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As TRANSFORMAGOES NO Munpo Do TRABALHO Ermelio Rossato* 0 longo da histéria, o trabalho passou pelas mais diversas trans- formagées tanto em seu modo de ser entendido como em funcdo de mudangas tecnoldgicas. Foi interpretado como expiagdo e castigo, como funcao de escravos, valorizado como vocacéo e missiio humana, fonte de salvagdo ou alienagdo e modernamente assumiu uma concepedo personalista, Do ponto de vista tecnolégico passou por transformagées que vao desde 0 uso da pedra lascada até a informdtica mais sofisticada. Que conceitos foram atribuidos ao trabatho desde seus primérdios até a Idade Moderna? Que mudangas tecnolégicas ocorreram no mundo do trabatho, a partir da Revolucdo Industrial? Que problemas afetam © homem e o trabathador dos dias atuais? * Professor do Curso de Administracao de Empresas do Centro Universitario Franciscano de Santa Maria (RS). Jutho/Dezembro 2001 151 AS TRANSFORMAGOES NO MUNDO DO TRABALHO © trabalho ao longo da Hist6: Na Antigitidade 0 conceito de trabalho quase sempre esteve aliado a uma visdo negativa. A palavra trabalho vem do termo latino tripalium, um aparelho de tortura formado por trés paus aos quais eram atados os presos, condenados ou animais. Dai sua conotagao de tortura, sofrimento, castigo. Para os gregos o trabalho manual era tarefa dos escravos. Para eles a atividade humana se dividia em intelectual e fisica, sendo a atividade tedrica a mais digna. Segundo Platao, a atividade dos melhores homens era acontemplagao das idéias. O trabalho intelectual, (gratuito e livre do contato com a matéria) era considerado digno dos seres racionais e livres. O trabalho manual e fisico, tarefa dos escravos, era ao contrério humilhante. O trabalho intelectual tem a primazia e é nobre, enquanto o trabalho fisico é desprezado. Ao homem livre ¢ racional, que se dedica a tarefa do intelecto cabe 0 cio € a0 escravo compete o esforco fisico. Para os romanos 0 termo negofium demonstra a oposigao entre trabalho e écio. E a negagio e auséncia do lazer. Outra grande corrente que influiu no conceito de trabalho foi a tradigiio judaico-crista. Na tradigao judia o trabalho é uma tarefa penosa e tem 0 carater de castigo. Adio e Eva viviam felizes no paraiso e porque pecaram sfio de I4 expulsos, recebendo como castigo a condenagao ao trabalho: Comerds o pao com o suor de teu rosto ¢ 4 mulher cabe a dor do parto. O trabalho tem, pois, uma conotagao de castigo e expiagiio. No inicio do cristianismo o trabalho era encarado como uma punigao do pecado e como meio de afastar os maus pensamentos gerados pela preguiga e ociosidade. Para os cristos do tempo de Santo Agostinho 0 trabalho devia alternar-se com a oragdo, porém a meditagio e a contemplagao sao colocadas acima do trabalho. O corpo aperfeigoa-se pelo trabalho mas o melhor do tempo deve ser reservado para a oragao € a contemplacao. Sto Tomas de Aquino, na Idade Média, faz uma aproximagao entre 0 trabalho fisico e 0 trabalho intelectual afirmando que todos os trabalhos se equivalem,embora a vistio grega predomine ¢ a contemplagao seja colocada acima da aco. O ora et labora dos monges beneditinos reserva 0 melhor do tempo para a contemplagio que é vista como superior. Com a Renascenga, o homem deixa de ser visto como um animal tedrico e passa a ser visto como um sujeito ativo e nao mais como mero contemplador. Com o inicio das relagdes capitalistas e o desenvolvimento da técnica e da ciéncia, o homem passa a ser encarado sob nova forma bem como suas atividades em relagio A natureza. A contemplagao continua a desfrutar da primazia em relagdo ao trabalho manual, mas este jé ndo tem 152 VIDYA 36 ERMELIO ROSATO a conotagao de escravidao e humilhagao. O contato com a natureza nfo representa uma humilhagao, sendo o trabalho a expresso eo prolongamento do homem, Pelo trabalho o homem torna-se criador. A satisfagdo ndo vem da renda e da afirmago em relagao aos outros, mas vem do proprio trabalho, que tem um valor em si. Com a reforma protestante o conceito de trabalho passa por uma profunda mudanga. Lutero atribui ao trabalho um importante papel na vida. Embora afirme que ele seja conseqiiéncia do pecado do homem, repete Sao Paulo que afirma que todo aquele que tem capacidade deve trabalhar, O écio é prejudicial e a ocupago um modo de servir a Deus. A profissio é uma vocagao € 0 trabalho o caminho para a salvagéo. Cabe ao homem. neste mundo ter ndo apenas uma atitude contemplativa, mas cumprir a vontade de Deus pelo trabalho e pela profissio. Calvino associa o trabalho a idéia de predestinagao. Para ele o homem nasce salvo ou condenado, alguns estdo predestinados a ter éxito, outros a viver na miséria, E vontade de Deus que todos trabalhem e é pelo trabalho que o homem chega ao éxito que o inclui entre os eleitos. Os frutos de seu suor nao devem ser gastos com conforto e vaidades, mas devem ser reinvestidos. Calvino condena a perda de tempo e o esbanjamento da riqueza. Na ética calvinista o tempo tem seu valor enfatizado. A perda de tempo em conversas ociosas, devaneios, vida social intensa constitui pecado porque a vida é breve e preciosa, por isso o homem deve empregar todo 0 seu tempo em servir a Deus. A vida deve ser de trabalho e com ascese. O trabalho afugenta as diividas religiosas e assegura a certeza da graga de Deus. O homem religioso e o homem econémico realizam sua tarefa no mundo e na sociedade. No século XVIII Adam Smith e Ricardo falam de homo oeco- nomicus, 0 homem que produz. Para eles 0 trabalho é a transformagio da realidade e exaltam a atividade produtiva. O mérito destes autores consistiu em considerar o trabalho como fonte de riqueza e de valor. Eles viram 0 trabalho apenas pelo seu aspecto exterior e esqueceram de vé-lo enquanto sentido para o homem. Deixaram de enxergar o homem em sua totalidade e © analisaram apenas enquanto homo oeconomicus. Marx tem uma nogao de totalidade, de homem, natureza e sociedade. Para ele a esséncia do homem esta no trabalho, pois trata-se de um ser que produz. E 0 que o homem produz é 0 que ele é. O ser humano € aquilo que ele faz, O trabalho é expressiio do homem ¢ este deve trabalhar para fazer- se a si mesmo homem. A natureza do homem depende das condigdes materiais que determinam sua atividade de produgao. Julho/Dezembro 2001 153

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