Você está na página 1de 318
Bruno Galileu Campanella Os Pensadorés Bruno Galileu Campandla “Nao se deve procurar se fora do céu existe lugar, wicuo ou tempo: por- que Unico € © lugar geral, nico a ex- Page imenso, que podemos livremente chamar de vacuo, onde existem inume raveis e infinitos globos, camo existe este, onde nés vivemos e vegelamos, Esse espago és chamamos. infinito, Parque nia existe razio, canverién- Ga, possibilidade, sentido ou natureza que deva limité-lo. Nele estio conti- dos infinitas mundos semelhantes a es- ae GIORDANO BRUNO: Sobre 0 Iniini- to. 0 Universo e 0s Mundos. “Q némero daqueles que, nas col- sas dificeis, raciocinam bem € muito menor da que aqueles que raciocinam mal. Se raciocinar sobre um problema dificil fosse a mesma coisa que carre- ‘Bat pesos, entio muitos cawalos carre- gariam mais sacos de tiga que um ca- valo $6, @ eu concordaria mesmo que a sate de muitos valesse mais que a pouces; mas raciocinar é coma corer, © no como camegar. Assim, um cavalo de comida sozinho coneri sempre mais do que cem cavalos fri- ses.” (GAULEU GALILEI: O Ensafador. “Na Cidade do Sol; havendo igual distribuicao de misteres, das ar- tes, dos empregos, das fadigas, cada iduo nao trabalha mais de quatro horas par dia, consagranda o restante ao estudo, & leitura, 8 discusses cien- tificas, a0 escrever, & conversacdo, 05 passeias, em suma, a toda sorte de exercicios agradavels € utels a0 corpo 2 mente.” CAMPANELLA; A Cidade do Sol. Os Pensadorés CIP-Brasil, Catalogagio-nna-Publicagtio ‘Climara Brasileira do Livro, SP Bruno, Giordano, 1548-1600, 39228 Sobre 9 infinito, 0 universo ¢ os mundos / Giordaao Bruno. O en- Saiador / Galilea Galile:. A cidade do sol / ‘Tommaso Campanella : tra- dugies de Helda Barraco, Nestor Deola ¢ Aristides Labo. — 3. ed, — ‘Sdo Paulo : Abril Cultural, 1983. (Os pensadores} Inclui vida e obra de Bruno, Galifeu © Campanella, Bibliografia, 1. Filosofia italiana 2. Filésofos modernos {, Galileu Galilei, 1564-1642. If. Campanella, Tommaso, 1568-1639. III. Tilo: Sobre 0 infinito, © eniverso ¢ os mundos, IV, Titulo: O ensaiador. W. Tul: A cidade do sol. VIL Série, CDD-195 830814 921.5 Indices para catilogn sistematico: Filosofia italiana 195 - Fildsofos italianos 195 Filosufos italianas ; Biografia 921.5 4. Italia - Filosotia 195 GIORDANO BRUNO SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO EOS MUNDOS GALILEU GALILEI O ENSAIADOR TOMMASO CAMPANELLA A CIDADE DO SOL ‘Tradugdes de Helda Barraco, Nestor Deola ¢ Aristides Labo EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titutos origins: Texto de Giordana Brung: De 'lofirito, Universo e Mona ‘Texto de Galiten Galitet: 11 “Texte de Tommaso Campanal (© Copyright desta edicio, Abril 8. ‘Sto Paulo, 1973, — 2."edigae, 197 . Culraral, igo, 1983. ‘Traduglin publicads sob licens de D, Gloss Indubsrias Grificas §.A, (A Cudade do Sol Dircitos exclusives sobre as demas traduedcs deste volume, ‘Abril S.A. Cultural, Sio Paulo. usivos sobre “BRUNO — Vida ¢ Obra", “GALILEU — Vida © vida © Obra", Abril SA, Culloral, Sao Paulo, BRUNO VIDA E OBRA Consultoria; José Américo Motta Pessanha ORs foi caracterizade por profundas transforma- Ses ocorridas na vida € na vise de mundo do homem euro- peu, Os rizoniss Beagrificos alargaram-se com @ desenvolvimento da arte da navegagdo e as conseqiientes descobertas do caminho ma- ritimo para as Indias, do continente americano e do circuite para uma valta completa pelo ‘mundo. A classe social dos burgueses floresceu, a cidades dedicadas ao comércio intemacional enriqueceram e a economia curopéia deixcu de gravitar dentro das limitagées dos feu- dos medievais. A personalidade individual despertou @ os artistas en- contraram novos meios de expresso. Os pintores nao mais represen tavam as principais personagens de drama humano descarnadas @ in- seridas dentro de um mesmo pano de fundo dourado, como no estilo bizantino da Idade Média. Os grandes da época passaram a ser retra- tados com feigdes de homens de carne @ oss0 ¢ integrados em paisa gens naturais, chelas de montanhas, rios, arvores ¢ flores, A natureza, tevalorizada, era mostrada coma fonte de vida e beleza © n3o mais como © perigoso mundo material, acasido de pecado. Os misicos substitulam os sons monacérdios da canto-chio religioso pelas novas tonalidades do madrigal amoroso e cortesdo, prenunciando a polifo- nia barroca, Paralelamente, as regras da vida crist& estavam enfraque- cidas © @5 rigores da moral agostiniana ndo eram mais obedecidos com tanta severidade, A verdade @ que os homens estavam se relacio- nando dentro de novas coordenadas e a visin do mundo nao mais po- dia seguir a orientacdo teoctntrica, que prevalecera durante séculos na Idade Média. Como consegiéncia, engendraram-se transfornia- goes significativas no. pensamento cientifico e filasdfico, Maquiavel (1469-1527) funda uma nova ciéncia das assuntos politicos, desvincu- lando-a de preocupagées morais € religiosas. Erasma (1465/-1536), Thomas More (1478-1535) e outros humanistas renavam o estudo dos textos antigos e defendem o homem coma ser capaz de criar seu prd- prio projeto de vida. Montaigne (1533-1592) expressa o advento do individualisma do homem maderna e desenvolve uma atitude cética diante do mundo. © retome a Antiguidade faz ressurgir filosofias es- quecidas, quando nda condenadas, na Idade Média, como o estoicis- mo, © materialismo eo neoplatonismo, Uma nova orientaco é dada a0 estuclo de Aristételes, A religiaa soire abales profundos e cada vez mais se questiona a possibilidade de fundamenté-la racionalmente através da ostrutura val BRUNO: conceitual aristotélica, tal como a escoldstica havia feito. Surgem as fi- losofias mistico-religiosas de Agrippa von Nettesheim (1468-1535), Paracelsa (1493-1541) ¢ Jakob Bohme (1575-1624) © eclode a Refor ma de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564). A revalorizacde do humano e da vida natural € presente inclul interesse pela natureza: a que antes era visto come mero local de ten- tagoes para uma alma que aspirasse a recompensas noutra mundo, torna-se objeto de conhecimento cientilico. Em conseqiéncia, desen- volvem-se tentativas de estude experimental dos fendmenos — esbo- caclas desde 0 século XII nas Universiclades de Paris ¢ Oxford. Esse po de investigacao @ que ganhani contornas definides com os traba- Ihos cientificos de Leomado da Vinci (1452-1519) e de outros pensa- dores, a prenunciar a ffsica de Galileu e Newton, desenvolvida no sé~ culo XVIII. Copérnico (1473-1543) formula a célebre teoria heliocén- trica, Tycho Brahe (1546-1601) faz observagées precisas sobre 9 mo- vimente dos astros e Kepler (1571-1630) prepara o caminho para a descoberta da lei da gravitagao universal de Newton. Todas essas transformagées nado se fizeram sem conflitos profun- dos, pois significavam de maneiras diversas, a derrocada de uma or- dem espiritual, social e econdmica, que ha séculos constitula o cere da vida européia. Os setores tradicionais ameacados reagiram © en- frentaram as inovacées, as vezes com violencia, levando 2 morte al- guns representantes da nova mentalidade. Foi 0 que aconteceu a uma das figuras mais representativas da Renascenca italiana: Giordano Bru- no. A heresia do livre pensamento Bruno nasceu em 1548, na pequena cidade de Nola, perto de Napoles, filo do militar joao Bruno e de Flautisa Savolino, Na pia ba- tismal recebeu o nome de Filipe, mudada depois para Giardano, quando vestiu © habito de clérigo no convento napolitano de Sio Do- mingos. Durante dez anos viveu a vida conventual até doutorar-se em teolagia em 1575. Nesse periodo estudou avidamente quase toda a filosofia grega ¢ medieval © a cabala judaica, deixando-se Impressio- far particularmente pelo ‘“onisciente Lulio” (1233-1315), @ “magnani- mo Copérnico” 2 o “divine Cusano” (1401-1464). Esses estudos aca+ baram por alastar Bruno da ortedoxia catélica e motivaram constan- tes censuras ¢ admoestades dos superiores. Afinal foi processado por heresia, mas salvou-se fugindo para Roma, Nao fica muito tempo nessa cidade. Abandona as vestes sacerdo- tais € peregrina pelo norte da Italia, ensinando astrenamia ¢ escreven- do uma pequena obra, hoje perdida, Sobre as Sinais dos Tempas. As autoridades eclesidsticas, ne entante, nado o tinham esquecide e, em 1579, € desterrada, passanda a viver na Suica e na Franca. Em Genebra, adere ao calvinismo, mas logo indispde-se com a intolerin- cia sectaria dos adeptos dessa corrente religiosa. E entao obrigado a deixar a cidade. Em Tolosa permanece durante dois anos ensinande na Universidade, onde se dedica sobretudo & arte combinatoria de Rai- mundo Lilio e a técnicas de memorizagéo. Em 1581 passa a viver em Paris, entre 0 6dio dos seguidores de Aristteles ¢ 9 entusiasme de al- VIDA E OBRA 1X guns colegas por sua inteligéncia brilhante @ extraordindria erudicao. Em 1582 publica As Sombras das Idéias, O Canto de Circe e Arquite- iura e Comentario da Arte de Lalio, todas versando sobre a mnemo- técnica ¢ a arte combinatoria de Raimundo Lali Em abril de 1583, a ameaca de guerra civil na Franga leva-c a abandanar o pals ¢ dirigir-se 4 Inglaterta, onde pubica Arte de Recor dar, Explicag.ia dos Trinta Selos e Sela dos Selas. Antes, parém, diri- ge uma carta as autoridades da Universidade de ©xford, em que soli- Cita liberdade para revelar publicamente o resultada de suas descober- tas filosdficas e a conseqtiente refutagao da filosofia dominante. aceito como professor, mas em pouco tempo entra em conflito com os doutores da universidade e, alguns meses depois, volta para Lon- dres. Na capital britinica, escreve e publica, no espaco de dois anos, varias obras: Cela das Cinzas, Sabre a Causa, @ Principio & 0 Uno, Despacho da Besta Triunfante, Cabala do Cavalo Pégaso, O Asno Ci- Iénico, Dos Herdicos Furores © Sobre o Infinite, @ Universo ¢ os Mun- dos. No outono de 1585 esta de novo na Franga e publica Arvore dos Fil6sofos, hoje perdida, dois didlogos exaltando pretensas descober- tas de seu campatriota Fabricio Mordente e dois livras sobre Aristéte- les, Um deles expoe e comenta a fisica aristotélica, opondo-se a ela. Sua oposi¢ao 45 doutrinas do fildsofo grego é reafirmada, ainda com mais vigor, nas Cento e Vinte Teses Antiperipatétivas sobre a Nature za ¢ 0 Mundo. Com isa irtita novamente os doutores da Sorbanne & ¢ obrigado a deixar outra vez a Franca, procurands reftigio na Alema- nha. A Universidade de Wittenberg o acolhe em nome da liberdade de pensameno © Bruno ganha condi¢des para publicar outros escri- tas sobre Lilia © contra 05 aristatélicos. A atmosfera favordvel, contu- do, comega a mudar com a preponderdncia progressiva das calvinis- tas, que jd tinham criado problemas para cle em Genebra, Dirige-se entdo a Praga, onde permancce por pouco tempo e, em 1586, muda-se para Helmstadt, unde fica durante um ano ¢ meio, produzinds fecundamente, Ao contrdria das obras redigidas na Inglaterra, em italiano, em Helmstadt escreve em latim sobre divexsos assuntos: imagens, signos e idéias, mnemotécnica, magia e metatisi~ ¢a, O mais importante, contudo, sio trés grandes poemas latinos: Sa- bre o Triplice Minimo e a Triplice Medida, A Ménada, 0 Numero e a rare € Sabre © Imenso ¢ Inumerdvel ou Sobre o Universo e a5 Mun- 10s, &m junho de 1590, Giordano Bruno deixa Helmstadt e dirige-se- para Frankfurt-am-Main, onde permanece até a primavera do ano se- guinte, Nessa cidade recebe insistentes convites para retornar a Italia, por parte de um veneziano, chamado Jodo Mocenigo, que deseja co- phecer os segredos da mnemotécnica, Pela desejo de rever a terra na- tal ¢ de reintegrar-se no seio da Igreja, Bruno acaba por atender A soli citagéo. Em agosto de 1591, chega a cidade de Padua, onde reencon- tra um fiel discipulo, Bessler, a quem dita duas obras: Sobre as Forcas Atrativas em Geral ¢ Sobre os Sclos de Hermes ¢ de Ptolomeu, Em se- guida, muda-se para Veneza, hospeda-se na casa de Mocenigo ¢ co- mega a ensinardhe a arle de memerizar, 0 aluno, contuda, decepcia- na-se, pois esperava conseguir de mestre al; toque lhe permitisse alcancar a sabedoria defi x BRUNO. Bruno, porém, ndo percebeu o estado de espirito do aluna. Iria pagar caro pela desatencdo. Em maio de 1552, quando faz preparati- vos de viagem para Frankfurt, a fim de publicar As Sete Artes Liberais e Inventivas, € preso por Mocenigo na dgua-turtada de sua prépria ca- sa. © aluno exige uma declaragdo em que Bruno afirmasse ter-the transmitido apenas os segredos da mnematécnica, Nao conseguindo seu intento, Mocenigo entrega Bruno ao tribunal do Santo Oficio, jun- tamente com manuscritos nao publicados. Entre estes, encontravam- se duas obras, hoje perdidas: Sobre os Atributos de Deus e Pequeno Liveo de Conjuracées. Iniciaco o processe, em 3 de julho de 1592, Bruno declara estar arrependido de todos os errs que porventura tivesse cometido e pron- to para reorientar toda sua vida. Nesse ponto, o pracesso poderia ter- se encerrado com a absolvic¢ao, mas 0 papa nao o permitiu e fez com ue 0 processa passasse ao tribunal do Santo Officio em Roma. Em ja- neiro de 1593, Bruno ¢ entregue as autoridades romanas ¢ encarcera- do durante sete anos, ao fim dos quais 6 condenado & morte na fo- gueira, juntamente com suas obras consideradas heréticas, No dia 17 de fevereiro de 1600, Giordano Bruno é executade no Campos das Flores. Contra a ortodoxia escolastica Muito antes que isso acontecesse, Bruno ja sabia de seu destino, Nos proémios do Despacho da Besta Triunfante e Sobre 0 Infinite, o Universo © os Mundos declara-se perfeitamente consciente de que se. fia “odiado e censurado, perserguido e assassinado’’. Assim, apesar de n4o pader esperar éxito com seu estudo e trabalho, antes motives de desgosto que o aconselhavam a “calar-se antes que falar’, Bruno, som os olhas fixes na eternidace, tanto mais se esforga “por fender a corrente adversa de tio impetuoso”, quanto mais vé “aumentada a veeméncia da mesma por seu trajeto agitade, profundo e precipita- do”. Par isso, empenhou-se em luta encaricada contra a ignorancia, © preconceito, o dogma e a intolerincia, achando ser “digna de mer- cendrios ou escravos e contririo 4 dignidade humana sujeitar-se e sub- meter-se”, Bruno néo queria submeterse A aceitag’o passiva da artadoxia escalastica, que conheceu no convento dominicano de Napoles ¢ que constitula a cléncia oficial da sua época. Essa ortodoxia tinha si- do formulada, nos seus principios essenciais, pelos tedlogas © fildsa- fos da Idade Média. quando integraram num todo unitério as doutri- nas provenientes da revelacdo dos textos biblicos eo pensamento ra- cional aristotélico. O sistema teolégico-filaséfico resultante tinha como uma de suas pecas bisicas a astronomia de Ptolomeu e afirmava ser a Terra um ponto imdvel privilegiado, centro do movimento circular de todos os corpos colestes. A esea astronomia juntava-se a concepcdo de que, ex- cetuando-se 0 movimente circular unifarme, impresso por Deus aos corpos celestes, todos os demais movimentos sin imperteigtes, cons- tituindo transgressOcs ou reparagdes de transgressdes da ordem divina, VIDAEQBRA XI A visio do mundo contra a qual Bruno se insurgiu fol a de um universe de coisas fixas criadas par um Deus transcendente. & tal con Cepgao ele contrapas as descabertas astronémicas de Copérnico, que Contrariavam 0 préprio nticleo da concepgo medieval. Ao formular © sistema heliocentrico, Copérnico pds por terra a idéia hasica da as- tronamia de Ptolomey, atribuindo a Terra uma situagao secundaria. Bruno viu as implicagGes da teoria coperniciana € defendeu o astréno- mo polonés dos ataques dos doutores da Universidade de Oxtord, no liv Ceia das Cinzas. Contudo, ao mesmo tempo critica-o por ser “apenas um matematico”, que nao foi capaz de ver o verdadeiro sig- nificado de suas descobertas. Esse significado Bruno foi buscar em ou- tras fontes bem diferentes, construinda uma cosmologia cujos tragos principais s4o 0 patelsmo e o animismo. O universo vivo ¢ infinito ‘Giordano Bruno yé 0 Universo como um sistema em permanente transformagao, no qual, como jA afirmava Hericlito de Fieso, todas as coisas sdo € nSo sdo ao mesmo tempo. O mundo nao é, como pre- tendia 0 aristatelismo — filosofia que simboliza, segundo Bruno, tude que é morto © seco no universo —, uma estrutura hierarquizada na qual_o movimento (atualizacdo de uma poténcia) seria comandado, em altima instancia, pela estdtico (o ato puro do imével primeira mo- tor). Ao contrario, 0 Universo seria um todo no qual nada é imdvel, nem mesmo a Terra, como afirma a antiga rcligido dos egipcios e Co- pérnico viera confirmar cam seu heliocentrismo. © movimento de tadas as coisas, contudo, nao seria de natureza puramente mecdnica, como se o mundo fosse um jogo de particulas moveis, cujo deslocamento e cujos entrechoques resultariam de um movimento inicial comunicado por um ser superior. O movimento, para Bruno, seria da natureza dos seres vivos e todas as coisas possui- Fiam um principio animico, que as faz transformarem-se permanente- mente O principio animico, para Bruno, ndo se distingue da propria ma- WGria animada, A metafisica que cle propde constitui, assim, um rigo- roso monismo materialista. Nao existe, para ele, duas substancias (matéria e espirito) distintas, Tudo o que existe estaria reduzido a uma Unica essencia material provida de animacao espiritual, A matéria animada, por outro lado, carregaria dentro de sia prd- pria divindade ea doutrina formada por essa idéia constitui © panteis- ma de Giordano Bruno, A ortodoxia cristé, apoiada na metafisica aris- totélico-tomista, colocava Deus como primeira causa, motor imével ¢ perfeigéo absoluta, que seria vansendente, ou seja, com existéncia plena e separada de suas criaturas. Bruno, ao contrdrio, concebe Deus como imanente ao Universo © idéntico a Ele. Deus nao seria um ser que trvesse criada © Universo, mas seria 0 propria mundo. A hatureza investigada e xaltada pelos homens da Renascanca atinge, desse moda, 2 sta rmais completa valarizag3o: torna-se divina. Ao pantefsmo e ao animismo articulam-se outras teses do pensa- mento de Giordano Bruno. Para ele, 0 Universo nao é finite e limita- da, como pretendia a cuncepgao medieval, mas infinite e ilimitado, XI BRUNO Cronologia como afirmou Lucrécio (c. 98 a.C.-55 a.C.) no poema Da Natureza, repetindo a tese dos antiges atomistas gregos. A Terra nao seria o cen- tro privilegiado de Universo, come mostrou a astronomia de Copérni- co, © existiriam inumeraveis murlos habitados, como também se le em Lucrécio. © homem € visto per Bruno como um ser privilegiado que reflete em si a totalidade do Universo e é capaz, portante, de penctrar-lhe to- dos os segredas. A mente humana scria idéntica & mente divina que compoe o cere de todas as coisas. Exercer as faculdades de imagina- cdo e meméria (esta entendida no sentido amplo de recepticulo de to- da a vida espiritual), permitiria aa homem ascender a verdades ocul- tas do Universo. Fazer isso nao seria apenas uma tarefa de ordem cog- nitiva, mas sobretudo uma obrigacéo moral ¢ religiosa. Essas idéias ele as sintelizou numa metafisica estética, bem ao gosto da Renascenca italiana e proveniente de diversas fontes. Concei- tos fundamentais chegaram a Bruno a partir de Heniclito e dos mate- fialistas gregos. Outros elementos slo aqueles que o ligam ao neop! tonisme de Marcilio Ficing (1433-1499) e Pico della Mirand (1463-1494). A influéncia predominante, contudo, foi a da antiga rel giao egipcia do cult ao deus Toth, escriba dos deuses, inventar da es- crita @ patrono de todas as artes @ ciéncias. A Hermetica (do deus gre- go Hermes Trismegisto, identificado com Toth pelos neoplatbnicos) desempenhou papel fundamental no pensamento de Bruno, com a ampla difusio que teve na Renascenca. Quando inquirido sabre as causas do movimento da Terra, na Ceia das Cinzas, Bruno responde com uma citagdo quase literal de textos herméticos. Quanto 2 influéncia que Bruno exerceu nos fildsofos posteriores é inegdvel o parentesco que existe entre seu pensamento ¢ o panteis- mo de Espinosa (1632-1677). Por outro lado, ao transtormar os dto- mos do materialismo de Demécrito, Epicura e Lucrécio em ménadas animadas magicamente, Bruno prenunciou a monadologia de Leib: niz, Também o materialismo dinamico de Diderot (1713-1784) deve muito a ele. Para a histéria da ciéncia, Bruno contribuiu com uma no va viséo do universo, impregnada embora de elomentos animistas e poéticos. 1548 — Giordano Bruno naseo em Nala, pevto de Népoles 1550 — Sao publicades @ Tratade dos Lsctindatos de Calvino @ as Odes de Ronsard. 1551 — Reabertura do concilio de Trento. 1553 — Os franceses pilham Havana e tentam estabelecer-se no Brasil. Cal- vine reprime uma tentativa de revolta em Genebra. 1562 — Bruno muda-se pare Ndpotis. 1364 — Mone de Calvino. Nascimento de Galileu. 1565 — Fim junbo, Bruno veste 0 hatnto de clérigo. 1566 — Jean Bodin publica o Métode para o Facit Conhecimenta aka Hist fia, 1575 — Bruna toma-se dowtor em teolagia. Bibliografia VIDA EOBRA Xill 1578 — Bruna publica Sobre os Sinais dos Tompos, pequena obra que se perdeu. 1579. — Bruno vai para Tolosa, onde recebe a tituls de doutor em artes. 1582 — Bruna escreve ¢ publica As Sombras das Idéias, O Canto de Circe e Arquitetura e Comentario da Arte Combinatéria de Raimundo Lili. 1583 — Deixa Paris com destino as llhas Britdinicas. 1584 — Escreve e publica Ceia des Cinzas; Sobre a Causa, o Principio eo Uno; Sobre o Infinito, © Liniverso e os Mundos ¢ Despacho da Sesta Triun- fenie, 1585 — Publica Cabala du Cavalo Pégaso, © Asno Cilénico © Dos, Herdicos Furores. Regressa a Franca. 1586 (2) — Bruno deixa a franca, proocupado com eventuais perseyuicdes. Ghrém a cétedra em Wittenberg, 1591 — Bruno regressa alla 1392 — Eencarcorado pelo Santo Olicio, 1596 — Nascimento de Descartes. 1600 — Bruno é condenecto e executado, Moncoire, Rooows: Figuras e Indias da Renoscenga, Mestre Jou, Sio Paulo, 1967. Casters, Eensi: El Problema def Conocimienta en ia Filosofia y en la Ciencia Seen vol. 1, Fonde de Cultura Ecandmica, Buenos Aires, 2. edigdo, 1 Gireut, Giovanne Giordano Bruna e 1! Pensiero del Rinascimento, Florenca. 1920, ‘Cowsano, Awtowa: Il Pensiero di Giardano Bruna nel sua Svolgimanto Storico, Florenga, 140, Fraccas iruno, Fratelli Bocca, Milo, 1951, Micna, P. H.3 La Cosmalogic de Giordano Bruno, Hermann, Paris, 1962, Mekcan, Avs if Sommatia de! Processo di Giordana Bruno, Cidade do Vaticas no, 1946, Ross, Proto: Clavis Universalis, Millio, 1960. Trowo. E.: La Filosofia di Giordano Bruno, Roma, 1913, Nawtk. E.: Les Aspects de Dicer dans Ja Phifosophie de Giordano Brand, Paris, 19237, Train, E.« Nawre, Eu: il Problema della Materia in Giomlana Brno e Mnterpre= fazione di Felice Tocco, Bylichnis, Roma, 1927. Tocco, Fiuct: be Fontt mii Kecenti della Filosofia def Bama, Accademia Lin cel, Roma, 1892, GIORDANO BRUNO SOBRE O INFINITO, O UNIVERSO EOS MUNDOS Tradugau de Hella Barriwo © Nestor Deola (Ejiistila Preaaiuiar) Spel ia Teli ee beet) a * EPISTOLA PREAMBULAR PARA OILUSTRISSIMO SENHOR MICHEL DE CASTELNAU Senhor de Mawvissiére, Coneressauit e Joinville, Cavaleiro da Ordem do Rei Criscianissimo, Consethetro do seu Conselho privade, Capitdo de cinglienta homens de armas, ¢ Embalxador Junto a Serenivsima Rainka dé Ingleterra. Se eu, ilustrissimo Cavaleiro, mangjasse um arado, apascentasse wat rebanho, culti- vasse uma horta, remendass¢ uma veste, ninguém me daria atengiio, poucos me abserva rium, raras pessoas me censurariam © eu poderia facilmente agradar a todos. Mas, por ser eu delineador do campo da nutureza, por estar preocupado com o alimento da alma, intecessado pela cultura do espirito e dedicado & atividade do intelecto, eis que os visados me umeagant, Os observados me assaltam, 08 atingidos me mordem, os desmascarados me devoram, E no é x) um, nao so paucos, sin muitos, s2o quase todos, Se quiserdes saber por que isto acontece. digo-vos que o motive é que tudo me desagrada, detesto o vulga, a multidio ndo me contents. Somente uma coisa me fasgina: aquela em virtude da qual me sinto livre na sujeigio, contenta no sofrimento, rico na indigencia ¢ vivo na morte. Aquela em virtude da qual iio invejo os que S80 servos na liberdade, sofrem no. praxer. sio pobres nas riquezas e mortos em vida, porque trazem no proprio corpo 0s gr Thdes: que as prendem, no espirito o inferno que os oprime, na alma o erra que os debilita, fa mente o letargo que os mata, No hi, por isso, magnanimidade que os liberte nem longanimidade que os cleve, neni esplendor que os abrilhante. nem ciéncia que 0s avive, Dai suesde que alo arredo o pé do arduo caminho, como se estivesse cansado. Nem, por indoléncin, cruzo os bragos dante da obra que se me apresenta. Nem, qual desesperado, volto as cosas aa inimigo que se me apde. Nem, como desnorteado; desvio es athos do divino objeto. No entanto, sinto-me geralmente apontado como um sofisti, que mais se preccupa em parecer sutil do que em ser veridica. Um ambicioso. que mais Se esforga por suscitar nova ¢ falsa seita do que consolidar a antiga e verdadeira. Um Wapaceiro, que persegue avidamente 0 resplendor da gldria. prajetando as trovas das erros. Um espirito inquieto que subverts os edificios da boa disciplina, tornando-se maguitader de perversidades, Oxali, Senhor, os santos numes afastem para bem longe de mim todos aqucles que injustamente me edeiam. Que sempre me seja propicio o meu Deus. Oxald me sejui favoraveis todos os gavernantes do nosso mundo, Oxalit os astros 4 BRUNO me tratem tal como a semente o faz a0 campo ¢ o campo a semente. de forma que aparc~ 8 a0 mundo algum fruto itil e glorioso do meu trabalho, por despertar o espirite © abrir ‘9 sentimento dqueles que estae privados de luz, Pais, em verdade, cu no me entrego & fantasias, e, se erro, nio creio errar intencionalmente; falando e escrevendo, nao disputo pelo simples amor da vitéria em si mesma (porque eu considero inimigas de Deus, abje- tag sem motivo de honra todas as reputagdes e vitérias, quando nao fundamentadas na verdade), mas por amor da verdadeira sabcdoria ¢ por dedicagdo a verdadeira conteme plagdo eu me afadigo, me sacrifico, me atormento. Eis 6 que irao comprovar os argumen- tos demonstrativos, baseados em racincinios validos que procedem de um j informado por imagens no falsas, as quais, como verdadeiras embaixatrizes. despren- dem-se das coisas da natureza e se tornam presentes Aqueles que as procuram, patentes aqueles que as contemplam. claras para os que as assimilam. certas para todos aqueles que as comprcendem. Eis. pois, que agora vos apresento a minha especulagao acerca do infinito, do universo ¢ dos mundos inumeriven Argumento do Primeiro Didlogo Encontrareis, portanto. no primeira didlogo: Primeira, a inconstancia dos sentidos demonstra que ¢les niio siio prinefpio de certe- xa ¢ aio & determinam senao por certa comparagdo e conferéncia de um objeto sensivel com outro ¢ de uma sensago cam outra. Dai se infere que a verdade é relativa nos diver 80s sujeitos. Sequtdo, inicia-se a demonstrar a infinidade do univers, ¢ s@ apresenta o primeiro argumento, tirado do fato de ndo subsrem onde termina o mundo aqueles que por obra da fantasia querem Ihe fabricar muralhas. Fereviro, © seguinte argumento se depreende de fato de ser inconveniente afirmar que o mundg é finito e que existe em si mesmo, porque isto convém waicamente 20 ilimi- lado. A seguir, tira-se © terceiro argumento da inconveniéneia ¢ impossibitidade de ima- ginar o mundo como existinde em nenhum lugar. pois de qualquer modo se coneluiria dai pela sux inexisténeia, alendendo que Lodas as coisas, sejam clas corpéreas ou incor- ndrews, corpérea ow incorporeamente, significa lugar. Quarto, este argumente decorre de uma demonstragio ou questiio muito premente, que fazem os epicuristas: Depois, sv se aceilar que todo @ espace é finito e se alguém chegar corrende wos tiltt mos bordos ¢ dat iangar um volétil dado, achas que. arremessado com toda a forga, s¢ divigiré aonde foi atirado, voando ao Jonge, au te pureve gue alguma coise 0 poderd impeidir ou deter? Efetivamente, quer haja win obstéculo que o impeca de atingir 0 ponro eonde foi arremessaio, ai parando, quer prossiga a carrelra, 0 que é certo é que ndo partiu do extreme limite." Quinta, 4 delinigie de lugar, proposta por Aristételes, nao convém an primeira, maior ¢ mais comum dos lugares. Nem vale tomar a superficie prixima ¢ imediata 20 Lverteio. da Mararese 1.98 T2977. 79. (Nada TS) SOBRE 0 INFINITO 5 sonteido, ¢ outras leviandades que fazem do lugar uma coisa matematica e nio fisica. Admito que entre a superficie do continente e do conteddo, que nela se move, sempre & necessario que haja espago interposto. ao qual convém, antes de tudo, ser lugar. se qui- sermos tomar do espago apenas a sua superficie, & preciso que s¢ va procurar no infinito um lugar finito, Sexto, nao se pade fiigir ao vécwe sepondo © mundo finito, se 9 vacuo & aquilo em que nada existe, ‘Sétima, assim como o espago am que esti este mundo seria o vacuo se ai nao se encontrasse este mundo, assim também onde nao esta este mando se supde o vacuo. Por- tanto, fora do mundo este espaco nao é diferente daquele: logo, a aptidao que este possui aquele também possui. Por conseguinte, possui também o ato, porque nenhuma aptiddo @ elena sem ato e por isso tem eternamente o ato unido. ou melhor. ela propria é ato, dado que no eterno nao sao diferentes o ser ¢ 0 poder scr. Gitava, nenhum dos sentides nega o infinita, visto que néo 9 pademos negar, pelo fato de niio compreendermos © infinite com os sentidos; mas, como os sentidos siio compreendidos por ele ¢ a raz&o vem confirma-lo, somos obrigados a admiti-lo. Alias. se considerarmos mais atentamente, os préprios sentidos o poem infinito, porque sempre vemos Uma Coisd compreendida por cutra ¢ jamais percebemos. nem com os sentidos externos nem com os sentidos internos, uma coisa niio comprecndida por outra. ou algo parecido: Finalmente, peto que se passa d nossa vista, cada objeto parece limitar outro objeto: 2 ar limita as colines, os montes limitam 9 ar, e @ terra 0 mar, e, por sew turno, o mar ter- mina todas as terras; mas, na verdade, nada hd, pura aiém do lode, que ihe sirva de Uinaite. Efetivamente, por todo o lado, abre-se ds coises, em toda diregdo, um espago sem timites.* Portanto, pelo que vemos é necessario afirmar o infinito, porque nenhuma coisa nos ‘corre que nao seja terminada por outra, ¢ nfo temos experiéncia de nenhuma que seja terminada por si mesma, Nono, nao se pode negar 0 espaga infinito seniio com as palavras, como 0 fazem os obstinados, tendo considerado que o resto do espago onde nio hi mundo e que se chama véicuo, ou também se imagina como o nada, ndo se pode entender sem uma aptidiv para conter loutro mundo! niio menor do que este que ja contém, Décimo, assim como & bom que exista este mundo, é igualmente bom que exista cada um de infinitos outros. Décimo primeiro, a bondade deste mundo nao é comunicavel 2 ouro mundo que possa existir, assim come o meu ser nda & comunicivel ao ser deste ou daquele. Décimo segundo, nem a razio nem os sentidos consentem que, como se admite um dividuo infinito, sumamente simples ¢ concentrado, nao s¢ deva admitir um individu corpéreo ¢ explicito. Déeime terceira, este espago da mundo, que nos parece tho grande, nao parte nem % todo em relagao ao infinito, nao podendo ser sujeito de uma operagiio infinita, em fave da qual é um nio-ser tudo aguilo que a nossa insuficiéncia pode compreender. E se res- pande a eerta objepio, que nds nde postulamos o infinits em virtude da dignidade do © Luerexio: 2e Numurvea, 1, 998-1001, 1006-1007. (N. do Tp € BRUNO eypago, mas sim em virtude da dignidade das natureaas; pois a razdo que justifica a exis: téncia disto justifica também a de tudo aquilo que possa existir. cuja poténcia nia é atua- da pelo ser deste, como a poténcia do ser de Elpino nao ¢ atuada pelo ato do ser de Pracastério. Décime quarta, se a poténcia infinita ativa realiza o ser corpéree e dimensional, este deve nevessariamente ser infinito; doutro modo, altera-se essencialmente a natureza a dignidade de quem pode fazer ¢ de quem pode ser feito. Décimo quinto, este universo, tal como é vulgarmente concebido, niio se pode dizer que compreende a perfeigio de todas as coisas, sendo como eu compreendo a perleigao de todos os meus membros. ¢ cada globo tudo aquilo que esti nele. Em outras palayras, & rico todo aquele a quem nao faita nada dayuilo gue tem. Décime sexto, de quaiquer modo, 6 eficiente infinito seria deficiente scm a cfcito, ¢ no podemos entender que tal efcito seja apenas ele proprio. Acresce que por isto, sc assim for ou se é, nada se tira daquilo que deve existir no que é verdadeiramente efeito, onde os tedlogos chamam de agao ad exira (para fora) e transitdria, distinta da agie ima- mente; porque, assim, € conveniente que scjam infinitas tanto una como a outra. Décimo sétimo, afirmando, segundo 0 nosso ponto de vista, que o mundo é ilimita- do, consegue-se a paz clo intelectos mas, dofendendo a posigao contriria, surgem sempre imumeraveis dificuldades ¢ inconvenientes, Além disso, faz-se a réplica ao que foi apre- sentado no segundo ¢ no terceiro itens [deste didlogol. Décima oitave, se o mundo é esferioo, tera forma ¢ limite. ¢ o limite que esti pat além deste ser que possui forma e limite (ainda que agrade a alguém chami-lo de nada) também possuira forma, de sorte que o seu cdncavo esteja junto ao convex deste mundo, porque, onde comega aquele rade pelo menos ali existe uma concavidade indis Cinta da superficie convexa deste mundo. Décima nono, acrescenta-se alguma coisa ac que ja foi dito no segundo. Vigdsimo, faz se uma replica ao que foi discutido na décimo. Na segunda parte deste didlogo, 0 que ficou demonstrado quanto 4 poténcia passiva do univers se demonstra também para a poténcia ativa do eficiente, com varias razdes a mais; a primeira delas conctui-se do fato de a divina poténcia néo dever ficar ocinsas tanto mils ponde o efeite fora da propria substincia (se $ que se admite existir alguma goisa fora desta); ¢ do fato de néo ser menos ociosa ¢ invejasa produzindo efeito finito, do que nao produzinde nada. A segunda razio se tira da pratica, pois no caso contrario se suprime a razao da bondade ¢ da grandeza divinas, E desta nossa proposigde nao deri- va inconveniente algum contra qualquer lei ow ensinamento da teologia. A terceira muito semelhante 4 décima sepunda da primeira parte. ese torna a apresentar a diferenga entre © todo infinito e © totalmente infinite. A guarta mostra que, niio s8 por no querer, mas também por ado poder, a onipoténcia & censurada por ter feito @ mundo finito € por Serum agente infinite em relagao a um sujeito finite. Aquinta induz que se [o agente infinito] nao faz © mundo infinito, nao pode absolutamente fazé-lo; &, se ndo tem poder para o fazer infinito, ndo pode ter vigor para © censervar no infinita, ¢ que, se é finite segundo uma razao, ver a ser finite segundo todas as razSes, pois nele cada modo ¢ coisa, ¢ toda coisa ¢ modo so uma ¢ a mesma coisa. A sexta é convertivel na décima da primeira parte. E se aduz a causa pela qual os tedlogos defendem o contrario, nao sem uma razdo plausivel, e se fala da amizade entre eates doutas eax deutos fildsafox, A Séllma razi0 propée o argumento que distingue 2 potancia ativa das diversas aydes ¢ resolyc (ais diffculdades. Demonstra-se, além disso, a poléucia imwnsiva ¢ exten- SOBRE 0 INFINITO 7 sivamente infinita com uma profundidade jamais atingida pela Comunidade dos teblogos, Pela oftava prova'se que o movimento dos mundos infinitos no é originade por motor extrinseco, mas pela prépria alma deles, © como, apesar de tudo isto, existe um motor infinito, ‘A ntona razio demonstra camo 0 movimento intensivamente infinito se verifica em sada um dos mundos. Ao que se deve acrescentar que do fato de wm mével se mover ¢ ser movide, simultancamente, resulta que pode ser visto em cada panta do cireulo que faz em tomo do proprio centro. Mas teremos outras oportunidndes para responder a esta objegao, quando far licito apresentar a doutrina mais conhecida. Argumento do Segundo Didlogo © segundo dillogo segue as mesmas conclustes. Em primetro lugar. apresenta qua: tro razdes. a primeira das quais se basein no fato de todos os atributos da divindade serem como cada um. A segunda provém do fato de que-a nossa imaginagao nao deve poder se estender mais do que a agio divina, A tereeira, da absoluta identidade entre o intelecto ea ago divina, que aio entende o infinito menos do que o finito. A quarta Prova que, se a qualidade corpirea, isto a qualidade que nos & sensfvel, tem poténeia infinjta ative, o que niio acontecera com a que existe em toda a poténcia ativa e passiva absoluta? Segundo, demonstra-se que uma coisa corpérea nao pode ser limitada por uma ‘coisa incorpirea, may pelo vécuo ou pelo pleno. E. de qualquer moda, fora do mundo existe © espace, que, afinal, nao & mais do que a matéria ¢ a propria poténcia passiva, onde a niio invejosa ¢ nao ocivsa poténeia ativa deve se transformar em ato, Também se semonstra a inconsisténcia do argumento de Aristételes aceroa da impossibilidude de coexistincia das dimensdes, Fereeiro, ensina-se a diferenga que existe entre o mundo ¢ o universo, pois quem diz a universo infinite ¢ uno faz necessariamente distingaio entre estes dois nomes. Quarto, apresentam-se as razdes comtririas, pelas quais s¢ julga o universe finito, Aqui Elpino menciona todas as sentencas de Arisniteles © Fildteo as vai examinando. Algumas sio tiraday da natureza dos corpos simples, outras da naturezn dos corpos compostos. Demonsira-se ainda a inconsisténcia de seis argumentos inferidos da defini. sho dos movimentos, que nao podem ser perpétucs, ¢ de outras propasigGes semaethuntes, que nao apresentam fundamentw algum, coma se verifica pelos nossos raciocinios, Estes fardo ver mais naturalmente a racio das diferengas © tema do movimento, ¢, quanto o permite i oeasiiie © © lugar. mosteam o conhecimenta mais real acerea do impuls grave ¢ leve. Parque por exion racioeinios demonstramos como 0 evrpo infinito no & grave nem leve © como 0 corpo finito pode ow nic softer {ais alteragdes, E dai ve torna finda mais evidente 2 inconsistineia dos argumentoy de Aristoteles yuey pura atacar as posigdes dagueles que consideram @ mundo infinito, pressupde o meio e.# cireunferéncia, Pretendende que a terra ocupe o centro no finito ov no infinko, Em conclusio. nao existe argumenta prande au pequeno. que tenha indurido esse fildsofe a destruir a infinidade do mundo, tanto no primeiro livre Do Céw e Mundo, como no tereeiro Ba Auscultado Fisica, averea do qual no se discorre mais do que o suficiente & BRUNO Argumento do Terceiro Didlogo No teroeiro didlogo negn-se, em primeiro lugar, aquela fantasia tola sobre a forma, as esferas ¢ os diversas clus, ¢ se aflrma ser dnicu © céu, que é um espaco geral que abar- ca 0s infinitos mundos, se bem que ndo neguemos serem muitos, antes, infinitos os céus, tomando esta palavra em outra acepgao. Pois, como esta terra possui o scu ctu, que & a stia fegidio, na qual se move ¢ a qual percoree, assim cada uma de todas as outras inume- riveis terras. A seguir declara-se como foi que se imaginaram tais e tantos méveis defe: rentes, formados de tal modo que apresentem duas superficies externas ¢ uma cavidade interna. E outras receitas ¢ medicamentos que provocam nauseas-¢ horror aos proprios que 63 ordenam © cxccutam, ¢ aos miseros que os ingerem, Segundo, adverte-se que o movimento geral ¢ 0 dos assim chamadas excéntricns © de quantos se possam referir a tal firmamento sso todos fantitsticos. Que. realmente. depcndem de um movimento que a terra faz com o seu ceatro, pela ecliptica, € outras quatro eapécies de movimento que executa em torno do centro da propris massa. Donde se conclui que o movimento proprio de cada estrela se toma da diferenga que, subjetiva- mente, sé pride verificar nela, como mével que se move per si proprio no campo do espa- 0, Esta consideragdo nos faz compreender que todas as argumentagses acerca clo movel e do movirnento infinito so vis e fundadas sobre a ignoriincia a respeito do movimento deste nosso globo, Terceiro, afirma-se que nio existe estrela que nao se mova como esta ¢ #3 outras que, por nas serem vizinhas, nos fazem conhecer sensivelmente as diferengas loeais dos seus movimentos, Mas que & diferente o modo de s¢ moverem os séis, que sia corpos onde predomina o fogo, da modo de se movereny as terras, onde a gaa predomina, E finalmente s¢ demonstra de onde provém a luz difundida pelas estrelas, das quais algu- mas brilham por si préprias ¢ outras por influéncia alheia. Quarto, mostra-se de que mancira os corpos extremamente distantes do Sel podem igualmense, como aqueles que estio mais proximos, participar do calor, refutando-se a sentenga atribulda a Epicuro, segundo a qual pretende que um sol seja bastante para 0 universo infinito. Apresenta-se¢ a verdadcira diferenga entre os astros que cintilam e 08 que nao cintilam. Quinro, examina-se a afirmagio de Nicolau de Cosa x respeito da ma possibilidade de os mundos serem habitados ¢ a respeito da razio da luz. Sexto, embora existam corpos por si luminosos ¢ quentes, nem por isso o sol brilha para o sol, nem a terra brilha para a terra, nem a agua para @ propria dgua, mas a luz provém sempre do astro oposto, coma vemos sensivelmente todo o mar resplandecente, ‘quando nos encontramos em lugares elevados, como nos montes, E extando nds no mar ‘ou no prdprio campo, nao os vemos resplandecer sendo quando, a poucs distancia, a luz do sol ou da lua se Thes opde, ‘Sétimo, discorre-se averea da inconsisténcia das quinta-cisencias. E 50 declara que todos 0s corpos sensiveis nio sie diferentes ¢ ni sdo constituidos por outros proximos ¢ primeiras principios que nao sejam estes; ¢ que ndo se movem de outro modo, tanto em. fnkia reta quanto em circulo, Tudo sera teatado com razdex mais aeomodadas:0 senso comym, enquanto Fracastorio se acomoda a capacidade intelectual de Birquio, Torna-se também evidente que ado existe aqui acidente que niio se pressuponha la, como nao hi ue da SOBRE O INFINITO * coisa que fi se Veja dagui, a qual, se bem considerarmos, no se veja aqui, de la. Conseqtientemente, a bela ordem e hierarquia da natureza é um sonho ingénuo eum gra- cojo de velhas deerépitas. ‘Ditava. prova-se que, embora seja verdadeira a distingfio dos elementos, nao existe de modo algum essa ordem sensivel ¢ inteligivel dos elementos, como vulgarmente sc supe. E, segundo o proprio Aristételes, os quatro elementos so na mesma proporgio partes ou membros deste globo, se niio quixermos assegurar que a digua excede os outros, De onde, com justeza, os astros sio chamados ora de agua, ora de fogo. tanto pelos verdadeiros fildsofos naturalistas como pelos divinos profias ¢ poetas, que nde contam Abulas nem falam por metiforas. deixando aos pretensos fildsofos essas fabulas ¢ pueri- lidades. Assim se compreende serem 0s mundos estes corpos heterogéneos, estes animais, estes grandes globos, em que a terra nao é mais grave do que os outros elementos ¢ em que todas as particulas se movem, mudando de lugar ¢ disposigada, do mesmo modo que © sangue outros humores, espiritos ¢ particulas que em nds e noutros pequenos animais fluem. refluem, influem ¢ efluem. A este propisite se evora uma comparagio pela qual se verifica que a terra, pelo impulso para o centro da sua massa, nfo se torna mais pesa- da do que outro corpo simples que concorra para esta composi¢ao, E que a terra, por si, ndo é grave, nem sobe nem deses, Que a agua é que produz unilio, a densidade, a cspes- sura e a gravidade. None, da inconsisténcia da famosa ordcm dos elementos se infere a razio dos cor- pos sensiveis composts, 0 quais, como Cantos animais ¢ mundos, existem no espagoss campo que é 0 ar, 0 céu, 0 vicuo, Aqui se encontram todos os mundos que ndo con- tém menos animais ¢ habitantes do que este mundo possa conter, atendendo que niio pos suem menor eficiéncia nem outre naturees. Décimo, depois que sé viu como costumam disputar os pertinazmente facciosos e ignorantes, de intengao perversa, torna-se bem manifesto par que modo, na maior parte das vezes, costumam conciuir as disputas: Conquanto alguns sejam tio circunspectos que, sem se alterar em nada, com um sorrisinho de excérnio, uma risota, certa malicia afetadaments modesia, naquilo que nao querem provar com razées que nem eles proprios seriam capazes de compreender. pretendem, com estes artificias de desdenhos corteses, nao s6 encobrir-a propria ignorancia, que se torna evidente em todas as suas manifesta. ges. mas também langi-la sobre 0 seu antagonista. Porque eles nio vem disputar para encontrar ow procurar a verdade, mas para conquistar uma vitdrla, ¢ parecerem mais s4- bios ¢ incunsaiveis defensores da opinilo contraria. E, assim, (ais pessoas deve ser evi- ladas por quem nao tiver uma boa couraga de paciéncia, Argumento do Quarto Didlogo No diiilogo seguinte, primeira, repeto-se 0 que outras vezes foi dito, como so infini 10803 mundos, como cada um deles se move ¢ come & Formado, Segunde, do mesmo modo como se refuraram, no segundo diflogd, 04 urgumentos gue opinam contra a massa infinita ou grandcza do universo, depois que no primeiro, com muitas razdes, determinau se o ilimicado efeito do imenso Vigor poténcia. no pre sente, depois de ter-se afirmado no teresiro didlogo, a multiddo infinita de mundos, destroem-s¢ as muitas razGes de Aristételes contra aquela, se bem que a palavra mando tenha significados diferentes em Aristdtcles, Demécrito, Epicuro c outros, 10 BRUNO: Quanto 20 movimento natural ¢ violento, ¢ respectives argumentos apresentados por ele, entende Aristiteles que uma terra deveria sc mover para a outra. Ao rebater ess argumentacao, primeiro enunciam-se fundamentos de nao pouca importancia para des- cobrir os verdadeiros principios da filosofia natural: segundo, deciara-se que, embora a superficie de uma terra fosse contigua 4 outra, no aconteceria que as partes de uma se pdesser mover parn a outra, entendenda se aqui as partes heterngéneas ou desseme: Thantes. nao os dtornos ¢ os corpos simples. De onde se aprende a cxaminar melhor natureza do grave e do leve. Terceire, por que motive estes grandes carpos tém sida colocados a tanta distincia pela natureza, e nia esto mais proximos uns dos outros, de mancira que se pudesse pas- sar de um para o outro, F, por fim, quem observar profundamente vera a razdo por que nao devern existit mundos na circunferéncia do éter, ou proximos do vicuo, onde no existem poténcia, eficiéncia ¢ ato, porque de um lado eles nio poderiam receber vida © luz. Quarre, como a distancia local pode mudar ou nao a natureza do corpo. E por que acontece que uma pedra, colocada eqiidistante de duas terras. ou permaneceri imovel, ou determinar mover-se pata uma de preferéncia & outra, ‘Quineo, quanto se engana Aristétekes naquilo que entende por impulso de gravidade ou leveza de um corpo ¢m relagio a outro, embara distantes. E donde procede 0 descjo de as coisas quererem se conservar no estado presente, apesar de igndbil, deseiy este que S causa de fuga ¢ de perseguigiio, Serto, que 0 movimento retilineo nao convém A terra ou a outros corpos principais. nem hes pode ser natural, mas 0 € das partes destes corpos que para eles se mover dos varios ¢ diferentes locais de espaco. sempre que nao estejam muito afastados, ‘Séimo, os cometas permitem provar nao ser verdade que o grave, conquanto longinguo, tenha impulso ow movimento para o seu continente, Tal suposigao decorre nao dos verdadeiros principios fisicos mas das hipdteses filoséficas de Aristéveles, que forma ¢ estrutura as cometas com partes que si vapores € cxalagdes da terra, Dilavo, 2 propasito de um outro argumento, demonstra-se como os corpos simples, que so da mesma espécie nos outros mundos inumeriveis, se movem da mesma mane ra. E como a diversidade do nimero implica a diversidade de lugares, ¢ cada parte possui © seu centro e se relaciona com 0 meio comum do todo, mas este meio nao deve ser pro- curado no universo. Nono, se estabelece que 4 corpo © Suis partes nZio Lim uma posigtio deterininada em cima ou embaixo, a nio ser enquanto a discussiio se desenvolve aqui ou acol Décimo, como o movimento ¢ infinito c como o mével tende para o infinito.¢ para inumerdyeis composigdes. E nem por isso deriva dai uma gravidade au leveza com velo- cidade infinita. Que o movimento das partes proximas nie pode ser infinito, enquanto clas conservam © proprio ser, Que o impulse das partes para o seu continente nao pode ‘existir sendo dentro da regido deste, Argumento do Quinto Didlogo No principio do quinto didlogo se apresenta uma personagem dotada de inteligéncia mais feliz que. embora nutrida pela doutrina contraria, por ter capacidade de julgar sobre 9 que viu e ouviu, pode distinguir as diferengns entre uma e outra, ¢ facilmente reeonhece SOBRE O INFINITO " © crro s se cornige. Aponta-se quem sao os que admiram Aristoteles como um milagre da halureza. porquanto aqueles que 0 exaltam compreendem-ng muito mal ¢ so pouco inte- ligentes. Por isso devemos ter u6 de tais individuos e fugir de suas discusses, porque, com eles, s6 temos a perder [nosso esforgo ¢ nosse tempol. Aqui Albertino, novo interlocutor, apresenta doze atgumentos em que se encerra toda a coaviegao contraria a pluralidade ¢ multidio dos mundos. Q primeiro parte da idéia de que fora do mundo mao ha lugar, nem tempo, nem vicu, nem corpo simples nem composto. O segundo. da unidade do motor. O terceira, dos lugares dos corpes mé- veis, O quarto, da distancia dos horizentes ao centro. O quinto, da contigiidade de mais mundos orbiculares, © sexto, dos espagos triangulares que [tais mundos} causam com seu contato. O sétimo, do infinito em ato, que ndo existe, ¢ de nm determinada nimero que mio € mais ldgico do que o outro, Desta razao nds pademor nio 4 legitimamente, mas com grande vantagem, inferir que o niimere ndo deve ser limitado, mas infinito, O vitave, da timitagao das coises naturais, ¢ da poténcia passiva das coisas, que nao sorresponde 4 eficdcia divina ¢ A potincia ativa, Mas agui se deve considerar que ¢ sobremaneira inconveniente que o primeiro c altissimo sefa semethante a um que tem capacidade de tocar harpa mas nao toca, por defeito da harpa; ou seja. um que pode fazer mas no faz. pois aquilo que pode fazer nao pode set feito por ele. Isto encerra uma contradi¢do mais que evidente, a qual nia pode ser desconhecida, exceto pelos que nilo conhecem nada. © nono, da bondade civil, que consiste na conversagio, O décime pre- tende provar que, pela contigiidade de um mundo com o outro, 0 movimento de um im- pede o movimento do outro. O décinze primeiro, se este mundo & completo e perfeito. nao ha necessidade que se the junte outro, ou se the jumem outros, Estes silo os motivos ¢ as dividas, cuja solucdo encerra tanta doutrina, que bastam para descobrir os intimos ¢ radicais crros da filosofia vulgar, bem como a importincia € @ oportunidude da nossa. Eis aqui 2 razio por que nfo devemos temer que coisa alguma diflua. que nenhum elemento particular se disperse ou caia em verdadeira inani- ¢80, ou se espalhe no vacuo, que o desmembre no aniquilamento. Eis a azo do revezar- se das mutagdes do todo, pelas quais néo hd mal de que nao se consiga sair, nem bem no qual no se incorra, enquanto pelo espago infinito, devido & perpétua mutagiio, toda a substiineia permancce una ¢ sem alteragocs. Se estivermos atentos a essa contempla go, nenhum acidente estranho nos afastara por dor ou temor, nem nenhums fortuna nos distrairé por prazer ou esperanga, pelo que conseguiremos a verdadeira via pars a verdadeira moralidade, seremos magnanimos, desprezando aquilo que $6 pensamentos infantis apreciam. Certamente nos tornaremos maiores do que aqueles que 0 vulgo cego adora, porque seremos os sinceros contempladores da histévia da natureza, que esta excrita em nds mesmas, e metédicos executores das leis divinas, que estio esculpidas no centro do nosso coragdo. Saberemos que niio € diferente voar daqui para o céu ou do céu para cé, no € diferente subir daqui para ta ou de 14 para cd, nem é diferente descer de um para o outro limite. Nés nao somos mais circunferenciais em relagio a eles do que eles em relagiio a nds. Eles no estio mais no centro em relago a nés do que nés em relagdo a eles, nem de autre modi pisamos a estrela, ¢ estamos mais compreendidos pelo céu do que eles esto. Eis-nos, portanto, isentos de inveja. cis-nos livres da Ansie fitil ¢ do estulto cuidada ce almejar, como se estivesse muito distante, aquele ber que possuimos junto ¢ a valta de nds, Fis-nos mais livres do grande rescio de que eles eniam em cima de nds, do que Ssperangados de cairmos sobre cles, porque o mesmo ar infinito que sustenta este gloat sustenta aqueles também; assim, este animal se movimenta livremente pelo scu espago ¢ 12 BRUNO ocupa 2 Sua regitio, como cada um dos autros ocupa a dele. Oh! Quantas coisas mais no nos sera permitide meditar ¢ compreender, uma vex que tivermos considerado ¢ compreendido tudo isto! Dai, por meio desta ciéncia, obteremos certamente o bem gue, pels outras, em vaio se procura, Esta & aquela filosofia que desperta os sentidas, satisfaz a0 espirito, enaltece a inteli- gtucia ¢ reconduz © homem a verdadeira Felicidade que ele pode ter como homem, e que é relativa a sua natureza, porque o liberia da constante preccupagio com os prazeres ¢ do cego sentimento das dores, fazendo-o desfrutar a existéncia no presente, e temer menos ao esperar 0 futuro. Porque a providéncia, ou de faio ou por acaso, dispde das Vicissitudes do nosso ser particular o naa quer nem permite que saibamos de um mais de que ignorames do outro, tornando-nos duvidosos ¢ perplexos a primeira vista ¢ a0 pri- meire contato. Mas enquanto consideramos mais profundamente o ser ¢ a substincia daquilo em que somos imutiveis, ficaremos cientes de que nao existe a morte, niio sé para nd como também para qualquer substiineia, enquanto nada diminui substancial- mente, mas tudo, deslizando pelo espago infinito, muda de aparéncia, E porque estamos todos sujeitos 2 um étimo eficiente, ndo devemos erer, julgar © esperar outra coisa senio que, como tudo ver do bom, assim tudo é bom, pelo bom para o bom: do bem, pelo bem ¢ para o bem, O contrario disto aparese unicamente aqucle que #6 percebe o estado presente, como a beleza de um edificio néo se manifesta ao que olha apenas uma parte minima dele, como uma pedra, um pedago de cimento, uma meia parede, mas principal. mente a0 que pode ver o conjunto e que tem capacidade para fazer comparagdes entre as partes. Nao temamos que tudo o que esti acumulado neste mundo, pela veeméncia de qualquer espirito crrante, ou pelo desprezo de qualquer Jupiter fulminador, se disperse fora deste timulo ow copula de ctu, ou se sacuda ¢ s¢ esparrame como um pd para fora deste manto estrelado, ¢ que a natureza das coisas possa vir a ser destruida na sua subs- tincia, da mesma maneira como se desfax 0 ar que percehemos estar encerrado na voncavidade de uma bolha, Porque conhecemos um mundo cm que uma coisa sucede sempre a outra coisa, sem que exista uma forga Gltima, profunda, pela qual, como da mio do artifice, irreparavelmente se converta em nada, Niio existem fins, termos, mar- gens, muralhas que nos defraudem ¢ roubem a infinita abundancia das coisas. Dai ser fecunda a (erra eo seu mar; dai ser perpétua a chama do Sol, subministrando sterna- mente alimento aos fogos varazes e humores aos mares empabrecidos, porque do infinito sempre renasce nova abundlincia de matéria, De mancira que Demécrito © Epicuro compreenderam melhor, ao pretenderem que tudo se renova ¢ se recompe infinitamente, do que aqueles que se esforgam por salvar a eterna constancia do universo, a fim de que ‘© mesmo niimero suceda sempre ao mesmo nimerc ¢ as mesmas partes da matéria sem- pre se transformem nas mesmas partes, Providencial agora, senhores astrOlogos, com a ajuda dos lisicos vossos imitadores, para que vossos circulos descrevam as fantasiadas nove esferas moveis, nay quais enoar cerais @ vosso cérebro, de maneira que me pareceis como tantas papagaios engaioladas, enquanto vos vejo saltitar para ca ¢ para li, cabriolando ¢ dando voltas enire aqueles cir- culos. Sabemos que um Uio grande imperador nao possui trono to mesquinho, to mise- 16 sdlio, (Go angusto tribunal, uma corte tio pouco numerosa, um simulacro tio pequeno ¢ insignificante, que possa ser dado luz por um fantasma, destruide por um sonho, restabelécido por uma mania, disperso por uma quimera, diminuido por uma desventura, arrebatado por um engano, restituide por um pensamento; que com um sopro se encha © com um sorvo se esvazie, Mas & um retrato grandioso, admiravel imagem, excelsa figu Fa, altissimo vestigio, representante infinite do infinito representado e espetéculo conve- SOBRE O INFINITO nicnte a excelencia ¢ eminéncia de quem nio pode ser percebido, nem abareado, nem apreendido, Assim se enaltece a exceléncia de Deus, se manifesta a grandeza de seu impéria, Ele nao é glorificado em um s6, maz em inumerdveis sis: no numa terra, num mundo, mas num inilhio, quero dizer, em infinitos. De sarte que no é va esta Faculdade do intelecie, que sempre quer ¢ pode juntar espaga a espago, massa a massa, unidade 2 unidads. nimero a nimero, por meio da eiéneia que nos liberts das cadeias le um angus- ssimo império, para nos promover a liberdade de unt império augustissimo, que nos arranca da pressuposta pobreza ¢ estreiteza para nos dar as inumerat riguezas de tanto espago. de téo digno campo, de tantos mundos cultas, evitando que 0 clreulo do horizonte, falso a vista na terra ¢ imaginado pela fantasia no éter espagoso, encarcere o nosso espirito sob a guarda dé um Plutio ¢ mercé de um Jupiter. Scjamos livres da tutela de um tao rico possessor e. go mesmo tempo, tho parco, sérdido ¢ avaro doador,¢ de sustento de tio focunda ¢ generosa mas depois to mesqui nhe © misera natureza. Muitos outros sio os dignos ¢ honrados frutos que se recolhem destas drvores, ou- {ras as messes preciosas e desejiiveis que se podem colher desta semente espalhada, Mas: ara no ineitar mais a cega inveja dos nossos adversiirios, no vamos relembrar aqui todos esses frutos, desejando. no entanto. que os compreendam peks sew proprio juizo aqueles que podem compreender ¢ julgar, Por si mesmas poderio construir facitmente, sobre estes alicerces. 0 edificio inteito da nossa filosofia. cujos membros reduziremos 3 ‘Go almejada perfeicao. se assim agradar a quem nos governs ¢ move ¢ se nao for inter. rompida a empresa iniciada. a fim de que tudo o que est’ semeado nas didlogos Acerca da Causa, do Principio ¢ da Unidade para alguns germine, para outros eresea. para ou- tros amadurega. € gragas a uma abundante colheita enriquesa a outros e os satisfaga tanto quanto possivel. E. depois de havermos limpado 0 campo, extirpiando the todas as Pragas, © joio © demais ervas daninhas, poderemos abastecer o celeiro de estudiosas inteligéncias com o melhor trigo que possa produzir o terreno da nossa cultura. Entretanto, embora eu tenha a certeza de que no ha necessidade de o recomendar a vs, aiio deixarei, contudo, por fazer parte da minha obrigagio, de procurar que vos seja verdadeiramente recomendado aquele que ndo tendes mantido entre vossos familia. res como um homem dé quem tendes necessidade, mas camo uma pessoa que tem noces sidade de vés, por tantas ¢ tais razdes que bem conheceis, Considerando que. por terdes Junto de vés tantox que vos ser¥em, nio-sois diferente dos plebeus, tesourciros © mera dores, max por teres alguém digno de ser, de alguma forma, engrandacido. defendido ‘ajudado, sois, como sempre 0 demonstrastes e fostes, semelhante aos principes magnani mos, herdis ¢ deuses. que cricram pessoas como vds para x defesa dos seus amigos. E agora tomo a liberdade de vos lembrar o que sei que niio é necessério recordar wos: que. final. niio podeis ser tio estimada pelo mundo ¢ recompensado por Deus. por serdes Amado ¢ respeitado pelos principes da terra, por maiores que sejam. quanto o sercis por amar, defender ¢ conservar um daqueles, Porque nflo hi coisa que ¥os possam fazer aqueles que vos sio superiores pela fortuna, muitos dox quais excedeis em virtude. que Venha a durar mais do que as vossas paredes ¢ tapegarias, Mas vés podeis fazer a outrem coisa que merega ser escrita no livro da etemidade, tanto naquele que se vé na terra como haquele que nds pensamos existir no céu; atendende que, quanto reeebcis dos outros & lestemunho da virtude deles. a0 passo que a muito que fazeis a outtem & sinal ¢ expresso indicio de vossa virtude. Adeus. ee toe - = — Portaato, da mesma forma que este espago pade. tem podido ser perfeite ec & necessariamente pertcita pela continéncia deste corpo universal, como voce afirma, assim Limbém pode ¢ tem podido ser perfeito todo 0 outro espago. Eupino — Concordo, eentia? Pode existir, pode estar; logo, existe? Logo esti? Fitotro — Se voce quiser admiti-le francamente, kvé-lo-ci a afirmar que pode exis que deve existir e que existe, Porque, assim como seria um mal que este espago nao fosse pleno. isto & que este mundo nao existisse; nilo o seria menos, em virtude de sua igualda- de, que todo 6 espago nao fasse pleno: e, por conseqiigneia,.o universo serf de dimensio infinita ¢ os mundos sero inumeraveis, ELpmio — Qual & a causa por que devem ‘ser muitos, ¢ nijo um 56? Fitoreo — Por que, se € um mal que cate mundo niio exista ou que este pleno no se encontre, este mal é relativo a este espago ou a outro espayo igual a este? ELPINo — Eu afirmo que & um mal reliitivo aquito que esta neste espago. que poderin diferentemente ser encontrado num outro espago igual a cate, FILoreo — Se vor? observa bem, isto nos leva a um Gnico porto: porque a bondade deste ser earpireo que existe neste espago, ou que poderia existir nam outro igual a este. ¢ proporcional ¢ rclativa a bondade propria é 4 perfeigdo que podem existir em tal ¢ tanto expago, quanto é este, ou outro igual a este, endo Aquelas que podem existir em inimeros fieuo se pos mente, porém niio tem a cora- SOBRE O INFINITO 8 ‘Outros espagos, somelhantes a este, Tanto muis que. se b4 radio para que exista um bem finite, um perfeito terminado, ha também razdo para que exista um bem infinito, porque, one o bem finito existe por conveniéneia ¢ razio, a infinita existe por absoluta necessidade. Etpixo — 0 bem infinite certamente existe, mas é ineorpSreo, Fores — Quanto ao infinito corpbrew estamas de acorda. Mas o que impede que © bem seja admitido como ente infinito? Que se opde.a que-o infinito, implicit nu simplis simo e nico principio, nio venha explicado neste seu simulaero infinite e nao termina: do, eapaz de conter indmeros mundos. em vez de ser explicado em limites tao estreitos, de forma a parecer vitupéria @ no pensar que este corpo, que 88 nos apresenta vaste gfandioso, em relagiio & presenga divina nao seja seniio um panto, un nada? Etpivo — Como a grandeza de Deus nio consisic de modo algum na dimensio corporal (ressalvo que o mundo mio Ihe acrescenta coisa algama), axsim nio davemos pensar que a grandeza do seu simulacro eonsista na maior ov menor grandeza de suas dimensties, Fitetro — Voces falam muita bem, mas ndo respandem an ponto essencial da questiio; Pomjue eu nda pracuro o espaga infinito, ¢,com efeito, a natureza nie possui espuco inf nito, pela dignidade da dimensao ou da grandeza cosporea, mas pela dignidade das natu- Teas v espécies carpéreas, visto que a exceléncla infinita se apresenta incompara velmente melhor em individuos inumeraveis que naqueles que io numerdveis ¢ finitos. E Necessirio. porém. que para uma forma divina inacessivel haja um simulacro infinito, no qual, como membros infinitos s¢ encontrem mundis inumeraveis coma cio os outros. Assim. por causa dos intimeros graus de perfeigdia, que devem explicar a exceléncia divi. aa — incorporea através dum modo corpireo, devern existir indimeros individuos, que sido estes grandes animais (um dos quais é esta terra, mie generosa que nos gerou, nox alimenta ¢ no nos receherd de volta) ¢ para os conter faz-s¢ necessario um espace infini. to, Evidentemente, € bom que cxistam, como podem existir, indmeros mundos seme- Ibantes u este. como tem podide ¢ pode exislir & bom que este exista, Exriva — Podemos dizer que este mundo finito, com estes astros finitos, compreende a perfvigdo de todas as coisas, FicoTro — Podem dizé-lo. porém nie podem prova lo; porque o mundo que existe neste espago finite possui a perfeigae de todas as coisas finitas que existem neste espago, max do aquela das infinitas coisas que podem existir em outros inumeraveis espagos. “RACASTORIO — Por favor, puremos ¢ nao faganxas como as sofistas, que discutem para veneer, © depois, enquamo xdmiram. a palma da vitiria, impedem a eles mesmoas ¢ 10 outros de compreenderem a verdade, Agora eu acredito que nao exista pessoa tie pérfida € teimosa que, a respoito da questiio do espago que pode infiditamenie compreenler ¢ a respeito da questio da bondade individual e numeral dos mundos infinitos que podem ser compreendidos to bem quanto este par nés conhecida, insist em negar deslealmente que todos eles possuem conveniente razio para existir. Pois o espace infinito possul apt- dao infinita, © nesta infinite aptidiio se touva o infinite ato de existéncia: pele que o efi- Giente infinite ndo pode ser considerado deficiente, e a aptidao nao ¢ va, Contente-se, pois, Elpino, em escutar outros urgumentos, se mais alguns ecorrem a Filéteo, ELrino — Vejo muito claramente, para dizer 9 verciade, que considerar o mundo ilimita do, como voeés sonsideram o universo, niio traz consigo inconveniente ulgum, € até nos liberta de iniimeras angistias que nox envolvem se alirmamos o contriirio. Reconhego especificamente que muitas vezes. com 05 peripatétions, é necessirio dizer eoias que, do hose ponto de vista, no 1m fundamento algum: como, depois de ter negado o vacuo, tanto fora como dentro do universo, querer também responder & pergunta relativa ao 20 BRUNO lugar onde se encomtra este universo; ¢ afirmar que cle esteja nas suas partes, por medo de afirmar que nae exista em lugar algum; como na afirmagae “nullibi, nusquam”. Mas nao se pode evitar de considerar que desta forma é necessario dizer que as partes se encontram em algum lugar, ¢ 9 universo no se encontra em lugar algum nem em espago algum; e isto, é bvi0, nao pode ter fundamento algum, mas significa expressamente uma fuga pertinaz para ndo confessar a verdade, admitinds o mundo e © universo infinitos, ou ‘© espago infinito; ¢ ambas as posigdes Ievam quem as sustenta a uma dupla confusia. Alirmo, entdo. qué se 9 toda & um corpo, € corpo esférico, conseqiientemente figurado.¢ limitado, & necessario que seja limitado crn espago infinite; no qual, se quisermos afirmar que existe o mada, & nevessiirio conceder que cxiste 0 verdadeiro vacua; ¢ se de fat existe © vacuo, deve ser capaz de conter outras mundos, assim como cyta parte que vemos é eapaz de conler este munda; se no existe © vacuo, deve existir o pleno ¢, por conse qdéncia, © universe infinito. E ado menos estulta é a conclusdio de que o mundo esteja “alicubi”, afirmando que além dele esta o nada, ¢ que ele existe nas suas partes. coma se alguém dissesse que Elpino esti “aliewbi", porque sua mio esti contida no seu brage, 0 olho na sua face, © pé na sua perna, a cabega no seu tronoo. Mas para conoluir e para no me comportar como um safista baseando-me sobre uma dificuldade aparente, ¢ para nao gastar tempo inutilmente, vou afirmar aquilo que nao me é possivel negar: no espago infinito ou poderiam cxistir infinitos mundos semelhantes a este, ow este universa poderia estender sua capacidade de compreeasio a muitos corpos. como estes. denominados astros:/e alk disso afinno que (sdum estes mundos-scniclhantes‘ou diferenies)-n-exls téncia nao se justificaria mais num que no outros porque # existéncia duquele nao tem menos razdo que a deste, ¢ também ndo a tem menor por ser de muitos gue o ser de cuda um eg existéncia de infinitos que a de muitos, Entio, como seriam um mal 4 extin G40 ¢ 6 nio-ser deste mundo, assim no seria bom 9 nao ser de inimeros outros. ERACASTORIO — Vocés sdo bem explicitos ¢ demonstram que comprecndem bem os racioeinias ¢ que nao sao sofistas. porque aceitam aquilo que nao é possivel negar. ELPINO — Eu gostaria, no entanto, de ouvir o que se pode acrescentar ao raciocinio rela tivo a0 principio ¢ causa eficiente eterna: se Ihe ¢ conveniente este efeita infinito, ¢ se ofetivamente este efeito existe. LOTLO — E exatamente isso que eu devia acrescentar. Porque. depois de ter afirmado que o universe deve ser infinito pela capacidade ¢ aptiddo do espago infinito ¢ pela possi- bilidade ¢ conveniéncia da existéncia de intimeros mundos como este, resta agora prové- Jo pelns circunstiincias do eficiente que o deve ter produzido assim ou, para dizer melhor, deve produzi-lo sempre assim, © pelas condigGes do nosso modo de entender, Podemos mais fucilmente argumentar que © espago infinite é semelhunte a este que estamos vendo, em vez de argumentar que é tal qual nado a vemos, nem por exemplo. nem por compara- iio, nem por proporgao, nem mesmo por qualquer imaginagaio que ao fim nao se destrui a si mesma, Agora, para comegar: por que queremos ou podemos pensar que a eficdeia divina seja ociosa? Por que pretendemos afirmar que a divina bondade, que pode se comunicar 4s coisas infinitas ¢ difundir-se infinitamente, prefira scr escassa ¢ limitar-se aur nada, admitinds que teda coisa finita é um nada em relagio ao infinito? Por que pretender que o centro da divindade, que pode infinitamente amplificar-se numa esfera infinita (se assim podemos dizer), prefira permanecer estéril, como um avarc, em ver. de ser comunicative, como um pai fecunde, graciosa e belo? Prefira comunicar-se de forma diminuts ou, para melhor dizer. nio se comunicar, em vez de fazélo segundo a razio de sua gloriosa poténcia ¢ de seu ser? Por que frustrar a capacidade infinita, defraudar a possibilidade de mundos infinitos que podem existir, prejudicar a exceléncia da divina imagem que deveria antes resplandecer num espelho ilimitado, segundo seu modo de ser infinito ¢ imenso? Por que deveriamos afirmar algo que, uma vez admitide, waz consigo tantos inconvenientes, ¢ que. sem favorever. de forma alguma, leis, religides. f on mora- Tidade. destri tantos principias de filosofia? Como voc? quer que Deus scja limitado quanto & poténcia, a operagiie e go eftito (que nele sio.a mesma coisa). eque seja terma da convexidade de uma esfera em vez de. como podemos afirmar, ser termo ilimitado de coisa ilimituda? Tero, digo, sem limites, por ser a infinitudé de um diferente da infini- tude do outro: porque Deus ¢ todo o infinito implicita e totalmente, enquanto 0 universe est todo em tudo (se de alguma forma se pode chamar de totalidede aquilo onde ndo existe parte nem fim) explicitamente ¢ nfo totalmente. Portanto, um existe como terme. 9 outro como terminado, nao pela difereaga entre finito ¢ infinito, mas porque um & inf nito € 0 Outro pende para a finitude pela raz io de existir completa ¢ totalmente em tudo aquilo que, apesar de sex todo infinito, nae é, porém, totalmente infinito. pois isso repug. naa infinitude dimensional. Evrino — Eu gostaria de entender melhor tudo isso, Entio, fagam-me o favor de se explicarem mais a respeito daquilo que alirmam existir todo, ¢ tataimente em tudo, ¢ todo, em toda o infinite © totalmente infinite. Forro — Eu considero 0 univers “todo infinito” porque no possui limite, nem termo, nem superficie; digo no ser © universe “totalmente infinite” porque cada parte que dele possamos pegar é finita, e cada um dos intimeros mundas que contém é finito. igo que Deus é “todo infinito” porque exelui de si qualquer termo, ¢ cada um dos seus atributos & uno ¢ infinito; ¢ digo que Deus é “totalmente infinito”, porque esta inteira- mente em todo o mundo, ¢ em cada uma de suas partes, infinita c totalmente: ao contd tio da infinitude do universo que reside totalmente no todo © nao nas partes (se nas & per- mitido chamé-las “partes”. referindo-nos ao infinito que nele podemos compreender), Expino — Entendo. Continue suas explicagdes. FILOTEO — Logo, por todas as razdes segundo as quais se afirma ser conveniente, justo © necessiirio este mundo, considerado como finito, assim também devem ser conside rados convenientes ¢ justos todos os Outras inumerdveis mundos, aos quais, pelo mesmo raciocinio, a onipaténcia concede a existéncia: ¢ sem os quais ela mesma — por nao que- er ou por nio poder — viria a ser acusada de deixar um vacuo ou, se voce nia o quer chamar de vicuo, um espago infinite; pelo que ndo somente seria subtraida a infinita per- feigio uo cnte, mas também a infinita majestade atual ao eficiente, mas coisas feitas se so feitas, ou dependentes se sao eternas. Que motivo nos levaria a acreditar que o agen: te, podendo fazer um bom infinito, 0 faga finito? E se o faz finito, por que devemas acre- ditar que possa fazé-to infinito, sendo nele a mesma coisa 0 poder ¢ 0 fazer? Porque, se € imutivel, ndo hd contingéncia nem na operagao, nem na eficdeia. mas de uma determi- nada e certa eficdcia depende imutavelmente determinado ¢ certo efeito; dai no poder ser outra coisa sendo aquilo que & nem poder ser aquilo que nao &; nem pode ser sendo aquilo que pode: niio pode querer outra coisa seni aquilo quc quer: e necessariamente ndo pode fazer outra coisa senio aquilo que faz; porquanto, possuir a poténcia distinta do ato & proprio somente das coisas mutaveis, FracastoRio — Certamente nfo € sujeito de possibilidade ov poténcia ayuily que nunca existiu, niio existe ¢ nunca existira: €, na vercade, s¢ © primeiro eficionte ndo pode querer nada mais além daquilo que quer, (ambém nio pode realizar nada além daquilo que faz. E nao vejo como alguns podem entender o que afirmam sobre a poténcia ativa infinita, A qual nao corresponds poténcia passiva infinita, pretendende que faga apenas um finito aquele que. no infinite ¢ imenso, pode fazer inumeraveis, sendo sua agio 2 BRUNO necessiria. porque procede de tal vontade que. por ser imutabilissima, antes, a propria imutabilidade, ¢ ainda a propria necessidade: logo, sdu a mesma evs Literdade, vont de. necesnidade, ¢ ainda o fazer, o querer. a poder ¢€ o ser Fioreo — Vooés cancordam esto cerlos. E necessdrio. portinta, afirmar de duas ima: ou que 0 eficiente, podendo depender dele 0 efeito infinito, seja reconhecido como causa e principio de um imenso universe que contém inumecdveis mundas, € disto nio procede inconveniente algum, antes pelo contraria, tude ¢ convenientc. quer segundo a cigncia. quer segundo as leis © a ft: ou que. dependendo dele un universe finite, com estes mundos (que sia os astros) de nimero leterminade, seja atribuido a uma potén- cia ativa finita ¢ deverminada, como é finito ¢ determinado © ao; porgue tal é a vontade etal da paténcia. qual éo ato, Fracas tokio — Bu completo, formulando um par de silogismos da seguinte mancira: 9 primeica oficiente. se quisosse fazer coisa diferente daquilo que quer fazer. poderia fazer visa diferente daquilo que faz; mas ndio pode querer fazer outra coisa sendie aquilo que quer fazer; logo. nao pode fucer seniiy 0 que faz, Portanto, aquele que diz efeito fini to afirma a operagao e a poténcia finitas. E mais (o que vem a dar no mesmo): 0 primeira cficiente ndo pode fazer sendo aquilo que quer fazer: ndo quer fazer nada além daquilo que faz: logo. ndo pode fazer nada além daquilo que faz. Por conseguinte, aquele que nega © efeito infinite nega a poténcia infinita, FiloTeo — Estes silogismes. se nao sao simples, so demonstrativos. Mesmo assim, louvo aqueles dignos toblogos que nav os admitem; porque, considerando justamente, sabem que os povos rudes ¢ ignorantes chegam, com esta necessidade, a nfo poder con ceber como possa existir a elsicao, a dignidade ¢ os merecimemtos de justiga; assim que, confiados ou desesperados. par determinada fatatidade, sio necessariamente grandes celerados. Como as veaes cortos cormuptores de leis, I ¢ retiglilo, querendo parceer sit bios, corromperam. tantos povos, tormando-os mais barbaros ¢ criminosos que cram, desprezndores do bem-fazer ¢ peritos em qualquer vicio ou malandragem, por causa das conclusSes que tiram de tais premissas. Por isso, a afirmagio contraria nio & parn os s4- bios tao cscandalosa ¢ detratora da grandeza ¢ exceléncia divinas quanto a verdade é per- nicioss & conversagdo erudita ¢ contraria & finalidade das leis, nao por ser verdade. mas por ser mal compreendida, tanto por aqueles que maliciosamente a mangjam quanto por agueles que siio incapazes de comprecndé-la, sem prejuizo dos costumes. FRACASTORIO — & verdade, Jamuis se encontrow fildsofo, sibio ou homem ce bem que. sob pretexty algum, pretendesse tirar de tal proposigao a necessidade dos efeitos hum: nos € destruir o livre arbitrio. Como, entre outros, Platao ¢ Aristoteles, pelo fate de adm Hirem a necessidade © a imutabilidade em Deus, ado tiram a libordacie moral ¢ 4 nossa faculdade de escolha; porque sabem e podem compreender muito bem, como sio compa tivcis esta necessidade ¢ esta liberdade, Todavia, alguns dos verdadeiros padres ¢ pasto- res de poves evitam esta conclusio ¢ alguma outra semelhante para, talver, niio favore- cer 0s facinoras ¢ sedutoros, inimigas da civilicagie ¢ progress geral, a tirarem perigosas conclusdes, abusando da simplicidade ¢ ignorancia daqueles que dificilmente podem compreender a verdade ¢ imediatamente sa0 levades ao mal. E facilmente nos permitirfio usar as verdadeiras proposigdes, das quais nfo queremos inferir sendo a ver- dade da natureza e da exceléncia de seu autor; ¢ que no apresentamos ao vulgo, mas somente aos sdbios que podem chegar & compreensdo dos nossos discursos. Deste princi- pio infere st que os tedlogos, tu siibles quanto religiosos, nunca prejudicaram a liber- dade dos fikisofos; ¢ os verdadeiros, esclarecidos ¢ polidas fildsofos sempre favoreceram as religides: porquanto, tanto uns como vutros sabem que a [ & necessiria parn a forma, SOBRE @ INFINITO. 2a a0 dos povos primitivos, que devem ser governados, ¢ a demonstragiio é necessiiria aos sontemplativos que sabem governar a si mesnios e aos outros. ELpIno Ja se falou bastante sobre este argumento, Voltemos agora ao tema. Fiore — Para chegarmos di vonclusio descjada, eu afirme que, s¢ no primeiro efi- siente exisie poténcia infinita, cxiste também operagdo. da qual depende o universo de grundeza infiniia e mundos numericamente infinitos, E1pino — Aquilo que vact firma contém enorme poder de persuasao, senda a verda- de. Todavia o que me parece agora muito verossimil, eu o eonsiderarei como verdadeiro, Se vooé puder me eselarecer um importantissima argumente segundo o qual Aristételcs foi obrigado a negar a divins poténcia infinita intensivamente, apesar de concedé-la extensivamente. A raziio de sua negacdo era que, sendo-em Deus poténcia e ato a mesma ‘coisa, padendo assim: mover infinilamente, moveria infinitamente com vigor infinito: se isto fosse verdade. o céu seria movido num instante: porque, se 0 motor mais potent: move mais velazmente, o potentissimo move velocissimamente, ¢ o intfinitamente potente move instantaneamente. A razdo da afirmagao era que Deus. eterna ¢ regalarmente, move o primeiro mivel, segundo a razio ¢ a medida que o move. Voee vé, entiio por que razio the atribui a infinitude extensiva ¢ intensiva, mas nao infinitude absoluta. Quero: concluir dai que, assim como sua infimita poténcia motriz & contraida no ato do movi mento, segundo velocidade finita, assim a mesma poténcia de produzir 0 imenw © os inumeraveis € limitada por sua vontade ao finito e aos numeraveis. Quase 6 mesmo pre- tendem alguns tediogos que, além de concederem 1 infinitude extensiva, cam a qual sucessivamente perpetua o movimento do universa, requerem também a infinitude inten- siva, com a qual pede fazer intmeros mundos, movimentar inameros mundos, movendo simultaneamonte cuda um deles ¢ cles todes num instante; todavia, assim impos com sua vontade a quantidade da multidio de indimeros mundos, como a qualidade do. movi- mento intonsissimo, De onde, como este movimento, que cmbora proceda de proténcia infinita, & considerado finito, assim também o mdmero dos corpes mundanos poderi facilmente ser conechide como determinado, FitoTeo — Na verdade, o arguments tem mais persuasio e aparéncia que qualquer OUIFO poss ler ¢ sobre cle jé s¢ falou o suficiente, afirmando que « ventade divinu & regu: ladors, modificadora ¢ determinante da divina poténcia, De onde surgem inamercs inconvenientes, 20 menos segundo a filosafia, Deixo de Indo os principios teolbgicos, que, no entanto, nao admitizao que a diving poténela seja mais que a divina vonuade ow bondade, ¢, em geral. que uni aiributo apresente maior razio que outro para convir a divindade, Etpivo — Por que entio se exprescam deusa mansira, se nao entendem assim? Fito'reo — Por falta de termos ¢ resolugdes eficazes, ELPING — Rntio voce, possuidor de principios particulares, segundo os quais afirra um, isto & que a poténcia divina é infinita intensiva e extensivamente, que o ato no ¢ distinto da poténcia ¢ por isso 0 universo é infinito c ox mundos inumeraveis: ¢ nie nega 9 outro, que do fato cada um dos astros ou orbes, como Ihe apraz dizer, ¢ movide no. tempo € ndo no instante: demanstre com que termos e com que resolugdes voc’ consegue salvar a sua convicedo. ou destruir a dos outros que, em conclusio, julgam 0 contrario dnguilo que voed julza, FILoTEO — Para a solugio daquilo que procura, voce deve primeira considerar que, sendo © universo infinito ¢ imével, ndo ¢ necessario procurar o motor dele. Segundo, se infinitos sic os mundos contides nele, tais como as terras, os fogos e outras especies de corpos chantados astros, todos se mevem pelo principio interno, que é a propria alma, 4 BRUNO como temos provado em outro lugar: sendo assim, ¢ indtil investigar acerca de seu motor extrinseco. Em terceire lugar, que estes corpos mundanos se movem na regio etérea e niw estén fixados nem pregados em corpo algum, assim como esta terra, que, sendo um deles, nao esta fixa em parte alguma;a qual provamos girar ao redor do proprio centro em torno do sol, movida peks instinto animal interno. Fnunciadas essas adverténcias, segundo 05 nossos pring’ pigs, nao somos forgados a demonstrar o movimento ative nem © passivo de um poder intensivamente infinito, porque o mével e 9 motor sao infinitos. €aalma movente eo corpo movido concorrem num sujeito finito, isto é, em cada um destes astras mundanos, Tanto que o primeiro principio nao ¢ aquele que move; mas, quicto ¢ imovel, dao poder de se movimentar a infinitos ¢ iniimeros mundos, grandes ¢ pequenos animais colocados na amplissima regido do universo, tendo cada um, segundo a condigio da propria eficiéncia. a razio da mobilidade, mudanga ¢ outros acidentes. ELpino — Sua posigio ¢ muite forte, mas nem por isso voc’ derruba o conjunio das opi nides contritias, Elas todas defendem o famoso pressuposto de que o Otima Maximo move tudo. Vocé afirma que ele dé o movimento a tudo que se move; no entanto, o mo mento s¢ produz segundo a eficiéncia do moter mais préximo. Na verdade o que voct afithma parece-me mais razcavel © vantajoso que a opinido comum, por ser mais Kigico. Todavia — pelo que voc’ costuma afirmar a respeito da alma do mundo e da esséncia divina, que esta toda em tudo, enche tudo ¢ que é mais intrinseca ds coisas que a propria esséneia delas, porque é a esséncia das esséncias, vida das vidas, alma das almas — paroce-me que tanto podemos alirmar que cle move tudo. como ca a tudoa passibilidade dese mover, Por isso a divida acima expressa continua de pé. Fitoirea — Neste ponto cu posso facilmente esclarecé-lo. Afirmo, pois. que nas coisas devemos contemplar, sc assim lhe agrada, dois prineipios wlivos do movimento: um fini- to, segundo a raziia do sujeito finite, c este Move no tempos o Outre infinito, segundo a razio da alma do mundo. ou seja, da divindade, que é como alma da alma. que esta toda em tudo ¢ faz que a alma éxista toda em tudo. ¢ este move no a instante, A terra, portanto, possi dois movimentos. Assim, todos o$ corpos que se movem possuem dois principios de movimento, sendo o principio infinite aquele que simultanea- L mente move ¢ moOVEH: ¢ Por ¢ssa razo Oo corpo méivel nda & menos estabilissimo que mobilissimo. Como aparece na pre: sente figura, que representa a terra, ela é movida no instante, pois possui moter de pexler infinito ¢. volando de E para A, realizundo-se isto num insuinte, esti simultancamente em A ¢ cm Fc em todas o8 lugares intermeédioss ¢ por isto partiu ¢ vol- tou av mesm® tempo; acontecendo sempre assim, advém que z esti sempre muito estavel. Semelhantemente, quanto a0 seu | movimento & volta do centro, onde 1 é 0 seu oriente, V, © sul, K, o oeidente, e D, o norte. Cada um destes pontos roda em virtude de impulso infinito; ¢ cada um deles partiu ¢ voltou simultaneamente, logo, est sempre fixo. esté onde estava, De forma que, para concluir, considerar exies corpos Movides por poder infinite é © mesmo que eonsiderd-los ndo movidos: parque mover num instante ¢ nda mover & a mesma coisa. Permanece, portanto. 0 outro principio ative do movimento, que procede do poder intrinseco. ¢. por canseguinte, existe no tempo ¢ numa certa sucessao: € este movimento é distinto da quietude, Eis. pois, como podemos afirmar que Deus move 0 todo: ¢ como deveraos entender que ele dita possibilidade de movimento a tudo o que se move. Eteino — Agora que tio profunda ¢ eficaziniente youd me livrou desta dificuldade e.a resolveu, cedo completamente ao seu raciocinin. esperando no future receber sempre semelhantes solugdes: porque, embora até o momento Pouce tenha interrogade ¢ expert mentado voce, reeebi ¢ gprendi muito, ¢ espero tiras ainda maior provcito. pois. apesnr de no poder compreender plenamente a sua intencio, pela luz que ela difunde percebo que cseonde no interior um sol ou uma estrela ainda maior. F de hoje em diante. ndona espe Fanga de superar‘a sua capacidade. mas com a finalidade de oferecer ocasifio n suas clucidagGes. continuarel a questiond-io, se vocé aveitar de nos encontrarmos aqui a mesma hora. por tantos dias quantos forem necessirios pars ouvir c compreender 0 sufi- siente para acalmar meu espirito, FILoTea: Assim farei, FRACASTORIO— Vocé sera bem-vindo'e nds seremos ouvinics muito atentos. Bukowio — E eu, embora entends muito poucn. se nic conseguir entender os racioei- nios. escutare| as palavras; se no escutar as palavras. ouvirel a vor. Adeus! DIALOGO SEGUNDO Interlocutores EvPino, FILOTEO, FRACASTORIO E BURQUIO FiLoTeo — Dado que 6 primeito principio ¢ simplissimo, se em relagdio a um atributa fosse finito, seria finito cm relagao a todos os atributos. Ou, sendo finite segundo uma determinada raziio intrinseca ¢ infinito sepundo outra, necessariamente se deduz que ck € composto. Se, portanto, cle é operador do universo, com eerteza é um operador infinite, Felativo a um efeito infinito: efeito, repito, porque tudo depende dele. Além disso, assim como a nossa imagigagao pode proceder até o infinito, imaginandy sempre uma gran- deza dimensional alem de outra grandeza ¢ imaginando um niimero além de outro nime ro, segundo uma determinada sucessio. ¢ em poténcia, como se diz, assim: devemas compreender que Deus atualmente concebe a dimensiia infinita ¢ 0 nimero infinita. E dese conceito origina-se a possibilidade, com a conveniéncin ¢ a oportunidade de assim ser: pois, como a poténcia ativa é infinita. assim. por necessaria conseqiiéncia, 0 sujeito de ta} poténcia ¢ infinito, Porquanto, como temos demonstrado intimeras veves, a poder fazer pressupde 0 poder ser feito. dimensdo pressupde o dimensionavel, 0 dimensio- Ante pressupde o dimensionada, Acresce que, como realmente se encontram corpos ionadox finits, assim o primeira intelecto entende corpo ¢ dimensiiv, Sev enten dimensi de, 0. entende infinito; se 9 entende infinito, ¢ @ corpo & compreendide come infinite, neeessariamente existe tal espécie inteligivel; ¢ por ser produzida por tal intelecto qual ¢ © divino, & verdadeiramente real. tio real que o seu ser é muito mais necessirio do que aquilo que atualmente se encontra diante de nossos olhos sensivels, Se vocé considerar bem, acontece que, asin como existe verdadeiramente um individuo infinite simplis- simo, assim também existe um amplissimo dimensional infinito, que esteja naquele & em que ele exista, da mesma forma em que ele estd em ido, ¢ tudo est nele. Depois, se por sua qualidade corpérea podemos ver que um corpo tem poténcia para se aumentar infini- lamente, como verificamos com 0 fogo, que se alastraria infinitamente. ¢ isso qualyuer pessoa reeonhece, caso se Ihe oftrecesse matéria apta, qual € 4 rasiio que impodirie que © foga, que pode ser infinito © pode ser eolocada, por conseqiiéncia, como infinite, nao possa encontrar-se atualmente infinito? Nfio sei, na verdade, como se possa imaginar que na matéria exista alguma coisa come poténcia passiva que nao soja potencia ativa no ef ciente e, por conseqiiéneia, no ato, antes, que seja o proprio ato. Certamente. dizer que 9 infinito existe em poténcia e numa determinada sucesso c nio em ato, implica neces- 28 BRUNO sariamente que a poténcia ativa possi realizar o infinite em ato sucessivo ¢ no em ato concluido: porque o infinito nao pode ser concluido. Donde resultaria ainda que a pri- meira causa no tem poténcia ativa simples, absoluta ¢ nica, mas uma poténcia ativa a que corresponde a possibilidade infinite sucessiva, ¢ outra a que corresponde a possibili- dade indistinta do ato. Concedo que. sendo o mundo limitado, ¢ nao havendo modo de imaginar como uma coisa corporea possa confinar circunferencialmente com uma coisa incorparea, este mundo teria o poder e a possibilidade de se anular e desaparecer. poi pelo que sabemos, tados os corpos so dissoliiveis, Além disso, ndo haveria razao para ngo admitir que alguma ver 9 inane infinito, apesar de nio se poder coneebé-lo coma possuidor de poténcia ativa, possa absorver este mundo como um nada, Adniito que o lugar. © espago, o vazio, tém semelhanga com a matéria, se nao sio mesmo a propria matéria; come ax vezes parecem admitir, talvez com razi, Platiio ¢ todos aqueies que definem 0 lugar coma espago detetminado. Ora, s¢ a matéria possui uma tendéncia pro- pria, que nao pode existir em vao, porque esta tendéncia ¢ particular da natureza ¢ proce- de da ordem da natureza originaria, ¢ necessirio que o lugar. 0 espaco, o inane, tenham tal tendéncia. Como ja foi dito acima, nenhum dos que consideram o mundo terminado, depois de ter afirmado o termo, sabe de forma alguma imaginar como ele seja; e, além disso, alguns deles, negando © viicuo ¢ o inane com proposigdes ¢ palavras, vem depois a admiti-lo, necessariamente, na pritica. Se é vacuo ¢ inane, é com certeza capaz de rece- ber. o que nao pode ser negado de forma alguma, admitindo que — pela mesma razo por que sc considera impossivel que no espago onde esti este mundo se encontre a0 mesmo tempo contide outro mundo — deve-se afirmar a possibilidade de ser contide no espago fora deste mundo, ou naquele nada, se assim pretende Aristoteles designar 6 que no quer chamar de vacuo. A razio pela qual ele afirma que dois corpos nao podem estar juntos ¢ a impossibilidade de coexistir nas dimensdes de um e de outro corpo: per- manece entéo.no dmbito deste raciocinio, que onde nao s¢ encontrem as dimensdes de tun corpo podem encontrar-se as dimensdes de outro, Se esta possibilidade existe, envio © espago, de -certa forma, € matérin: se € matérin. possut aptidbes: se possul aptides por qual razio haveis de negar-Ihe 0 ato? ELPIno — Muito bem, Mas, por favor, proceda de outro modo; faga-me entender que diferenga hi entre mundo ¢ universo, Finoreo — A diferenga & muito conhecida fora da escola peripatética. Os estdicos fazem distingaio entre o mundo eo universe, porque o mundo é tudo o que existe de pleno e consta de corpo sblido; o universo néo ¢ somente o mundo, mas também @ vacuo, o inane ¢ © espago fora dele; por isso consideram o mundo como finito € o universe infini- to. De forma semethante, Epicuro chama ap todo ¢ ao universo mistura de corpos e de ‘mane; e nesta mistura afirma consistir a natureza do mundo, que é infinito, na capa dade do inane ¢ do vacuo, ¢ também na multidao de corpos que nele existem. Nés nfo consideramos vacuw o que é simplesmente o nada, mas, scgundo aquete conceite, tudo o que no possua corpo que resista sensivelmente, sempre que tenla dimensdo. & conside- rado vacua ; pois, comumente, nao se concebe 0 corpo sendo com a propriedade de resis- éncia. Daf afirmarem que, como ado & carne aquilo que nao é vulneravel, assim no ¢ corpo aquilo que nfio resisie, Desta forma dizemos existir um infinito, isto & uma etérea regidio imensa, na qual existem inameros ¢ infinitos corpos, como a terra, 0 Sol, a lua, que sio chamados por nés de mundos compostos de pleno ¢ viewo: porque este espirito, este ar, este éter ndo esto somente 4 volta destes corpas, mas ainda os penetram e esto insi- 15 em todas as coisas, Consideramos ainda o vacuo segundo a mesma raziio que nos SOBRE O INFINITO 2 permite responder a quem perguntasse onde se encontram o éter infinite e os mundos. ¢ nos respondesse: num espago infinito, num ambiente determinado, no qual tudo existe se compreende, € nem se poderia compreender como existindo em outra parte. Neste panto, Aristiteles, tomando confusamente o vacua segundo esses dois conceitos © mais um terceiro. que ele imaginou mas ndo soube denominar nem definir, vai-se deba- tendo para far 0 vacuo e pensa destruir, com a mesma argumentagao, todas as opi fides ucerca dele, Contudo, no toca nelas mais do que alguém que, par ter eliminadao nome de alguma coisa, pensasse ter eliminado 2 coisa mesma, porque destrdi o vacuo, se acaso 0 destrdi, por um raciocinio que, provavelmente. nunca foi apresentada por nin- guém: consideranda que os antigos ¢ nds tomamos o vacuo por aguilo que pode conter um corpe © que pode conter qualquer coisa, inclusive dtomos e corpos, €'s6 ele define 0 vacuo como senda 9 nada, no qual nada est ¢ nada pode estar. Dai, tomando 0 véeuo segundo om nome e significagiio que ninguém the deu, fez castelos no ar ¢ destruiu 0 seu vacuo, mas ndo o de todos os outros que falaram de vacuo € se utilizaram deste nome: vacuo. Este sofista nao procede de outro modo no tocante a outros assuntos, ais como movimento, infinito, matéria, forma, demonstragao, ente. edificando sempre sobre a fe da sua propria definigao ¢ sobre 0 nome tomado segundo novo significado. De modo que todo aquele que nde & completamente desprovido de juizo pode facilmente perceber quanto este homem é superficial na consideraciio da natureza das coisas ¢ quanto estd apegado as suas suposigies, nem canfirmadas nem dignas de setem confirmadas, supost gGes ainda mais vas em sua filosofia natural do que se possa imaginar na matemitica. E voois podem observar que tanto se gloriou desta vaidade ¢ tanto se enalteceu que, a pro- pésito da especulagdo sobre a natureza das coisas, ambicionou tanto ser considerade raciocinador ou, como queremos dizer, Kégico que, por desprezo, chama de fiticos aque- les que mais se ccuparam da natureza, realidade € verdade. Ora, para voltar ao tema, considerando que, em seu livro Do vdewo, nem direta, nem indiretamente afirma alguma coisa que possa dignamente se opor 4 nossa posigao, deixemo-lo assim ficar, remetendo- © para unta ocasiio mais oportuna. Portanto, se lhe agtada, Elping, formule ¢ ordene as Fazdes pelas quais 0 corpo infinito n&o é admitida por nossos adversirios, ¢ depois as outras, pelas quais ndo podem compreender a existéncia de mundos inumeraveis. ELpivo — Assim farei. Referirei as posigdes de Aristételes, em ordem. ¢ voces diriio a respeita delas tudo aquilo que thes ccorrer. “Devemos considerar”, diz ele, “se encon- {ramos um corpo infinite, come afirmam alguns antigos fildsofos. ou se isto ¢ imposstvel: em seguida, € preciso investigar se existe um ou mais mundos, A resolugiio dessas ques- t6es ¢ importantissima: porque ambas as partes da contradigao sio de tal valor que origi nam duas correntes filossficas muito diferentes ¢ contrarias: como, por exemplo, perce: bemos que aquele primeiro erro dos que admitiram a existincia de partes individuals, fechou o caminho de tal forma que eles chegam a errar em grande parte da matematica. Explicuremos, entao, posigdes de prande atualidade para as dificuldades passadas, pre Sentes ¢ futuras: porque, embora seja de pouca importancia.o equivoce em que se cai no comego, aumenta dez mil vezes com a continuagio; dx mesma forma, 0 engano que st comete ao inicio de qualquer caminho tanto mais se avoluma quanto mais se procede, afastando-se do principio, de mancira gue no fim acaba por levar a ur (ermo contrario quele que era propasto. A razdio de tudo isso é que os prineipios sito pequenos em tama: nho ¢ enormes em eficacia. Essa ¢ a razia da determinagao desta divida.” FitaTeo — Tudo aquilo que Aristételes afirma é imprescindivel. e digno de ser afirmade por outros além dele; porque. como ele acredits que, por compreender mal este principio, 30 BRUNO os ndversirios incorreram em grandes erros, assim, em cantrapartida, nés acreditamos € vemos claramente que pelo oposto a este principio ele pervertcu toda a especulacdo natural, Eipmo — Ble acreacenta: “Precisamos, entao, pesquisar se & possivel existir um corpo simples de grandeza infinita, o que. primeiramente, deve resultar como impossivel no pri- meio corpe que se movimenta circularmente: em seguida, nos outros eorpos; porque, sendo eada corpo simples ou composto, o que & composto segue a disposigiio do que simples. Se, portanto, os corpos simples nfo sio infinitos nem em mimero, nem em gran- desa, necessariamente ndo poder’ existir tal corpo compost”. FiLoTeo — Prometo muito! Porque, se cle provar que o corpo chamado continente € primeiro continente, primeira e finito, sera também supérfluo e vio provi-lo averca dos corpos cantidas. ELpmo — Agora prova que © vorpo redonde niio ¢ infinite: “Se 0 corpo redonulo é infi- nto, as linhas que partem do centro serao infinitas, ¢ a distincia de um semidiametro ao outro (os quais, quanto mais se afastam do centro, maior distancia adquirem) sera infini + porque, pela adigao das linhas segundo a longitude, @ necessiirio que resulle a maior istincia: portant, sc as linhas sao infinitas, a distincia ser também infini impossivel que © mével possa transcorrer distancia infinita; ¢ no movimento circular é necessario que a linka de um semididimetro do mavél chegue ao outro semidiaimetro”. FILOTEO — Esse raciocinio & bom, mas ndo vers a propdsito contra w intengio dos adversarios. Porque existiu alguém tio primitivo ¢ de inteligéncia tao escassa, que tenha colocado 9 mundo infinito ¢ grandeza infinita como maveis. E demonstra ter-se esque cido ele mesmo daquilo que expds na sua Fisica: que aqueles que admitiram um ente © um principio infinito o consideraram evidentemente imdvel; ¢ nem ele. nem outre por ele, fexleré jamais mencionar algum filésofo ou homem corum, que teaha admitide uma grandeza infinite mével. Mas ele, como sofista, toma uma parte da sua argumentagiio dit conclusdo dos adversixios, supondo o proprio principio que o universe € movel, que estti em movimento ¢ que apresenta figura esférica. Entao podem ver se enire Lantas razdes apresentadas por este mendigo encontramos uma que argumente contra a idéia daqucles que afirmam existir um infinito, imével, sem forma, amplissimo continente de indmeros méveis, que sio os mundos, chamados astras por alguns ¢ esferas por outros; observem um pouco se nesta ou aoutras ra2Ses apresenta pressupostos admitidos por alguém. Expino — Certamente, todas as seis ruzGes sito fundamentadas sobre esta presseiposi~ é considere a universe infinito e admita que ease infinito seja mével: o que é certamente uma estupides, até uma irracionalidade, se por acaso nio que remos juntar num conceito sé 0 infinito movimento ¢ a infinita quictude, como vod me afirmou ontem a propasito doy mundos particulares FiLoTRo — Nio quero afirmar isso em relagiio aa universe wo qual, por neahuma razio, pode ser atribuido o movimento; pois que esse no pode, nem & convenicate, ncm deve ser atribuido ao infinito; ¢ nunca, como ja foi dito, s¢ emeontrou alguém que assim 0 imaginasse. Mas esse filsofo, como aguele que tem falta de terreno, edifica tuis castelos no ar, Expmo. — Na verdade, desejaria um argumento que sé opusesse ao que voeds afirmam, porque us outras cinco razdes, que esse fildsofo apresenta, seguem todas © mesmo cami nnho, ¢ andam sobre os mesmos trilhos, Por isso julgo desneeessério reproduzi-las. Ora. depois de ter apresentado as gue versam sobre o movimento mundano ¢ circular, passa 4 propor as que se fundam sobre o movimento retilineo; ¢ afirma também “ser impossivel ‘que algume coisa seja movida por movimento infinio ne meio, ou embaixo, ou do meio SOBRE O INFINITO a para 0 alto"; e 6 prova, primero, pelos movimentos propria de tis Corpos. ¢ isso tanto em relagao aos corpos extremos como aos intermediarios. “O movimento para o alto”, afirma ele, “c 0 movimento para baixo sie contraries © 0 lugar de um movimento é contririo ao lugar de outro. Ratre os cantririos ainda, 52 um € determinado, 0 outre também deve ser determinado; ¢ 0 intermédio que participa de ambos os determinados deve ser assim ele também, porque nio de qualquer ponto, mas de verta parte, € necessario que inicie aquele que deve passar ulém do meio, pois existe um jugar estabelecido onde iniciam e um outro lugar estabelecido onde terminam os limi- i ‘rio que sejam determinados os tes do meio. Sendo entio determinada o meio, & extentos; ¢ 3¢ 03 extremos sao detetminados, é necessiria que seja determinado o meio. ¢ sc oF lugares sia determinados, é necessiirio que os corpos af colocactos o sejam tam- bém, porque de outro modo o movimento seria infinito. A mais. quanto A gravidade e levera, o corpo que tende para.o alte pode chegar a tl lugar. porque nenhuma tendéncia natural € va. Portanto, nio existindo espaco do mundo infinito, nao existe lugar nem corpe infinite. Também em relagiio 20 peso, 0 infinite nao é nem pesada nem leve; ents © infinite ndio possui corpo: come ¢ necessArio que, se o corpo grave ¢ infinito, sua gravi- dade seja infinita, E isto nao se pode evitars porque se voce quisesse afirmar que © corpo infinito possui gravidade infinita, derivariam dai trés inconvenicntes. Primero, que a gra- vidade ¢ a leveza dos corpos finito e infinitn seriam as mesmas: porque ao corpo finito grave, conquanto seja excedido pelo corpo infinito, eu faria tantas adigdes ¢ subtragdes quantas fossem necessarias para atingir aquela mesma quantidade de pravidade ¢ levee. Scgundo. que a gravidade da grandeza finita poderia sor maior que a da infinitay poi pela mesma razio, pela qual pode ser igual a ela, pode ainda ser superior. acrescentat dodlhe quanto vocé quiser de corpo grave, ou subtraindo-Ihe, ou actescentando-the algo de corpo leve, Terceiro, que a gravidade da grandeza finita ¢ infinita seria inual: © como aquela proporgiio que a gravidade tem em rclagio a gravidade € a mesma que a da velo- cidade em relugio 4 velocidade. resuhtaria que & mesma velocidade ¢ lentiddo sé poue- riam encontrar pum corpo finite ¢ infinito. Quarto, que 1 velocidade do coxpo finite poderia ser maior que a do infinito. Quinto, que poderia ser igual; ou, da mesma forma que o grave supera o grave, assim a velovidade supera a velocidade: havendo gravidade infinita, sera necessario que se movimente, em qualquer expago, em menos tenrpo que a ‘gravidade finita; ou entio nao se movimente, pois a velocidade e a lentidio derivam da ggrandeza do corpo. Ond existindo proporgiio entre finito ¢ infinito, sera por fim necessirig que O grave infinite nio se mavimente; porque, se ele se movimenta, NAO se movimenta tio velozmente, que nao haja gravidade finila, que no mesmo tempo, utraves do mesmo espago, avance com a mesma velocidade.” Fitciteo — E impossivel encontrar autre que, com titulo de fitésofo, imaginasse hipéte- sex mais vas ¢ criasse tio estiipidas posiedes contririns, para dar origem a tanta superfi- cialidade quanta podemos notar nas razd¢s dele, Agora, quanto aquilo que ¢ relative aus lugares proprios des corpos ¢ do determinado alto, baixo ¢ mediano, gostaria de saber contra que posigan ely arguments. Porque todos aqueles que admitem corpo ¢ grandeza inflnitos nesta ndo colocam meio nem extrema, Pois quem afirma o inane. 0 viicue. 0 ter camo infinitas, nao thes atribui gravidade, leveza, movimento, nem regidio superior, inferior, mediana; € colocando depois em tais espagos corpos infinitas, eome esta terra, aquela © mais outra terra, este sol, aquele ¢ mais outro sol, todos cles s¢ movimentam circularmente dentro deste espago infinito, através de expagos finitos ¢ determinados ou em torno dos priprios centros. Assit; nos, que estamos na terra, afirmamos que a terra esté no meio ¢ todas as filisofas modernos e antigos, de qualquer linha de pensamento, Ed BRUNO pederam afirmar que cla est no meio, sem prejudicar os seus principios; como afirma mos em relacdo ao horizonte maior desta etérea regidio que esta & nossa volta. terminada por aguele circulo eaiiidistante, cm relagdo ao qual nds estamos como que no centro, Assim como ngueles que se encontram na lua consideram ter 4 sua volta esta terra. 0 sol ¢ todas as outras esirelas, que esto em volta do meio e do termo dos préprios semidia- metros do préprio hortxonte; assim também a terra nao & mais centro do que qualquer outro corpo mundane. e certos e determinados polos nio 9 so mais em telagdo a terra do que a terra é um certo ¢ determinado polo em relagio a qualquer panto do éier e espa- $0 muadano: € 0 mesma acontece com todos os outros carpos. os quais, sob diferentes pontos, todos sio ac mesmo tempo centros. pontos de circunferéncia, pdlos, Zénites € ou- tras caisas mais. Portanto, a terra nao se eneontra, em absoluto. no meio do universe, mas sd em relagao a esta nossa regiao. Logo. este contendor cai em petigio de principio e pressupasigao daquilo que deve provar, Ist & (oma por principio o equivalente ao aposto da posigio eontraria, press pondo meio ¢ extreme contra aqueles que, considerando o mundo infinita, negam neces- sariamente este exiremo © meio e. por conseqiiéncia, o movimento para cima, para o lugar supremo, ¢ para baixo, para 0 infimo. Viram os antigos, e ainda vemos nds, que al guma coisa ver pari a terra, onde mds estamos, ¢ alguma coisa parece sair da terra ou co lugar onde nos enconiramos, Por conseguinte, se afirmamos © queremos aficmar que © movimenca de (ais cvisas € para o alto ¢ para baixo, ententlemos que isto acontega em telagao a determinadas regides, sob determinados pontos de vista: de sorte que, se algu- ma coisi, afustando-se de nds, procede rumo a lua, assim coma nés dizemos que ela ascende, aqucles que estao na lua € sao nossos anticéfulos dirdo que ela desce. Logo, aqueles movimentos que cxistem no universo no apresentam diferenga alguma de posi- gio em cima, embaixo, aqui ou ld, em relagio a0 universo infinito, mas sim aos mundos finitos que existem nele, quer tomados segundo a amplidao de inumeriveis horizontes mundanos, quer segundo o nimero de inumeriveis astros: dai, ainda @ mesma coisa, segundo © mesmo movimento, cm relagio a elementos diversas, afirma.se provir do alto ede baixo. Determinados corpas. portamo. 140 possuem movimento infinite, mas finito € determinado acerca dos praprios termos, Mas no indeterminado ¢ infinito nao existe nem finito nem infinity movimento, ¢ nao ha diferenca de jugar nem de tempo. Em relagio. pois. a0 argumento acerca da gravidade e da leveza. afirmamos que este € um dos mais lindos frutes que poderia produzir a devore da estipida ignoran: cia. Porque a gravidade, como demonstraremos ao longo desta expeculag’io, nao pede ser encontrada em corpo inteiro algum ¢ naturalmente disposto ¢ colocado; pois que nao saa as diferengas que devern distinguir a natureza dos lugares ¢ a razdo de movimento. Além disso, demonstraremos que grave ¢ leve passam a set a mesma coisa, segundo o mesma impulso ¢ moviments em relagdo aos diferentes meios; como também em relagdo a diver. sos meios, a mesma coist passa ser alta ¢ baixa, ou movimentar-se para cima © para baixo, Isto cu afirma com respeito aos corpes particulares & aos mundos particulares. dos quuis neshum é grave nem leve, ¢ cujas partes, afastando-se ¢ difundindo-se deles, chamam-se leves, ¢ volando aos mesmos, chamam:se graves; como as particulas da terra ou das coisas terrestres quando vio rumo a eircunferéncia do éter, afirma se que sobem, @ quando vém camo ao seu todo, «firma-se que descem, May quanto ao universo corpo infinito. algama vex se encoatrou alguém que os afirmasse graves ou leves? Ou, entdo. alguém que pusesse tais princi ou delirasse Ge tal mancira que, por conse- qlicncia, pudesse levar-nos a concluir de suas alirmagdes que @ infinite seja grave ou love? Que deva subir, au elevar-se ou upoitur-se? Nos demonstraremos como nenhum dos infinitos corpos qué existe niio ¢ grave, nem leve. Porque essas qualidades se manifes- tam nas putes, quando tendem para o seu tudo © puru o lugar de sua conservacde, porém nio sic relativas ao universo, mas aos préprios mundos continentes ¢ inteiros: como na terra, querendo as partes do logo libertar-se ¢ ir ramo aa sol. levam sempre consige algu- ma parte da terra ¢ da dgua a que estio juntos: as quais, sendo multiplicadas em cima. ‘ou no alto. assim com impulso proprio ¢ naturalissimo, voltam ao sen lugar. Dai, com mais razio, como consequéacia nao ser possivel que os grandes carpos sejum graves ou leves, sendo & universo infinito; ¢ por isso nw ha razdo de afaamento ou aproxima so da circunferéncia ou do centro: por conseeuinte, a terra nia € mais grave em seu lugar do que o sol no seu, o saturno na seu, a estrela pelar no dela, Poderiames dizer, horém, gus, como sao as purtes da terra que volkam a terra por sua gravidade — queren- do assim designar 9 impulso das partes para o do, ¢ do que esta lange para « proprio lugar —. assim sao as partes das outras corpos, camo podem ser infinitas outras terras ‘ou possuidoras de semelhante condigao, infinitos-outros sdis ou fogos, bu de natureea semelhante. Todos se movimentam dos lugares citcunferenciais para © proprio continen fe, como para o meio: donde resuiltari que existem infinitos corpos geaves, de acordo com o numero. Nao existiri, pordm, gravidade infinita, como num sujeito, ¢ intensiva- mente, mas como em inimeros sujvitos. ¢ extensivamente, E isto que resulta da opiniao de todos os antigos ¢ da nossa também. ¢ contra essa teoria Y contendor nao teve argu mento alkum. Entio. aquilo que ele afirma sobre a impossibilidade do infinito grave # tio verdadeiro v tio evidente que é quase uma vergonba menciona Io ¢ de forma algu- ma é oportuno destruir a filosalia alheia para confirmar a prépria: mis so tudo argu: ments © palayras joginslas eo vente. Etrivo — A leviandade das razdes por cle apresentadas & mais que manifesta. de miuieita que Ado seria sufigiente toda a arte da persuasio pari esctisa-la. Qugam agora as razGes que ele wcrescentn para concluir universalmente que nao existe corpo infinite, "Ora, diz cle, “sendo manifesto Agueles que observam as coisas partictilares que nio existe corpo infinito, resta ver e em geral isto & possivel, Porque alguém poderia afirmar que, assim como 0 mundo esta disposta 4 nossa volta, nao ¢ imposstvel que existam au- tros céus. Mas, antes de chegarmos a esse ponto, intvesliguemos de forma geral sobre 0 infinito, E nevessirio, pois, que cada corpo ou seja infinito, © que esse seje todo com posto de purtes semelhantes, ou de partes nio semelhantes; constando estas de espécies finitas ou de espécies infinitas, Nao é possivel que conste de infinitas espécies. se quiser: Mos Pressupor o yc Lemos dilo, isto & que existem outros mundos semelhantes a este, porque. da mesma forma come este mundo esti disposto em relagio a bém estaria disposto em Felacdo outros, existindo outros céus, Porque, se sie determi: nados os primeiros movimentos, que so relativas ao meio, & necessirio que sejam deter minades também os movimentos secundarios, ¢ por isso, come ji distinguimos cinco espécies de corpos, dois dos quais so simplesmente graves au leves, ¢ dois mediocre- mente graves ou leves. € um gem grave nem Ieve, mas agi! em torno do centro, a mesma coisa deve acantecer nos outros mundos. Nilo é passivel, postanto, que conste de infinitas espacies. Nao é, além disso, possivel que conste de espécies finitas.” E em primeira lugar Prova que ndo consta.de espécics finitas dessemelbantes por quatro fazdes, sendo a pri meira que “cada uma destas partes infinitas sera dgua oy Jago, ¢ por conseqdsneia colsa grave ou leve. E isto foi demonsiraclo como impossivel, quando se viu que nao éxistem gravidade nem leveza infinitas”. Fitoreo — Nos dissemos o suliviente, quando respandemos a isso. Exvino, — Eo sei, Acresventa a segunda razio, dizendo que "é necessirio que cada uma BRUNO destas espévies seja infinite, e. por conseqiiéncia, o lugar de cada uma deve ser infinito: de onde resullara que a movimento de cada uma seja infinito; que € impossivel, Porque nao pede acontecer que um corpo que desea deslize pelo infinito abaixo. o que € manifes- 1G, pelo que se verifica em todos os movimentos ¢ transmulagoes, Assim como na gera- gio nao se procura fazer aquilo que nao pode scr feito, assim no movimento espacial no se procura o Iigar-onde nao @ possivel chegar nunca; © aquilo que néo pode estar no Egito ¢ impossivel que se mavimente para o Feito; parque a natureza nada opera cm ¥20, £ impossivel, pois, que uma coisa se mavimente em diregdo a um lugar onde nio pode chegar”. Filoireo —A isto jd se respondeu o bastante: ¢ confirmamos que existem terras infinitas. séis infinitos ¢ éter infinito; ov, segundo as afirmagoes de Demécrito-¢ Fpieura, existem © cheio ¢ 0 véicuo infinitos, um insito no-outro. F existem diferentes espécies finitas, umus contidas pelas outras © unas ordenadas para as outras. E todas essas especies. mesmo diversas, concorrem todas para a construgdo de um inteire universo infinito, e para a construgdo de infinitas partes do infinite, pois que de infinitas terras semelhantes a essa se origina, em ato, uma terrt infinita, nfio come uma s6 entidade continua, mas como uma unidade constituida pela inumeravel multidio delas. O mesmo raciocinio podemos aplicur ay outras espécies de corpos, sejam clas quatro, ou duas, ou trés, ou quantas forem (nfo determina por oray; sendo clas como que partes (se € que podem ser chuma das partes} do infinito, é nesessirio que sejam infinitas, segundo © volume que fesulta de tal multidio, Ora, nao € necessario concluir disso que o grave proceda pelo infinito abai xo. Mas como este grave procede em diregdo a scu proximo ¢ conatural corpo, assim cada um dos outros procede em diregie ao seu, Esta terra possui as partes que Ihe per- tencem: uguela outra terra possui as partes pertencentes a ela mesma, Da mesma forma. aquele sol possui aquelas partes que dele se difundem ¢ procuram voltir para ele: ¢. semelhantemente, outros corpos recolhem naturalmente suas priprias partes. Donde results que. sendo Finitos os termos as distincias entre os corpos, assim também os movimentos fesultans finitos: ¢ como ninguém parte da Grécia para ir ao infinito, mas para chegar a Italia. ou ao Egita, assim, quando parte da terra ou do sol se movimenta, niio se propde'a aleangar um termo infinito, may wm finito, um limite. Todavia, sendo o uiniverso infinito € tados os seus corpos transmuldveis, censeqiientemente, todos difun- dem sempre partes de si ¢ sempre a cles voltam, emitem algo proprio ¢ recalhem o que éalheio, Nao considero coisa absurda ou nao conveniente, pelo contritrio, muite possivel © natural, que existam transmutagdes finitas que podem afetar um sujeito; ¢ que parti culas de terra vaguciem pelo éter ¢ se aproximem, através do espago imenso, quer de um come quer-de outro, da mesma mancira que podemos ver as mesmas particulas mudar de lugar, de organizacie ¢ de forma, enguanto permanecem ainda perto de nds. Do que se conelui que. se esta terra é perpétua ¢ eterna, néo o € pela consisténcia das suas proprias partes ¢ das seus priprins individuos, mas pela vicissitude de outros que cla difunde ¢ de outros que Ihes sucedem no Lugar daqueles: de forma que, embora possuinde sempre a mesma alma ¢ a mesma inteligéncia, o corpo sempre muda ¢ se renova nas varias partes, © mesmo se verifica também nos animais, que subsistem por causa dos alimentos que récebem © dos exerementos que sempre eliminam, Pelo que aquele que raciocinar cuida dosamente concluira que os jovens nao possuem a mesma carne de quando eram crian gas, ¢ os velhos nio possuem aquela mesma carne de quando eram jovens; pois estamas continuaments em transmutagdo, a qual fax com que cheguem a ds continuamente novos dtomos c de nés partam aquels anteriormente acolhidos, Como em volta do SOBRE O INFINITO 35 esperma, acrescentando-se atemos a fiiemos pelo poder do intelevto geral ¢ da alma (por meio da fabricaglo, onde concorrem como matéria), forma se ¢ eresee 0 corpo, quande © influxo dos dtomos & maior que o defluxo: depois o mesmo corpo permanece numa determinada consisténcia quando o defluxo ¢ igual ao influxa, ¢ declina quando o defuse s¢ tormu maior que o influxo. Nao afirmo “infuxo™ e “defluxo” em sentido absoluto, mas © defluxo do convenieate nativo ¢ o indluxo do alheiv ¢ ndo-conveniente, que néo pode ser superade pelo debilitaco principio causado pelo defuxo, que é constante, quer num elemento vital. quer num elemento nio-vital, Para chegar. pois, 2o ponto da questiio, afir mo que por tal Vicissitude ndo & inconveniente, mas, pelo contrario, é bem razoavel atir- toni que as partes € 08 dtomos possuam curso ¢ movimento infinitos por causa das infini tas vicissitudes e transmutagies tanto de formas quanto de lugar. Inconveniente seria se. hum termo proxime ¢ determinado de transmutagio local, ou de alteragio, se encon trasse alguna coisa que Lendesse para o infinite, O que nic pode ser, atendendo que uma coisa nunca € movimentads por algo que se encontre em outro lugar, nem é espoliada de uma que nde seja investida de outra disposigdo, nem deixa um ser sem ter tomado outro ser; coisa que necessariamente resulta da-alteragito, que necessuriamente deriva da muta io local, De modo que 0 sujeito proximo ¢ formado no pode se movimentar a ndo ser finitamente. porque facilmente toma outra forma, se muda de lugar: O sujeito primario © sem forma se movimenta infinitamente, segundo 9 espaga e segundo 0 nimero de confi- ‘Suragdes; enquanto as partes da matéria se introduzem ou saem de um lugar para varios ‘Outros, seja em parte, seja no todo, ELeino — Compreendo muito bem. Acrescente por terceira razto que. “se considers semos 0 infinito como separado © niio junto, onde deveriam existir infinitos fogos parti- Culares ¢ individuais, embora pocendo cada um deles tornar-se depois finito. aconteceria que aquele fogo. que resulta de loos ox fogos individuals, deve ser infinjto”. Fitorea — Com isto eu ji concordei; ¢, para concluir isso, ele ndo precisava insistir sobre o fato de que dai no deriva inconvenientc algum. Porque, se 0 corpe vern separada ou dividido em partes localmente distintas, das quais uma pese cem. a outra mil, a outra dez, resultard que o conjunto todo pesa mil cente & dez. Mas isto se verificari com varios pesos separados no com um peso dnica, Ora, nem nds, nem o$ antigos, niio temos par inconveniente afirmar que em partes distintas se possa encontrar peso infinita: porque delas resulta logicamente um peso, ou aritmeticamente ou geometricamente. gue verdas deire ¢ nataralmente nao fazem um peso. como no fazem uma massa infinita, mas fazem massas infinitas & pesos finitos. Porque dizer, imaginar ¢ ser nao sdo a mesma coisa, mas coisas muito diferentes. Pais que disso nao se conelvi que exista um corpo infinita duma espécie. mas uma espécie de corpo em infinitos finitos; porém, nao existe peso infinito, nem infinitos pesos finitos, considerando que cxta infinitude nao é continua, mas purcelada, ¢ as partes se eneontram num infinito continuo. que & 0 espaga, 6 lugar ¢ adimensSo capaz de conté-las todas. Nao é. pois. inconveniente que existam infinitas partes graves, gue, porém, nig constituem um grave. como infinitus aguas aio fazem uma dgua infinita, nem infinitas partes-de terra nao fazem uma terra infinita: de maneira que existem infinitos corpos em multidio, os quais fisicamente no compdem um corpo de grandeza infinite. E isso faz uma grandissima diferenga; como podemos, por seme- thanga. ver no suleo de um bareo, que ¢ impulsionado per dez pessoas unidad ¢ nunca o seri por milhares de pessoas desunidas ¢ cada uma por sua conta. ELPING — Com o que voce afirma, fica reswlvide, mil vezes, tudo a que esta contido na quarta razdo, que afirma: “Se consideramos um corpo infinite, & necessario entendé-lo 36 BRUNO. infinito segundo todas as dimenses. Por conseguinte, nao pode em parte alguma existir qualquer coisa fora dele: portanto, nao ¢ possivel que num corpo infinite existam varios elementos dessemelhantes. sendo cada um infinito”. FiLoTeo — Tudo isso ¢ verdade ¢ nio nos contradiz, pois que temos tantas vezes afir- mado a existéncia de varios elementos dessemelhantes finitos num infinito jé exp! mos como. Seria, talvez, coma se alguém afirmasse « coexisténcia de varios corpos conti- nuos, como, por exemplo. acontece com a lama, onde sempre e em cada parte a Agua é continua 4 dgua ¢ a terra ¢ continua 4 terra: dai, pela insensivel participaco das mini- mas partes de terra ¢ das minimas partes de Agua, que formam o conjunto, nao paderao ser consideradas distintas nem continuas, mas um tinico continuo. que nao é 4aua nem terra, mas é lama. Assim, de moda idéntica, pode qualquer outro gostar de dizer que a agua nao & propriamente continuada pela agua, nem a terra ¢ continuada pela terra, mas a agua ¢ continuada pela terra © a terra pela agua, E pode igualmente haver um terceiro que, negando as duas posigSes anteriores, afirme ser a lama continuada pela lama. E, segundo ‘esas tazdes. o universo infinito pade ser considerado come um todo continue, no qual 9 Gter interposto entre corpos tao grandes ni Os separa mais do que na lama o ar inter posto entre as partes de agua ¢ de terra, diferinda somente pela pequenez, pela inferiori- dade ¢ pela insensibilidade das partes que cstéo na lama, cm contraposigiio i grandeza, superioridade ¢ sensibilidade das partes que existem no universo; do mesmo modo, os contrarios ¢ os diferentes méveis concorrem na constituigao de um imével continuo, em que os contrarios participam Aa constituigdéo de uma unidade ¢ pertencem a uma ordem ¢ finalmente cles sao uma unidade, Seria um inconveniente certo © impossivel admitir dois infinitos distintos um do outro; pois no teriamos a pessibilidade de imaginar onde um terming e comega 0 outra, ¢ onde ambos viesscm a terminar um por causa do outro, Ademais, dificilimo encontrar dois corpos finitos num extremo € infinitos no outro extremo, Evpino — Ele apresenta mais duas tazdes para provar que, por esse lado, niio existe infi- nito, “A primeira é que seria necessirio que quele fosse conveniente uma destas espécies de movimento local; que seria uma gravidade ou uma leveza infinitas, ou uma circulagde infinita; ¢ temos demonstrado como tudo isto é impossivel.”” FiLdreo — E nés temos esclarecido quanto esses discursos ¢ razdes so vos; ¢ que o infinita nao s¢ move no toda; que nfo é grave nem leve, tanto ele como qualquer outro Corpo, em seu lugar natural; nem tampouco as purtes separadas, quando estiverem afas- tadas para além dum certo limite, do proprio lugar. Portanto, 0 carpe infinita, segundo nossa opinido, niio € mével nem em poréncia nem em ato; ¢ ndo ¢ grave nem leve em poténcia ou em ato; ¢ no pode haver gravidade ou leveza infinitas, segundo os nossos prineipios ¢ 05 de outros, contra os quais ele edifice tio lindas teorias. ELpo — Por isso a segunda razio também & vi, porque inutilmente pergunta “se o infinito se move natural ou violentamente”, a quem nunca afirmou que ¢le se move, quer em poténcia, quer em ato, Depois, prova que niio existe corpo infinito, pelas razdes deri- vadas do movimento comum. Afirma. em suma, que o corpo infinito ndo pode ter influéncia sobre @ corpo finito. nem tampouco recebé-Ja deste; ¢ apresenta trés proposi bes a respeito, Primeira, que ~o infinito nao ¢ influenciada pelo finito”: porque cada movimento ¢, por conseqiiéncia, cuda paixdo existem no tempo, ¢ s¢ assim &, poder acontecer que um corpo de menor grandeza tenha uma paixio proporcional a ela: porém, SOBRE O INFINITO a7 assim como existe proporgdo entre o'agente finito ¢ © paciente finite, assim acontecerd entre o paciente finito ¢ o agente infinito. Isto pode ser verificado se colocarmes como corpe infinito A, ¢ como corpo finito B: e pois que tode 9 movimento se verifica no tempo. colocamos a tempo G, no qual A se movimenta ou é movimentado. Tomamos de- pois um carpo de grandeza menor, isto é, B,e a linha D seja agente em relagao a0 outro como (que seja H) completamente, no mesmo tempo G. Daqui poder-se-A verificar que existe proporgdo de D, agente menor, a B, agente maior, assim como existe proporgio entre © paciente finito H ea parte finita A, cuja parte seja AZ. Ora. quando mudarmos 2 praporgio do primeiro agente ao tereciro paciente, como h4 proporgic do segundo agente ao quarto paciente, verificar-se-4 uma proporgao entre D ¢ H, como ha proporgiio de B a AZ; B sera verdadciremente, no mesmo tempo G, agente perfeito entre caisa finite ¢ coisa infinita. isto é. em AZ, parte do infinito, e em A, infinito. Isto € impossivel; por- quanto 0 corpa infinita nfo pode ser nem paciente nem agente, porque dois pacientes iguais sofrem igualmente, no mesmo tempo, do mesmo agente, ¢ 0 paciente menor sofre do mesmo agente em tempo menor, ¢ 0 paciente maior, em tempo maior. Além disso, quando existem agentes diversos em tempo igual, ¢ se efetua a ago deles, vird a se for- mar uma propor¢io entre agente ¢ agente, da mesma forma que existe proporedo entre paciente ¢ paciente. Ainda, cada agente opera scbre o paciente em tempo finito (estou me referindo aquele agente que completa a sua agao. no Aquele cujo movimento sejt conti- nuo, como 36.0 movimento de translago pode ser), porque ¢ impossivel que exista agao finita em tempo infinito. Bis, portanto. esclarecide em primeira lugar como o figito nao pode exercer sobre o infinite agao que tenha fim. G tempo A paciente infinito B agente finito maior A {parte do infinito) Z H paciente finito D agente finito menor Segundo, demonstramas, da mesma forma, que o “infinito nfo pode ser agente de coisa finita”. Seja o agente infinito A, ¢ o paciente finito B, ¢ suponhamos que A, infinite, € agente em B, finito, no tempo G. Depois. seja o corpo finito D, agente na parte B, isto 6, BZ, finito, no mesmo tempo G, Certamente verificaremos uma proporgio entre o paciente BZ e tode 0 paciente B, da mesma forma que existe proporcae entre o agente D 20 Outro agente finite, H; ¢ mudando-se também a proposigdo entre D agente ¢ BZ paciente, verifiear-se fi a mesma proporgao de H agente a todo o B. Por conseqiléncia, B ser movide por H, no mesme tempo em que BZ é movido por D, isto 6, no tempo G_ no tempo em que B € movido pelo agente infinite A; coisa essx impossivel. E tal impossibilidade resulta daquilo que temos apresentado, ist & que, se uma coisa infinita operar em tempo finito, torna-se necessirio que # ago nao se verifi que no tempo, porque entre @ finito ¢ © infinito nao existe aroporgao. Loga, colocandy dois agentes diversos que exergam a mesma agao no mesmo paciente, necessariamente & agio deles se verificard em dois tempos diversos. ¢ formar-sedt uma proporgiio entre tempo ¢ tempo, camo entre um agente ¢ outro agente, Mas se colocarmos dois agentes, dos quais um é infinite © outro finito. proporcionando uma mesma agdo a um mesmo 38 BRUNO paciente: sera necessario afirmar uma dessas duas coisas: ou que a agdo do infinito se verifiea num instante, ou que # agao do agente finito se da num tempo infinita. Ambos os casas sin impossivels. G tempo A agente infinito H agente finito B _ paciente finito D agente finite B (parte do paciente finito) Terceiro, aparsee claraments que o “corpo infinito no pode operar em compo ialini to". Porque. como ficou dito na Auscultacdo jfsica, & impossivel que a agio ou paixdo fique sem finalizaga ando assim demonsirade que nunes se pode Snalizar oma aghe do infinite sobre autro infinite, sere possivel concluir que entre eles nio pode existir agio, Ponhamos. entio, dois infinitos. dos quais um seja B, que é pnciente de A, em tempo finito G, porque a agdo finita necessariamente se verifiea em tempo finite. Supo- shames depois que a parte do paciente BD sofre a agio de A; certamente fiearé mani- festo que a paixao deste vern a ser em tempo menor que o tempo G; ¢ representemos essa parte por Z. Haveré, pois, propereao entre o tempo Z € o tempo G, assim como ha pro- porglo entre BD, parte do paciente infinito, ¢ a parte maior do infinito, isto ¢, Bye que ‘essa parte seja represeatada por BDH, que é paciente de-A no tempo infinite G: que, no mesmo tempo, jé agia sobre todo o infisito By © que € fulso, pois & impossivel cxistirem dois pacientes. um infinito ¢ outro finite, que suportem a agdo do mesmo agente, pela mesma ago. no mesmo tempo, sendo o eficiente finito, ow, como tinhamos suposto. infinito. G z A agente infinite paciente infinito B D H Proto — Tudo o que Arisiiteles afirmou quero que resulte verdudeiro, quando for bem uplicado ¢ quando chegar a conclusies aceitaveis: mas, como ja afirmamos, nio existe fldsafo que tena falndo-do infinite de forma a gerar tais inconvenientes. Tadavi no pata responder agutlo que ele afirma; visto nfo contradizer aquiio que nbs aflrma mos, mas unicamente para contemplar a importincia de suas opinides, examinemos sus maneira de raciocinar. Primeirs, em sua especulago, ele procede por fundamentos que nao sie natura querendo juntar todas as partes do infinite, sendo que 0 infinito ndo pode possuir parte fem podémos afirmar que tal parte ¢ infinita, pois isto implicaria uma contradigo: que existe, no infinito, parte maior ¢ parte menor e parte que possua maior ou menor propor. G0 em relagzo a ele. Porque nao ¢ possive! aproximar-se mais Go infinito pracedendo de com em vem que de trés em ts, porque o mimere infinito consta tanto de infinitos trés como de infinitos cem. A dimensio infinita nao tem menos infinitas pés que infinites SOBRE O INFINITO. 9 milhas; por isso, quando qucremos falar sobre as partes da dimensio infinita, nao dize mos cem milhas, mil parassangas; porque todas elas podem apenas ser designadas como partes do finite, ¢ nm verdade sto apenas partes do finito ¢ somente a cle podem ser todas proporcionais, e no podem ¢ nao devem ser consideradas partes daquilo em relagaio ae qual nfo t8m praporgao. Assim, mil anus ndo sio parte da cternidade porque nao tém proporgao em relagao ao todo, mas sdo partes de alguma medida de tempo. como de dez mil anos. de cem mil séeulos ELpino — Faga-me campreender entia: quais julga ser as partes da duragao infinita’? FiLoTEo — As partes proporcionais da duragiio tim proporgao na duragao ¢ no tempo. may nao na durago infinita eno tempo infinita, porque nele o tempo maximo, isto é a maior parte proporcional da duragao, torna-se equivaleate a minima, considerando que nao sio maiores os infinitos séculos que ax infinitas horas. Afirmo que na infinita dura go. isto é, na eternidade, no so mais as horas que os séculos, de mancira que toda a coisa que se considerar como parte do infinita, enquanto é parte do infinite, & infinita quer na infinita duragio, quer no volume infinito. Por esta doutrina pode-se pereeber quanto Aristételes & circunspecto em suas suposigées, quando examina as partes finitas do infinito, ¢ quanta seja a forga das razdes de alguns tdlogos, quando da cternidade do tempo querem inferir o inconveniente de tantos infinites, uns maiores que os outros. quantas podem ser ss espécies de niimero. Por esta teoria, afirmo, voee tem & pas dade de Sair de inimeros labirintos. ELoINo — Especialmente daquele que diz respeito a nossa especulagao sobre os infinitos s infinitas milhas, que viriam a formar um infinito menor ¢ um infinito maior. na imensidiio do universo. Agora, continuc. FiLorro — Segundo, Aristoteles no procede demonsirativamente em suas dedugdes. Porque do presstiposto de que o universe & infinite © que nele (nao digo dele. porque uma Coisa € dizer partes no infinito ¢ outra coisa ¢ dizer partes do infinito) existem infinitas partes. possuindo todas as agdes € paixdes, por conseqdéncia transmutagdes entee si, quer inferir: ou que @ infinite exerga ago no finito ou sofra do finite, ou que o infinite exergal agiio no infinito ¢ que este sofra ¢ seja transformada por aquele, Est ov atir mamos nés, ndo vale fisicamente, se bem que logicamente corresponda fi verdade: consi- derando que, embora calculando pela ruziio, encontramos infinitas partes que sao ativas. ¢ infinitas que so passivas, podendo ser consideradas umas © contririo das outras. Na natureza — por estas partes estarem desunidas, separadas ¢ divididay por limites par culares, como podemos notur — elas no nos abrigam nem nos induzem # sfirmar que © infinito seja agente ou paciente, mas que no infinito iniimeras partes finitas possuem acho ou paixio. Pocemos conceder, entiio. no que © infinite seja movel e aherivel. mas que nele existam infinitos elementos maveis e alterdveis: niio que 0 finito safra do infinite. segun- do « infinitude fisica © natural, mas segundo 4 infinitude que procedé de uma agregagiio Wgien ¢ racional, que soma todos os graves num grave, mesmo que todos oy graves niio sejam um grave. Pois o infinito permanecendo completamente imével, inaltaravel, incor- ruptivel, nele podem existir, ¢ existem, movimentos ¢ alteragdes indmeras ¢ infinitos, per feitos © compleros, Acresee ae que temes exposto que, dade que existam dois eorpos infi- nitos de um lado ¢ que do outre lado verham a terminar um no outro, contudo, nio rosultaré disso o que Aristétcles pensa segue necessarinmente, isto & que a ughe ea pai xA0 seriam infinitas. Considerando que, se destes dois carpas um age sobre o outro, nid sera agente segundo toda a sua dimensio ¢ grandeza. porque nao esté pera. prixima, 40 BRUNO junta © continuo ao outro completamente. e-segundo todas as partes dela. Suponhamos. por exemplo, que existem dois corpos infinitos A ¢ B, os quais sejam continuados ou con- jugados simuitancamente na linha ou superficie FG. Com certeza, nao virdo a influir um contra o outro segunda toda a sua capacidade. porque ndo estio préximos um do outro em todas as suas partes, visto que a contigiidade nao pode existir a ndo ser num certo li- mite finito. E ainda acrescento mais que, apesar de supormas que aquela superficie ou linha possi ser infinita, no se seguird, por isso, que os corpas, continuados nela, causem aga ¢ paixao infinitas. porque nto so intensas, mas extensas, como as partes sio exten- sas, Dai resulta que em parte alzuma o infinite opera segundo toda a sua eficiéncia, mas de modo extensivo, parte por parte, discrata e separadamente. 1 1) F {A M 20 2] @ |p \ B 30 3 ec o 40 4 G Dd ° Por exempio, a3 partes de dois corpos contrarios, que podem alterar-s um com outro. sia as vizinhas. como Ae 1. Be 2.C 3, De 4; e assim infinitamente. Por isso funea s¢ poderd yerificar uma agao intensivamente infinita, porque as partes. daqueles dois corpos nao padem watrer alteragia para além de uma certa ¢ determinada distiincia: edai, Me 10. N ¢ 20.0 30, P ¢ 40 nao tém possibilidade de se alterarem uns aos outros, is, partanto, como pastos dois corpos infinitos, ndo poderin seguir agdo infinita. Fu afirmo ainda que, apesar de se suport ¢ de se conceder que estes dois corpos infi nits poxsam ter uma ago reciproce intensivamente e relacionar se um com @ outta segundo toda a sua capacidsile, ndo se concluira daf qualquer efeito de aglio nem ve pai x40 alguma entre eles. pofs que Lao forte & aquele que repele e resiste quanto agucle que impele ¢ insiste, E dai niio deriva alteragiio alguma, Bis, entao, como de dois infinitos Contrapos tos, Ou result uma alteragiig finita, ou ndo resulta nada, de fato, ELeo — Ora, o que dira vood em relagdo 4 hipdtese de um corpo contrazio & autro infi- nito. somo se a terre Fosse UM Corpo frio € 0 céU fosse o foRo, ¢ Codos Os astros Foxsem fogos. ¢ 0 eu imenso ¢ 08 axtvos inumeraveis? Acho que dai resultaria aquilo que Arist6- teles dedur. isto & que o finite seria absorvido pelo infinite? Fiomy — Certo que nav, come se pode inferir duguile que temos afirmado, Porque, sendo a eficiéncia corpérea dilatada pela dimensio de eurpo infinita, nao viria a ser efl- ciente contra © Ginito, com vigor ¢ poder infinitos, mas com aquile que pode difundir das partes finilay ¢ afustadas segundo determinadu distineia: ama vez que ¢ impossivel que opere segundo todas as partes, mas somente segundo as mais proximas, Como podemos perceber nu demonstragiio precedente; pressupande serem A ef dois corpos infinitos que ndo siv aptes a se transmutaren reciprocamente, 4 io ser através day partes que se enconiram nas distfncias entre 10. 20, 30, 40.¢ M. N.O. Pie, porlanto. nacla concorre para fazer maior & Mais vigerasa a aga. embora o corpo B corra € cresga infinitamente, ¢ 0 corpo A permanega finito. Fis como, de dois contrarios opostos. sempre resulta agdo finita ¢ ukeragdo finite, tanto suponde um deles infinito e © Outro finite come suponde ambos infiaitos. ELPino — Vocé me deixou muito salisteito, de maneira que me parece supérflue apresentar aquelas outras razdes grosseiras, com as quais protende demunstrar que além do céu nito existe corpo infinite, como aguela que elirma: “Cada corpo que existe num SOBRE O INFINITO 41 tugar & sensivel. mas além do céu nao existe corpo sensivel: portanta, ai njo existe Tugar™. Ou. entio. assim: “Cada corpo sensivel existe num lugar; além do céu nao existe lugar; logo, af nig existe corpo. Alias nde existe o além do céu, porque além significa Giferenca entre lugares sensiveis, no corpo espiritual ¢ inteligivel, pois alguém poderia dizer: se é-sensivel, é finito”. Frroreo — Eu acredito e entendo que muito além daquele limite imaginario do céu sem pre cxista uma regio etérea, e corpos mundanas, astros, terras, wis, todos absoluta- mente sensiveis em relagdo a si mesmos. ¢ para aqueles que estdo dentro ou perto deles, apesar de nao serem sensiveis para nés, por causa de seu afastamento ¢ distincia. Entre tanto, considere-se que fundamento apresenta cle. para que, do fato de ndo existirem cor pos sensiveis além da circunferéncia imagindria, pretende que no exista corpo algum: por isso ele se negau a accitar a existéncia de outro corpo, a no ser n oitava esfera. para além da qual os astrélogos de seu tempo nfo admitiam a existéncia de outro eéu. E por- que referiram sempre a rotago aparente do mundo ¢m toro da terra a unt primeiro mivel acima de todos 0s outros, estabeleceram tais fundamentos. que tem andado acres- centando sem fim, indefinidamente, esfera sobre esfera, c tém encontrado outras sem estrelas. e. por conseqtiéncia, sem corpas sensiveis. Enquanto as suposigdes astrolégicas e as fantasias condenam esse raciocinio, muito mais condenado & por aqueles que melhor compreendem terem os carpos quie se dizem pertencer ao oitavo céu tanta distingao entre si, por estarem-a maior ou menor distancia da superficie da terra. como os outros sete céus. porque a razio de sua eqilidistancia depende sé da falsissima suposigao da Fixidez da terra; contra o que brada toda.a nature- za, clama toda a razdo ¢ sentencia todo intelecto reto ¢ bem informado. Pois, seja como for, tem-se afirmado, contra todas as razdes, que o univers acaba ¢ termina onde finda @ experiéncia dos nossos sentidas; porque a sensibilidade é a causa da inferéncia que os comes existem, mas negar a sensibilidade, o que pode ocorrer por uma deficiéncia da capacidade sensitive ¢ nil por defeito dos objetos sensiveis, ndo ¢ absolutamente sufi cliente para fazer-nos suspeitar a nao-existéncia dos corpos. Porque. se a verdade depen- desse de tal sensibilidade, os corpos seriam tais que pareceriam muito proximos ¢ aderen- tes uns aos outros, Mas nos considcramos que tal estrela que parece menor no firmamento, ¢ se diz de quarta ¢ quinta grandeza, seri muito maior do que outra que se Glassifique de segunda grandeza ou de primeira; em cujo juizo se engana o sentido, que nao esta apto a conheoer a razio da distancia maior; € nés, que por isso tinhamos eonhe- cido © movimento da terra, sabemos que aqueles mundos no possuem cal eqilidistiinein em relagio ao nosso, ¢ que ndo estio, portante, como que num outro edu. ELpiso — Voce quer dizer que eles nao estio como que encaixados numa mesma cupu- la, idéia tio banal que s6 as criangas a podem imaginar, podendo, as vezes, ser levadas a acreditar que se ndo cstivessem bem grudados 4 abSbada celeste com uma baa cola, ou pregados como étimos pregcs, cairiam em cima de nis coma o graniza produzido pelo ar que esti mais perto de nds, Quer dizer que aquelas outras tantas terras € outros tantos carpos bem espagasos ocupam os seus lugares no eéu ¢ possuem suas proprias distancias no campo etéreo, da mesma forma yue esta terra, que, com a sua revolugde, provoca a ilusde de que todos simultancamente, camo que encadeados, giram ao redor dela, ‘Quer dizer que néo ¢ necessario aceitar corpo espiritual fora da oilava ou nona esfe Fa, mas que este mesmo ar que contém a terra, « lua, © sol, assim vai se amplificando infi nitamente para conter outros astros infinitos © grandes seres animados; ¢ este ar vem a set lugar-comum ¢ universal, um reeaco infinitamente espagoso. que envalve todo o uni- verso infinite da mesma forma que contém este espago sensivel para nds por cuusa de a2 BRUNO. tantas ¢ Go numerosas esttelas brilhantes, Quer voce demonstrar que no é 0 ar ¢ este compe continente que se move eircularmente, au gue leva consigo as ustres, como 4 terra, a lua € outros. mas que eles se movem por sua propria aptidin particular através de seus prdpriog expagos, possuinds todos cles seus movimentos particulares, que se efetuam além do movimento do mundo. o qual se manifesta por causa do movimento da terra, € ulros ainda, que parecem comuns x todos os outros astros. como se estivessem encalxa- dos num corpo mével: ¢ esta aparéncia ¢ provocada pela diversidade dos movimentos deste ayire onde moramos. cuja movimento nos ¢ insensivel. Julga, por consegiiéncia, que 6 ar @ as partes colocadas na regiao etérea nid possuem movimento sendo de redu- gio ¢ amplificagia, nesessdrio para o percurso desies corpos sblidos através do espago. enquanto, uns giram em tomo dos outros, porquanto & mister que este corpo. espiriual encha tudo. FitoTo — E verdade, Acrescento, além disso, que este infinite ¢ imenso elemento é um animal, se bem que nao tenha figura determinada e sentido que se refira. a coisas exterio res; porque ele contém em si toda a alma, compreende todo o elemento animado ¢ confunde-s¢ completamente com ele, Afirmo ainda que ndio segue dagui incoaveniente alyum. como aquele de admitir dois infinitos: porque, sendo 0 mundo corpo animado. tem em si infinito poder motor ¢ é. disorstamente, sujeito infinito de mobilidade, como temos demonsirado: porque 0 todo continto ¢ imdvel, tanto em ¢elagio ao movimento circular. que € em torno do meio, quants em relagaio a0 movimento retilineo, que parte do meio ov tende pars o meio. niio possuindo meio nem extremo. Afirmamos, além disso, que 0 movimento de um corpo grave ou de um corpo leve nao 93 ¢ conveniente ao corpo infinito mas também a um corpo inteiro © perfeito que nele evista. ¢ a alguma parte de qualquer um desses que esteja ne seu lugar priprio e poze de sua natural disposigao, E tomo a dizer que nada € urave ou leve em sentido absolute. mas relativa: isto & em relagao ao lugar para o qual as partes difusas e esparsas conver em ¢ se agregam. F_ por hoje. parece-me sufieiente haver especulado sobre o infinito volume do uni- verso, Amanhd espera-los-ei para esclarecimentos sobre a infinitude dos mundos que nele existe, como voces esto querendo. Burino — Bu, se bem que por esta doutrina julgue haversme tornudo apto a entender a ‘outra, voltarei, todavia, na esperanga de ouvir outras coisas especiais ¢ importantes, FracasToxio — Fu vitei apenas como ouvinte, Buizquio — Eu também virei; como, pouco a pauco e sempre mais. vou conseguinde entendé-los, assim devagar, chego a considerar verossimil, e talve até verdadeira, aquilo que wozés afirmam, DIALOGO TERCEIRO Interlocutores ELPINO, FILOTEO, FRACASTORIO EF BURQUIO FILorko — E, pois, um $6 6 cbu, um 0 espago imenso, uma a abobada, um o continente universal, uma a regido etérca pela qual tudo passa ¢ tudo se movimenia. Ai podem ser ‘observados sensivelmente inimeras estrelas, astras, globos, sdis ¢ terras ¢, com razao, chega-se 2 eonjeturar que sao infinitos. O universo imenso ¢ infinite ¢ © composto que resulta de tal éspago v de tantos corpos nele contidos. ELpINo — Tanto que nao existem esferas de superficie concava ¢ convexa, nem os dife- rentes orbes: mas tudo ¢ um s6 campo, wwlo ¢ um receplaculo geral, FILoTrO — Exatamente. Fimivo — © que levou, portanto, a imaginar oy diversos o€us forum os diversos movi ments astrais, porque se via um céu repleto de estrelas.girar em volta da terea. sem que fosse possivel, de modo algum, perceber uma daquelas luzes afastar-se da outra, mas, mantendo sempre & mesma distincia ¢ relagdo, juntamente com uma certs ordem. evolui- Fem em torno da terra & mancira de uma rod, em cujos afos estivessem pregados iniime- ros espelhos. ¢ que girasse em torno do proprio eixo. Julpa-se. entio. muito evidente, devide ao sentido da vista, que aqucles corpos lumino: S05 nao possuem movimento proprio, pelo qual passam deslocar-se fo ur. como as ave: mas. pela revolugio dos mundos, em que estio fixos, revolugio esta producida pelo impulso divino de alguma intcligéne! Fietro — Assim comumente se eré: mas esta fantasia — uma vez que seja compreen: dido © movimento deste mundo onde moramos, a qual, sem estar afixado em qualquer outro mundo, se movimenta através do espacoso campo geral pelo principio intrinseco, por sua-alma ¢ natureza proprias, gira ao redor do sol c se volta em torna do proprio cen tro — deverit desaparecer; assim ficard livre 0 caminho da inteligéncia para os verd: deiros principios da naturcea e a passos largos poderemas percarrer o caminho da verd de. Verdade que, escondida sob os véus de tio sordidas © ignorantes fantasing, permaneceu até 0 presente oculta pela injiria do tempo c pelas vicissitudes das circuns- tancias, depois que & luz dos antigos sabiog sucedeu a treva dos temerdrios sofistas. Nao esta parado, masse move e gira Tudo quanta no cét ¢ sob 0 céu podemos ver. 44 BRUNO Cada coisa se move, 46 veres para o alto, as vezes para baixo, em tempo longo ou breve. seja ele pesado, seja eve, E pode ser que tudo se movimente com o mesmo passo para o mesmo lugar. E tudo se movimenta até chegar ao ponto que Ihe compete. ‘Tanto gira na agua uma béia que uma mesma parte se vé ora virada para cima ora virada pura baixo, ¢ a mesma agitagao ‘0 mesmo destino impde.a tudo. ELPINO — Certamente, nao hi divide alguma de que todas aquelas Fantasias sobre ax estrelas, os lumes, os eixos. a derivacdo de um mundo do outro, os epiciclos, e muitas ou- tras crengas. nao se originam de algum outro principio a no ser da pura imaginagiio, que nos di a ilusiio de sera nossa terra o centro do universo, € que, estando $6 ela fixa ¢ imovel, tudo o mais se move no redor deia. Fioreo — O mesmo fenémeno aparece aqueles que moram na lua ¢ nos outros astros, que existem neste mesmo espago, isto é, as varias terras ou sdis, ELPINO — Supondo entao, por enquanto, que seja a terra, com seu movimento, que origi- ne essa. aparéncia de movimento diurno ¢ mundano. ¢ com as varias diferengas de tal movimento provoque todos os outros movimentos que parecem igualmente convir a ini- meras estrelas, nés deverfamos admitir que a lua (que 6 uma outra terra) se movimenta por si prépria no ar ¢ ao redor do sol. Da mesma forma Vénus, Mercirio € os outros astros, que também sido outras terras, realizam os seus préprios percursos em torno da mesma fonte de vida, Forno — Assim 4 ELpino — Movimentos priprios de cada um so aqueles que podem ser notados, além desse movimento, chamado mundano. ¢ proprios daquelas estrelas, chamadas fixas {ambos 98 movimentos hao de ser refcridos & terra); c tais movimentos sao mais que as muitas diferengas, tantos quantos so as corpos; assim que jamais aconteceré que dois astros alcancem 9 mesmo ponto e a mesma ordem ou medida de movimento, se puder- mos perceber movimento em todos aqueles que a n6s no mostram variagao alguma, de- vido & enorme distincia a que esto de nds. Embora eles completem os seus giras ao redor do fogo solar ¢ embera cles evoluam em torno dos proprios centros, pela participagao do ealor vital, os diversos movimentos de sua aproximagdo e de seu afastamento no podem ser percebidos por nés, Frioteo — Justo. Ecpino — Existem, pois, indimeros sis 4 volta daqueles vizinho. FiLoreo — Exato, Eurixo — Como, enti, nlio conseguimos perceber 6 movimento em torno de outros lumes, que sito considerados sdis. daqueles outras lumes que silo considerados terras, ¢ nao podemas, além deles, compreender movimenta algum, enquante todas os outros cor- pos mundanos (com cxecgdio daqueles que sdo chamados cometas) podem set perechidos sempre na mesma disposigio ¢ Fioree — A razio é que nds podemas ver o sdis gue so os maiores, antes grandis: simos corpos, mas niio podemos perceber as terras, as quais, por serem carpos muito :xistem terras infinitas, as quais se movimentam . como percebemas estes sete girarem ao redor deste sol que nos é SOBRE O INFINITO 45 menores, slo invisiveis; da mesma forma que nd se ope 4 racdo a exist2ncia de outeas terras, mesmo que clas s¢ movimentem ao redor deste sol. ¢ nao se manifestem a nds, seja por causa da maior distincia, seja per causa do menor volume: quer por niio possuirem muita superficie de agua, quer por nao passuirem tal superficie valtada para nds € oposta aq sol, por meio da qual. como num limpido espelho que recebe os raios solares. se tor- nam visiveis, Nao resulta, pois, ser cois# extranrdingria, nem contraria A natureza, poder ouvir, nao raras vezes, que a sol vert a ser eclipsado de alguma forma. sem que entre ele ¢ a fossa vista se tivesse interposto a lua ‘Além dos visiveis podem existir também indimeros lumes aquosos (isto & terras gue possuam, em parte, agua), que giram em torno do sol; mas a diversidade de suns rotagdes nav pode ser percebida por causa da enorme distancia. Dai, naquele movimento lentis simo que pode ser pereehido nos corpos visivels sobre ou alm de Saturno, nao se perce bem variagdes de movimento de uns e de outros. nem se percebe o tipo de movimento de todos em tomo do meio, quer soloquemos a terra como ponto central, quer 0 sol. Expino — Como vocé queria que todas eles, conguanta muito distantes do meio, isto & do sol, pudessem razcavelmente participar do calor vital daquele’ FILOTEO — Por ist que, quanto mais afastados eles se encontrarem, tanto maior circulo eles percorrem: quanto maior circunferéncia eles produzirem, tanto mais demoradamente eles se movimentam ao redor do sol; quanto mais vagarosos cles forem, tanto mais resis- tem aos quentissimos ¢ abrasadores rains do so). Eteino — Vocd queria, entdo, que aqueles corpos, apesar de se encontrarem tio longe do sel. possam, contudo, receber tanto calor quanto Ihes baste. porque girando mais ‘velozmente ao redor do proprie centro, ¢ mais lentamente em torno do sol, pederiam néo somente participar de tanto calor mas de mais ainda, se lhes fosse necessirin; vista que, pelo movimento mais rapide ao redor do préprio centro, a mesma parte do convexo da terra que no foi suficientemente aquecida mais depressa torna a se restaurar, ¢. pelo movimento mais lento em torno do meio incandescente € por estar mais submetida a agao daquele, vem a receber com mais vigor os raios quentes? Finorco — Assim é. ELPINO — Vocé quer, portanto, que os astros que se encontram para além de Saturno, se siio verdadeiramente imoveis, come parecem, venham a ser os inumeraveis sois ou fogos mais ou menos perceptiveis para nds, ao redor des quais se movimentam as terras pros mas, ndo perceptivels para né: Fiore — Precisariamos afirmar isto, atendendo que das a3 terras so dignas de ter a mesma organizagao ¢ a mesma todos os sis também, Evpiso — Julga, por isso, que todos cles sojam séis? Finorrd — Nao, porque nao sei se todos, ou # maior parte, sdo imdveis, ou se alguns deles giram ao redor dos outros, pois nao existe quem tenha observade isto, nem ¢ coisa facil de ser observada. Como nao se percebe facilmente o movimento ¢ o progresso de uma coisn distanye, que, por estar muito longe, com dificuldade se vé sua mudanga de lugar, tal como acontece com os navios em alto mar. Mas, de qualquer forma, sendo a universo infinito, & afinal, necessirio que existam mais sdis; pois € impossivel que o calor e a luz de um elemento particular possam difun: dir-se na imensidao. como imaginou Epicuro, se & verdade aquilo que os outros contam. Por isso se Lorna necessario também que existam inumerdveis sis, muitos dos quais sao visiveis a a6s sob a forma de pequenos corpos; mas um destes astros que aparece bem menor podera ser muito maior do que outro que parece ser o maximo. Exrino — Pelo menos s¢ deve julgar tudo isso passivel ¢ conveniente. af BRUNO Fiore — Ao redor daqueles padem movimentar-se terras muito malores ou menores gue 4 nossa terra. ELpivo — Como poderei me certificar da diferenga’? Qucro dizer, como conseguirei dis tinguir as estrelas das terras? Firorro — Pelo fato de as estrelas serem fixas ¢ as terras moveis, as éstrelas cintilam ¢ as terras nd. Destes sinais. o segundo & mais scnsivel que o primeira, Eveivo — Dizem gue a cintila¢ao aparente é originada pela distancia deles em relagic ands. Friotre — Se a mais que todos, eos astros menores, que se encontram mais afastadas, cintilariam mais que os maiores, que extdo mais praximos. E.aivo — Pensa que os mundos igneos sejam também habitados, assim como os mun dos aquesos? FitoTeo — Nem mais nem menos. ELPINO — Mas que animais podem viver no fogo" FiLoreo — Nao imagine gue eles sejam corpos com partes semelhantes, porque nao se iam mundos, mas massus vazia5. vis ¢ estéreis. Contudo, € conveniente ¢ natural que possuam diversidade nas partes. como a nossa & utras tetras postuem diversidade nos proprios membros; se bem que estes sejam sensiveis camo Aguas iluminadas ¢ aqueles como chamas luminosas. Fioivo — Voce acredita que, em relagio & consisténeia ¢ solidez, a matéria proxima éo sol seja a mesma que a matéria proxima da terra? (Porque sei que voeé nfo duvicta existir ‘uma Gnica matéria primordial para tudo.) FuoTKo — Certo. Assim 0 entendeu Timeu, confirmou-o Plato, todos os verdadeiros Filésafos 0 reconheceram mas poucos o explicaram, njio se encontrando nenhum, no nosso tempo, que o tenha entendido perfeitamente. Pelo contrario, muitos de mil mane ras the dificultam a compreensio. O que se verificou pela corrupgaa do habito mental ¢ defeito de principios. Evpiny — Embora nio tivesse talvez chegado a esta forma de raciocinio, parece haver ela se aproximado A Douta gnordncia do Cusano? quando, falando das condigdes da terra. afirma: “Nao deveis considerar que, por causa du obscuridade ¢ da cor negra, possamos argumentar que 0 corpo terreno seja vil e mais igndbil que todos os outros: porque, se nés habitéssemas 9 sol, nao veriamos aquela claridade que percebemos nele enquanto permanecemos nesta regio que Ihe est’ ao redar, Além do que, se agora nds 0 olhis semos cuidadosamente, descobririamos que se encontra no seu meio, mais ou menos, uma terra. ou talvez como que um corpe tmido ¢ nebuloso, donde, como de um circulo circunferencial, difunde clara e brilhante luz, Daf, tanto ele como a terra vem a ser com postas dos mesmes elementos”. Foro — Até aqui esti perfeitamente certo: mas prostiga, relatando © que ele acrescenta. Expo — Pelo que acrescenta, pode-se entender que esta terra seje outro sol, ¢ que todos os astros sejam, igualmente, sbis. Diz ele: “Se alguém se transportasse para além da regifio do fogo, essa terra the parcceria por meio de fogo uma cstrela brithante na circunferéncia de sua regiao; da mesma forma que a nds, que nos encontramos na circunteréncia da regiao solar, o sal aparece brilhan- Ussimo; ¢ a lua no aparece igualmente luminosa porque pode ser que nds estcjamos. em p flosse, » sal mfio cintilay * F uss deste periods colocar termos contraditirius nos titulod das obras para reaigar mais um eu outro dos duis termas, (N. doT,)

Você também pode gostar