Você está na página 1de 11
. =o, 8 — 0 impacto dos didrios secretos REPORTAGEM DE CAPA Internacional Sobre s Didrios de Hitler - Segundo O aniincio da descoberta dos diarios secretos do Fiihrer gera uma torrente de diividas e abre uma drdua polémica sobre o curso do nazismo Bram $ horas da madrugada do dia 21 de abril de 1945 quando 0 avido Junker 352 prefixo KT-VC de- colou de Schén- walde, — pequeno acrédromo de pis ta de grama a no- roeste da. fustiga da Berlim da fase final da U1 Guerra Mundial, para o que seria seu altimo yoo. Nio muito depois, © aparelho, com armago de metal, estrutura de asas feita de madeira e cobertura de lo- na, se espatifaria sobre um bosque cerca de'200 quilémetros ao sul, perto de Bar- nersdorf, no que hoje € territério da Ale- ‘manha Oriental. Na semana passada, po- rém, mal decomido 0 38." aniversério do acidente, © Junker 352 voltania das sombras do passado para aterrissar com estrépito no Amago da historia do século XX. Vinham a publico, na Alemanha, 4s primeiras revelagdes contidas em uma parte preciosa, secreta e 86 recente- mente descoberta de sua carga — ses- senta volumes de anotagées que seriam © didrio da figura central no elenco de horrores desencadeado no mundo pelo regime nazista aleméo, Adolf Hitler. Os difrios, guardados num inexpugnd- vel cofte do Handelsbank N,W., em 2 rigue, na Suica, sio blocos comuns de 27% 21 centimetros, com espessura mé- dia de 2 centimetros ena maior parte en- cadermados com uma imitagio de couro preto. Eles foram apresentados ao mun- do pela diregdo da revista alema Stern em Hamburgo, no inicio da semar aps 0 que teriam sido trés anos de tensas buscas © pesquisas em varios pai- ses por seu repérter Gerd Heidemann, 51 anos — e 0 desembolso de uma quan” tia no revelada em favor de pessoas que vinham sendo as guardias do mate- rial, cuja identidade a revista pretende rmanter secreta. A publicagao dos primei- 2 ros extratos de seu contedido total — 50 000 palavras manuscritas — pela pro- pria Stern e outras publicagées que Ihe ‘compraram 0s direitos de reproducao j comecou a alterar conceitos que se ha- viam firmado sobre varios episédios da historia da Alemanha, da Il Guerra ¢ da editores Civita | historiadores, especialistas em autentica- ‘¢40 de documentos, vitimas do nazismo © ex-colaboradores de Hitler. Afinal, se 8 didrios forem auténticos, ter ocori- do a mais importante descoberta de do- cumentos inéditos sobre a histéria con tempordinea. Se, a0 contrétio, s¢ desco- brir que foram forjados, o mundo estaré diante do que talvez seja 0 maior © mais ‘ousaxlo caso de fraude histérica de todos (08 tempos. 5 didrios cobrem o perfodo de mea- dos de 1932 — pouco antes da subida de Hitler a0 poder — até duas semanas antes de seu suicidio, a 30 de abril de 1945. Ali, em palavras em geral revest das de grande banalidade, Hitler quei xa-se raivosamente de colaboradores, admira-se de adversérios, como Stain, fala de problemas pessoais, como sua propria digestio © sua relagdo com a | amante, Eva Braun, e sugere novas dire- es para episédios como a retirada dos Sauer em Danger, en 190, Be | se refere desdenhosamente a Mussolini ‘como seu “‘procénsul em Roma’. ¢ a0 | j ex-primeiro-ministro inglés Neville ‘Chamberlain, a quem se acusa de ter capitulado diante de Hitler em ‘Munique, em 1938, aceitando a ces- sdo de parte da Checoslovéquia & ‘Alemanba nazista, como ‘raposs” e “inglés escorregadio" que “qua- se me passou a pera’. E, sobrety do, manifesta uma gelada econo- mia de palavras sobre a marca maior ¢ mais perversa do nazismo — 0 Holocausto de 6 milhdes de ju- deus (veja d pagina 62), FLO FRAGIL — Foi certamente por temor de incorrer numa frau- de, que poria por terra no 36 es: sas consideragGes mas sobretudo sua credibilidade, que a empresa britinica Times ‘Newspapers Lid VEIA, 4 DE MAIO, 1983, abandonou sua _programagio anterior de publicar de imedia- to os documentos em seu se manério The Sunday Times de Londres, pelos quais teria ago entte 750000 ¢ 3. mi- Indes de dolores & Stern. O re uo do Sunday Times foi espe- tacular. Na propria entrevista coletiva convocada pela Stern em Hamburgo para mostrar os difsios, 0 mesmo historiador que na semana anterior os de- clarara auténticos — 0 respei tadissimo britinico Hugh Tre vor-Roper, lorde Dacre, envia do por Winston Churchill a Berlim em 1946 para confir mar o suicidio de Hitler, € que hoje integra a diregao da Times Newspapers. — decla- rou ndo mais estar certo de que 0 material seja auténtico ‘A Times. Newspapers estava escaldada por antecedentes de fraude. O jomnal The Times, de quase bi- centendria respeitabilidade, —incorrera em grosseiro logro em 1969, 20 com- prar-um suposto didrio de Mussolini Pior ainda, em episédio hoje pouco lem. brado, The Times publicow em 1920 com grande destaque um resume dos “Protecolos dos Sabios de Sido” — um suposto plano dos judeus para dominar © mundo, com o auxilio da magonaria ¢ por meio da subverséo de insttuigdes como a familia, Na verdade, tratava-se de um texto fabricado nos porées da po- Ticia secreta do czar da Russia no inicio do século para desmoralizar 0s movi- YEJA, 4 DE MAIO. 1983 debate na sede da Stern: 0 prestigio em jogo. ps um trabalho de trés anos (© banco, em Zurique: tudo guardado mentos revolucionérios em curso no pais, recheados de militantes judeus. AS razbes de Trevor-Roper para duyi- dar da autemticidade dos digrios de Hi tler, porém, eran mais imediatas. Ele explicou inicialmente que, enquanto exa- minava o material numa sala do banco em Zurique, acreditava que a diregao da revista havia checado por sua conta a in- formagéo do repérter Heidemann sobre quem era a pessoa ou pessoas de quem comprara os documentos, ¢ dew seu pa- Tecer sobre sua autenticidade, Mais tar- de, porém, se deu conta de que Heide- mann nao passara essa infor rmagao sequer para seus supe- riores — embora tenha recebi- do deles total credibilidade. Com a ligagéo entre 0 avido € Os papéis tida como "“frégil”™. Trevor-Roper passou a consi derar_insuficiente 0 cxame que ele proprio fizera dos do- eumentos. Numa sala no ban- co em Zurigue, 0 historiador percorreu nio apenas os di: ios. mas dois outros. volumes contendo a versio de Hitler so- bre 0 desembarque de seu “delfim” Rudolf Hess na Gra-Bretanha, em 1941 (veja 4 pagina 58), ¢ sobre 0 atenta- do contra sua vida, em 1944, além de cartas, outros paptis. objetos pessoais © mesmo pin: turas e desenhos — mas adm tiu gue nio the foi concedido tempo suficiente para ler os documentos 53 A rota do diario perdido ‘Oukto Junkers 352 levando os papel pessoas de tl decoou e Bertin rro eSalaburgo, sae cals pert de Bimeradard exteritro got tol pertence&Alemanha Oriental Manigue ershtesgaue’ TATE DE GORING — Embora Stern nao tenha satisfeito a0 historiador brité- nico € @ muitos entre a multido de jor- stas € especialistas que se acocovela: vam na sua sede na semana passada, 0 fato & que hi uma fartura de detalhes s0- bre como a revista chegou aos papéis A proeza coube 40 reporter Heidemann, As primeiras pistas apareceram depois ‘que Heidemann tina chegado a um ex tremo de extravagincia, no atendimento a seu hobby de colecionar reliquias b toricas, Em 1973, ele vendeu sua pro- pria casa em Hamburgo para comprar 0 jate Carin 1. que fora dado de presente pelo empresariado alemio, durante 0 II] Reich, a0 marechal Hermann Goring comandante da Luftwaffe, a Forya Aé rea. Restaurado, 0 iate comesou & atrair nostélgicos do Ill Reich para visitas e, logo, para proveitosos cruzciros com 0 repairer. Entre essas visitas contavam-se exgencral Karl Wolff, que fora adjunto do chefe das SS, Heinrich Himmler, © que protagonizou 0 rendimento das for: gas alem@s do sul aos americanos, em 1945, € 0 ex-general das SS Wilhelm Mohnke, sltimo comandante da seguran- {ga do bunker de Hitler em Beslim. Das Conversas com esses ¢ outros persona- gens, Heidemann ouviu falar pela pr meira vez da “operagao Serail”” — no- ‘me inspirado no titulo de uma épera de Mozart —, destinada a transferir secreta- mente Hitler, seus documentos ¢ toda « cépula do regime nazista do bunker na Berlim ja sitiada por 6 000 blindados so- Vieticos para o “nino da Aguia’’. 0 re O late de Gorinj fligio do Fuhrer em Berchtesgaden, nos Alpes Bavaros, no muito distante de Salzburgo, na Austria Da primeira revoada de dez avides fem diresa0 a regido de Salzburgo, um desapareceu sem deixar vestigios — Heidemann recebeu de sus convidados algum indicio de que justamente este, pi- Totado pelo major Friedrich Anton Heidemann e ‘0s didrios: mantendo os seus contatos em segredo " ponto de partida que levou aos didrios em Bornersdorf Gundifinger, é © que conteria os papéis pessoais de Hitler. A informacéo fazia sentido se comparada a0 relato feito rum livro de 1956, escrito pelo ex-pilo: to-chefe de Hitler, Hans Baur, dando conta do profundo abatimento do dita- dor quando soube do desaparecimento do aviao. No final de 1980, ja tendo jun- tado uma série de pegas do quebra-cabe a, 0 reporter chegou a0 veio principal pelo mais corriqueiro dos expedientes: discando 0 telefone 419040 de Berlim Ocidental, nimero de um organismo do governo que armazena informagao sobre soldados motos na guerra, Heidemann inguiriu sobre Friedrich Anton Gundifin- ger. A resposta veio na hora: 0 piloto fo- ta enterrado no dia 21 de abril de 1945 perto de Bomersdort, uma aldeia proxi ‘ma a Dresden, na hoje Alemanha Oricn- tal. Heidemann foi até la. Num canto dis- tante do cemitéri da aldeia, ele achou os timulos de dezesseis soldados ale- mies, cada um marcado com uma cruz de madeira trazendo uma plaqueta esmal- tada. Em uma delas, estava escrito: “Friedrich Gundltinger, pilota”” Farejando o tesouro’proximo, Heide. ‘mann fez indmeras outras visitas & aldeia e comecou a ouvir gente, En. controu testemunhas da queda do avido ainda vivas, viv pedagos do Junker em poder de velhos moradores ¢ ouviu a informagao bésica para o prosse guimento de sua investigacao: ao cair 0 avido ficou destrogado, mas nem to da a carga fora destruida. Logo ficou sabendo que um des- tacamento nazista che VEIA, 4 DE MAIO, 1983, ‘gara 20 local imediatamente apds a que- da do aviio fumegante. Recolheu, en- fim, depoimentos sobre © contelido de sua carga. Havia, entre os destrogos. de- senhos dos pais d2 Hider e de Eva Braun, objetos pessoais do Fuhrer © © que mais inceressava: uma eaixa de me- tal cheia de cademos com 2 anolagdo “Propriedade do Fubrer’ Dai por diante, Stern espalhou o mé imo de fumaca na pista da historia jem a revista nem Heidemann dao qual: quer indicagio sobre © destino que to: mou a caixa de metal apés ser retirads dos destrogos. Recusaram-se, também, a dar qualquer indicio sobre a pessoa ou pessoas com quem os documentos fic: ram retidos, durante esses 38 anos, co mo Heidemann chegou até esta fonte ov quanto foi pago em troca dos documen paginas foi rubricada pelo proprio Hi- ler, por Hess ou pelo lugar-tenente. do Fuhrer, Martin Bormann. "E uma gigan- tesca quantidade de trabalho falsificar tanta coisa’, ponderou 0 editor-chefe de Stern, Peter Koch, "“E por que 0 nome de Hitler seria colocado ao pé de cada pa gina, quando assinaturas falsficadas po- dem ser detectadas tio facilmente?”” ‘Além disso, Stern tinha do lado da te- se da autenticidade uma respeitavel for- muagao de especialistas, comegando pe- los twés que, a pedido da revista, tive- ram acesso direto a0 material, Um deles foi Ordway Hilton, 69 anos, 0 homem que descobriu hé dez anos a falsa “‘auto- biografia’”” do falecido bilionario Ho- ward Hughes (veja 4 pdgina 56). “Os sspécimes de texto examinados sa0 de Hitler", decretou Hilton. Também o Rendell: ‘Parte dos documentos pode ser genuina, ¢ o resto uma falsificagi tos que faziam estremecer 0 mundo na semana passada — e que Stern, nesta se- mana, comegaré a publicar na integra, ‘comecando por vite semanas dedicadas ao caso Rudolf Hess, DISPARATE — Diante da monumentali dade do feito proclamado pela revista surgiu naturalmente uma penca de ques ties, As dividas ¢ desconfiangas desper- adlas mundo afora sobre « autenticidade do material, porém, opunha-se uma con- sideragao fundamental. Para qualquer fal sifieador de hom senso, seria um dispara- te forjar tal volume de material ~~ os ris- cos de descoberta da fraude ficariam ‘grandes demais, Trata-se, afinal, de se senta cademos de anotagées. fcitas mio, com 50 000 palavras — cerca de 5.000 finhas —, sendo que cada uma das. VEIA. 4 DE MAIO, 1983 professor americano Gerhard Weinberg, um ex-refugiado do nazismo que autenti cou 0 célebre testamento pessoal feito por Hitler em 1938, vai nessa diregao. Contratado pela revista americana News week para examinar os documentos ¢ opinar nas negociagdes — finalmente ‘no concluidas — para a compra do ma- terial, Weinberg inclinou-se com caute- la pela autenticidade, embora defenden- do a necessidade de mais pesquisas a respeito, Kenneth Rendell, também a servigo de Newsweek, consideroa que “parte dos papéis — os dos cinco pri- meiros anos, talvez — € genuina, parte pode ser uma fraude. Do outro lado da trincheira, uma vas- ta bateria de historiadores © pessoas de alguma forma envolvidas com o proble: ‘ma pendiam para 0 ceticismo ou a diivi- a abera. Fizeram-no, de um lado, por consideragées caligraficas © outray de ordem técnica. De outro, pelo fato de que, apesar dos extraordindries esfor 0s realizados 20 longo dos anos para recolher cada fiapo de intormagio. so bre Hitler, nunca ter aparecido sequer insinuagao de que ele mantinha um dis- no. Pelo contri, memérias de ex-em pregados, secretérios © outros. assisten tes do ditador, varios dos quais se ma- nifestaram na’ semana passada, sempre cnfatizaram sua ojeriza a escrita c Sou hébito de ditar pensamentos — a come- «ar pelo proprio livro-base do nazismo, © Mein Kampf, ditado por Hitler a Ru- olf Hess enguanto cumpria pena de prisio, em 1924, Mesmo. sem manu sear 0 material, mais conhecido histo- riador da Il Guerra Mundial, 0 america- “ Seite, Fest: dividas sobre a autenticidade no William Schirer, estimou tratar-se de uma “"provivel farsa’’. Também ne- garam autenticidade aos didrios dois dos principals € mais respeitados bid grafos alemaes de Hitler, Wemer Ma sere Joachim Fest, “’Nao acredito nu- ma dnica palavra na historia de Heide- ‘mann’, desdenhou Fest, Segundo ele, material virtualmente idéntico a0 agora divulgado Ihe foi oferecido és anos ards por “um homem que vive em Wirtemberg”, Fest recusou a oferta por considerar que se tratava de um Conjunte fraudulento que continha em seu bojo papsis auténticos. EVITAR © MITO — Hé mesmo una corrente gue julga ter identificado a ori ‘gem € os propésitos da eventual tals cagio — 0 governo da Alemanha 5s Pa Fang age ce ieee An DP eR £X amie Bk py ee a a yen mf OF? ffir a ¢ LLB © primeiro texto, em 1932 (4 es9.), €0tiltimo, em 1945: “‘preservar para a posteridade”” uma imagem e forjar um novo mito Oriental, que sabidamente mantém em Potsdam uma central de fabricagao de documentos atribuidos ao periodo nazis- ta com 0 duplo objetivo de embaracar politicos do lado ocidental e obter di- nheiro por sua venda. No caso, & Alema- tha Oriental € 20s. servigos. secretos comunistasinteressariademonstar, através de algum trechos do diario de Hitler — como sua aparente tentativa de negociar em separado com a Ingla- terra—, que 0 Ocidente deixou de con- siderar chances de encerrar a I Guerra, prolongoy 0 sofrimento dos povos en. Yolvidos ¢ detém a responsabilidade his- torica pela divisio da Alemanha. Scja ‘como for, em nada esté ajudando a es- A ardua anilise das nuancas de uma assinatura Para 0 grafologo americano Ordway Hilton, de 69 anos ¢ 45 de profisséo, que ostenta em seu curri- ‘culo o parecer de que «famosa *‘au- tobiografia”” do milionério Howard Hughes era falsa, nao resta duivida: toda 4 batelada de documentos, car- tas ¢ fotos autografadas que a equi: pe da revista Stern Ihe submetera pa- ta avaliagéo sio indi clarecer os fatos @ atitude de Stern — revista € reticente em submeter 0 mate Tial a amplo exame © se recusa a falar fos intermedidrios entre a papelada © seu repérter para, segundo diz, ‘‘prote- ger cidadios do’ bloco oriental’. que ajudaram no caso. Se preservar a inden- tidede destes significa manter na_sor bra amtigos criminosos nazistas, esta co- locada uma séria questdo ética para a revista, Nem Stern nem ninguém, além disso, conseguir explicar por que al: guém, de posse de material tao valio- 50, teria deixado de negocié-lo antes de decorridos 38 anos. Mas a possibilidade mais intrigante & ‘de que eles sejam simaltaneamente docu- seguido por um ziguezague de letras em queda. Embora essas caracteristicas, nos didrios secretos, tenham-se_mantido intactas ao longo dos anos, percebe- se uma inguestiondvel evolugio em diregio a uma rubrica ilegivel, entre (os primeiros e os siltimos documen- tos. Se, em 1932, a palavra “Hi ter" ainda era reconhecivel, em 1944 — ou pelo menos em uma ver- sf daquele ano — 0 mesmo nome vira uma pasta de tragos apertados ¢ caidos. Essa brutal diferenca em na- da impressiona os especialistas em rmentos verdadeiros ¢ uma manipulagio, Ou scja, foi Hitler quem os escreveu — dizendo, logo nas primeiras linhas, dese- jar ““preservar para a posteridede’” scus Pontos de vista —, mas pretendendo dei- xar de si para a Histéria uma imagem moldada a sua mancira, em especial a0 virtualmente passar por cima da enucial ‘questi do Holocausto. “Ele registro aquilo em que desejava que a posterida- 4e acreditasse”, observou um dos histo- riadores que extminaram o material, “e sem divida omitiu 0 que nao pretendia que fosse percebido’’, Em tal caso, cabe- 1 a0s historiadores evitar que Hitler, 38 anos depois de mort, crie uma vez mais uum mito sobre si proprio. grafologia, pois ela apenas reflete a ‘evolugao geral do signatério, ‘© que, para um leigo, poderia ser considerado mais suspeito — a fron- tal diferenca entre duas assinaturas do mesmo ano (veja os dois quadros abaixo), também nio € forgosamente indicio de fraude certa. © problema, no entender de Charles Hamilton Jr., ‘© maior negociante em cartas e auté- srafos de celebridades historicas, esté no fato de que Hitler & a personalida- de de escrita mais falsificada do mun- do, depois de Abraham Lincoln. Ha- milton, que acaba de concluir uma obra de 800 paginas | cutivelmente da auto- tia de Adolf Hitler. Durante duas semanas ele se debrugou sobre a singular assinatura do Fuhrer, onde o “Adolf” mais se asse- melha a dois mimeros speliiados, © 0. SH” de “Hitler” vern 56 oe 1932 coo 1933 quatro tempos: a de seriam do mesmo ano A assinatura do Fithrer em cima ¢ a do alto a esquerda ‘em dois volumes intitu- lada Autdgrafos do Ter- cceiro Reich, recebe pe- lo menos uma falsifica- ‘glo por més atribuida a Hitler. Sua conctusio, sem ter manuseada os originais: “*Definitiva- ‘mente, essa no € a le- trade Hitler” VEIA, 4 DE MAIO, 1983, O nazismo revisitado Ja em seus primeiros trechos, os didrios dao novos contornos a episédios importantes do periodo nazista A. serem realmente de Adolf Hitler, os textos agora divulga: dos impoem aos estu diosos uma tarefa inevitivel — a de re- compor, Jd com no- vas informagdes, at guns episddios cru. ciais da histéria do nazismo ¢ da pré ria It Guerra Mundial. A seguir, ex ‘ratdos das primeiras revelagdes. dos | na passada, os principais casos sobre 0s quais 0 testemunho do Fithrer joga 2 ou lanca diividas: GA As manifestagoes contra 0s judeus passam das medidas. ‘Que pensaréo no exterior? 9¥ ! i Noite dos Crista” constituiu um | exemplar atestado do édio pelos ju- || deus que Hitler sentia e estimulava — uma pedra basilar, e sinistra, de todo © periodo nazista’v tha, Nessa noite. a 10 de novembro de 1938, hordasnazistas saicam as ruas de Berlim indignadas, para. vingar a more, em Paris, de um diplomata ido pela Alema- 38 do Reich assassinado por um jovern ju deu polonés de 17 anos. Em algumas hhoras de absoluto vandalismo, 35. ju- deus foram mortos, milhares de outros detidos, 119 sinagoges destruidas. cer- ca de 7 500 lojas invadidas e depreds- das — ¢ os vidros das vitrinas, estilha sgados no chido, carimbaram 0 episédio Com seu triste titulo. Os didrios de Hi- ter trazem surpresas & respeito: reve lam um Fihrer insatisfeito com as di- ‘mensoes da vinganga @ aparentemente sem o controle pleno da méquina na zista, “Nao € admissivel, com todo es- se yidro quebrado, que nossa econo- mia, por causa de alguns cabecas ‘quentes, perca milhoes @ milhies"’. re gistra 0 didrio, ““Esses homens fica Fam loucos? O que vo pensar no ex terior?” Hitler, conforme 0 texto, bra- ‘dava apenas contra os prejuizos econd- micos, as repercussbes desfavoraveis Todos os mistérios se cruzam no homem de Spandau Nos subtirbios de Bertim Oviden tal, passeando solitirio entre drvores menses da prisdo de Spandau, onde esti encarcerado hi 37 anos, vive um hhomem que talvez saita tudo, inclusi ve se 08 difrios de Adolf Hitler sio Verdadeiros: Rudolf Hess. Hess, for- smalmente vice-Fuhrer & época de Hi Uer, hoje com 89 anes, € 0 tinico dos bbardes do periodo nazista ainda vivo — exceto, eventualmente, pelo asses sor pessoal de Hitler, Martin Bor- mans, que desapareceu na queda de Berlim em 1945 ¢ cujo destino, desde entdo, perdeu-se em misiério. Além disso, 20 lado de Bormann e do pro prio Hitler, 96 Hess rubricou algumas folhas dos diitios agora. revelados Por fim, Hess é o mais indicado para cesclarecer a louca aventura do desem barque de um alto chefe nazista — ele mesmo — em plena Gri-Bretanha de 1941, no meio da guerra, quando pulou de péra-quedas na BscOcia para no exterior ¢ a autonomia dos grupos ‘mais radicals que foram além do plane- Jado. Mas € significative, também, ‘que nas demais 50.000 palavras dos didrios do haja uma nica frase do Fuhrer sobre 0 exterminio de judeus Ele cita em certos momentos “solu- des" como retirar da Europa as popu: ss de origem judaica para observar fem seguida que “ninguém vai recebe- tos’. Comenta depois a idéia de hes dar um territ6rio na, Hungria, Essa dtima idéia reaparece numa fra- seem 1942, quando o general da SS Reinhard Heydrich informou & edpula razista sobre *‘a solugio final para 0 problema judsico” — ou seja, o exter- ‘minio em massa. Mas Hitler em seus digrios trata desse encontro com econo- ‘mia de palavras: seria preciso encontrar Maleum lugar no Leste da Europa’, es ereveu, onde os judeus “pudessem ali- mentar se sozinhos”. Para quem usou 0 anti-semitismo como mola-mestra de seu regime, 0 empenho em dissociar-se do exterminio sistemstico de milhbes de pessoas ¢ ainda um fendmeno espera de explicayio plena, embora seja viivel que tentasse fabricar uma imagem para 2 Historia — ¢, de todo modo, ninguém question sua plena tesponsabilidade pe- To Holocausto (veja a pagina 62) propor uma paz em separado com a Inglaterra — cujo governo, em segui- da, 0 teancafiou na Tarte de Londres Ao final da guerra, foi levado a julga- mento com outros chefes nazisias no Tribunal de Nuremberg condenado 4 prisio perpétua ‘Hess com Hitler (em 1940) € ‘em Spandau: a tnica testemunha, proibida de falar YEIA, 4 DE MAIO, 1983 ~ , &&Eva teve de suportar muito sofrimento. Para os médi- cos, foi uma gravidez nervosa. E Eva acredita em aborto. Ela precisa tanto de mim, e tenho de deixd-la sozinka.9¥ ee (By privada de Hitler sempre int 20 historiadores € psicdlogos — sua timidez nas relacdes pessoais © a es ceassa presenga de mulheres em sua bio- grifia nada fefletem do lider que nie conhecia limites ¢ arrastava muitiddes a0 delirio, A imagem do homem fecha- do. j& cxistia nos primeiros contatos com seus camaradas no Exército, dian te dos quais ele passava por um misogi- no, Ela foi acrescida, com o tempo. de histGrias sobre sua impoténcia e tendén cias a perversio sexual. Até meados dos anos 30, seu tnico caso amioroso importante nto ajudava a mudar esse quadro — era a relagao com sun pro- pria sobrinha Geli Raubal, que acabaria no suicidio da jovem. Os textos dos digrios secretos, se ndo modificam es ‘encialmente essas impresses, a0 me= nos estabelecem dimensies mais nor mais & vids emocional do ihrer: ele se mostra temo com Eva Braun, a © balconista de uma loja de Munique 23 ‘anos mais nova que ele, ¢ que por do: ze anos foi sua amante. € com quem ele se casou horas antes do suicfdio de arabais, a 30 de abril de 1945 "Eva tem sofrido muito’ didrio em meados de 1940, quando ela teve um sabito problema médico. “De acordo com os médicos, foi so uma fal: sa gravides, mas ela esti convencida de que foi um aborto”, escreve Hitler. num texto onde, por sinal, transparecem seguides erros de pontuagdo ¢ de orto: grafia. Hitler lamenta entao que seus afazeres — naquele periodo ele estava atolado nos preparativos para a invasio da Franga — 0 mantivessem longe de Eva. Em outros trechos. transparece uma relagio mais significativa entre os dois — e nio o papel marginal que hahi tualmente se atribuiu 4 joven: Hitler a chama freqlentemente © preocups quando ela nao esta bem. registra 0 Por extrema ironia da Histéria, con- tudo, Hess no pode falar sobre ne- fohum assunto relative & guerra. por forca dos regulamentos da prisio im- postos pelas quatro poténcias. ven doras da IT Guerra Mundial — Esta: dos Unidos, Unido Sovigtica, Ingla- VEIA, 4 DE MAIO. pas terra ¢ Franga — que a administam Nessa prisin. onde estd desde 1946, € vedado a Hess falar de qualquer tema politico, mesmo com seu filho, Wolf- Riiger, que o visa uma’ vez por tnés, Essa proibigho valeu no ultimo dia 26, seu aniversrio, quando Wolt fez a visita mensal Sob as condigoes © no cenro de sem pre: separados_ por tia enorme mesa de mogno,.inspe tionados por qua tro coroneis — um rasto, um frances tim inglés eum americano, que s¢ fevezam na" die: ode Spandau ram ‘por’ 1. hora fem S¢-poder to tar. Nao hd tédio nem felevicio © on jornaischegam tos politics, J Hess €0 cline 3 prisioneiro em Spandau, desde que. em 1966, 0 ex: ministro’ de Armamentos do M1 Reich, Albert Speer, completou os vvinte anos de sua pena e foi libertado. Ali -dispde de vito médivos, 1 muito sobre atividades espaciais e. sem 0 su ber, volta a ter um papel central: ele & tema exclusiva de um volume anexo aos recém-revelados disrios. Sua aventura inglesa pode agora assumir foutra configuragdo — 0 historiador americano Gerhard Weinberg. que (e- ve acesso us textos, concluiy que “foi Hitler quem decidiu permitir que Hess viaiasse"”. Se isso se confirmar. a ira de Hitler na época contra Hess. a0 saber do v6o, nao teri passado de tencenagio — ¢ a tese de que # Alema- nha queria uma alianga com a Ingle terra, que Ihe permitiria atacar com forga total a URSS. teré de ser estuda- dda mais seriamente. Da parte britim ca, a colaboragio para esclarecer a | cartada de Hess € impossivel — uma fei sobre sogredos de Estado, de 1941, estabeleccu que os documentos relativos & chegada e as escassay en trevistas de Hess com um diplomata deverio ser mantidos secretos por anos, ou seja até 0 ano 2016, 9 4&Esses ingleses me parecem um verdadeiro quebra-cabeca. Deverei deixd-los esca- par (de Dunquerque) ou néo? Qual poderd ser a reacdo de Winston Churchill? Ess em pernunta crucial, que cor fundo em toneladas de anilises © es- tudos espalhados pelos livros sobre a 11 Guerra Mundial, a respeito da historica retirada de Dunguerque. a 24 de maio de 1940, na qual 340 000 soldados aliz~ dos, entao cereados na Franga pelas vito- riosas forgas invasoras da Alemanha, conseguiram escapar por mar de um massacre, em diregio @ Inglaterra. Em sua frase contida nos didrios, Hitler su- gore que a decisio de nao massacrar os aliados 2 maioria deles britdnicos — pode ter sido de sua Gnica responsabili dade, nao de seus generais. e que bro- tou de motivagdes politicas. no milita res, Em Dunguerque, porto do norte da Franga, apés um ripido ¢ avassalador ataque ¢ ocupagdo da Bélgica, Holanda € ds propria Franga, Hitler encurralou amplas forgas britanicas, belgas e fran- cess, Os tangues do general Heinz Gu derian aguardavam apenas ordens de Berlim para aniquilar o inimigo, total ‘mente sem saida — exceto o mar — mas a ordem que chegou dia 24, € que deixou os generais alemaes estupetatos cra paralisar os tanques onde estavam. sso dea tempo a gue os aliados fortale cessem a cidade e organizassem a retira- da — que se arrastou, confusa e dramsti cca, por viiios dias, “Essas ordens da cl. pula nao tém nenhum sentido”, queixa- va-se 0 general Franz Halder. Quando fos ailemies.enfim atacaram, homens € armamentos ji estavam a caminho da costa britdnica, num colossal comboio de 900 navios, bareos, lates particulares ~ tudo 0 mais que foi possivel ames: thar. A operagao preservou de modo vi tal as forgas aliadas para a tutura inva- io do continente ‘A polémica entre militares alemdes, tna época, foi furioss, © a participago de Hitler na deciséo jamais ficou inteira- mente clara, Até agora tem-se atribuido a medida a0 marechal-de-campo Gerd von Rundstedt, comandante supremo da invasto dda Franga, ¢ a marechal-do-ar Hermann Gieing. O primeiro teria queri oo do descansar as tropas ¢ preservar os tanques para a ocupacéo final da Fran sa. O segundo pretenderia para a_sua aviagdo — a Unica que fustigou Dun- queryue — a gloria de palverizar o ini migo. Hitler teria cedido & pressio de ambos. Os didrios parecem indicar que a0 invés disso — ou, além disso — ele simplesmente estava fazendo politica ¢ poupando os ingleses para abrir cami fnho a um futuro tratado de paz. Esse tra- tado seria fundamental para que — a0 ‘menos provisoriamente — a Alemunha, neutralizada sua frente ocidental, tives se mos livres para invadir a Unido So- vigtica, como o faria sem esse conforto, &GEsse camponés vethaco. Com sua sede de poder, el aprenderé a me conhecer. ¥ ameaga era dirigida a Heinrich Himmler, © poderose chefe da Gesta- po e da SS da Aleman nazista —e ba seava-se na suspeita de Hitler de que 0 seu imediato havia tentado um compls contra ele. no atentado praticado dias an tes dessa observacii ser escrita no did- rio. a 8 de novembro de 1939, numa cer- vejatia de Munique. “Ndo consigo afas- tar a impressao de que Himmler teve al- go a ver com isso”, escrevia Hitler a 11 de novembro. “‘Ordenei uma investiga ao severa.”” A frase desperta urna intri= Bante questo: como foi possivel, a al- guém todo-poderoso e de génio iraseivel ‘como 0 Fuhrer, habituado a demitir e até furilar generals ou assessores. manter Himmler ao sew lado e na plenitude do poder ao longo de toda a guerra, se de fa fo desconfiava tanto dele? A mesma questio se coloca em relagdo & ouiros ‘membros de primeira linha da corte na ista. “O pequeno Goebbels’. registra 0 diario a respeito do ministro da Propagan- da, Joseph Goebbels, “tem ainda casos com mulheres. Baixarei um decreto proi bindo meus colaboradores ¢ os chefes do partido de qualquer tipo de ligacao. Sua irritagdo devia-se, no caso. aos Tu mores gue corriam em Berlim, na época. de que Goebbels estaria prestes 1 sepa: rarse de sua mulher para ir viver com uma artista checa pela qual se havia apai- xonado, Lida Baarova. Eyses trechos dos dirios secretos reve- lam que as explosées de colera do lider hazista produziam resultados diferentes, cconforme as pessoas a quem se dirigiam. Blas significaram o fim para Emst Rohm, 0 eriador © chefe das infames SA, milicia de apoio ao paride que che- gou a congregar 3.5 milhdes de homens — Rohm, um companheiro de primeira hora de Hitler na organizacio do movi- mento nazista, foi preso por ele e fuzila do sob ums forjada dendncia de traigdo, em 1934, Mas o rancor registrado nos didrios. nao funcionava. pars outros ho: mens a sua volta. mesmo que sobre eles recaissem suspeits igualmente graves, como a de organizar golpes de Estado, 0 que teria levado Hitler a toleri-los. sa bendo por exemplo que Himmler e Goeb- bels mandavam espionar até sua amante Eva Braun? As respostas A mao sio es- coassas, Uma possibilidade € que © poder VEIA, 4 DE MAIO. 1983 de Hitler dentro da intrineada miqui- rna do Reich nazista tenba sido menos ab- soluty do que se supde. Pode-se expecu: lar, também, que no caso especifico de Himmier o Fihrer 0 mantivesse para a execugio do “trabalho sujo"”, a violén- cia ea colossal rede de terror que as SS espalharam por toda a Europa — quem sabe com a intencdo de dissociar formal- mente seu nome de tais ocorréncias, Em eonseqiigneia dese comportamen- to, 0 Fahrer acabou reservando para um linico de seus auxiliares imediatos — 0 assessor pessoal Martin Bormann — um dos eseassos elogios que até agora trans- Piraram dos sessenta volumes dos did- Tios. “Este homem, Bormann’’, contes- sava num de seus derradeirus depoimen- tos, praticamente cereado em Berlim, em marge de 1945, “tornow-se indispen- sdvel para mim. Se eu tivesse cinco Bor. mann, ndo estaria agui agora.”’ De qual 4&Preciso de novos oficiais, os velhos nao me obedecem. Co- ” ‘mo Stalin os conseguiu? — quer modo. a intolerdncia de Hitler tam. bem estava longe de ter resultados priticos imediatos no relacionamento com seus ‘oficias. que tanto criticou e com os quais. enfim, conviveu até o tim. "Preciso de uais de novos oficiais superiores” regis- tra o diario em 1942. "Os amigos se co ren de medathas may nio me obede- cem.”” A esse tespeito, 0s documentos in: dicam gue Hitler se espantava com 0 suces= so militar de Josef Stalin, conseguive”, pergumtava ele apis invadir 4 Unido Soviética, destruir 0 Exéreito. so- viético © ver um nove Exército em pé, ¢ 0 ‘ataque, capaz dle der ~ como aca ou ocorrendo, Eu acreditava que is offeiais, e no eman: to ele tomou as decisdes necessirias Gy Vitimas da “‘solugao final” importante de fato é 0 que Hitler fez Hitler e o Holocausto Ser tao importante rastrear ordens escritas do Fiihrer ordenando 0 genocidio dos judeus na Europa? © que © mundo real mente quer de Hitler € uma confissao. Nao queremos um pedido de desculpas: de to- das as possibilidades colacadas pela desco berta dos documentos que seriam os didrios de Hitler, 2 menos provivel ta forma a mais perturbadora — € a de que ele viesse a lamentar o que fez. Na verdade, se pudéssemos trazer Hitler de volta para responder a uma tinica per- gunta, nés escolheriamos para apresen: é-la uma mae que tivesse visto seus fi- Thos morrer em Treblinka ow Auschwitz — ¢ Ihe solicitasse a admissio do mons truoso mal que fez. 20 mundo, Nossa necessidade & confrontar 0 mal. vé-lo em todas as suas (rés dimen- ses, may a maioria dos subordinados de Hitler chegou as portas da morte mur murando explicagaes obscurecidas por uma névoa de eulemis mos ¢ justificativas. Ji em Hitler pode- ‘mos esperar encontrar o mal puro e cris talino, to incandescente come as cha- mas do inferno = nazista que nao pode alegar que apenas obedecia ordens Mas ele dava mesmo todas aso dens? Os que manipularam as disrios re fatam que ali virtualmente ndo hé refe éncias aos campos de exterminio, ne nhuma evidéncia de que Hitler pessoal mente qutorizou o massacre organizado dos judeus, ou mesmo estava plenamen- te ciente do que li ocorria. Nas datas ert ticas da formulsgao da ““solugdo final” eufemismo nazista para o ext dos judeus — os dirios agora descober- fos registram apenas anotagdes rotine! ras de encontios e conferéncias. Estudio com suas. culpas EIA. 4 DE MAIO. 1983 305 do. periodo hé longo tempo tém-se inrigado com a auséncia de uma ordem eserita de Hitler relativa a ““solugio fi ral”. Por isso mesmo os dirios colo- cam uma perturbadora questi para os historisdores. Seria possivel que o maior eriminoso da. Hist6ria.estivesse preocupado demais com sua digestio © a8 pequenas rivalidades entre seus assis- fentes para notar que estava matando 6 milhdes de pessoas inocentes? Alguns dos que examinaram os pa- péis acreditam que Hitler estivesse prote geno seu nome para a posteridade uo, cinicamente. fingir ignordncia da “solu fo final’. Pode ser também que Hitler simplesmente tenha decidido fechar sua mente para o assumto fundamentalmente desapradavel do exterminio macico de seres humanos. Ate conde se sabe, Hitler nunca visitox ur campo de concentra gio € parece munca fer sequer falado de Tes. Ele ndo- seria na cealidade, um ico © sua recusa fem confrontar fatos que the desagrada- vam era bem conhe- cida, especialmente por seus generais, DESAPARECE A. TRILHA — Mas se os didrios, aié on- de se sabe, nio se referem & ‘solugio final”, € certo que os. judeus figuram eles. O professor Gerhard Weinberg. da Universidade de Carolina do Norte nos Estados Un dos, um dos. poucos que viram os do- cumentos, acha que eles confirmam o “papel central!” do anti-semitismo no penxamento de Hitler. "'Sua_preocupa G80 esta ali o tempo todo”, diz Wein- tere. “Tudo € culpa dos judeus.’” Ou- {10s que tiveram acesso aos papéis no- tam que Hitler culpava os judeus espe- cialmemte pela entrada dos Estados Unidos na guerra — um evento que fonies mais objetivas relacionam natu talmente a0 atague japonés a Pearl Harbor — e que a tendencia de ver os judeus como a raiz de todos os proble- mas para Hitler aumentou i medida fem que a situagao militar da Alema- nha fornou-se sem perspectivas. Praticamente todos os historiadares que estudaram os aryuivos VEIA. 4 DE MAIO, 1988 do Ill Reich conclufram que nada de importante poderia ter acontecido na Alemanha nazista sem o conhecimento de Hitler. E pelo menos um documen- to capturado pelos aliados & significati- vo. Um relatirio de Heinrich Himmler. comandante das SS, enviado a Hitler no final de 1941, dava conta de que os Einsatzeruppen (comandos que acompanharam o avanco alemio sobre a Unido Soviética e eram encar- regados de massacrar_judeus) haviam matado exatamente 363211 judeus en tte agosto ¢ novembro daquele ano —~ certamente um iimero suficientemente expressivo para nao se evaporar da me: moria de Hitler. Esti mais do que comprovado que em outubro de 1941 um comandante da SS chamado Rudolf Hoess, subordinado a Himmler, que era diretamente subordi- nado a Hitler — e sem nenhum parentes co com Rudolf Hess. 0 “deltim™ de Hi ler, aquela altura j4 preso na Inglaterra (veia 4 pagina 58) —. estava preparan- do Auschwitz para funcionar como um campo de exterminio, Mais de trés anos depois, em seu altimo testamento politi co, Hitler, dirigindo-se a uma Alema- nha em pedagos. ainda exortaya a que se mantivesse uma “oposicio sem tr guas a0 envenenador de todos os povos, © judaismo internacional” Ainda assim a wrilha de papel que li- garia Hitler diretamente 2 uma ordem para exterminar os judeus nunca foi completamente tragada, Em algum pon- to na cadeia de comando entre Hitler © Adolf Eichmann cla desuparece num emaranhado de atribuigdes. superpostas € simples mentiras. Mas alé que ponto isto sctia realmente relevante? Alguns historiadores, como Raul Hilberg. espe- cialista no Holocausto, considersn ente’” tracar a exata

Você também pode gostar