieux comme une émeraude
Português : Preciosa como uma esmeralda

São Paulo 21 de outubro do anno da graça de 2001, 20:25hrs.

7faces – Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus) 37


Edson Bueno de Camargo

Mauá, SP
camargoeb@ig.com.br
http://inventariodn,blogspot.com
http://umalagartadefogo.blogspot.com

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indiscutível; folhas ao vento; desconstrução

Edson Bueno de Camargo – (Santo André - SP,1962), mora


em Mauá – SP. Publicou De Lembranças & Fórmulas
Mágicas Edições Tigre Azul/ FAC Mauá - 2007; O Mapa do
Abismo e Outros Poemas Edições Tigre Azul/ FAC Mauá -
2006, participou de antologias poéticas. Participa do grupo
poético/ literário Taba de Corumbê da cidade de Mauá –SP.
Foi o Primeiro Lugar Nacional no 4º Concurso Literário de
Suzano – 2008, Categoria Poesia; e o Primeiro Lugar do
Prêmio Off-Flip de Literatura – 2006, categoria Poesia.
indiscutível

há um desenho
perfeito em teus olhos
de acumular pedras da estrada
e icebergs a deriva

água pura
a salvo
para que se tome
um chá de gosto indiscutível
antes de se morrer

7faces – Edson Bueno de Camargo 39


folhas de vento
a lua se quebra
em penhascos de faca e gelo vivo
escamas de turquesa fina aguda
plumário de serpente

folhas de vento
suçuarana de sopro
suave fumaça leve
que dá vida ao barro

irmão coiote
caminha sobre as línguas da pradaria
sobre as pegadas dos que já são extintos
dos que sempre estarão

onde o velho jaguar pisa


nasce o caminho
que se revela
a bíblia do homem não é mais a do animal
desfez-se a harmonia
as manchas das costas de felino
escrito está o nome da criança deus

porção branda da brisa


serve de alimento
às dores da rocha mãe
o parto do tempo
areia esculpindo o mundo
a cria dos peixes à superfície da água
respirados pelo grande espírito
que é pai e mãe ao mesmo tempo
inflamam os pulmões da terra
cultivam vida até onde se pode levar

7faces – Edson Bueno de Camargo 40


tornar a lembrar o que vai acontecer
que a chuva já caiu aqui ontem
e cairá lavando as dores e o medo
por pior frio
há primavera
alento e cores

soa o tambor dos olhos


soa o coração nos dedos
soa o trovão
chuva que chega
volta sempre a carne para meus ossos

7faces – Edson Bueno de Camargo 41


desconstrução

em que se dá
a construção do suicídio
nos três aspectos do abandono
ocaso das horas
silêncio do mundo
e ausência do verbo

a língua inflamada de vocábulos


que não são ditos
pesada corrente
que é o viver mesmo depois de morto (o sentido)

a palavra presa ao céu da linguagem


feito uma lanterna japonesa
um balão noturno antes da chuva
cintilâncias orgânicas
verdes noturnas

todas as redenções estão perdidas


todos os pássaros voam com navalhas
que cortam o ar e as veias
em asas de ruflar cirúrgico

os corvos buscam
os corpos dependurados
abismados
encharcados de rios e de pedras nos bolsos

os chocalhos das cascavéis


dizem um tanto
há algo indigesto no farfalhar das folhas
som lento de fogo se alimentando

7faces – Edson Bueno de Camargo 42


de veneno fermentando nos dentes
vinho que nunca será bebido
na desconstrução do corpo
não há razões perceptíveis ou necessárias
nunca houve de fato um sentido no mundo

7faces – Edson Bueno de Camargo 43


Eloisa Menezes

Porto Alegre, RS
eloisa52@ibest.com.br

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fraquezas do encontro

Eloisa Menezes Pereira é professora de Língua Portuguesa;


já participou de doze antologias poéticas, várias
publicações nos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora;
participou do Conselho do Leitor, em 2008, no jornal Zero
Hora, e foi jurada do concurso Histórias de Trabalho
organizado pela Prefeitura de Porto Alegre e organizadora
do primeiro e-book lançado nas escolas públicas do Rio
Grande do Sul.
Fraquezas do encontro

Na magia do prazer
O toque brada
Impedindo o amanhecer
Delira na cantada

Sorrisos ociosos
Consomem os desejos
Perfurando vitoriosos
Deleitosos anseios

Nos olhares da aventura


Implodem os gemidos
Esculpindo a candura
Germinam os sentidos

7faces – Eloisa Menezes 45


Jorge Humberto

Lisboa, Covina, Portugal


jorgehumberto.h@netcabo.pt
http://jorgehumbertopoesia.blogspot.com/

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a verdade das coisas; na singeleza das coisas

Nascido numa aldeia dos arredores de Lisboa, de nome


Santa-Iria-de-Azóia, filho único, Jorge Humberto cedo
mostrou a sua sensibilidade para as artes, e apurado
sentido estético. Nos estudos completou o 6º ano de
escolaridade, indo depois trabalhar para uma pequena
oficina de automóveis como pintor-auto. A poesia surgiu
num processo natural da sua evolução
enquanto homem, e a meio a agruras e novos caminhos
apresentados, foi sempre esta a sua forma de expressão
por eleição. Autodidata e perfeccionista, desenvolveu e
criou de raiz 10 livros de poesia, trabalhando atualmente
em mais 6 e acumulando ainda mais algumas boas
centenas de folhas, com textos seus, que esperam inertes
no fundo de três gavetas, a tão desejada e esperada edição,
num país onde apostar na cultura, é quase que crime de
lesa pátria. Participou em antologias, e-books, tem alguns
prêmios em jogos florais, aqui da zona e também em
Espanha.
A verdade das coisas
Neste meu silêncio azul,
Onde o que constrói
É um rio que passa, as
Flores e as vontades também,
Dos homens de boa vontade,
Há a voz do que não reina,
Testemunha antiga de muitos
Mitos contraditórios e falsos
Testamentos.

E nem lhe importa o reino.


Se flores há, se corre o rio
Ou a vontade é do homem,
Porque quererá ele reinar então,
Não é o que há e corre,
O que, já correndo, constrói,
Ou do Homem, sua vontade,
Se a vontade é uma flor,
No rio que há, porque passa,
Passou e há-de passar,
Como coisa que está
E é e será e voltará a ser,
Porque a si própria se constrói,
De sua vontade,
Já no homem verdade?

Neste meu silêncio,


Onde o azul é todo este azul
Que há e o que não se vê,
Toda a voz é a voz primeira,
Do que, embora sem reino,
Sempre reinará

7faces – Jorge Humberto 47


cláudia sales de alcântara. Bolero de Ravel
Na singeleza das coisas

Na suave temperança,
De uma chuva de Inverno,
No vidro e na lembrança,
No sonho, quando é terno,
É que fica a vontade,
De gritar ao mundo
Esta minha verdade:

Na grandeza de uma criança,


Na singeleza de uma flor,
Nos olhos sem desesperança,
No reconhecer ao amor,
O direito que lhe assiste,
A possibilidade de tudo
Ser só isso, porque existe.

Não mais que isso, porém,


Ao homem se lhe pede:
Uma flor que brotasse,
Num gesto, que já vingasse,
Tão simples como o respirar,
Como nada ser de ninguém
E tudo uma forma de amar.

7faces – Edson Bueno de Camargo 49


Jorge Fernandes, o poeta da cidade sonhada
_____________________________________________________________

Maria Lúcia de Amorim Garcia


A obra de Jorge Fernandes* pode ser avaliada como autêntica representante do
Movimento Moderno Brasileiro; e corresponde ao percurso de um ser poético,
criador de formas novas que resultam de uma existência que viveu intensamente
emoções, sentimentos, humores, fatos e situações em sua terra.

O poeta é personagem do início do século XX, morando na Rua Vigário Bartolomeu


nº 605 no centro da capital do Rio Grande do Norte. Esta apresentava ares de um
provincianismo arraigado no século anterior, no entanto, por iniciativa de algumas

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 50


personagens inteligentes, educadas em universidades européias, sobreveio
gradativas modificações à cidade.

O alerta foi dado com a conferência “Natal daqui a 50 anos”, proferida por Manoel
Gomes de Medeiros Dantas, em 21 de março de 1909, no salão nobre do Palácio
Potengy, que profetizava uma Natal do futuro. Assinale-se que o sonhador da nova
cidade era o diretor – editor do jornal A República que traduziu e publicou, em 05
de junho de 1909, o Manifesto Futurista, menos de quatro meses após a
divulgação em Paris pelo jornal Le Figaro, em 20 de fevereiro do mesmo ano. Esse
evento cultural demonstra a existência de alguns intelectuais cientes dos grandes
acontecimentos mundiais, sempre divulgados em jornais.

Desse modo, nas décadas 1920-30, correspondentes ao Modernismo, o jornal A


República destaca-se como inovador de técnicas de impressão e diagramação. Em
cada exemplar, observa-se a criatividade dos repórteres em mostrar o
desvendamento da notícia para composição de artigos; a distribuição das matérias
era feita em várias secções de acordo com o assunto; as páginas organizavam-se
de acordo com os princípios antropofágicos, segundo os quais se misturavam na
diagramação da página, propaganda, ensaios políticos, desenhos e textos literários
com o intuito de divulgar novidades para um público ávido que desfrutava tanto
matérias de Eloy de Souza, Virgílio Trindade, Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, bem
como textos de Oswald de Andrade. Esse foi o momento áureo do jornalismo
potiguar que anunciava as novas idéias européias e paulistas.

A preocupação em divulgar as novas idéias estéticas e as experiências literárias


encontra na proposta das revistas o meio necessário para a sua propagação e
afirmação como Movimento Moderno. Esse clima de fazer coisas novas é imitado
em Natal. As revistas Potengy, Potyguar, Pax, Milho Verde tiveram um papel
importante na divulgação das obras literárias, mas que não ofereceram a forma
nova. No entanto, a Cigarra, sob a direção de Adherbal França, é exceção. Os seus
cinco números demonstram uma proposta moderna no registro iconográfico da
época, tanto no que se referem à composição gráfica, ilustrações e design, sob a
responsabilidade do artista Erasmo Xavier, quanto ao charme visual do material de
propaganda e ao registro da produção literária, assinalando poemas, crônicas e
narrativas com ilustrações.

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 52


Jorge Fernandes viveu esse momento efervescente de produções criativas em
vários setores do conhecimento humano, principalmente na arte e na imprensa.
Como não poderia deixar de ser, o poeta bebeu na fonte e utilizou-a para publicar
seus poemas e contos em jornais e revistas natalenses e paulistas. Acompanhou as
idéias da nova estética através da leitura de obras literárias, de ensaios e
manifestos publicados em revistas e jornais que veiculavam os novos
procedimentos literários. Foi um entusiasta do movimento de Arte Moderna,
iniciado na Semana de 1922 que aconteceu no teatro Municipal de São Paulo.

Em 1927, Jorge Fernandes publica sua obra prima, o Livro de Poemas, composto
de criações inovadoras na forma, que de acordo com os conceitos propostos pela
nova estética moderna, ironiza os poetas parnasianos e profetiza o mundo novo
que irrompia com o automóvel, os aviões, as máquinas, o dinamismo do século
vinte que podemos sentir em Jahú, Poema das Serras 1, Meu Poema Parnasiano 1,
Aviões e outros. Já o poema Rede ... é a proposição do tom sentimental misturado
ao princípio de síntese dadaísta, daí irrompe o novo na transcrição da rede
armada, solta no espaço.

Alguns de seus poemas foram lidos e admirados por Manuel Bandeira, Antônio de
Alcântara Machado e por Mário de Andrade que, em 19 de dezembro de 1929,
marca presença em Natal, transcrevendo as impressões deixadas pela leitura do
livro de Jorge Fernandes, no seu diário de viagem, o Turista Aprendiz:

“O admirável Livro de Poemas que publicou no ano passado é isso: uma memória
guardada nos músculos, nos nervos, no estômago, nos olhos, das coisas que viveu.
O livro pode ser um bocado irregular pelos tiques de poética antiga ainda
sobrados nele, porém possui coisas esplêndidas, das mais nítidas, das mais
humanamente brasileiras da poesia contemporânea. São os poemas, como falei,
em que a memória do corpo abandonou a memória literalista da inteligência.
Então Jorge Fernandes apresenta coisas puras, fortes, apenas a vida essencial,
coincidindo com o lirismo popular que nem o poema Manoel Simplício.”

Manoel Simplício é como todos:


Brando no olhar e no sorrir...
No trote do alazão tardio e manso...
Olhar miúdo investigando as serras...

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 53


Gestos lentos indicando tudo...
Voz pausada retumbante... forte...
Mão pesada de sincero aperto...
Manoel Simplício é como todos eles:
Alma de imburana: – pau de abelha...
Fúria de juazeiro: – pau de espinho...

Os seus poemas foram declamados para a platéia da Diocésia que era considerada
uma academia de letras, de arte e de humorismo..., funcionando em um
reservado, localizado no 1º andar do Café Magestic, onde os freqüentadores se
reuniam para conversar, beber e criar motivos novos para agitar a alegria.
O poeta cria imagens, arquiteta paisagens, orquestra sons da cidade, da natureza
sertaneja e do agreste que se transformam em palavra - poesia. Sua obra é o
resultado não somente da percepção, intuição e inteligência de um grande
homem, mas do

mais autêntico inovador da poesia norte-rio-grandense. Foi o poeta que sentiu e


soube interpretar o cheiro da terra, o sabor das frutas, o perfume das madrugadas
no sertão, as cores das árvores, o movimento dos bichos, os sons dos sinos velhos
das igrejas, dos chocalhos, o canto dos pássaros, a beleza dos crepúsculos, a
quentura do sol gostoso de verão da terra papa-jerimum.

Os seus olhos captam signos referentes a objetos velhos e novos que revelam a
realidade potiguar, elevando-a à condição de palavra-poesia – mar, som do vento
nos coqueiros, dunas, pescador, sol, lua, árvores, sol – são signos
identificadores da existência poética. A construção da forma demonstra
originalidade e alegria, que organizada em palavras representativas da realidade,
equivale à sensibilidade de uma mente séria que está sempre sorrindo.

Habitualmente, vivo assim – sorrindo...


O riso, para mim, exprime tudo
E, no ato mais sério, estando rindo,
sou mais sério, sorrindo que sisudo!...

A simplicidade natural da terra é traduzida por palavras que mostram signos


primitivos cantados na poesia Pau-Brasil e na Antropofagia. A primeira estrofe do
poema Natal retrata imagens da cidade em um dia ensolarado de verão, levando o
leitor a sentir as sensações de calor:

Minha cidade!
De dia o sol queimando tudo,
amolecendo as folhas com o mormaço,
fazendo preguiça com o seu calor.
O céu, de quente, fica mais alto,
apatacado de nuvens brancas...

Em Verão, a cidade é identificada sob a perspectiva de um nativo que


experimenta o tempo de calor, exibindo objetos de sua existência exótica e
pitoresca, fazendo o leitor se transportar para essa cidade como habitante,
objetivando sentir o sabor da fruta, a quentura do sol na pele, o calor e a luz
do sol:

Verão – dezembro de cajuadas –


Tinindo de sol que chega a ferir a vista da gente...

Eu gosto deste verão como gosto da vida . . .


É quente mas de uma quentura que dá vontade
De gritar fogoso... – a luz forte já parece um grito –
Se corre p’ra debaixo das árvores
E se fica olhando a insolência do calor
Que está acuando a gente...
(...)
A areia vermelha dos barrancos é um beiju
Tostando na caçarola de barro...

Os cajueiros gritam cheios de cajus vermelhos...


(...)
E o verão de dezembro enche todo o espaço.
De nuvens paradas e miúdas
Lembrando escamas de peixe...

As imagens no poema Genipabu deixam estupefato o leitor, excitado com


tamanha beleza! É a sensação da descoberta que encanta a retina pela
luminosidade do lugar pleno de natureza primitiva. A beleza litorânea é
representada em imagens inusitadas, indicativas das formas da praia, cores,
luminosidade e aromas. A forma verbal vir, na 3ª pessoa do plural, abre o poema
convidando o leitor a olhar com alegria o lugar, fazendo-o perceber que as
palavras re-fazem a natureza compondo uma foto-imagem em vibrações rítmicas
de um espaço em movimento, o poema:

Venham comigo poetas...


Venham com a alegria desta terra...
Não me venham com lágrimas na voz...
Tirem a venda dos olhos
E olhem com os olhos alegres
Todas estas paragens de morros e de sol...
Todo este verde buliçoso de coqueiros...
Venham ver estas praias...
Olhem este mar de ondas fortes
Com rabanadas nas pedras....
Este vento vadio e assobiador
Que anda vagabundando pela praia
Arrepiando os cabelos dos pescadores,
Empurrando as velas das jangadas
E fazendo artes do demônio virando os botes
Das caçoeiras...

Observa-se a liberdade na construção de versos longos intercalados aos curtos e


os verbos no gerúndio e infinitivo levam à espacialização pelos substantivos,
destacando a cor e a luminosidade do objeto que dão a sensação do dinamismo da
ação na construção das imagens sintetizadas – Este vento vadio e assobiador/ Que
anda vagabundando pela praia .

O Poema, dedicado a Mário de Andrade, identifica o mar como lugar de existência


do pescador. Foi inicialmente publicado na revista Terra Roxa e outras Terras... e
depois incluído no Livro de Poemas, sob o título Pescadores, onde há a supressão
do verso “O mero o traga duma vez só...”

Chegou do mar!
Quanta arrogância no pescador...
O mar fê-lo ríspido, resoluto ...
Tem ímpetos de ondas o seu olhar...
Olhem o calão do peixe que ele trouxe!...
São peixes monstros que ele pescou...
Quando há tormenta e a jangada vira
O mero o traga duma vez só...
E o homem forte matou a fome
Do irmão do mero que ele comeu.

O primeiro verso – Chegou do mar! – pressupõe a entrada do personagem, o


pescador, abruptamente no écran cinematográfico, em seguida surge a sua
descrição, e em cada verso é apresentado um dos aspectos de sua silhueta
profissional. O leitor é convidado a olhar os produtos da pescaria colhidos na frágil
jangada que enfrenta perigos como a tormenta e a possibilidade de virar.
O avião constitui-se como outro signo identificador da história potiguar. O poeta
presenciou e registrou em poemas a passagem dos aviões como o Zeppelin, o
Clipper, o Argos que fizeram as primeiras travessias do Atlântico Sul nos anos 20 a
30 e desceram na barra do Potengy. A tão esperada e gloriosa chegada do famoso
aviador paulista, Ribeiro de Barros, piloto do Jahú, constituiu-se uma festa que
durou um mês.

– Prei! Prei! prei! prei!


Lá vêm os paulistas escanchados no seu
Cavalo de pau cor de café pilado...

Nos anos 40, Jorge Fernandes testemunhou as manobras dos soldados americanos
em solo potiguar, já que, durante a 2ª Guerra, Natal foi considerada ponto
estratégico com a construção de Parnamirim Field que passou a ser denominada o
Trampolim para a Vitória.

O poema Aviões 3 imortaliza o Argos, o hidroavião que recebeu a designação


histórica da nau em que os argonautas viajaram de Argólida a Colquida em busca
do tosão de ouro. Do mesmo modo, o piloto português Sarmento de Beires
buscava a fama com o RAID de Lisboa a Bolama. Em 17 de fevereiro de 1934, Natal
recebe a tripulação do Argos em grande festa: banda de música, sinos repicando,
automóveis buzinando, fogos de artifício e toda a cidade entusiasmada na rua,
comemorando o grande feito.

O dia todo os olhos estiveram sobre o oceano


P’ra ver o ARGOS
Durante o dia nenhuma asa de alumínio brilhou no sol
De Bolama a Natal num vôo direto...

- Tardinha –

Da linha do mar um avião amarou


Pegando fogo num fumaceiro de nuvem...

Eu Vou Viajar!... é um dos poemas manuscritos, encontrado inédito em um


Caderno. O poema foi composto em homenagem à passagem, por Natal, do
Brazilian Clipper da empresa nacional de transporte Panair, subsidiária do sistema
de Pan American Airways. O Clipper foi, no seu tempo, o maior hidroavião de
passageiros do mundo. Passou em Natal com destino ao Rio de Janeiro, pela
primeira vez, em 23 de agosto de 1934 e amerissou no Rio Potengy em frente ao
Passo da Pátria, local de desembarque de passageiros da companhia aérea.

Num Clipper gigante, voando ruidoso,


Eu vou viajar!
Vou ver maravilhas do mundo tão vasto,
No espaço a voar!
E olhar mais misérias,
Maiores tormentos,
Ouvir mais lamentos
Nas grandes cidades...
Sentir mais saudades...
Eu vou viajar

Autográfo do autor ao livro oferecido a Peregrino Júnior, em 1928.

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 59


Os paulistas, que fizeram a Semana de 1922, e Jorge Fernandes foram capazes de
manter a tensão da linguagem que caracterizou a vanguarda modernista,
incorporando processos fundamentais, tais como, o verso livre, o tom coloquial, a
presença de elementos primitivos da terra, a condensação, a surpresa verbal, o
humor na feitura de uma imagem descritiva de um fato histórico. Além disso, deixa
entrever a audácia no trato dos objetos, quanto à inovação de construções em que
palavras sintetizam e preenchem o espaço, permitindo ao leitor a visualização da
forma e deixando espaços em branco em discursos interrompidos pela suspensão
das reticências.

Não cabe, nos estreitos limites deste ensaio, analisar toda a obra de Jorge
Fernandes. O limite foi estabelecido ao traçar alguns fatos históricos importantes e
esboçar o roteiro dos procedimentos de construção de alguns de seus poemas que
se constituem fundamentais para a compreensão da obra do grande poeta norte-
rio-grandense, situando-a no contexto do Movimento Moderno Brasileiro.

Nota

Todos os poemas encontram-se transcritos na íntegra em FERNANDES, Jorge. O Viajante do Tempo


Modernista. Obra Completa. Org., Ensaio de Abertura: Jorge Fernandes, o Viajante da Alegria Tropical, e
Notas de Maria Lúcia de Amorim Garcia. Natal: RN Econômico, 2009.

7faces – Maria Lúcia de Amorim Garcia 60


caderno de poemas, parte 2

José rOgério Dias Xavier, Kalliane Sibelli, Marcelo Moraes Caetano, Mário
Lúcio Barbosa, Renata Iacovino, José Antônio Rodrigues Júnior, José
Rosamilton, Tino Portes, Valquíria Malagoli, Vinícius dos Santos
José rOgério Dias Xavier

Mossoró, RN
halamid@hotmail.com
blogdorogeriodias.blogspot.com

________________________________________________

água, tanta água

José rOgério Dias Xavier é artista plástico e poeta, nascido em


23 de outubro de 1943, na cidade de Martins-RN. Membro de
uma família de dezessete filhos, desde adolescente,
incentivado por sua mãe e seus irmãos, de forma autodidata,
aprendeu a desenhar e pintar. Desempenhou ao longo da sua
vida inúmeras profissões nas áreas comercial, bancária,
educacional, política e principalmente artístico-cultural. Em
outubro de 2005 concluiu o seu livro de poesias, Êxtase da
Omissão, publicado pela Coleção Mossoroense, da Fundação
Vingt-un Rosado. Atualmente é vice-presidente e membro
fundador da POEMA – Associação dos Poetas e Prosadores de
Mossoró.
As águas transformadas em vinho na Galileia. As águas podres do Rio, num rio de
Mossoró. Pingos d’água que sem permissão caem em nossos torrões. Uma lágrima
que rola face abaixo sem saber o porquê.
Um rio roxo,
Estreito, mal feito,
Defeito...
Lama correndo pro mar.
Fedorento,
Mau cheiroso,
Sem peixes, sem algas.
Coliformes fecais
Morrem asfixiados.
Oxigênio? Nunca mais!
Aedes não aguenta,
Hepatite se arrebenta,
Cólera fugiu com medo,
Meningite se mandou,
A gripe reside nele,
Contraiu pneumonia...
As doenças quem diria,
Mossoró? Rio? Jamais.
Mas porque os Orixás que derramam água de cheiro, nas sujas águas do mar,
sentindo o sal ameno e a podridão borbulhar. Debulha minha Iansã os seus
respingos de água sobre o manto de Alá. No sertão da terra seca onde a água é
inanição, as árvores crescem pros Céus procurando a imensidão, mergulhando em
nuvens soltas no tempo, na escuridão. Ah! Que água! Essas moléculas de
hidrogênio fantasmas líquidas que escorregam entre as nossas sujas mãos. Água
podre, água serena descendo de morro abaixo procurando um agasalho. Águas
saídas do chão, como um derrame mortal faz nascer as plantações. Água de
quarenta graus, que somente o homem bebe, Passarim não bebe não. Essa vista
da cor d’água que nós chamamos de mar, transparente azulada na rentidão
espelhar, é o reflexo do céu das entranhas do universo que nos chega pra brilhar.
Ah que água transparente que se despenca do alto, nas cachoeiras dos rios, águas
que vão se sujar.

7faces – José rOgério Dias Xavier 63


Açudes espelhos noturnos
Que os homens construíram
Para guardar águas devassas
Que as nuvens expeliram.
A água que desce na pele, por sentir a solidão, água que vem da tristeza pra se
plantar lá no chão, faz crescer arvores e plantas do meu triste coração.
Uma gota branca, um orvalho, se escorregando no ar, desliza por entre ventos,
misturando-se ao mar.
Milhões delas já caíram, ninguém mais pode encontrar, são delicadas, minúsculas,
nas águas se misturar.
Como uma lágrima que rola, de um choro que escapou, de um lindo olhar claro, de
champagne que brindou.
De repente o sol provoca, do calor descomunal...vapores sobem às nuves,
formando um manancial. O ar condensa os vapores, pra água se sustentar, o
mesmo calor do sol, faz a nuvem se soltar. Começa de novo a dança, gotículas
descem a bailar, parecem cristais azuis, partículas vindas do mar. Nasci numa terra,
onde não tem água, tem bichos morrendo, tem homens com mágoa. O sol quente
numa planta que com água cresceu, uma planta que sem água e com o sol morreu.
Passam as águas, molhando o chão, sufocando a terra, germinando ervas, dando
vida aos grãos. Na mesa farta de pratos vazios, a criança pede um copo de água e a
mãe derrama lágrimas por não poder sanar a sede do filho que chora sem se
conter e sem sentir que ele próprio faz rolar sobre a sua face, gotas desse líquido
que ele tanto clama. No roçado o rude homem em sua eterna esperança, trabalha
duro preparando a terra para receber a santa água que irá fazer as plantas
brotarem da terra umedecida por esse liquido milagroso que vem das bandas do
céu. A chuva chega acompanhada de uma forte ventania e vai se espalhando por
terras sem fim, levando o solo ensopado de muita água, dirigem-se numa só
direção: os mares, os oceanos de águas salgadas. A água doce que cai numa
cachoeira, desce o rio descontroladamente e caminha entre as matas e pedras
fabricando pequenas lagoas em sua trajetória sem fim. Água, água quem diria,
algum dia irei comprar mas eu talvez já não esteja nessa vida pra contar. 70% do
Universo é coberto por água, mas apenas 1% desse líquido está disponível para o
consumo humano. Água suja que desce com lama, nos becos das tramas, rolando
e sujando quem passa afinal. Águas podres com jeito de urina, só tem fedentina de
mal a pior. Águas claras deslizam das serras, correndo nas relvas prós mananciais.
As águas limpas e saudáveis, entram nas tubulações de suas casas, certas que

7faces – José rOgério Dias Xavier 64


serão bem tratadas, mas os inconsequentes jogam as piores imundices dentro dela
e contaminam de um jeito que somente os esgotos e fossas podem suporta-las. O
seboso chega em casa todo melado, galado, sujo, fedorento e cheirando a macaco
podre, ai vai para debaixo de um chuvisco e aja tempo e aja água, não sabe esse
mal-informado o crime que ele está praticando contra o meio ambiente e a
humanidade. Mas isso não para por ai; mais tarde ele pega uma longa mangueira e
liga na tubulação e achando pouco o estrago que já fez para retirar as melequeiras
do seu corpo, agora ele vai limpar a calçada, não é varrer, ele vai limpar com água
pura, com a água que milhões de pessoas estão tentando beber mas não podem,
não tem no seu país, no seu estado, na sua casa. Águas que curam a sede, águas
que matam a sede, águas que se tornam milagrosas depois da ingestão, águas que
previnem através da hidroponia: A ingestão de água preferencialmente em jejum
e em quantidades adequadas conforme as orientações médicas, é indicada para a
calculose de vias urinárias e biliares, infecções crônicas de bexiga, eczemas em
geral, hiperuricemia e como elemento desintoxicante alimentar e medicamentoso.
Água santa que previne contra as doenças. São águas que se precipitam das
nuvens e caem nos terrenos porosos se infiltrando de terra adentro e depois se
tornando minerais, termais. As águas termas do Thermas, quente, eloquente
gostosa de se banhar. Águas que se descolam das profundidades terrestres
subindo por canos, sugadas do chão. A água quente, uma lágrima, uma gota que
nasceu de uma tristeza, do fim, do rompimento, da dor de perder alguém, do
crepúsculo de uma amizade, a dor da perda, as gotículas que brotam de um olhar
solitário, de um rosto que se contorce em suas rugas, gotas ou lágrimas enxugadas
por um lenço branco da paz.

7faces – José rOgério Dias Xavier 65


Kalliane Sibelli

Mossoró, RN
kalliane.amorim@hotmail.com
professora-flordolacio.blogspot.com

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prece; poema àquele que me lê; vestida de tempo;


sentença

Kalliane Sibelli de Amorim Oliveira nasceu em 1982, em


Umarizal-RN e reside em Mossoró-RN, onde trabalha como
professora da rede pública de ensino. Publicou pela Coleção
Mossoroense o livro Outonos (2003) e pela Editora Queima-
bucha Exercício de Silêncio (2006). Foi Menção Honrosa nas
edições II, IV e VI do Concurso de Poesia Luís Carlos
Guimarães, e primeiro lugar na edição V.
Prece

Meu Deus, eu nasci árvore.


Os meninos passam e arrancam minhas folhas.
Os mendigos ficam e se cobrem com as mesmas folhas.
Elas caem e o vento as leva a lugares que não conheço e
onde nunca vou estar.

Tanto me exponho, tanto me espalho.


Eu digo adeus a toda hora.
Ninguém vê, ninguém chora,
e até disseram que é bom que seja assim.

Mas às vezes os amigos vêm e sentam-se sob sua sombra,


lêem uns versos, riem alto, falam dos outros, os que
sumiram,
e eu tenho vontade de ser outra coisa que não uma árvore,
sentar-me junto deles, ir aonde forem,
sentir-me desencontrada, dispersa, diversa.

Eu sei, eu sou as formas que me fizeram,


eu não deveria querer ser outra
e me contentar em ter raízes,
em estar fincada à terra, levando sol, e vento, e chuva.

Mas, Deus, eu não quero estar contente,


eu não quero me encontrar.
Encontrar-se é ancorar-se à morte.
Eu quero é ir-me com os ventos,
ainda que não mude de lugar.

7faces – Kalliane Sibelli 67


Poema àquele que me lê

Passa por mim a poesia,


e silencio,
e tudo em mim sofre de beleza.
Por entre meus dedos
Escorre a minha alma,
que todo cantar é um cântaro
transbordando eternas carências.

Ah, mas quem desejará


abrigar-se em meus olhos,
amar as canções que meus lábios segredam,
andar pelas ruas de pés distraídos,
tentando alçar o humano perdido?

Meu poema ajoelha-se de tanto desejo:


desejo de amar as menores criaturas,
desejo de ser, quem sabe, um motivo...

E quando vier o vento longínquo


e minhas vestes forem apenas,
apenas sussurros e simples palavras,
quantas faces eu terei
dentro das faces que me acompanharem?

7faces – Kalliane Sibelli 68


Vestida de tempo

O tempo incansável
com sua navalha
esgarça a costura
que fiz dos meus dias,
golpeia de jeito,
de noite e de dia,
meu peito e me veste
com sua mortalha.

Por mais que me firam


do tempo os tecidos,
por mais que me pesem
suas rendas de aço,
me adorno de brisas,
meus olhos enlaço
à voz que me canta
cantares perdidos.

Vestida de tempo
no meio da rua,
oferto cantigas
tecidas de areia,
ninguém se aproxima,
mas não sigo alheia
aos sonhos que dançam
de alma desnuda.

7faces – Kalliane Sibelli 69


São tantos os rostos,
são tantas as vozes,
gargantas vazias
temendo silêncios,
são sós espantalhos
sobre o campo imenso
das vidas que ao tempo
se lançam velozes...

Sereno o meu canto,


alento das pedras,
textura de ventos,
ninguém quis ouvir...
Olhando-me as vestes,
as mãos entreabertas,
tingidas de tempo,
de amores, de esperas,
quem quer se partir?

7faces – Kalliane Sibelli 70


Sentença
E um dia,
enquanto afogava formigas,
viu-se descendo, sozinha,
pelo ralo da pia.

Que vida intrusa era aquela?


E por que no espelho
lágrimas feito estrias?
E por que em seu rosto
um outro rosto havia?

Não faz sentido, não faz –


e o rosário se estendia.
Mas as xícaras lhe falavam
das bocas agora frias,
os varais lhe segredavam
vontades já encolhidas,
e quanto mais atenta às vozes,
menos a mulher morria.

Ela sequer suspeitava


a trama que em si tecia,
pensando que essa teia
qualquer vento desfaria.
Inventava uma desculpa:
não estou pra poesia!
e quanto mais a negava,
mais seu peito se fendia.

7faces – Kalliane Sibelli 71


E um dia
quando nada mais lhe sorria,
seu corpo encheu-se de olhos,
seus olhos, de muitos vazios.
Mas os homens não se entreviam,
os homens nem se atreviam,
e tudo voltou ao começo:
o amor de um poeta dormia.

7faces – Kalliane Sibelli 72


Marcelo Moraes Caetano

Rio de Janeiro, RJ
mmcaetano@hotmail.com

________________________________________________

tigre de papel; scripta manent

Marcelo Moraes Caetano é carioca, tradutor de inglês,


francês, alemão e italiano e escritor com 14 obras
publicadas palas editoras EdUerj, Academia Brasileira de
Letras, Academia Brasileira de Filologia, SENAI-FIRJAN, 7
letras, Vivali, Ferreira, Litteris, ONU-UNESCO. Tem prêmios
literários no Brasil e no exterior (Prémio Sófocles,
Montevideo, 2010, Prêmio ONU-UNESCO, Paris, 2005 e
2006, Prêmio Litteris, RJ, 2009). É pianista clássico,
vencedor de primeiros lugares no Brasil e exterior (RJ, MG,
SP, Córdoba etc.)
Tigre de papel

Se há pontos em mim que se mostram falhos,


se no meu jardim se planta uma forca...
leio Frederico García Lorca,
e limpo o milharal dos espantalhos...

Se o meu barquinho, leve, como o mel,


vira quando a maré da vida muda,
leio Vinícius com Pablo Neruda:
o meu exército abre-se em tropel...

Quando a chuva despenca, tão humana,


fazendo bem aos pássaros e aos loucos,
bebendo música ao som do bourbon...

retiro-me e leio Mário Quintana,


enquanto vou me preparando (aos poucos)
à grande orgia – que é Carlos Drummond...

7faces – Marcelo Moraes Caetano 74


Scripta manent

Um poema não deve ser escrito


pedindo-se aprovação ou aplauso.
Qualquer verso assim sobredito
é falso.

Escrever é falar música:


o vento obstrui, mas toca.
O poema é a sinfonia da busca,
não uma florida engenhoca.

Existe quem digrida, incontinenti,


uma tão lúgubre alma idiossincrática
pelo auto-rio inexpressivo e seus meandros...

Há quem formule (e se contente)


que a Literatura é a Matemática
dos incomunicáveis delírios em escafandros...

7faces – Marcelo Moraes Caetano 75


Mário Lúcio Barbosa

Natal, RN
mariolcavalcanti@hotmail.com

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na latitude do caju; canto praeiro

Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti nasceu em Natal, Rio


Grande do Norte. Viveu sua infância na Praia do Meio,
naquela cidade, e sempre encantou-se com a beleza das
coisas litorâneas. Seu pendor poético revelou-se já na
adolescência, quando já escrevia poemas e compunha
canções. Estudou Letras na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e cursou pós-graduação em Comunicação
Verbal nos EUA. Mário Lúcio, que faz parte da SPVA
(Sociedade dos Poetas Vivos e Afins) é também músico e
tem muitos de seus poemas transformados em canções,
musicados por ele próprio.
Na latitude do caju
(Homenagem à cidade do Natal)

Eu sou caliente, sou saliente, sensual e bela


A pouco mais de cinco graus do equador, ao sul
Na banda doce do planeta, na latitude do caju, que cresce

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 77


ao sol dourado,
Onde não existe pecado, e o céu é um teto morno e azul

A água do mar me exorciza, me lava, me molha


A lua tropical me olha e embranquece as dunas
As nuvens passam como escunas de velas brancas no mar
do céu
Formando colossais figuras, qual esculturas feitas sem
cinzel

Sou fruto de um amor pagão que na praia rolou


de um lusitano pescador com uma índia sereia
O sol de Capricórnio brilha janeiro a janeiro, mas não me
encandeia
Eu sou metade mar e areia, e a outra metade amor

Me embala o rugir de Netuno no Atlântico abissal


e o sol me ilumina primeiro que a todo o resto do
continente
me beija e me cobre de areia constantemente, o vento
leste
Eu sou praieira do Nordeste, sou amante fatal

Exponho minhas formas nuas para o mundo olhar


Já encantei, já seduzi corsários de além mar
Me deito onde o crochê de espuma desenha no chão mil
Giocondas
E deixo que o mar assanhado, tarado, me lamba com as
ondas

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 78


Canto praeiro

À noite, a Lua

brilha na palha,
E a espuma espalha
seu crochê branco
no imenso manto de areia alva
E a vida bêbada cai bocejante
ao olhar distante da estrela d’alva

o mundo é louco, não vale um coco,


um banho no rio, ou um samburá
velho e vazio,

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 79


de um dia morto, sem pescaria,
de calmaria, sem navegar
Só pra mostrar minha valentia
Juro, Maria, que qualquer dia
Eu bebo esse mar...

Minh’alma jangada,
vela esticada, na ventania,
segue arredia a navegar
abrindo a porta morna do dia,
que dá pro mar

Coqueiros ébrios, cambaleando


Com suas palhas sempre acenando
E o sol brilhando no olhar salgado
Vento cantando, ondas dançando
Eu me espelhando no chão molhado

Moça morena que assa o peixe,


por favor deixe
que a brasa viva desse teu beijo
se apague um pouco
na água de coco do meu desejo

Em teu encalço sigo eu descalço,


Pisando em falso e tu nem sentes
Que a areia quente me queima os pés
Maré lançando, lua crescendo,
peixes brilhando nos jererés

7faces – Mário Lúcio Barbosa Cavalcanti 80


Renata Iacovino

São Paulo, SP
reiacovino@uol.com.br
reiacovino.blog.uol.com.br
reval.nafoto.net

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um gracejo; feiticeira; às avessas

Escritora, poeta, e cantora. Possui livros (de poesias)


editados, organizou outros, e têm CDs lançados. Integra
entidades literárias e culturais, escreve para veículos de
comunicação e é uma das responsáveis pelo jornal literário
CAJU. Ministra oficinas e realiza saraus, ao lado de Valquíria
Gesqui Malagoli, com quem desenvolve vários outros
projetos. Tem participação em antologias diversas e atua
como jurada em concursos literários.
Um gracejo

Na pupila do teu olho


eu me vejo...
ali também me recolho,
e o gracejo
benfazejo
é caolho.

7faces – Renata Iacovino 82


Feiticeira

Conheci uma feiticeira...


fez de mim seu seguidor
– um ser sem eira nem beira... –,
diz-me que sou seu amor.

Vou amá-la a vida inteira,


colherei o fel da flor,
pois é por essa guerreira
que na vida busco a cor!

Se em outros campos repouso,


sua poção me alimenta,
se eu me retraio... ou se eu ouso...

Tudo nela me sustenta...


alço voo e também pouso.
Ah!... feitiço que acalenta!

7faces – Renata Iacovino 83


Às avessas
Como o queijo e olho a lua
Como a lua e olho o queijo
Mordo um pedaço do amarelo
Deixo cair um farelo...
Da lua.
Mordisco um naco branco...
Do queijo.
Bebo na lembrança o beijo
E me engalfinho com a tela
À minha frente.
Se é branca ou amarela
O sabor me trisca o dente
E por esta janela
Vou me pintando um demente.
Como pode o olho da lua me ver?
Como posso me entrincheirar
Nos buracos deste queijo?
Como isto pode ser e não ser?
Como isto: o que não se dá a ver...
Engulo o desejo
Triturado entre nuvens espessas
À minha frente
Toco-me às avessas.
Abraço com o meu
7faces – Renata Iacovino 84
O lábio mais quente
Do amarelo momento
Que cresce em meu quarto...
Crescente.
Enquanto cheia enfastio-me dela
Pousa no ar uma sentinela
Que míngua ao ruflar repentino do vento...
E que boa nova me traz tal intento:
Às avessas da ilha onde reside este aposento
Há uma verde trilha
Que cura do mundo o ferimento.

7faces – Renata Iacovino 85


José Antônio Rodrigues Júnior

Natal, RN
antoniusruderico@hotmail.com

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cena

José Antônio Rodrigues Júnior é graduando do curso de


Letras. Nasceu em Natal no ano de 1985, no terceiro dia do
mês de junho. Atualmente faz pesquisas na área da História
e Antropologia do imaginário do Rio Grande do Norte, com
ênfase na crônistica holandesa.
Cena

No interior de uma cidade do interior:


no interior de um terreno de sítio.
Sob o sol, com a sua mãe, uma criança
olha para ruínas de uma casa abandonada:
mato, pedra, pó e uma imagem desbotada de Maria.

7faces – José Antônio Rodrigues Júnior 87


José Rosamilton

José da Penha, RN
antoniusruderico@hotmail.com

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o silêncio

José Rosamilton de Lima reside em José da Penha – RN.


Possui Graduação em Letras com habilitação em Língua
Inglesa e suas Respectivas Literaturas. Desde a infância é
um admirador da poesia popular, mas foi no curso de Letras
que despertou uma grande paixão pela literatura,
principalmente a inglesa, e a partir daí começou a escrever
poemas. É Especialista em Linguística Aplicada e em Língua
Inglesa. Atualmente é aluno do Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Letras pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
O silêncio

No profundo silêncio
Os vocábulos saem
A expressão do ser
Em formas de versos
Em linhas escuras e tortas
Com excedente lirismo
E sedenta paixão
Insanidade racional
Realidade irracional
Ou instante reflexivo
O poema se forma
Sem prender-se a forma
Um elemento essencial
Que a cada letra
Desperta-se o mistério
Literário da vida.

7faces – José Rosamilton 89


Tino Portes

Santa Rosa do Viterbo, SP


tinoportes@yahoo.com.br

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onomatopeicos; pé no chão; modo de fazer;


alucinógeno

Albertino Lineu Portes nasceu em 25 de abril de 1978, em


Santa Rosa do Viterbo/SP. Funcionário público, leitor
assíduo de João Cabral de Melo Neto e Baudelaire, ditam-
lhe as musas que vez por outra metrifique, embora não
esconda sua predileção pelos versos e inspiração
desmedidos.
Onomatopeicos

Já fomos mais nós


Mas nos transformamos
Tu
E eu

Mais estranhos que metafóricos


Mais enfadonhos que prosaicos
Hoje
Intransitivos
Já não conjugamos

Diferentes categorias
Gramaticais
Antes rima rica
Instantes haicais
Ora
Argh
Tanto faz

7faces – Tino Portes 91


Pé no chão

No vazio, o passarinho
Ziguezagueando
Desenha o caminho
Que estou procurando

Sigo a ave canora


A passos miúdos
Vou de mim afora
Nisso invisto tudo

Só que de repente
Num ruflar de asa
No que um voa à frente
O outro volta à casa

7faces – Tino Portes 92


Modo de fazer

De amargor um frasco
Tome
Ei-lo já, o nome:
Poema fiasco

Do verso o reverso
Acrescente
Cru, literalmente
Imerso

Leve ao forno
Pré-aquecido
Sirva amanhecido
Morno

7faces – Tino Portes 93


Alucinógeno

Uma gota
Uma
É gota apenas
Em suma

Pro sedento
À rede

Um fio
Um fio somente
Onde fiar a sede
Que lhe enreda o centro

Uma gota?
Um fio?
Somenos!

– Gotas gotas mil...


E remos!!!

7faces – Tino Portes 94


Valquíria Gesqui Malagoli

Jundiaí, SP
vmalagoli@uol.com.br
www.valquiriamalagoli.com.br

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estrelas; evolução; veraneio; esperança

Valquíria Gesqui Malagoli é poeta, articulista, colaboradora


de diversos veículos, autora de livros e CDs para os públicos
adulto e infantil. Ministra oficinas e realiza saraus. Da
parceria com Renata Iacovino, nasceu a CircuitoTeca,
biblioteca itinerante sem fins lucrativos, e, de ambas com
Josyanne Rita de Arruda Franco, o jornal literário de
distribuição gratuita CAJU.
Estrelas

Que seremos, senão, desencadeados,


átimos sereníssimos cadentes...
átomos solitários, surpreendentes,
a ressurgir das cinzas noutros prados?

Ah, quem nos dera, amor, nós, entrementes,


ao chamar-nos a morte, em altos brados,
desdenhando da Física, alquebrados –,
seguirmos inorgânicos às frentes!

Fugazes, afinal, desencarnados,


nos tornaremos um, e onipresentes
insuflaremos vida em quebrantados.

Semideuses meio anjos e serpentes


ataremos à abóbada os seus fados,
liberando, igualmente, ateus e crentes...

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 96


Evolução

Do mesmo Eu o Um nos expeliu ao léu


Pra perseguir a esmo sorte sob o céu
Sobreviemos no degelo das bordas
Corremos no atropelo das hordas
Junto a água, ossos, meteoritos,
Sangue, destroços, detritos...
Ei-nos, cá, felizes afinal –
Cicatrizes dalgum mal,
De guerra, despojo...
Ei-la, a Terra:
Um nojo!

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 97


Veraneio

Se me falta um motivo, por acaso,


para versejar logo que amanhece...
abro, à frente, a janela, e em voo raso
vejo lá uma andorinha em sobe e desce!
Pressinto que ela volta do Parnaso,
pois insta-me a escrever, riscando um “S”.
E, nisto, dentro, em mim, a alma se anima
e inicia a presente oitava rima.

No céu, vertiginosa chuva engrossa.


Mais andorinhas chegam para o banho.
Não veem, sob as asas, grama ou choça,
plantações, nem pastor, sequer rebanho...
Regalam-se no entanto, e se alvoroça
a passarada, ao que eu também me assanho,
porque ao observá-las vai crescendo
o poema que, ora, amigos, estais lendo.

Porém, na altura, um raio risca um traço!


E a aspirante epopeia eis que se apaga.
Murcha, a inspiração jaz sob o mormaço...
A tempestade o verso oprime e esmaga.
Se minhas musas fogem, me embaraço;
no mar celeste a minha alma naufraga.
Anjo caído, eu cisco em devaneio,
enquanto o demais parte... em veraneio.

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 98


Esperança

Enquanto a fome engole o mundo,


cozinha as rimas o poeta...
Definha o povo moribundo?
Ele dá a receita secreta,
pois vem dele – a própria vasilha –
uma milagrosa sextilha!

“Tendes frio, oh, desamparados?


Vinde a mim, trago o cobertor”,
brada em versos metrificados
ou livres... seja lá o que for!
Pobre louco, que a insanidade
só condena à mediocridade.

Sua esperança é existir céu:


um lugar onde, ociosamente,
a despeito deste escarcéu,
anjos se assentem calmamente
apenas para ouvir bobagens,
devaneios, libertinagens...

7faces – Valquíria Gesqui Malagoli 99


Vinícius dos Santos

São Carlos, SP
vsantos1985@gmail.com

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labirintos; céu de anil

Vinícius dos Santos nasceu em 31 de outubro de 1985 na


cidade de São Carlos/SP. Bacharel em Ciências Sociais e
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Atualmente, é aluno regular do Doutorado
em Filosofia na mesma Universidade. Desde cedo se
encantou com o universo das palavras e encontrou, na
poesia, uma maneira de se expressar e de compreender o
mundo.
Labirintos

Não sei bem o que sou, mas


tenho medo de mim.
Assim, tão transparente e frágil,
um caco
de vidro jogado no chão.

Mas a vida, a vida não há


de ser nada. E por que haveria?
Não temos sempre em nosso roteiro
o mesmo triste e previsível fim?
(conquanto desenvolva-se singularmente em cada corpo,
em cada mente...)

Mas seguimos,
cegos pela intensidade da luz,
perdendo os dias,
os anos,
as vidas!
Nos sufocantes labirintos de nossa
parca existência, tentamos encontrar o inencontrável

7faces – Vnícius dos Santos 101


E o mundo, talvez severo, inodoro. Lar da rosa
sem perfume, espelho da estrela que já não brilha no céu
O mundo, indiferente, gira maquinalmente,
incessantemente
E como mente, o mundo.
E como promete, e depois não cumpre.

Mundo meu, afinal, pra quê tudo isso?

II

Às vezes, sinto todos os relógios parados.


Às vezes, vejo todos os olhos me olhando.
Às vezes, sou só desespero.
Renata Iacovino – Intempérie

Céu de anil

Chuva forte,
céu de anil,
sem luar.

(E cada gota é um pedacinho


de estrela que vem me beijar)

7faces – Vnícius dos Santos 103


os convidados

Márcio de Lima Dantas possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Piauí
(1992) , mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (1995) e doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (2006). Atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.

Maria Lúcia de Amorim Garcia é professora de Teoria da Literatura e Semiótica do


Deparamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (atualmente
aposentada); pesquisadora da obra de Jorge Fernandes. Organizou a última edição do Livro
de poemas de Jorge Fernandes, em 2007, e, recentemente, em 2009, publicou a obra
completa do poeta potiguar no livro Jorge Fernandes: O Viajante do Tempo Modernista.
7faces
caderno-revista de poesia

set7aces.blogspot.com

O caderno-revista de poesia 7faces é uma produção semestral independente projetada, diagramada


e editada pelo poeta Pedro Fernandes.

Organização desta edição


Pedro Fernandes

Convidados para esta edição


Márcio de Lima Dantas
Maria Lúcia de Amorim Garcia

Colaboradores (por ordem de apresentação)


Carlos Augusto Cavalcanti
César Augusto Rodrigues
Clauder Arcanjo
Daniel Morga
Darlan Alberto T. A. Padilha (Dimythryus)
Edson Bueno de Camargo
Eloisa Menezes
Jorge Humberto
José rOgério Dias Xavier
Kalliane Sibelli
Marcelo Moraes Caetano
Mário Lúcio Barbosa
Renata Iacovino
José Antonio Rodrigues Júnior
José Rosamilton
Tino Portes
Valquíria Malagoli
Vinícius dos Santos

Agradecimentos
A todos que enviaram material para a ideia e em especial a professora Maria Lúcia Amorim Garcia
pela presteza com que atendeu a este canal para composição do texto sobre Jorge Fernandes

Contato pelo e-mail pedro.letras@yahoo.com.br

7faces. Caderno-revista de poesia. Natal – RN. Ano 1. Edição n. 2. jul.-dez. 2010


ISSN 2177-0794

Distribuição eletrônica e gratuita.


Os textos aqui publicados podem ser reproduzidos em quaisquer mídias, desde que seja preservada a
face de seus respectivos autores.

Os textos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores, inclusive
quanto às correções ortográficas e fica disponível para download em
set7aces.blogspot.com

O editor desse caderno é isento de toda e qualquer informação que tenha sido prestada de
maneira equivocada por parte dos autores aqui publicados, conforme declaração enviada
por cada um dos autores e arquivadas no sistema 7faces.

Para participar da ideia deve o poeta consultar o espaços


set7aces.blogspot.com, para ler as regulagens e enviar o material; ou solicitar
ao editor através do contato pedro.letras@yahoo.com.br o envio das
regulagens.
Ilustrações e Imagens (por ordem de apresentação)

capa – a imagem foi coletada do site desenhos.pt


o poeta Jorge Fernandes – imagem coletada do site do jornal Tribuna do Norte, autor não
identificado
capa da 1a. Edição do Livro de poemas de Jorge Fernandes – imagem coletada do Portal da Memória
Potiguar, autor não identificado
colagem, aviões 008030 fStop Galeria de Fotos Royalty Free – imagem coletada do site Fotos Search
a imagem que ilustra o poema O palhaço cai é de Leonardo Pontes – colagem digital composição feita
sob desenhos feitos em nanquim, inserindo imagens; editado e finalizado fazendo uso de photoshop.
Bolero de Ravel – Cláudia Sales Alcântara (contribuição)
colagem, aviões, edifícios, graffiti 008024 fStop Galeria de Fotos Royalty Free – imagem
coletada do site Fotos Search
o poeta Jorge Fernandes – imagem coletada da internet, autor não identificado
o poeta Jorge Fernandes – imagem coltada da internet, autor não identificado
autógrafo do poeta Jorge Fernandes em livro dedicado ao Peregrino Júnior em 1928 – imagem
coletada do Portal da Memória Potiguar, autor não identificado
Tigres, tigre – fotomontagem
Mapa do caju – fotomontagem feita por Pedro Fernandes
Intempérie – Renata Iacovino (contribuição)
Foto do professor Márcio de Lima Dantas coletada do Blog Vivicultura, autor não identificado
Foto da professora Maria Lúcia de Amorim Garcia – autoria de Magnus Nascimento para o Novo
Jornal Caderno Cultura

tratamento das imagens


Pedro Fernandes

Imagens que porventura forem apresentadas indevidamente ou com créditos


errados, favor notificar-nos para que seja publicada uma errata corrigindo os
erros.
Aviões I

Novecentos e cinquenta cavalos suspensos nos ares...


- Besouro rocando zum... zum... umumum...
Aonde irá aquele Rola-Titica parar?

E os olhos dos cabocos querem ver os Marinheiros


Os peitados vermelhos das Oropas...
E a marmota vai: ron... ron... - cevando o vento -
Por cima dos coqueiros, varando as nuvens...

Depois desce no Rio Grande numa pirueta danisca


Desembestado, espalhando água...
E fica batendo o papo, cansado de voar...

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