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Porto, 25 de Fevereiro 2006 PSICOGENESE DA IDENTIDADE PESSOAL COMUNICAGAO E PESSOA INTRODUGAO. Quando, nos anos cinquenta, iniciei os meus trabalhos como Psicoterapeuta, era uma época em que imperava a visto dita cognitivista, pouco adaptada aos casos que tinha em méos de Perturbacéo de desenvolvimento global - criancas opontades como autistas, paraliticas cerebrais, atrasadas profundas, etc. Entdo, pela observactio directa sistemética, pesquisava o relacionamento, tal como ele ocorria entre nés, que me Parecia a chave ¢ 0 factor determinante da estruturagdo da identidade que desejava promover. Ou seja, enquanto Piaget dedicou a sua obra a aprofunder a compreensiio da psicogénese do conhecer (inicialmente sensério-motor) e seu enriquecimento, a mim interessou- me compreender e estimular a psicogénese da identidade pessoal: daquele que conhece, que pensa e configura significados. ' Questionava eu a férmula, dita piagetiana (que Piaget nunca aprofundou/pertilhou), de que @ teoria da construcdo das estruturas cognitivas, como que implicitamente, continha uma teoria da construct da identidade da pessoa social, Era suposto que 0 sujeite active descrito por Piaget - a0 comparar, ordenar, excluir, categorizar, classificar, formular hipsteses - estava igualmente e por esse caminho arganizando-se como pessoa, Afinal, Piaget sempre afirmou que a construgdo da personalidade ecorria em paralelo a construcdo do conhecimento do real Acrescentava que no que dizia respeito ao desenvolvimento afectivo- social, deviam ser consultados Freud e a psicandlise, Vygotsky pés em causa este aspecto da teorizagiio de Piaget. ® Ao tentar compreender o enquadramento evolutivo dos significados Partilhados por pessoas em comunicagéie, Vygotsky propés um conceito novo de ‘conhecimento mediade’ e criou uma teoria sécio- emocional do desenvolvimento cognitive e da construgdo da identidade, Olhando para trés, penso que poderia ter enriquecide muito a ‘minha pesquisa se me tivesse baseado nas descrigdes dele e de Luria no campo da neurologia - pois no centro dos interesses deles encon- trava-se a minha interrogacdo bésica sobre como se constréi a Pessoa, entidade psico-social emergindo da comunicagéo. Hoje, so incontorndveis, quer as pesquisas de Piaget quer as de Vygotsky - 0s dois grandes expoentes da investigacéio empirica ————____ " Algs, mais terde, encontrei um eprofundamento da delinitagéo subjacene eo meu Pensar ro "eognitivsta’ Zajone que descreveu euidedosomente come se inferigam sem Se confurdir @ construcdo mental de «padrées de relaglo pessoc-arpesseom (a Construsée individual de significados, os chamados «objectos internos») 0 construct Imental da srealidade externa», Conferit: Zajonk, R. (1980) "Feeling and thinking Preferences need no inferences, Am Peychologit, 36, 5 _Dutros, nomendomente Kurt Lewin (1947) e of investigoderes do grupo de Polo Alta ‘eferiram-se socilizacdo em termos da dinfmica e da orgarizagio wsisténicon da omuricagio, pntes de vista que nose contradizem entre si 2 moderna que, @ sua maneira, eprofundaram a psicogénese da construgéo da mente. Tgualmente incontorndveis sto as pesquisas das grandes figuras mais recentes provindas do campo da psicandlise (entre outros Melanie Klein, Donald Winnicott, Bowlby, Mahler, etc.), no sentide de terem mostrado 0 enquadramento da vida emocional priméria, ao publicarem relatos de sequéncias das observacdes empiricas dos seus «casos», Sempre lembrando estes gigantes e na perspectiva de fundamentar ¢ minha actuagdo Psicoterapéutica (assente na ebservacéo dos actos e da comunicacdo implicita. de eriangas afectadas ou ndo no seu desenvolvimento), propus Para estudo . uma hipétese de sequenciago descritiva do desenvolvimento da identidade global - do «Ew - que designei afectologia genética», por analogia com a «epistemologia genética» de Piaget. Esta sequéncia descritiva (sofrendo diversas versées através dos ‘anos - nem sempre coincidentes) tem sido aprofundada e explicitada, sobretudo nos aspectes relacionados com a psicopatologia, por Toaquim Quintine Aires = — prosseguindo ele, com os seus colaboradores, um vasto empreendimento de que este Congreso é 0 melhor testemunho, wéeoTsky Piaget (1922/1966), em: A linguagem e 0 pensamento da crianca, rencia expressamente o uso da linguagem da erianga maior de seis anos, * entendida num quadro cognitivista distinta da fala da erianca 2 Ch. Pager (1966).A linouagem e o pensomento de crianga. S. Paulo: Ed, Martins Fontes, 1999, pigs. Be 4 de relacdo, ou seja, como forma de comunicagao, Afirma dever ficar bem afastada a ideia: .."de que a linguagem gessa crianca serve para transmitir 0 seu pensamentd’ (Tbidem), Referindo-se claramente ao acto espontineo de rotular coisas 2 Situagées, explicita: *Como, originalmente, a palavra fazia parte da acgdo. era suficiente para evocar toda a emocéo e tode o contetido conereto.." Acrescenta:*..os primeiras substantives da lingua da erianca, longe de designarem conceitos, exprimem ordens e desajos” fendmeno subjective de cariz emocional, atribuido explicitamente ao foro da Psicanélise ea Freud - quer por Piaget quer por Vygotsky. E mais adionte, diz Piaget: "...2em-se bons motivos para supor que a {inguagem infantil primitiva desempenha fungées muito mais complexas 92 que parece & primeira vista.", sendo .."evidente que muitas expressies, que para nds tém um sentido simplesmente conceptual, sempre tiveram para a crianga mais pequena um sentido néo apenas afective, mas também quase magico A primeira versio da obra citada (1922) foi conhecida de Vygotsky, que a comentou longamente.* Quando Piaget teve acesso a esta critica, * explicitou que as suas observacées respeitavam 4 falha de descentragdo do pensamento da crianga pequena, cinda incapaz de diferenciar as perspectivas do “eu”, face aos outros pontos de vista possiveis, © Neste contexto de estudo desenvolvimental da expresstio da 4b SM setsky (1934), Pensamento e Linguagem. $ Poul: Martins Fontes, 1999. Cf, Nota 3 {chi Comertaries sobre ies observaciones eriticas de Vygotsky. “Apéndice” oo texto ‘traduride na Argentina: "Pensamiento y lenguaje. Tearia del desarrollo cultural de lee ” {furciones psiuicas” Ed. Paidein, 1973. (Cf. pig. 204, e segs) “iLembre-se que Ploget nao se deixa munca emparedar nas suas concepsSes,e, foce «novos Godes, retoma sempre de novo as suas observasdes e pesquisas no sentido de afinas quaisquer conchises + da actividade ao utilizar signos. ° eS eens erianca, Vygotsky (1934) 7 associou & comunicagdo interpessoal o encontro origindrio do bebé com a realidade apresentada pelo adulto, como ilustrou neste precioso extracto de observacio empirica: (..) "a . em que se enraizard o sentimento de identidade e 0 respective registo mental (Leal, 1975/85; 19886). © interedmbio social precoce no conta com o conhecimento reflexivo, nem com a competéncia cognitiva de distinguir 0 «Outro» e as coisas como objectos permanentes, Antes é servido por estruturas pré- corticais - ou seja, ocorre sem recurso a elaboracdio conceptual. Uma vez que todas as informacies sto registadas como eventos v«relacionais», estas podem dizer-se codifieadas no cérebro como estruturas ou-«memérias emocionais», pré-cognitivas um conceite implantade recentemente por Goleman (2002). Ao usar esta linguagem, 0s investigadores véem-se obrigados a aceitar que o filhote humano - & Partida - detém pré-concepeées consistentes sobre o mundo material € social enquadradas numa matriz pré-cognitiva de processamento da informagio dita «subjective. No entanto, sabemos que investigadores ditos cognitivistas negam qualquer consisténcia a este modo «implicito» de apreensdo que se define como registo automético pré-reflexive e resposta néo consciente és ocorréncias experimentadas Por exemplo, Leslie e outros (1990, pég. 122) afirmam que, por definietie, a capacidade pré-reflexiva de se aperceber da orientagéo do * outro face co «proprius, niio tem a caracteristica de se traduzir em Fepresentacdo mental, Anota-se a «peticéo de principio» contida nesta caracterizacéo: Para 0s autores, 0 termo representacdo mental é entendido como dizendo respeito, exclusivamente, ao processamento cognitivo da realidade... Esté igualmente implicito que ndo existe outro registo mental consistente (ou permanente), em que se enquadrem os informagdes do foro emocional/ relacional. WW Citam-se as descabertas mais recentes de neurologistas que encontram consisténcia na codifieagéo de experiéncias _designadas como «subjectivas» dentro de uma rede neural | de comunicacdo miltipla, supondo a sua i representacdo mental, cbedecendo esta + as leis dos fendmenos «complexos>, em que se englobam os fendmenos emecionais, Por exemplo, comprova-se que o infante tem expectatives 4 claras sobre o interlocutor humano que 0 acompanha e sobre o mundo que @ rodeia, uma vez que se péde constatar a reacgdo de surpresa de bebé de algumas semanas de idade quando confrontado com um evento mente criade) que se comporta no espaco e no tempo de mode 49 esperado, (Kagan, 1972; Zeedyk, M.S. 1997) Resuminde: Fala-se do primeiro passo da «afectologia genética», ou da estruturactio do «Eu», em que se subentende lum sentido do «Outro» assente na «relacio dialégica». Comeca a desenhar-se quando se verifica a consisténcia das expresses da reciprocidade no encontro com um interlocutor presente e ressonante. A solidez desse sistema relacional estruturante da relacio | ): ou seja, constréi-se uma forma de interaccdo reflexiva cadenciada pelas trocas de coisas e de actos. A crianga (como 0 adulto) sempre Se projecta nos objectes, inicialmente, ne seu brincar elegendo aqueles — cuja manipulagao admite los de vai-e-vem, pelas trocas alternantes entre o que é contido € © que contém, © que aparece e desaparece. Manifesta-se a busca de um ritmo de regulagdo da reacgde circular de atenciio a tudo o que «aparece-e-desaparecer, «ao que vai e ao que vem» (ou ndo ver) €, cutras alternéncias no manipular de objectos. Emerge 0 jogo repetido, munca terminado, do tira-pée-tira, sai-entra-sai, dentro-fora-dentro, Perder e recuperar, caber e ver sobrar, afastar e apreximar 14 * (Object permanency in young infants, 1991. child Development. 62, 12: deserito como elemento de organizagéo das estruturas do «Eu» é um interesse e ocupacto nunca acabados (alidés, 4 esbocados indireetamente antes de a erianca conseguir monipular certos objectos). Séo encadeadas sequéncias de gestos - de aparéncia aleatérias quando se definem como inseridas na realidade espaco-temporal - mas que no dizem respeito @ eficdcia ou o sucesso material, mas que, num contexto de elaboragdo e registo subjective, tém uma funcéio organizadora de significados. (Leal, 1975/85) Os materiais tornam-se, naturalmente, mediadores ou «metabolos» de _experiéncias fundamentais de relacdo. Sto de entender como instrumentos de elaboracdo dos bésicos sentimentos de pertenca'e de ndo pertenca, de estar junto e de estar separado, de ser contido e de perder, etc. Nesse enquadramento poderd aprofundar-se a primeira intuicdo de um «Eu» (subjective) e de um «Outro, coisa ou pessoa - que, do Ponto de vista do infante, jé estiveram ali noutras ocasiées para cumprirem o seu papel de respondentes na alterndncia de um vai-e-vem dialogante, A crianga sente-se ligada mentalmente (emocionalmente) ao seu interlocutor, aquele com quem «joga o jogo» recorrente da alternancia reciproca do: «agora eu - agora tu - agora eu - agora tu» - que té0 “* De referir, como que em paréntese: por esta época em que se diferenciam primeira ¢ © segundo passes da estruturagto da identidade, em paralel, observa-seo comportamente dito de spermaréncia de objecto» (definido por Jean Piaget ~ que o descreveu como Primeire passo da «epistemologio genética»). Situado cerca dos dez meses de idade Segundo alguns, ou depots dos quatro a cineo meses de idade, sequrdo Bailargeon e DeVoe 6), define-se come 9 procura inercorl de um objesto que ctaba de desoparecer do vista. por exemple, une bola que rola por debaxe de um méve ou im boneco que 6 escordide rds de lum biombo. Encontra-se aqui o testemunho de que © objecto fisico é jé reconhecide no no cognitive como tendo existEncia pedpria 15 | Descrevi algures a «teoria metabdlicar de formagdo priméria das estruturas simbélicas, que se encontra na linha de teoria de Bion de cria¢do mental 15 naturalmente ocorre no canvivio biolégico entre mée ¢ filhote, no qual Se “encontra também 0 ponte de partida do didlogo reciproco e alterrante (e das. dédivas mituas que perpassam, por vezes nos "elacionamentos adultos). Nele se pode enraizar a «intuigdom instituinte Go bebé de ser origem de actos e de intenses dentro de uma relagée «Eu» / «Outro», em que se solidificaré o sentimento de identidade ¢ respective registo mental (Leal, 1975/85; 19886), Entdo, do ponto de vista do que se define como «inteligénci emocionaby (Goleman, 2002), na intensa actividade de exploraciio das movimentagies reciprocas e alternantes entre objectos evidencia-se: uma funcéo organizadora de significados inserida num Processo de elaboracdo e registo subjective da experiéncia ‘Ao mesmo tempo que se desenrola esta explaracdo do sentimento do «Eu» (que se deverd solidificar pelos anos fora) ind inserir-se uma cutra sensibilidade na vineulagéo exclusiva e absoluta a um sé Progenitor ou um cuidador principal, uma reacgio conhecida por attachment» (num estrangeirismo implantado universalmente). & um fenémeno de sua natureza relativamente Passageiro (Bowlby, 1969), ‘mas que em certos casos se estende pelos anos fora com prejuizo para 0 desenvolvimento global da crianga e da estruturagdo do «Eup, Em principio, o «attachment» serve de estrutura de proteccio do ancarilho, numa fase em que deseja intensamente penetrar tudo 0 que 0 redeia, € vai ensaiando, por vezes perigosamente, a exploractio do ambiente, Ao cuidador eleito é remetida a fungdo de promover um cauillbrio entre esses dois impulses primaciais: a curiosidade para Penetrar tudo 0 que ¢ desconhecido; e a necessidade de colagem a um lago de pertenca. A flexibilizagéo do “attachment” (mantendo-se 0 laco afectivo Seguro e firme e assente na confianca) deve envolver a continuidade do movimento primitivo de didlogo reciproce e alternante ¢ encaminhar uma nova e mais rica adjectivacdo do brincar com os elementos da realidade assim como a abertura ao desconhecide na base da auto- confianga, (De notar aqui que a erianga emocionalmente lesada no brinea ...) 16 Criada a base segura de um laco simbélico, implicito, com 0 cuidador cleito, esta base pode permanecer sélida, até nos periodos da auséncia material daquele, Assim, as suas auséncias e regressos podem ser supridas pela crianca, enquanto o mantém presente (construide no foro interno), podendo ser comentados por ela como realidade natural, ineémoda mas isenta de perigo de abandono. Quando néo se realiza esta sauddvel evolugdo para a autonamia € 0 «attachment» se mantém como forca cega para além do perfodo considerado da sua utilidade, esta vinculagdo obsessiva e exclusiva a um Minico mediador (sé ele tendo 0 direito de explorer e nomear o acontecer..) resulta uma crianga insegura, manifestando o terror de 0 seu culdader poder desaparecer. Estando sempre implicito que aquela figura de.vinculagdo ‘nica pode abandonar a crianca de repente, ela tem de ser "vigiada'" a todo o tempo .. Quando isso aconteca, © «attachment» torna-se uma perturbacéo, ‘do $6 pela inseguranca da crianca, mas pela resultante incapacidade de brincar e de se entusiasmer pela exploragdo do seu mundo - 0 que ‘acaba acontecendo até na presenca fisica do cuidador tinico, se ele néo estiver atento exclusivamente a erianca e ndo tomar as iniciativas ¢ a lade de permanente conduco das miituas actividades, | Resumindo O seaundo Dn Resumindo: © segundo passo de organizacéo do «Eu», ou da afectologia genética, diferencia-se pela atengdo circular por | Parte do bebé as-alternincias na movimentacéo reciproca de objectos e de eventos, como projeccio da elaboracio desse jogo instituidor de regulacdo das alternéncias na comunicacdo "* © «attachment» talvez tenha uma evolugdo diferente noutras sociedades da que se conhece nas sociedades ocidentais - como as Tepresentadas por emigrantes provenientes de sociedades tribais africanas. Ai a relagéo Porece manter uma normal ligagdo de tipo simbidtico pelos anos adiante que Necessitaria de estudo aprofundado. 17 | objectos transicionais que transportem a poten: ce gee eee preprenvs pur jcas reciprocas e alternantes. Esses objectos icos manipuldveis so de entender como ebjectos «transicionais» (Winnicott, 1951), vividos entre realidade e fantasia, sempre transportando uma funcéo de algo (Kenneth Kaye, 979) - ambos de caracteristica «triangular». vai surgir o rétulo referencial, que muitos irdo designar como Primeira «palavras, ainda que néo tenha © carécter formal de voeébulo articulade, Deis interlocutores, face ao objecto ou evento/circunstincia referenciado pelo rétulo, vivem 0 prazer do encontro ao intuirem um significado por eles partilhado, 19 Este arétule» reconhecide @ dois jé se pode considerar mois do que um sinal: é um signo Quande reconhecide como um «signa», o dito rétulo referencial cssumiu_um significado independente da cireunsténcia que lhe dé crigem, existindo , assim, uma diferente tomada de posse da realidade pelo «Eu»: 0 signo € um signifieada nomeado, reconhecide no encontro de «Eu»-«Outro» com outro «outrom, coisa/evento. (Leal, 1997, pig, 29) Som, gesto ou movimento expressivo que assinalam (indicam) um objecto ou conduta sto representados Por um signo aceite por consenso entre parceiros convivendo numa mesma situagéo = —_tornando-se, essim, elemento de uma finguagem, Pode-se dizer que © primeiro acto linguistico de rotulacio - em que Se gera o «signo» no encontro «eu-outro-coisa/objecto», é 0 modelo em que se reconhece a actividade fundamental da criactio simbélica (Peirce, 1932) Dizemos que a vida estd encadeada, desde o inicio, num padrdo de relacio de presenca € contacto com um «Outro» que responde e que estabelece um encontro com 0 mundo de significados, que se situam Para além desse encontro, que transcendem a relacéo. © «signo» - 0 «verbo» - é validado num mituo’entendimento entre Parceiros que se reconhecem um ao outro nesse gesto de gerarem significades comuns das coisas ou dos eventos. Serdo também manejdveis codificagBes abstractas pela erianga mais crescida, que Poderé der sempre novos «nomes» as coisas e ds representagies conceptuais. (Ana Cristina F.T. Carvalho, 2000) Referindo-se as origens da linguagem, Edith Lenneberg (1969) especifica que o significado deve preceder a sua expressio 20 "” e anota que, por isso, a fala do bebé (e ndo sé) manterd sempre um significado conotativo o indiciar a realidade vivida, estando em causa a conjugagio de uma Privada» a inserir no brincar e a aplicar no io € 0s «cédigos verbais» que acabam sendo apreendidos do Num aprendizado que se conforma com o formato tipicamente consensual e social, a «/inguagem», ou seja a fala que resulta como nove traducdo das vivéncias e intencdes (antes expressas sé por sinais, pré- simboles ou metébolos, Léopold Stein, 1957), logo assume os cédigos encontrados no ambiente, Por isso se diz, com Winnicott (1951), que, além dos rétulos esponténeos, a crianca iné utilizar os termos “encontrados por ali" para comunicar as suas necessidades ¢ a sua visto das coisas. Entdo, emergindo 0 signo como veiculo consensual de um significado gerado num entendimento a dois, ele é também enquadrado Por outras pessoas ali presentes e nesta evolucdo da fala, podemos dizer que nos encontramos perante um acto social A este respeito escreve Elizabeth Bates (1976): O indicador distintivo do evoluir da capacidade de comunicagéo - que se pode encontrar entre os nove para os dezoito meses de idade - é 0 descontextualizagao, ou seja, 0 separar-se 0 referente (o rétulo/signo) € 9 referido (a coisa/evento). stio expressos verbalmente de modo socialmente comunicante, também poderdo ser transformados em conceitos ordenardo os significades, na medida em que estes serdo submetidos & reflexdo. “Meaning formation must precede commen language formation" "A partir dos 18 « 24 meses de idade, 0 nimero de palavras noves oprendidas aumenta exponencialmente. Regista-se a equisigdo de cerca de vinte palavras Tova por dia. Os autores referem a capacidade de comuricacdo seméntica aos cerca dos dezoito meses € a emergéncia da capacidade de «pensomento representacionabs (dito cognitivo), deserite como «permanéncia de objectom /pessoa - origem de actos e de intencdes, ao lado de outros seus iguais. (Leal, 1982) Nes diversos grupos em que se integra, a crianga pode encontrar-se de um modo diferente do seu estar na familia Se for encaminhada, * pode aprender no grupo as estratégias da entreajuda e do partilha métua, vivendo a toleréncia para com diferente, eas alegrias da reciprocidade, Felhando @ construcéo pessoal e social deserita, a crianca (o jovem) fica incepacitada para evoluir. No limite, a comunicagio fiea destracada, Mesmo sem ter em mente os casos dificeis, seré sempre pelo enquadramento social, familiar ¢ cultural (desde a creche, o jardim de inféncia ou a escola) que @ formador/euidador poderé ternar acessive, tum dia, quaisquer mensagens respeitantes co universo dos significados do mundo que habitam, lembrando-as em contextes vivides, promovendo 05 didlegos sobre a respectiva visto do mundo, nomeando-as na linguagem de narrativas, ou seja, encenando o acto nuclear de nomear Significados tidos em comum. Resumindo: No quarto passo de construcdo da identidade encontra-se em causa © poder-se abrir espaco na crianga para a | cutonomia do sentir, confrontada com as exigéncias do ambiente e da progressiva diferenciagio do seu viver face ao viver dos seus pais. No medida em que continuam a digladiar-se no seu intimo as necessidades de separagio com o seu reverso de vivéncia de| Perda - resultantes de uma individuagtio mal aceite - esta ambiguidade estaré, ainda, acompanhada, para a crianca, pelo sentimento de estrago quando da descoberta de ndo ter pais +80 perfeitos quanto dese ja, Tudo isto se agrava quando a crianca viva conflites delorosos na far Quando as perplexidades dos impulsos «edipianos» néo se encontram em vias de solugdo ¢ a vida familiar rao preparou a| crianga para sair ao encontro do grupo de pares (na escola e nas actividades ditas dos tempos livres), é dificil que ela néo se viva como socialmente desadequado € com davides em relagdo a], capacidade prépria de lidar com os desafios da vida (acrescend Por vezes, os problemas da «exclusio social» de que jé se esté a aperceber ... ) 26 E de notar que, nestas idades, a crianga poderé, interiorizar e guardar em segredo as suas perplexidades e ansiedades, tornando dificil a compreenstio de perturbacées neuréticas que apresente. O edulto teré, enti, dificuldades acrescidas de acesso para a ajudar superar o seu sofrimento, Aqui enquadra-se a sugestio de que vivéncias neuréticas que se manifestem na crianga como reaccées fébico-ansiosas podem ser ‘melhor compreendidas & luz da procura de consisténcia prépria, separada ¢ das exigéncias da autonomizagao no enquadramento da familia de origem, numa idade em que procura alcancar uma relativa consisténcia e identificagtio sexual harménica, enquadrando um\ Papel jé reconhecido no seu grupo de pares. 27 QUINTO PASSO DA ESTRUTURACAO DO «EU» No quinto passo critico de estruturactio da identidade (6-12 anos de idade), encontra-se © ponto de viragem na diferenciagdo em curso, no sentido da emergéncia de uma identidade social prépria, Situando-se como pessoa distinta, @ erianca iné estabelecer novos relacionamentos que se abrem ao mundo - dando lugar a novos interesses e criando novas relacdes com os pares, Ié fora, Encontra-se aqui, © ponto de viragem na diferenciagéio em curso, e do emergéncia de uma identidade social prépria: Situande-se como Pessoa distinta, a crianca iré estabelecer novos rel lacionamentos que se abrem ao mundo - dando lugar a novos interesses e eriando novas relagdes com os pares, é fora, Obrincar ¢ fantasiar continuam a ser necessidades fundamentais, mas também os «jogos» entendidos como tarefas com que se alcanga um Produto real. A aprendizagem das artes da escrita e da leitura so, igualmente, objectivos prementes (no mundo ocidental) para conseguir © reconhecimento e satisfacdo resultantes do sentimento de sucesso alcangado com o préprio esforco. Ultrapassando Freud no que respeita & chamada idade de laténcia, Eric Erikson (1971) focalizou as necessidades de realizacio, Apontou ainda, 0 interesse da crianca desta idade em descobrir como todas as coisas funcionam, de que sdo feitas, e como se lida com elas, Realcou as necessidades de aprendizagem e de acctio como torefas de crescimento - que a crianca se propde a ela prépria, Mas descreveu, também, no pélo oposto, a crianga que ndo se sente aceite, € vive 0 sentimento de inferioridade (‘industry versus inferiority") Ficando emocionalmente lesada, néo se exprimindo, ndo brincando imaginativamente, n&o expandindo fantasias, a crianga torna-se igualmente incapaz de aprendizagem escolar | 28 © sentimento de inferioridade implanta-se por vezes, mesmo quando a erianca € dotada, mas se sente incompreendida ou rejeitada ! Curiosamente, este formato de perturbagao (destruturante) € comum em criangas social e culturalmente desenraizadas, Encontra-se aliado a uma restrigdo da elaboragiio linguistica - para quem falho a inteligibilidade, porque esté afectado 0 encontro social e cultural em que se geram os significados, Sto criangas e jovens desintegrados e/ou socialmente submetidos Prontos para revoltas sem sentido, conforme descritos por Basil Bernstein (1990) ¢, entdo, igualmente prontos para todas as destruigées, Como ultrapassar esta realidade de risco social ¢ pessoal, se ndo se rrefizer com a crianga esse percurso de nomear significados em parceria € de construir uma nova linguagem - de modo encontrar acesso a valores tides em comum, e sua expresséo socialmente recorhecida 2? Trata-se de uma tarefa sobretudo opropriada a esta idade de abertura para a vida, pois poderé depois revelar-se demasiado tarde Na medida em que a crianca, qualquer erianca, tenha, agora, alguma possibilidade de olhar em redor e reflectir sobre conjuntos de realidades complexas, pode-se imaginar que iré posicionar-se melhor como pessoa, assumindo atitudes em que, por vezes, se observa um erbitrio préprio e nico, em contextos em que a crianca poderd manifestar opinies ¢ defendé-las, Ent&o, iré poder distanciar-se 0 "* Basil Bernstein (190) estudava a linguagem da crianca dis demonstrando-a como escolar ineapacitado para a integracto soci aprendizegem. 29 suficiente pare redescobrir o mundo e mesmo os pais e outros adultos, | tendo-os avaliado e aceite como pessoas ndo perfeitas, inguagem interna, reflexiva - serd melhor sucedida quando se Possam manter e fortalecer as trocas dial légicas com os adultos de referéncia. Na ligagdo com eles poderé distanciar-se ¢ aproximar-se, ir e voltar, sob © seu préprio controlo, Procurando 0 eqi entre a demasiada identificagdo ¢ 0 | total desamparo, ‘Se importantes os cuidadores que nesta idade acompanhem os grupos de pares nas diversas actividades fora da familia. Se néo tiverem dentro de si um sentimento natural que impele na busca de realizacéo prépria e de alegria, junto com o sentido dos valores impessoc seré di | | € 0 reconhecimento de bom e do belo na vida de cada um, . acompanharem esse movimento pondereso em -que criangas/jovens deveréo aprender a sairem de si mesmos para se encontrarem com os companheiros e com a vida numa atitude aberta e esperangosa - ainda que tendo que se haver com 0 nosso mundo chelo de imposigies e de mistérios. Quando se continuam a guerrear entre si os impulsos L de autonomia e as caréncias . de protecgtio parental, 0 desamparo pode manifestar- $e por receios face a tudo o © INoWwibUo L Infelizmente, percebe-se que, em muitas classes escolares e na que -redeia 0 viver do dia comunidade escolar - em que as actividades se desenrolam em espacos adia - ou, pelo contrério, = fechades ¢ em redor de conteides de carécter materiaista, (ou eee cate erence > “positiviste» de atencdo aos ganhos imediatos) se encontra, uma controle aheolito sobrs tudo, e ,e bu fe tornard mais tmosfera que impede qualquer aprendizagem espontinea do estar em rs (Be notar oon pers ron tornard mai grupo, de promover o desenvolvimento das iniciativas de interacgdo ¢ ‘manifesta nos anos sequintes, na adolescén de cooperagdo na busca do encontro mituo, Aqui enquadra-se a sugestdo de que as vivéncias neuréticas manifestas como neurose histérica, assim como os indicios da neurose obsessiva-compulsiva, (esta imersa em dedugées racionais) podem ser melhor compreendidas & luz das tarefas de autonomizacao mal resolvidas encadeando-se nos | movimentes de construcdo da identidade pessoal que ocupam necessariamente 0 pré-adolescente, | Resumindo: Neste movimento que se vai processando, 0 | quinto paso de estruturactio do «Eu», ou da «afectologia | genética, as criancas/os jovens estao, também, a preparar-se | Pare essumirem uma maior autonomia, e um maior | distanciamento da familia, co se deixarem inspirar por intuigdes de parceria no grupo de amigos. © brincar e 0 fantasiar continuam a ser uma necessidade fundamental, mas também o crescer e 0 aprender sdo objectives prementes para conseguir © reconhecimento eo sentimento de sucesso aleangado com o préprio esforco. . t A individuacdo entendida como capacidade de se assum conscientemente como pessoa separada, com seu prépri destino - aliada a0 fortalecimento do que se designa a 30 31 SEXTO PASSO DA ESTRUTURACAO DO «EU» Na continuidade da evolugéo, surge @ sexto passo do desenvolvimento da identidade e observa-se a discriminago clara de uma forma distinta de relacionamento sox sem se tratar, ainda, de um verdadeira separacdo em relagdo & fami Eric Erikson (1971) descreve o adolescente «em busca de six mesmo», comparando-se @ outros, assumindo papeis, «roles» sociais & essocis (numa atitude de sucesso ou de inferioridade). A reflectir sobre as realidades complexas do estar no mundo e do sentido da vida, poderd estar a esforcar-se por se posicionar face as exigéncias dos «valores», realidades maiores do que a das figuras de gutoridade a que se devem submeter quer na familia quer na escola Examinando-se no que acredita ou rejeita e as crencas e doutrinas que Possa considerar sagradas, (segundo Erikson) a existéncia do cdolescente situa-se entre os pélos extremos de uma identidade definida e de uma identidade difusa ou confuse. Em tudo isso, comunga na expectativa de haver uma ordem e de existirem regras que alguém assegura, estando implicito um sentimento moral ¢ um compromisso de responsabilidade pessoal a aceitar ou combater acesamente - ou a desilusto possivel e perigose .. Nesta fase, 0 grupo de pares pode ter uma forte accéo como instrumento de mobilizagdo. Foulkes (1957) referiu-se as Potencialidades do grupo para promover o desenvolvimento da Personalidade. Ao utilizar a dindmica de grupo para promover a mobilizagéo do «Eu» abriu caminho a um novo entendimento do desenvolvimente socio-emocional até & idade adulta (Leal, 1968; 1981), A dindimica de grupo & um fendmeno originério, situacional. Um grupo constitui_uma realidade distinta do somatério de accdo dos seus membros € pode colocar-se ao servigo de tarefas que sejam Programadas ou minimamente intencionedas ou promovides por um condutor. Ao promover «ndo directivamente> a participagdo de todos os 32 j | | i | | membros do grupo, este & participante na vida do grupo e também regulador da comunicagdo miltipla - assegurando deste modo a formagdo de uma "matriz de relagdo" constituida de acordo com as leis da comunicagéo, Wilfred Bion (1961) sugeriy que as experiéncias de grupo podem oferecer condicées éptimas para retomar as tarefas organizativas da inféncia em termes da comunicagdo e estruturacdo do «Eu» nos suas relagdes como «Outro» - se conduzidas por um adulto habilitado, 2° Tem sido largamente comentada a dificuldade de alguns professores Para conduzirem a dinémica de grupo/classe, em que se processam relagdes triangulares e se realcam os valores da partilha e da contratagdio, " faz falta a formacdo dos docentes em dindmica de grupo, nos moldes que vio sendo adquiridos pelos monitores de actividades de tempos livres, estes alertados para as linhas de comunicacéo que se deserham espontaneamente no convivio e na aprendizagem, Esta falha explica a indignagdo acesa © as reivindicagdes dos Professores quando sdo incumbides, por lei, de se ocuparem pontualmente dos alunes das turmas em que falta o docente —_responsével.Afirmam Peremptoriamente: "Eu no sou animador social para me ocupar de alunos fora da minha fungéio de docente” ( .. entendida como ‘transmissdo liminar de matéria !). A Imeioria dos professores no chega nunca a perceber (ou a reparar) que se dirige com a sua matéria apenas & classe ou a alunos individualmente eee = Estudow enpiricamerte os meconismas relacionis ou "padrées finos de aco" de que 2 adulto se serve ro grupo quando resiste & “individuactio' e a lime rescondncia na ‘comunicagio com @ outro. 33 ndo se servindo dos subgrupos esponténeos (em que 0 individuo O intercdmbio miltiplo com os pares e 0 jogo de amizades e funciona) para incentivar ¢ controlar a comunicagéo, opesicées, que se reconhecem como caracteristicos do pré- Nao apreendem que é necessério cuidar do nivel epropriado de | ke 32 Jadolescente, rd sero caminho para 0 funcionamento do grupo/classe para o centrar numa tarefa absorvente, | steric nento do pessoa social que ird reformular-se ética e | esteticamente, um dia, como Eu adulto, ‘Sempre esforcando-se por apreender as exig@ncias do grupo \ € situar os «valores» e 0 papel das figuras de autoridade - na familia, na escola no mundo social mais vasto, o/a jovem reflecte sobre as realidades complexas e 0 sentido da vida, significado do | estar no mundo, assumindo-se numa atitude de sucesso ou de a Foulkes mostrou que os elementos facilitadores de desenvol- vimento sto privilegiados no grupo quando © condutor (0 professor ..) ndo se centra apenas nos “contetidos", mas sabe centrar-se na regulagéo dos aspectos formais da comunicagio, verbal ou néo observando @ movimentagdo de atencio e os intercdmbios dentre da ‘ matriz total de relacdo, Se a comunicagdo no for correctamente regulada, nes grupos onde os membros esto ligados, ainda que apenas Por propésites de actuago conjunta, 0 surto energético produzide pela comunicagéo miltipla pode ser ocasiéo de descargas emocionais invasivas, desencadeando necessidades regressivas nos participantes (mesmo em adultos). Se néo se alcanca a correcta regulagio das forcas da dinémica de grupo, os participantes experimentardo tenses e | regressées que impelem para o descontrole ou o abandono triste (depressive). Entao, tornam qualquer tarefa improdutiva, inclusive a tarefa de aleancar a adultez, i Surgindo novas identifica- | Bes ligadas a um sentimento forte de pertenca ao grupo de amigos préximos (os que falam a mesma

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